O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

terça-feira, 10 de abril de 2007

719) Argentina: diplomacia sui-generis

Kirchner privilegia Chávez e isola a Argentina do mundo
Janes Rocha
Valor Econômico, 10/04/2007

O primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper, está planejando uma viagem pela América Latina para a metade deste ano. Será sua primeira visita oficial à região desde que foi assumiu, em janeiro passado. A agenda inclui passagens pelo Brasil, Chile, Uruguai, Colômbia e México. Ainda não está confirmado oficialmente, mas a chancelaria do Canadá cogita também uma rápida passagem pelo Haiti, segundo informou o jornal canadense "Globe and Mail". Se confirmado esse roteiro, Harper será mais um dos líderes de países industrializados a deixar a Argentina fora de seu roteiro.

Este ano já visitaram a América do Sul o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, o primeiro ministro italiano, Romano Prodi, e o presidente alemão, Horst Köhler. Nenhum deles passou por Buenos Aires. O caso de Prodi surpreende, pois a Argentina, com uma das maiores comunidades italianas no mundo, tem até um senador no Parlamento italiano.

Em 2006, o presidente francês, Jacques Chirac, visitou o Brasil e também evitou a Argentina.

O único chefe de Estado a visitar a Argentina em 2007 foi o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, também o único a receber a visita do presidente argentino Nestor Kirchner recentemente. A agenda de Chávez, porém, não se destacou por assuntos bilaterais, mas pelo espetáculo financiado por seu governo no Estádio Ferrocarril, a manifestação contra a visita de Bush ao Uruguai, no mesmo dia e hora.

"Há um crescente isolamento da Argentina do sistema internacional", constata o analista de relações internacionais Jorge Castro, diretor do Instituto de Planejamento Estratégico (IPE). Para ele, esse isolamento tem a ver com a falta de um posicionamento claro frente ao exterior por parte do governo Kirchner, que sempre subordinou as decisões em matéria de política externa às necessidades da política interna.

"É isso que faz com que a Argentina mantenha um conflito de envergadura com o Uruguai [por causa da construção de uma fábrica de papel às margens do rio que separa os dois países] e também com o governo do Chile [devido à suspensão das exportações de gás]. Houve agora um agravamento do conflito com o Reino Unido pelo tema das ilhas Malvinas, algo também vinculado a uma situação de política doméstica, que é o aniversário de 25 anos da guerra", afirmou Castro.

O presidente Kirchner vem demonstrando, em seus quatro anos de mandato, que o mundo fora da Argentina lhe interessa muito pouco. Ele fez 26 viagens ao exterior desde que assumiu seu mandato, comparado ao dobro realizado pelo presidente Lula, por exemplo. E recebeu apenas cinco chefes de Estado nestes quatro anos, enquanto o presidente Lula recebeu 23.

Ficou famosa a sua desfeita ao presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, em 2005. Às vésperas de uma visita oficial de Mbeki à região, Kirchner mandou avisar que não poderia recebê-lo, obrigando-o a prolongar sua estadia no Brasil e no Chile.

O único país com o qual a Argentina mantém uma intensa relação é a Venezuela. É inegável que o presidente Hugo Chavez tem dado à Argentina um importante apoio. Obrigou o Tesouro venezuelano a comprar mais de US$ 3,6 bilhões em títulos argentinos, rejeitados no mercado internacional devido à renegociação da dívida externa de 2005.

Além disso, ajudou Kirchner com sua política de apoio a empresas argentinas, oferecendo US$ 135 milhões em empréstimos à cooperativa leiteira SanCor para que pudesse recusar uma oferta de compra do investidor George Soros. Isso sem contar acordos estratégicos na área de petróleo, gás, soja e maquinário agrícola.

Um relatório produzido pela pesquisadora Milagros López Belsué, do Centro de Estudos Nueva Mayoría, mostra que, de 2003 até agora, do total de tratados assinados pelo governo argentino com outros países, a maior quantidade (13%), proporcionalmente, foi com a Venezuela (veja quadro).

O ex-secretário geral do Ministério das Relações Exteriores da Argentina, Andrés Cisneros, esclarece que o isolamento argentino não é um fenômeno novo e tem fortes raízes culturais, que perpassam todas as tendências políticas. Desde que a relação do país como provedor da Inglaterra, entre o fim do Século XIX e a década de 1930 - que a tornou a mais rica nação da América do Sul -, a Argentina nunca mais encontrou um equilíbrio em suas relações externas, "com exceção dos anos 90" quando, segundo ele, o presidente Carlos Menem tentou reverter esse processo. "Em geral a Argentina vê uma conspiração de fora", diz Cisneros. E argumenta: "O Brasil tem com os EUA diferenças iguais ou maiores que as nossas, mas sabe quais são seus interesses. E nós temos políticas exteriores demasiado ideológicas e pouco realistas".

Este posicionamento não tem ajudado o país a resolver questões relevantes como, por exemplo, a renegociação da dívida com o Clube de Paris (que reúne 19 países do mundo industrializado). A dívida, no valor aproximado de US$ 6 bilhões, está em default desde a crise e impede que a Argentina tenha acesso a recursos dos organismos multilaterais e à cobertura das agências multilaterais de seguro de crédito à exportação.

"No caso do Clube de Paris, existe uma posição negativa da parte dos principais países integrantes desse organismo [França, Itália e Japão], que exigem que a Argentina chegue a um acordo prévio com o Fundo Monetário Internacional ou, do contrário pague a totalidade da dívida com o Clube, usando suas reservas", diz Jorge Castro.

Nenhum comentário: