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quarta-feira, 22 de julho de 2009

1234) Cotas raciais: tentativa de bloquear o expediente racista

Uma iniciativa a ser seguida de perto...

DEM ajuiza ação contra cotas raciais em universidade
Valor Econômico, 22/07/2009, pág. A8

O DEM entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de liminar, contra o sistema de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB). O partido quer que seja declarada a inconstitucionalidade de atos do poder público que resultaram na instituição de cotas raciais na universidade. O partido também quer que sejam suspensos todos os processos na Justiça (federal e estadual) envolvendo o tema. Segundo a ação, o resultado do 2º vestibular 2009 da Universidade de Brasília, no qual foi instituído o sistema de acesso por cotas, foi publicado no dia 17 de julho de 2009 e o registro dos estudantes aprovados, cotistas e não-cotistas, está previsto para os dias 23 e 24 de julho de 2009. O DEM argumenta que a violação aos preceitos fundamentais decorre de específicas determinações impostas pela Unb. Atos administrativos e normativos determinaram a reserva de cotas de 20% do total das vagas oferecidas pela universidade a candidatos negros.

Na ação, o partido pede a concessão da liminar pelo STF a fim de suspender a realização da matrícula dos alunos aprovados mediante o sistema universal e o de cotas para negros na Unb, que acontecerá nos dias 23 e 24 de julho de 2009. Requer que se divulgue nova lista de aprovados, a partir das notas de cada candidato, independentemente do critério racial, determinando que somente após essa divulgação os alunos realizem a matrícula, obedecendo à classificação universal. A ação também pede que tribunais de todo o país suspendam imediatamente todos os processos que envolvam a aplicação de cotas para ingresso em universidades, até o julgamento definitivo da ação.

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Ação contra as cotas na UnB
Samanta Sallum
Correio Braziliense, 22.09.2009

O sistema de cotas para negros nas universidades públicas está ameaçado por uma ação judicial que será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). E, se for acatado o pedido de liminar, a matrícula de 652 candidatos cotistas aprovados no último vestibular da Universidade de Brasília (UnB) será suspensa. O autor do processo é um partido político, o Democratas (DEM). Mas a iniciativa coube à advogada Roberta Fragoso Menezes Kaufmann, que também é procuradora do Distrito Federal e assina a ação. Ela sustenta que o sistema de reserva de vagas fere o princípio da igualdade, e que o obstáculo para o negro chegar ao ensino superior no Brasil não é racial. Mas, sim, o econômico.

O registro das matrículas para o segundo semestre letivo da UnB está marcado para amanhã e sexta-feira e será realizado. Quem vai apreciar o pedido de liminar é o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. Na noite de ontem, ele assinou despacho dando prazo de cinco dias para que a Advocacia Geral de União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República se manifestarem. Se a liminar for acatada depois disso, o registro das matrículas dos cotistas será anulado.

Cerca de 3,2 mil alunos ingressaram na UnB pelo sistema de cotas. Ao todo, 80 universidades no país adotam o modelo, em que a Universidade de Brasília foi pioneira (leia memória). Por isso, a decisão sobre o caso pode afetar toda a política nacional de cotas. A ação do DEM se baseia na dissertação de mestrado de Roberta Kaufmann, aprovada em 2003, na própria Faculdade de Direito da UnB. O orientador foi o atual presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, também professor da universidade. Roberta aponta que o sistema adotado no Brasil é um modelo importado dos Estados Unidos. Nossa realidade é bem diferente. Lá, o negro, mesmo tendo dinheiro, era alvo do racismo. Tinha direitos subtraídos. Aqui, a situação é outra , argumenta. Segundo ela, o debate no Brasil foi precipitado. A questão não é a cor da pele, é precariedade econômica. Deveria haver uma política de Estado para dar assistência aos pobres, não às raças , disse ela ao Correio.

Instabilidade

O sistema de cotas passou a valer na UnB em 2004. Antes, apenas 12% dos alunos eram negros. Em cursos de alto prestígio, como odontologia, medicina e direito, não chegavam a 2%. O índice-geral agora aumentou para cerca de 20%. O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa, faz a defesa contundente do atual sistema de cotas. Ele alerta para o clima de instabilidade pública que pode ser provocado, caso a liminar seja concedida. Já adotamos o sistema há cinco anos. Ele é uma reafirmação do que já está na Constituição brasileira. É preciso superar os obstáculos ao desenvolvimento humano calcados no racismo e na xenofobia. O argumento da ação tem um ângulo redutor , comentou.

Segundo José Geraldo, o fator que dificulta a melhoria de condição econômica dos negros se explica pela questão racial, ao voltarmos ao nosso passado histórico. Alunos recém-aprovados no sistema de cotas foram surpreendidos com ação. Passamos por todo o processo seletivo, pela parte mais difícil. Faltam dois só dias para a matrícula e eles entram com esse processo , reclamou Stanlei Luiz Mendes de Almeida, 17, que passou para enfermagem.

9 comentários:

Glaucia disse...

"A ação do DEM se baseia na dissertação de mestrado de Roberta Kaufmann, aprovada em 2003, na própria Faculdade de Direito da UnB. O orientador foi o atual presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, também professor da universidade."

Será que ele pode julgar isso? E que estrategiazinha, hein, esperar todo mundo entrar de recesso e a ação cair bem, pimba, no colo do Presidente? Que coincidentemente orientou uma tese nesse assunto, com uma posição clara, defendida justamente - veja você - pela advogada que assina a ação!

Mas a Decisão Justa justifica aquilo que, fossem os protagonistas Sarney e Sarneyzinho, seria classificado como parte da cultura tóxica do compadrio brasileiro...

Glaucia disse...

Me pergunto qual a receita combinada dessa trinca...A comparação com Estados soberanos é até engraçada, já que fica estranho falar em Estados soberanos diante desses números - ou não fica?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Invocar o conceito de soberania, nesse contexto, é de fato ridículo, mas também é um fato que o sistema de cotas constitui uma importação ideológica e processual dos EUA ao Brasil, primeiro de contrabando, agora oficialmente, sob o patrocínio do Estado.
Na verdade, o mais lamentável é o imbroglio jurídico, em si, que não deveria existir, se políticas setoriais mal concebidas e mal aplicadas não tivessem sido introduzidas pelo próprio Estado que pretende assegurar a primazia da Constituição.
Não me refiro apenas a este governo, mas também ao anterior, que começou a brincadeira.
Esse assunto vai envenenar a sociedade, os canais jurídicos, o ambiente universitário e o tempo de todos nós, indevidamente.
Lamentável, a todos os títulos...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Em relação ao primeiro comentário, pode-se aventar, de fato, uma teoria conspiratória, que faz com que a orientando espere o seu tutor assumir posição de mando para introduzir a liminar, e com isso provocar uma paralisia num processo que já existe na UnB há quatro anos, ou quase.
Infelizmente, parece que os opositores das cotas racistas tenham de fazer conluios na calada da noite para tentar reverter um processo impulsionado por outros que estão no comando e que impuseram esse tipo de decisão sem suficiente consulta à sociedade.
Continuo a achar tudo isso lamentável.

Jefferson Tolentino disse...

Quem sabe assim o IRBr não cai a ficha e acaba de vez com o Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco que visa premiar alunos "afrodescendentes" em detrimento de uma massa de estudantes brasileiros que por ter a "infelicidade" de nascerem brancos não podem concorrer a mais esse peixe saboroso dado pelo Estado.

Se a população de pele clara tem uma dívida com a população de pele escura, então, creio eu, estou pagando com juros e correção monetária (mesmo tendo origens nos índios tapuias!).

O sistema de cotas raciais é um cadáver insepulto que merece ser rapidamente enterrado. Num país onde a miscigenação foi regra, falar agora, depois de anos em separação de raças é ignorar toda uma história da construção do povo brasileiro.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Jefferson Tolentino,
O Programa de Ação Afirmativa do MRE não se refere a cotas de ingresso, ou de seleção na entrada, mas apenas a uma cota total, integral, composta de bolsas de estudo, equiparadas a Doutorado (ou talvez mais do que isso), destinadas exclusivamente a afro-descendentes para a fase preparatória de estudos. Não se trata da mesma coisa portanto, ainda que seja igualmente discriminatória em relação a brancos pobres ou quaisquer outros candidatos não afro-descendentes.
Trata-se, inclusive, de um processo talvez mais discriminatório, pois existe uma seleção, que já contempla pessoas com chances razoáveis de ingressarem na carreira, uma categoria composta de afro-descendentes com certa preparação anterior, sendo supostamente de classe média.
Sendo sincero com você, não creio que o Rio Branco venha a acabar com esse programa, mesmo que o STF rejeite liminarmente o sistema de cotas aplicado em universidades federais e estaduais públicas.
Trata-se de uma opção política, demagógica se voce quiser, mas uma opção política que será mantida no futuro previsível.

Jefferson Tolentino disse...

Fui tomado pela revolta ao escrever anteriormente e peço desculpas professor, pois afoito trouxe para uma situação os efeitos que uma possível liminar ensejará em outra.

O programa do IRBr, como o senhor mesmo apregoou, é um sistema demagógico que seleciona e contempla estudantes afrodescendentes com bolsas para custear seus estudos (estudantes estes que já tem certo domínio das matérias cobradas no CACD). A minha esperança (que ficou infelizmente subtendida no meu desabafo) era que o IRBr abrisse os olhos e constatasse que a sociedade não é separada por negros ou brancos e sim por ricos e pobres (utilizando o conceito de pobreza legal: que não tenham meios de arcar com a preparação, sem prejuízo do seu sustento e da sua família).

Mas como corretamente o senhor ponderou, é extrapolar o âmbito de atuação de uma decisão, o que fatalmente não ocorrerá (ainda tenho a esperança que num futuro isso venha a acontecer, e o IRBr modifique o programa para englobar a todos que não tenham renda, sem verificar a tonalidade de pele).

Fico feliz que alguns setores da sociedade estão se mobilizando para tentar acabar com esse sistema mais racista do que racial (mesmo que esses mesmos setores tenham motivos escusos ainda não revelados).

Obrigado pela parcimônia professor.

Glaucia disse...

(1) A depender do teor da decisão do STF, o IRBr fica sim obrigado a terminar com o seu sistema. Por exemplo, se for decidido que nenhuma diferença pode ser feita por nenhum órgão público ou privado.

(1.5) Claro que, na novela da Globo, continuará havendo uma divisão clara entre os indianos, que vêm da Índia, e os dinamarqueses, que moram no Brasil.

(2) IMHO, essa das quotas pra pobres é a coisa mais sem sentido na discussão inteira. Serve pra quê? Pa resolver um não-problema, qual seja, a falta de pobres na elite brasileira. Fica bem evidente a contradição?

(3) Ainda IMHO, o problema sociológico que precisamos resolver continua de pé. Temos um país mulato na base, em que o elemento negro (pra ser freyreano) vai se diluindo na medida em que aumenta o nível social, até que em postos de comando, público ou privados, simplesmente não existem.

(5) Abdico dessa posição no dia em que der pra afirmar, sem rir, que existe no país um só tribunal, diretoria de banco ou órgão legislativo que represente, por alto, a composição fenotípica variada tão festejada do Brasil. Pode ser por foto.

(6) Alternativamente, podemos esperar 400 anos e ver o que acontece. Somos, afinal, o país em que não se pode resolver nenhum problema sem a acusação de que há um outro problema, bem maior, que deve ser resolvido antes. Não é assim que nossa mesticíssima classe média fala quando é parada pelo guarda de trânsito? "Tanto bandido por aí e você incomodando o cidadão de bem". Isso mesmo que o cidadão de bem em questão esteja cometendo crimes e ameaçando a vida própria e alheia...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Apenas dois comentarios PRA:

1) Qualquer que seja a decisão do STF, o IRBr não vai mudar a sua política de bolsas para afro-descendentes, programa estabelecido em cooperação com o CNPq e a chamada Secretaria da Iguadade Racial, um nome contraditório em si mesmo (sobretudo em relaççao às políticas implementadas);
2) tem gente que acredita que o país ficará mais justo, ou pelo menos mais apresentável, fenotipicamente, quando alguns afro-descendentes forem guindados a posiççoes de comando, com o que a elite refletirá a composição média da população brasileira, independentemente da manutenção de um volume desnecessariamente elevado de negros entre as chamadas camadas subalternas, ou pobres e miseráveis. A aparência permite obscurecer a essência, como diria algum filósofo...