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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

1535) Samuel Pinheiro Guimaraes, entrevista a Zero Hora

O Brasil não pede licença: Samuel Pinheiro Guimarães, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
FÁBIO SCHAFFNER E KLÉCIO SANTOS, Brasília
Entrevista publicada na edição dominical de Zero Hora
Zero Hora, Porto Alegre, 22.11.2009

Uma espécie de ideólogo da política externa na Era Lula, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-número 2 do Itamaraty, recebeu há um mês a incumbência de pensar o Brasil de 2022. Sentado na cadeira que pertenceu ao ex-ministro Mangabeira Unger, de onde desfruta uma vista privilegiada da Esplanada dos Ministérios, o diplomata se diz à vontade na Secretaria de Assuntos Estratégicos. Planeja desenvolver programas interministeriais e políticas para o desenvolvimento da Amazônia, cujos mapas decoram seu ambiente.

Foram as controversas relações diplomáticas do Brasil, porém, que dominaram os 52 minutos da entrevista concedida sexta-feira a Zero Hora, a primeira a um jornal desde que assumiu o ministério. Acostumado a agir nos bastidores, influente e sobretudo polêmico, Pinheiro é amigo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, e tachado como “representante do anti-imperialismo” no Itamaraty. Sobre o papel do Brasil na política latino-americana e os empréstimos concedidos pelo BNDES aos países vizinhos, é categórico:

– Sou favorável a um Plano Marshall para a América do Sul. Tão grave quanto uma guerra é o subdesenvolvimento.

Bacharel em Direito e mestre em Economia pela Universidade de Boston, em 2006 Pinheiro recebeu da União Brasileira de Escritores o título de Intelectual do Ano, pela obra Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes. Sobre o prêmio, revela uma mágoa:

– Não saiu uma linha na imprensa sobre isso.

Zero Hora – A diplomacia do governo Lula é estratégica para o governo. Da sua experiência no Itamaraty, o que o senhor pretende aplicar no ministério, por exemplo, em relação ao Mercosul?

Samuel Pinheiro – Quando se prepara um plano para o país, tem de se levar em conta os vizinhos. Os laços econômicos e políticos que o Brasil mantém com países vizinhos são muito intensos. É do nosso interesse contribuir para o desenvolvimento regional e reduzir diferenças. Quanto mais prósperos, mais estáveis social e politicamente serão esses países.

ZH – Mas o Brasil se envolveu em vários conflitos nos últimos anos, com Argentina, Bolívia, Paraguai.

Pinheiro – Temos disputas comerciais com a Argentina, assim como os Estados Unidos têm com a Europa, com a China. Isso é normal, pois afeta o interesse de empresas, que acabam pressionando os governos. São coisas pontuais, de circunstância. Nossa relação com a Bolívia é amistosa. No episódio das refinarias, a imprensa disse que haviam sido expropriadas. Elas foram compradas, por um preço avaliado como justo. O desenvolvimento do Paraguai também é do nosso interesse, trata-se de um dos países mais ricos do mundo em recursos hídricos, mas tem dificuldade de investimento.

ZH – O senhor se arrepende de ter sido contra o ingresso do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca)?

Pinheiro – Nem por um décimo de segundo. Se tivéssemos entrado na Alca, talvez hoje estaríamos como o México, cujo PIB retrocedeu em mais de 10%. A Alca não é um acordo de livre comércio, ela estabelece regras que eliminam a possibilidade de uma política econômica autônoma. Em um país subdesenvolvido como o Brasil, com enormes diferenças sociais, a ação do Estado é indispensável. Se tivéssemos aderido à Alca, o Banco do Brasil não seria mais público, nem existiriam o BNDES ou a Caixa Econômica Federal.

ZH – O senhor não se incomoda com o rótulo de antiamericano?

Pinheiro – Não sou antiamericano, sou a favor do Brasil.

ZH – O senhor tinha fama de ser doutrinador na época do Itamaraty, de incentivar leituras de esquerda. Isso é verdade?

Pinheiro – Incentivar leituras é uma coisa importante. Agora, de esquerda não é verdade. É uma coisa extraordinária achar que as pessoas no mundo vão ser doutrinadas porque leem. Um dos livros que indiquei era a biografia de Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira.

ZH – Por que há tanta controvérsia em relação a sua figura? Dizem que foi o senhor quem incentivou a entrada do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na embaixada brasileira.

Pinheiro – Imagina. Quem disse isso foi o ex-ministro Jorge Castañeda. Não o conheço e jamais estive com ele.

ZH – O senhor acha que o Brasil não deve reconhecer a eleição presidencial em Honduras?

Pinheiro – Claro que não. É uma eleição conduzida por um governo ilegal.

ZH – O senhor acha que a oposição está tratando de forma ideológica o ingresso da Venezuela no Mercosul?

Pinheiro – Certamente. Há um equívoco e muita desinformação. Nós temos com a Venezuela o maior superávit comercial.

ZH – O senhor é realmente o guru do presidente Hugo Chávez?

Pinheiro – (Risos) Tenho certeza que não. Ele nunca disse isso. Alguém fez esse comentário porque ele mencionou uma vez que gostava do meu livro (500 Anos de Periferia).

ZH – A Venezuela é importante para o Brasil? Há muita controvérsia em relação ao governo de Chávez.

Pinheiro – A Venezuela é muito importante para nós, um país muito rico, não só em petróleo. A soberania é parte do povo. Se o povo decide... Aqui no Brasil houve uma prorrogação de mandato que não foi aprovada pelo povo. Foi um episódio nebuloso, em que pessoas confessaram ter vendido o voto. O presidente Chávez concorreu em mais de 10 eleições, todas consideradas legítimas e com acompanhamento de organizações internacionais.

ZH – Mas e quanto à liberdade de imprensa?

Pinheiro – Vocês conhecem algum jornalista que esteja preso na Venezuela? Se houvesse, estaria denunciado nos jornais. Houve uma emissora de TV cuja concessão não foi renovada. Talvez esteja aí o foco da preocupação em outros países. As TVs são concessões públicas, não são propriedade privada. É necessário que os veículos de comunicação sejam imparciais para que a liberdade de imprensa seja efetiva.

ZH – Política externa é um assunto um tanto árido para a maioria da população, mas no governo Lula ganhou uma dimensão maior, virou assunto de bate-papo entre amigos. A que o senhor atribui isso?

Pinheiro – É a dimensão brasileira que mudou. Na política internacional ninguém diz: “Vou ser líder”. Isso é uma convicção que se forma nos outros. O presidente Lula é um grande líder popular porque ele interpreta os anseios das pessoas. Isso nos permite influir de forma mais eficaz nas negociações de interesse do Brasil.

ZH – Por que a política externa do governo Lula gera tanta controvérsia? O governo irá enfrentar mais polêmica agora com a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

Pinheiro – Antes havia o hábito de se pedir licença para fazer as coisas, o hábito de ser pequeno. O Brasil agora é maior de idade, não pede licença para ter relações com qualquer país. Agora mesmo, veio ao Brasil o presidente de Israel, Shimon Peres. Também está aqui o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. Eles não vêm aqui para visitar as belezas naturais. É porque eles consideram importante a posição e a atuação do Brasil. Quem critica é quem não faz ou quem não fez.

ZH – O chanceler Celso Amorim se filiou ao PT, o senhor se tornou ministro. A diplomacia está indo às urnas?

Pinheiro – Nunca fui filiado a nenhum partido político. O futuro não se sabe. Não sei quais os objetivos do ministro Celso Amorim, mas há outros diplomatas politicamente engajados. O ministro das Cidades, Márcio Fortes, é filiado ao PP. Há vários diplomatas vinculados à oposição, não sei se são filiados, que nos criticam. Eu prefiro a crítica ao elogio. O elogio me ilude, mas a crítica me aperfeiçoa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Dr. PRA,

Com lucidez o Embaixador Ricupero afirmara que:"...a diplomacia brasileira sofre de uma crise de protagonismo..."

Vale!