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quinta-feira, 11 de junho de 2009

1152) "Emprestimo" ao FMI: comentarios ao meu post e meu novo comentario

A propósito do post imediatamente anterior, sobre o suposto empréstimo ao FMI, que eu classificaria como propriamente ruinoso -- como aquele famoso empréstimo que fizemos em 1829, logo depois da quebra do primeiro Banco do Brasil, que saiu por um valor face de 51, ou seja, os banqueiros ficaram com 49 de cada 100 libras que contratamos -- eu recebi dois comentários imediatamente, sinal de que meu blog vem sendo acessado regularmente por certo numero de leitores (não, eu não coloco nenhum instrumento de medição) e que este post em particular deve ter causado certa comoção nas pessoas mais focadas no interesse nacional, digamos assim.
Pois bem, como os comentários costumam desaparecer na sequência normal de leitura de um blog (a menos que o visitante clique no botão de comentários, o que poucos fazem por falta de tempo, claro), permito-me reproduzi-los aqui, para aproveitar a oportunidade de fazer novos comentários.

O suposto "empréstimo" do Brasil ao FMI e suas supostas "vantagens" políticas
(sim, porque financeira não existe nenhuma)

O primeiro comentário dizia o seguinte:
1) Rodrigo L. disse...

Paulo, quais são então os benefícios práticos que o Brasil obterá deste empréstimo? Melhora da nossa imagem frente a outros países? Aumento do poder de barganha com a comunidade internacional? Já que o dinheiro emprestado não estará realmente rendendo, qual é a razão para estarmos fazendo isso?
Quinta-feira, Junho 11, 2009 2:19:00 PM

PRA: Benefícios práticos eu não consigo vislumbrar algum, por mínimo que seja, a não ser poder posar de credor internacional. Não está seguro que se trate de um empréstimo, pois o FMI pode no futuro alterar o título e convertê-lo em alguma forma de fundo emergencial, podendo ocorrer que ele seja considerado um aporte de capital.
Quanto ao aumento do poder de barganha, ou da imagem, na comunidade internacional, isso pode ser motivo de vaidade, mas não creio que o povo brasileiro, que está pagando (e caro) por isso, tenha muitos motivos de orgulho. Ainda assim, como a autorização total de emissão desses títulos em DES é de 500 bilhões, convenhamos que 10 bilhões não faz muita diferença: são 2% do total apenas. Nada para abalar o mercado financeiro internacional, nem deixar o FMI de joelhos ante nossa suposta magnanimidade.
O dinheiro vai render, sim, na faixa (imagino) de 1,5% ao ano, no máximo, o que não é nada brilhante, convenhamos (com uma inflação em dólar de 3 ou 4%, estaremos perdendo dinheiro).
Quanto à razão de estarmos fazendo isso, não sei dizer: o presidente e as autoridades monetárias decidiram fazer, ponto. Acredito que esse tipo de medida, como ela tem custos, deveria passar pelo Senado Federal, encarregado de aprovar todo tipo de oparação financeira, interna e externa, mas também acredito que o Senado está alheio Às suas próprias obrigações.
Ela foi feita, claro, também porque o G20 de Londres aprovou esse mecanismo de aumento dos recursos do FMI para operações especiais, e os países membros foram chamados a colaborar. A emissão de títulos do FMI é uma modalidade prevista em seu convênio constitutivo, mas também acho que apenas países dispondo de recursos líquidos, ou seja, superávits estruturais deveriam participar.
No nosso caso é duvido que isso ocorra, pois não temos nenhum tipo de superavit estrutural, nem fiscal, nem de balança de transções correntes. Nossos recursos foram acumulados ao preço de um aumento da dívida.
Como expliquei, cada dólar foi comprado no mercado, com base em emissão de títulos internos: entre os 12% de Selic, e os juros negativos que recebemos pela aplicação desses dólares, o custo para o Brasil é muito alto, não apenas na estrita contabilidade monetária, mas também o custo-oportunidade de um capital que poderia estar sendo empregado de outra forma, em primeiro lugar abatendo a dívida interna.

O segundo, aparentemente temeroso de revelar o seu nome (vai que ele se torna diplomata e não quer ter o seu nome marcado pelos interrogadores, ops, digo, examinadores):
2) Anônimo disse...

Pois é, na prova de PI de terceira fase do CACD deste ano, caiu a participação do Brasil no G20 Financeiro. E nós candidatos tivemos de tecer todos os encômios possíveis ao empréstimo brasileiro ao FMI, ecoando toda aquela ladainha de o Brasil aceitando ônus para legitimar-se no pleito de ampliação de participação no sistema internacional.
Tudo para Antônio Carlos Lessa e Alcides Costa Vaz verem. Vou começar uma campanha: "PRA na banca de PI do CACD já!"

Quinta-feira, Junho 11, 2009 2:32:00 PM

PRA: O mais irônico é que candidatos a diplomatas não podem simplesmente expor os fatos, contar a realidade, basear-se em número reais e em questões objetivas. Esses candidatos precisam "comprar" a versão chapa branca do governo e repetir bobagens, literalmente bobagens consumadas e equívocos econômicos, num papel triste de repetidores da propaganda governamental, que além de falsa, é fraudulenta. Triste isso, que já se comece mentindo...
Quanto a minha presença em banca de PI, pode esquecer: não há nenhum risco que isso ocorra, pela mesma razão de por que meus livros não constam da bibliografia oficial. Deve ser porque eu não compro fábulas oficiais...

4 comentários:

Glaucia disse...

Bem, Professor, acho que isso é até esperado, não? Afinal de contas, trata-se de um concurso para diplomatas, e não para analistas econômicos. Grave é quando acontece no IPEA.

Não me choca que o Itamaraty busque pessoas que sejam (além de - e não em vez de - tecnicamente qualificadas) suficientemente sensatas para sustentar uma politica de Estado.

Eis ai um topico que você poderia nos iluminar com sua experiência. Quanto deve um diplomata ter de si mesmo nas declarações que faz, e quanto deve ele ser um homem de Estado?

Sempre se pode apelar ao consensualismo tão lulista (e tão brasileiro) de dizer que não ha necessaria oposição entre uma coisa e outra - mas seria mentira, não é mesmo? Um diplomata americano da era Obama tem direito de continuar a pregar a guerra ao terror? Um da era Bush deveria sair a campo criticando o apoio incondicional dos EUA a Israel como improdutivo? Em ambos os casos, podem eles condenar Guantanamo como contraria ao direito internacional humanitario sem ordens superiores?

Tiro disso, então, a conclusão logica: sera um problema que o Itamaraty queira dos seus integrantes mais do que lucidez, sensatez? Sera tão ultrajante pedir, sim, que conheçam a postura do Estado brasileiro, e sejam capazes de exprimi-la inclusive com a maior sinceridade?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Glaucia,
Você colocou questões extremamente importantes, não apenas no plano individual, ou seja do servidor do Estado enquanto ser pensante, de um lado, e enquanto servo obediente, de outro, mas sobretudo na conformação das políticas públicas: como elas se formam, se correspondem, ou não, ao interesse nacional, se respondem a critérios de racionalidade econômica, mais do que de conveniência política ou de simpaticas ideológicas, enfim, um conjunto de questões que não tenho tempo de abordar agora, mas que estou separando e guardando para um comentário futuro, talvez até um trabalho mais amplo sobre essa questão. Promessa.
No momento, e quanto a minha posição apenas, só posso dizer que nunca, em toda a minha vida, e especialmente na carreira, jamais deixei o cérebro na portaria quando ingresso para trabalhar, e jamais renuncio a pensar com minha própria cabeça na consideração e avaliação de questões como essas.
Voltarei ao assunto.
PRA

Paulo Roberto de Almeida disse...

Comentário adicional PRA:

Glaucia,
Não vou comentar agora a substância de seus argumentos, mas não posso deixar passar três questões em torno das quais você me parece estar "fora da marca", ou miss the point, como se diz...
Você escreveu:
1) "Afinal de contas, trata-se de um concurso para diplomatas, e não para analistas econômicos. Grave é quando acontece no IPEA."

PRA: Sua frase parece implicar que diplomatas podem se permitir o direito de serem mais relapsos, ou negligentes, com a economia, do que analistas econômicos do IPEA, o que reputo tremendamente equivocado. Não é porque se está fazendo uma seleção para diplomatas que os exames de entrada tenham de ser mais lenientes, complacentes, tolerantes com a irracionalidade econômica, ao contrário: temos de ser tão rigorosos quanto qualquer concurso de especialistas em economia, pois afinal de contas são os interesses do país que estão em jogo, não a renda individual de cada candidato à diplomacia. Não temos simplesmente o direito de ignorar a economia...

(continua em outro comentário)

Paulo Roberto de Almeida disse...

(Continuação do comentário anterior)

2) "Não me choca que o Itamaraty busque pessoas que sejam (além de - e não em vez de - tecnicamente qualificadas) suficientemente sensatas para sustentar uma politica de Estado."

PRA: Sensatez é um qualificativo subjetivo e alguém pode aparecer como razoavelmente sensato aos olhos de um true believer nas virtudes da economia socialista (como um Chávez, por exemplo) e aparecer como um esquizofrênico econômico aos olhos de qualquer outro economista "sensato".
Por outro lado, "sustentar uma política de Estado" me parece muito vago. O Estado é uma entidade abstrata e suas únicas políticas são aquelas propostas por pessoas de carne e osso, com suas crenças e ideologias, e aprovadas por um grupo de lobistas setoriais agregados em algo confuso que se chama Parlamento. Ou seja, sempre aplicamos políticas de governo, que se são estáveis e equilibradas o suficiente ganham credibilidade e passam a ser chamadas de políticas de Estado, pelo menos durante certo tempo. Os militares no Brasil, por exemplo, construiram muitas politicas de Estado, a ponto de este dominar 35% da economia (formação do PIB). O que era perfeitamente racional num determinado momento -- empresas de telecomunicações por exemplo -- tornou-se flagrantemente absurdo anos depois, quando você só conseguir uma linha telefônica se comprasse uma disponível no mercado, por mais ou menos 4 mil dólares. Isso não me parece uma boa política de Estado e se um diplomata continuasse a defender esse tipo de política, ele mereceria ser internado como louco de hospício.

Finalmente, você escreve:
3) "Tiro disso, então, a conclusão logica: sera um problema que o Itamaraty queira dos seus integrantes mais do que lucidez, sensatez? Sera tão ultrajante pedir, sim, que conheçam a postura do Estado brasileiro, e sejam capazes de exprimi-la inclusive com a maior sinceridade?"

PRA: Respondo expressamente que SIM, o Itamaraty quer sim algo mais do que lucidez e sensatez, que como disse são conceitos subjetivos. Se requer preparação técnica, um bom conhecimento de direito internacional, um bom domínio das realidades econômicas, uma familiaridade muito grande com os problemas brasileiros.
Como disse acima, o Estado não tem postura, e sim governos concretos. Estado é uma entidade abstrata ocupada temporariamente por grupos políticos que disputaram no mercado eleitoral o direito de administrar o Estado por um tempo limitado. Esse grupo pode ser composto de malucos de pedra que determinam "políticas de Estado" absolutamente danosas e irracionais e o diplomata precisa ter consciência disso.
Eu lhe dou dois exemplos imediatos disso.
Semana passada, o ministro do Planejamento demonstrou preocupação com a valorização do real, como aliás reclamavam os industriais (um grupo de empresários que representam no máximo 10 ou 15% da economia brasileira). Pois ele recomendou que o Banco Central comprasse mais dólares, o que significa tripudiar com a nossa inteligência e os nossos interesses como nação (100% do PIB). Pois para comprar mais dólares, o BC precisa emitir títulos da dívida pública, pois nem ele emite dólares, nem tem recursos para tanto, ou seja, precisa aumentar a dívida pública. Como é possivel fazer esse tipo de recomendação, quando se paga a Selic pela dívida pública e a "remuneração" do dólar, se houver fica abaixo disso, sendo mais provavelmente negativa.
Outro exemplo é essa idéia de malucos monetários que querem escapar do multilateralismo monetário para começar a negociar com moedas inconversíveis, como o rublo russo, o yuan chinês e a rúpia indiana. Quem propõe tal involução ao bilateralismo no sistema de pagamentos só pode ser internado como Napoleão de garagem.