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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

1635) “Todo ano ele faz tudo sempre igual…”

Pequeno balanço de 2009 e projetos para 2010 (para variar)
Paulo Roberto de Almeida

OK, ok, como naquela canção muito conhecida, eu sei que todo final de ano é sempre a mesma coisa, mas tampouco tenho culpa se o calendário tem sempre a mesma forma e se os rituais humanos e sociais se repetem com inevitável constância e regularidade (aliás esperadas). Não tem jeito de escapar: chega dezembro e as festinhas de confraternização se multiplicam nos ambientes de trabalho (cada vez mais cedo, diga-se de passagem), todas com a inevitável troca de presentes a preço reduzido do sistema de amigo secreto, os cartões despachados às pressas (alguns amigos esquecidos), providências de última hora para as festas de fim de ano, shoppings e parkings lotados de gente e de carros, todo mundo fazendo tudo sempre igual, exatamente aquilo que você mesmo está fazendo, comprando os últimos presentes de última hora e prometendo a si mesmo que daqui para a frente tudo será diferente, que no próximo final de ano você não deixará tudo para a última hora...
Ufa! Felizmente já passaram todas essa festas, e aqui estamos fazendo a mesma coisa que no ano passado, talvez com um pouco mais de cansaço e um pouco mais de cintura: barriga cheia (com a minha bacalhoada), espírito ‘arejado’ pelo vinho ou pela cerveja, cabe agora recapitular tudo o que se fez em 2009 e pensar em tudo o que se pretende fazer em 2010. Vejamos, portanto, o que eu teria a dizer sobre 2009 e o que eu teria a dizer sobre 2010 (que já não tenha sido dito pelos videntes profissionais ). Bem, como este texto é narcisisticamente voltado para a minha própria produção, cabe antes de mais nada retomar o balanço que eu já havia feito um ano atrás, mais precisamente num dos últimos posts de 2008, em dois de meus blogs (ver: “Um balanço de final de ano, com alguma explicação para tal”, 31.12.2008; (1) Diplomatizzando; (2) DiplomataZ).

À diferença de 2008, quando eu estava dubitativo sobre meus projetos profissionais e acadêmicos – não exatamente por falta de emprego ou por falta do que fazer, ao contrário –, tenho agora o ano todo de 2010 repleto de tarefas e programações. Pretendo passar boa parte do ano conhecendo a China e partes da Ásia oriental; talvez eu até mesmo escreva um livro sobre essas paragens que hoje são para mim relativamente desconhecidas (mas já venho estudando sobre elas desde agora e até comecei um novo blog). Com efeito, se não acontecerem novas surpresas – na minha profissão, e nas atuais circunstâncias políticas, tudo é possível – devo partir para Shanghai em março de 2010, atuando durante seis meses como diretor do pavilhão do Brasil na Exposição Universal que se realiza na grande metrópole chinesa de maio a outubro.
Não posso reclamar: a China é ‘o’ país, ou talvez, ‘o’ continente, e é lá que as ‘coisas’ estão acontecendo (pelo menos no terreno econômico, já que no domínio político a velocidade é outra, bem mais lenta). Uma vez na China, contudo, o problema, justamente, vai ser manter o blog atualizado, tendo em vista a nova “muralha da China” erguida pela grande autocracia asiática em torno da internet, sem mencionar o bloqueio praticamente intransponível que se abateu sobre os blogs, em particular (não consegui acessar nenhum dos meus, enquanto lá estive recentemente); não tenho certeza de que com o uso de proxys ou de servidores virtuais conseguirei contornar as barreiras e os filtros que o Big Brother mandarim instalou em todo e qualquer sistema de acesso à rede mundial de computadores a partir do país.

Antes de tratar do futuro, contudo, cabe registrar antes de mais nada o que foi realizado em 2009. No terreno ‘volumétrico’ da produção acadêmica não posso reclamar: comecei o ano pelo trabalho n. 1970 (uma coleção de ensaios sobre a globalização e a antiglobalização, a que dei o título de Globalizando) e estou terminando 2009 com este aqui, que leva o n. 2078. Foram, portanto, mais de cem trabalhos completos, dos quais a metade publicados (em diversos meios, mas nem todos os que foram publicados tinham sido escritos neste ano, como foi o caso de diversos capítulos de livros, alguns redigidos em 2008). Em termos de produtividade média, são cerca de 9 trabalhos por mês, ou dois por semana. Não vou contar agora o número de páginas totais por pura preguiça, mas deve se aproximar de 860 páginas (ou perto de 70 páginas por mês, ou mais de duas páginas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados).
Não deveria ser de todo mau, para um trabalhador compulsivo como eu, mas tenho de confessar uma grande frustração: eu pretendia terminar, neste ano, o segundo volume de uma história da diplomacia econômica no Brasil e não consegui chegar nem perto da metade, talvez menos de um terço do planejado. A razão? Desviei-me, simplesmente, do assunto, para atender outras demandas, responder a pedidos externos, dispersei-me em trabalhos secundários (alguns sem a menor importância), respondi a consultas de alunos, pedidos de ajuda em trabalhos escolares, respondi a questões de jornalistas, perguntas de candidatos à carreira diplomática, de blogueiros, de listeiros, de curiosos, de passantes, enfim, muitos interlocutores agradáveis e até alguns bastante desagradáveis. Basta com dizer que foi distração o bastante para me deixar inclusive com tempo exíguo de leitura, que é o que mais gosto de fazer nas horas vagas (na verdade, em todas as horas, mesmo as não vagas).

Fiz muitas anotações de leitura, dezenas em pequenos cadernos de notas, várias formalizadas como mini-resenhas – 16 no total, talvez um pouco mais – mas poucas grandes resenhas, ao estilo dos review-articles do New York Review of Books, como gosto habitualmente de fazer (uma delas de um livro de depoimentos sobre o Mercosul, um de meus focos permanentes de interesse). Quase não vejo televisão e muito pouco cinema, assim que passo o tempo lendo jornais, revistas e livros, o que também representou um pouco de distração da “grande obra” acadêmica que pretendia realizar. Em vez disso, acabei realizando uma “pequena obra” acadêmica, muitos artigos opinativos (ou dissertativos) e alguns ensaios de pesquisa mais alentada, que é o que eu deveria estar normalmente fazendo, se é que me entendem. Um ponto negativo, portanto, para este balanço da produção em 2009, mas eu pretenderia me corrigir em 2010 (alguém acredita nisso?).

Bem, retirando todos os trabalhos menores, os redundantes, aqueles feitos para atender alguma demanda externa, quais seriam, finalmente, os trabalhos merecedores de serem citados em qualquer lista acadêmica digna desse nome? Começo com a minha compilação de trabalhos sobre a globalização, na verdade uma coleção de réplicas às posições e argumentos canhestros dos antiglobalizadores, pessoas que considero singularmente despreparadas para interpretar o mundo contemporâneo, e menos ainda para propor qualquer coisa de pertinente ou adequado para encaminhar os problemas mais urgentes deste nosso planeta que se recusa a ser o “outro mundo possível” pelo qual eles imploram aborrecidamente a cada reunião internacional. Nunca me eximi de debater propostas concretas, mas jamais consegui ler algo de relevante que alterasse o meu julgamento negativo sobre a inconsistência ‘estrutural’ das posições dos chamados altermundialistas (mas que não conseguem sê-lo); os que desejam conferir o estado da arte nesse debate unilateral, podem consultar alguns dos meus ensaios polêmicos, muitos já publicados, que resumem minha abordagem dos problemas da globalização.
Destaco em segundo lugar a continuidade de meus artigos sobre as “falácias acadêmicas” mais comuns: elas são tantas que eu ainda tenho uma lista enorme aguardando conclusão – e material para pelo menos dois livros – mesmo depois de ter completado, em 2009, nove ensaios da série (e já ter mais dois ou três no pipeline). Ao preparar esses textos, ou seja, ao coletar o material de base para escrever cada um deles, surpreendi-me com o volume de bullshit que é possível recolher a partir de trabalhos publicados por pretensos acadêmicos. Acredito ter desmantelado alguns dos mitos mais renitentes que freqüentam os cenáculos universitários, mas para cada um deles existem três outros à espreita, aguardando alguma pluma desmistificadora.

Escrevi dois trabalhos sobre a mal concebida – desculpem pelo julgamento maldoso – Estratégia Nacional de Defesa, um no começo do ano, outro ao final, e em ambos minha avaliação foi igualmente destrutiva: não se trata de uma estratégia, nem se refere exatamente à defesa do Brasil, ela é apenas prosaicamente nacional (mas seus redatores, e talvez os militares, não me perdoarão por este tipo de argumento). Escrevi vários outros trabalhos sobre a crise financeira, tentando demonstrar – contra gregos e goianos que acreditam realmente que ela foi causada pelas “forças cegas do mercado”, enfim, por aqueles “loiros de olhos azuis” que vivem especulando em Wall Street – que suas causas reais estão na manipulação governamental da taxa de juros e na permissividade fiscal que muitos desses governos praticam. Não creio ter revertido a crença dos já convencidos dos malefícios do capitalismo desenfreado, mas me diverti um bocado no exercício. Vou referenciar os trabalhos mais importantes nessa área para apresentá-los de maneira agrupada no meu blog. Também poderia fazer o mesmo com alguns trabalhos sobre o Mercosul e a integração, mas o panorama nessa área é tão desolador que sinceramente não sei se valeria a pena (embora muitos estudantes me procurem justamente por causa dessa causa outrora promissora).

Meu trabalho mais importante – parte de minha pesquisa para o ensaio sobre diplomacia econômica – foi uma síntese histórica sobre a política comercial brasileira desde o final do século 19 a meados do século 20, no contexto internacional. Deve fazer parte do livro prometido, mas por enquanto permanece solitariamente acabado, esperando a conclusão das demais partes. Outros trabalhos importantes – exigindo certa pesquisa e reflexões mais elaboradas, quero dizer – foram feitos em torno da derrubada (que prefiro à queda) do muro de Berlim e o novo cenário das relações internacionais desde então, bem como um estudo comparativo entre os processos de desenvolvimento do Brasil e dos Estados Unidos com base num ensaio conceitual sobre a ‘civilização americana’ feito por Joaquim Nabuco, elaborado exatamente cem anos atrás (e apresentei-o exatamente na universidade, a de Wisconsin em Madison, na qual Nabuco deveria ter pronunciado sua commencement lecture).

Claro, também fiz alguns trabalhos sobre a diplomacia brasileira, sempre com o pé atrás e a pluma contida, posto que, sendo diplomata da ativa, não posso sair por aí dizendo tudo o que penso de nossa hiperativa política externa, ainda que por vezes eu sinta que ela exibe mais transpiração do que propriamente inspiração. Alguns textos nessa área foram feitos em resposta a consultas de pesquisadores, diplomatas estrangeiros ou jornalistas, e nem tudo foi publicado (eu até diria que quase nada foi publicado, et pour cause). Mas, um artigo bastante crítico sobre a OEA foi, sim, publicado, infelizmente pouco antes de assistirmos à patética e surpreendente comédia de erros cometidos em torno do caso hondurenho, no qual todos os personagens – sem excluir nenhum – se comportaram como naquele horrível filme do início de carreira do Woody Allen (Bananas, para quem ainda não viu) ou como personagens de algum sketch do Casseta e Planeta: foi realmente impagável; aliás, ainda está sendo...
Fui muito solicitado para seminários, palestras, entrevistas, colaborações a livros ou a simpósios, inclusive no exterior, tendo escrito alguns textos em francês e em inglês (vários, entre eles um sobre o Brasil e a não-intervenção, ainda inédito), e creio mesmo que em espanhol (atendendo a jornalistas da região). Alguns serão publicados, outros talvez não, o que depende de minha disponibilidade de adaptá-los às normas sempre diferentes dessas revistas acadêmicas (nunca soube porque elas não adotam um padrão uniforme, o que nos facilitaria muito a vida, nós os colaboradores reincidentes, como eu mesmo). Dialoguei unilateralmente com pessoas das mais variadas orientações políticas, e devo ter criado algumas inimizades, pelo meu jeito acerbo de retrucar argumentos que considero especiosos ou equivocados. Nada me deixa mais indignado do que argumentos de má-fé, ou desonestidade intelectual deliberada, e tenho encontrado muito de ambos, por vezes em instituições das mais respeitáveis (mas os homens são o que são, cegos pela fé verdadeira e convictos de suas causas, sobretudo quando eles aderem a algum partido).
No meio do ano mandei Tocqueville de novo em missão, desta vez para examinar, a pedido do Banco Mundial, o estado da democracia no Brasil; só publiquei o trabalho no final do ano, tendo constatado um cenário deveras lamentável de corrupção política e irracionalidades econômicas de todo gênero, o que também deixou Tocqueville bastante frustrado; na verdade, ele só escreveu, com a minha ajuda, um sumário executivo de um relatório mais amplo, que pretendo terminar um dia, para incluí-lo na série dos “clássicos revisitados”. Sim, devo dizer que, depois do Manifesto Comunista – adaptado aos nossos tempos globalizados e pós-socialistas – perpetrei um Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado), que acaba de ser publicado em formato eletrônico (tenho outros clássicos em preparação, mas não vou dizer quais são). Bem, posso confessar que comecei a escrever, numa dessas noites de insônia, minhas “Memórias Intelectuais”, que pretende ser, não uma história pessoal, mas uma biografia das ideias que permearam a minha vida (elas foram, e são, muitas); não sei quando vou continuar ou sequer terminar, mas as primeiras reflexões já estão feitas (não aguardem nada, porém, antes de o Brasil ganhar mais uma Copa).

Terminei o ano com um balanço da década e uma antevisão de quão ruim pode ser a próxima, se não fizermos nada em termos de luta contra a corrupção, contra o avanço do Estado em nossas vidas (e em nossos salários e rendimentos), para corrigir todas as coisas deficientes que encontramos no Brasil, sobretudo no plano educacional e de políticas públicas mal concebidas (como a tentativa de implantar o Apartheid no país, por meio de medidas de caráter racialista que de fato são racistas). Também completei a minha produção de maior quilate (não sei se o termo se aplica) com uma análise dos Brics em perspectiva histórica e com reflexões e argumentos em torno de suas implicações diplomáticas e de inserção internacional: se não objetarem ao que escrevi, será publicado em 2009 (mas ainda resta conferir, pois desconfio que sofrerá objeções de um guru da área que encomendou).

Enfim, devo dizer – inclusive para satisfazer a curiosidade dos particularmente inquisidores – que todos os meus trabalhos estão perfeitamente relacionados em meu site (ainda que nem todos estejam imediatamente disponíveis), e muitos daqueles que posso considerar secundários são postados diretamente num dos blogs que mantenho.
Voilà, tendo exagerado da paciência dos leitores concluo estas notas muito desordenadas com uma profissão de fé – eu, que sou um completo irreligioso – já que todo mundo tem o seu pequeno conjunto de princípios: acredito no aperfeiçoamento intelectual do ser humano, embora metade da humanidade seja constituída de perfeitos idiotas que passam o seu tempo na frente da televisão assistindo bobagens, em lugar de ler um bom livro (hélas, é o darwinismo ao contrário). Acredito, também, como tenho repetidamente manifestado, na responsabilidade dos acadêmicos e na honestidade intelectual, de quem quer que seja: pessoas que não passam por esses critérios – que considero absolutos – entram numa categoria pela qual tenho pouco respeito, equivalente à dos fraudadores de moedas (não me refiro aos ladrões, e sim aos que arruínam o País com políticas equivocadas) e os ‘corruptos oficiais’. Não vou acusar ninguém agora, pois este não é o instrumento nem a ocasião, mas vou reservar alguns neurônios para esse tipo de combate, em qualquer tempo e lugar.

Concluo agradecendo aos que me ajudaram na consecução de tantas tarefas, meus leitores e revisores, sem esquecer aqueles que, ao me tolherem possibilidades de trabalho em certos meios me deram o lazer e o tempo livre para escrever tantos trabalhos. Seria capaz de mandar um cartão de agradecimento pessoal se certa alergia a determinados espíritos pouco afeitos ao embate de idéias e uma ojeriza recorrente ao que classifico como desonestidade intelectual não me impedissem de fazê-lo. Um dia vou colocar no papel esses episódios pouco gloriosos de nossas instituições públicas.
Por fim, quero desejar a todos, a despeito de tudo o que fiz de errado em 2009 (inclusive chateando muita gente com meus escritos impertinentes), um excelente ano de 2010, com muitas leituras, reflexões bem ordenadas, alguma produção significativa e, o que sempre espero, algum engrandecimento intelectual, pois foi para isso que fomos “feitos”. Pelo menos é o que acredito; pode ser que eu esteja enganado, mas me contento em manter, ao menos, esse tipo de credulidade. Bom ano a todos...

Brasília, 22-31 de dezembro de 2009.

1634) Dolar: rumores sobre a sua morte e desaparecimento prematuro...

...são claramente exagerados, como diria Mark Twain:

Central Banks Shift Back to Dollars, IMF Data Show
Holdings of U.S. dollars by foreign central banks bounced back to more "normal" levels in the third quarter, according to data released Wednesday by the International Monetary Fund. The IMF's Composition of Official Foreign Exchange Reserves data, known as COFER, is reported voluntarily by 140 countries. Of those who report their holdings, adjusted for currency valuation effects, the share of U.S. dollars bounced up to 62% in the third quarter after an unusual drop to 37% in the previous period, according to Barclays Capital. (December 31, 2009)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

1633) Cenarios para o Brasil nas proximas decadas


O Brasil rumo ao Primeiro Mundo
Vera Saavedra Durão
Valor Econômico, 29 de dezembrp de 2009

Cenários do Brasil para 2020 e 3030:
"salto para o primeiro mundo" ou "baleia encalhada"?
As previsões da empresa de consultoria Macroplan

Depois de enfrentar e domar a crise econômica em 2009 e estar pronto para retomar um ciclo de crescimento vigoroso em 2010, sustentado pelo investimento e pelo consumo doméstico, o Brasil tem se mostrado apto a alçar voos mais ambiciosos. O salto do país para o Primeiro Mundo não é uma miragem distante e pode ser atingido na próxima década, como projeta um estudo de cenários feito pelos economistas Cláudio Porto e Rodrigo Ventura, da consultoria Macroplan. Tudo vai depender do resultado das eleições presidenciais de 2010 e do comportamento da economia mundial no pós-crise.

Para o próximo ano, as apostas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro convergem para taxas entre 5% e 6,5% com o governo mantendo uma estratégia de combate à crise sujeita a adaptações, dependendo dos desdobramentos e duração da recessão mundial. Uma superação mais rápida da recessão, com recuperação dos principais mercados, regulação dos sistemas financeiros dos países desenvolvidos e retomada lenta da economia mundial liderado por um crescimento maior de emergentes como China, Índia e Brasil, impulsionados por seus mercados internos, pode levar o mundo a crescer até 2012 a taxas entre 1,5% a 2%, prevê a Macroplan.

Tal contexto será favorável a ajustes estruturais importantes já em curso na economia brasileira, como investimentos públicos de grande porte em infraestrutura e mobilidade urbana, forte incentivo ao investimento privado por meio de financiamentos e garantias de crédito, redução agressiva dos juros e contenção das despesas públicas de custeio e renovação da agenda ambiental.

O cenário mundial de dupla recessão, de 40% de probabilidade, desenha recuperação não sustentável dos principais mercados com surgimento de "novas bolhas" após uma primeira onda de estímulos monetários e financeiros. O agravamento dos problemas financeiros pode precipitar a economia global em novo declínio e provocar nova onda de falências, com retorno da recessão mundial e desaceleração dos emergentes, e o PIB mundial retomando taxas médias negativas de 0,5% anuais nos próximos dois anos. Nessa conjuntura, a economia brasileira tende a ampliar fortemente a presença do Estado, que se tornaria o principal motor de crescimento econômico do país.

A efetivação de um desses cenários econômicos no Brasil, tais quais são descritos pela Macroplan, vão sofrer influência dos resultados das eleições de novembro e das coalizões políticas delas resultantes, avisam Porto e Ventura. Além das candidaturas de Dilma Rousseff e José Serra, a entrada em cena de Marina Silva e Ciro Gomes indica que a economia brasileira evoluirá entre dois polos - de continuidade das reformas e/ou de ajustes eventuais - com possibilidade reduzida de o país aventurar-se numa trajetória nacional-populista semelhante à de outros países da América do Sul.

No longo prazo, porém, o estudo da Macroplan destaca que a trajetória do Brasil para o Primeiro Mundo vai depender sobretudo da disposição do Estado, da sociedade e do setor privado de enfrentar gargalos internos estruturais que se contrapõem às suas potencialidades (ver arte abaixo) e o impedem de mudar de patamar no contexto do poder global.

A continuidade de sucesso do Brasil no mundo vai depender da capacidade de seus governantes de eliminar tais entraves. Se as mudanças estruturais passarem a integrar uma agenda estratégica nacional, fruto de consenso entre os principais grupos políticos e econômicos e alvo de crescente exigência da sociedade, tornando-se um sólido valor social, está assegurado o "salto para o Primeiro Mundo". Caso contrário, o Brasil, entre 2020 e 2030, continuará um país dual. O pior cenário, porém, de "baleia encalhada", com baixa probabilidade de ocorrer, não é improvável. Nele, a falta das reformas estruturais aborta a trajetória de aceleração do crescimento. O país retoma taxas entre 1% e 3% anuais, com parque produtivo atrasado, baixo grau de inovação e inserção internacional competitiva restritiva por ausência de reformas no sistema educacional.

Que o mau presságio sirva de alerta para o futuro presidente da República! Feliz 2010 para todos!

1632) Mercosul e Brasil: acordos comerciais em separado

Em uma lista de que participo, um dos interlocutores lançou uma pergunta, que não me foi dirigida especialmente, mas que me julguei habilitado a responder.
Transcrevo sua pergunta, seguida de meus comentários, a que se seguiram nova pergunta, com novos comentários meus.
Na ordem:

Pergunta 1:
Gostaria de saber se os países do Mercosul tem obrigação de fazer acordos comerciais em bloco.

Comentários 1 PRA:
Teoricamente, os países membros do Mercosul (o que por enquanto compreende apenas e tão somente os quatro originais) devem concluir acordos comerciais envolvendo concessões comerciais apenas em bloco, pois este é um suposto da união aduaneira (UA) devidamente registrada no Gatt-OMC (ao abrigo do artigo 24 ou da Cláusula de Habilitação).
Digo teoricamente pois nem o Tratado de Assunção, nem qualquer outro instrumento vinculante de caráter jurídico obrigatório assim o determina expressamente, inclusive porque nem o TA, nem qualquer outro instrumento define o que seja uma UA, ou que o Mercosul seja uma.
Essa é uma decorrencia implícita, até lógica, e inscrita nos anais da política comercial multilateral, de que quando países conjuntamente declarararam ao Gatt (agora OMC) que possuem apenas uma única e exclusiva tarifa, apresentada e consolidada junto às demais partes contratantes, se supõe que eles só poderão negociar conjuntamente e conceder rebaixas tarifárias ou qualquer outro privilégio que seja aplicado legalmente aos quatro que substituiram suas tarifas nacionais por uma de um bloco, como pretende ser o Mercosul.
Existem, ademais, pelo menos duas outras resoluções do Conselho do Mercosul que declaram sua decisão de negociar conjuntamente acordos com terceiras partes, mas essa é uma decisão politica, que deveria ser politicamente respeitada pelos quatro (e que portanto pode ser modificada politicamente).
O fato é que a UA do MErcosul é uma colcha de retalhos, aplicada parcialmente pelos quatro, com inúmeras exceções nacionais, o que converte essa UA em algo surrealista.
O Mercosul negocia conjuntamente acesso a mercados (tarifas e regras de política comercial), mas não investimentos ou propriedade intelectual, por exemplo, pois carece de instrumentos mais abrangentes.
Ele negociou conjuntamente com Israel, o que chamam de tratado de livre-comércio (na verdade um acordo de liberalização comercial, que precisa ser registrado na OMC, depois que todos o ratificarem).
Os tratados de associação comercial no ambito latino-americano (com excecao do concluído com o Chile) sao uma caricatura, cheios de exceções bilaterais e setoriais, sem criar de verdade muito comércio.
Acredito que se houver uma resolução política concedendo aos paises membros o direito de negociar separadamente, eles o farao, e depois se encontrará uma maneira de conciliar concessões internamente ao bloco e no âmbito da OMC.
O desrespeito às normas de política comercial é imenso, dentro e fora da OMC.
Paulo Roberto de Almeida

Pergunta 2:
Ou seja, nosso futuro presidente não tem impedimentos legais para negociar um acordo em separado com os EUA por exemplo....

Comentários 2 PRA:
Eu não diria isso, pois o Brasil estaria infringindo uma resolução pela qual ele se bateu denodadamente, justamente impedindo o Uruguai de negociar um acordo em separado com os EUA, como pretendia Tabaré Vasquez e seu ministro da economia (agora vice-PR) Danilo Astori.
Creio que o futuro presidente, se não for um sucessor direto de Lula, poderia obter do Mercosul uma resolução política dando liberdade por algum momento (ou seja uma janela de oportunidade) para que os países negociem acordos de livre comércio com terceiros países, desde que respeitassem a cláusula NMF para dentro, ou seja, estendessem as mesmas vantagens aos demais parceiros do Mercosul.
Creio que a fórmula poderia ser essa, mas não deixa de ser incongruente com o espírito de uma UA (que o Mercosul pretende ser), ainda que possa nao ser contrária a alguma "lei" (pois não existe nesse caso).
No plano prático, não sei se conseguiríamos ter um acordo em separado com os EUA, pela mesma razão pela qual os EUA nao têm uma ZLC com a UE, pois são complexos os problemas, derivados de regras muito intrusivas, que independem apenas de tarifas ou simples normas ou medidas de acesso a mercados.
Os EUA costumam exigir bem mais do que simples rebaixamento tarifário, indo para propriedade intelectual, investimentos, competição, livre fluxo de capitais, etc. Muito complicado para um país protecionista como o Brasil.
Por outro lado, seria preciso ficar claro que os EUA tampouco desmantelariam o arsenal protecionista, que a despeito de ser bem menor do que o brasileiro, é especialmente incidente sobre aqueles setores nos quais temos vantagens nítidas sobre eles, ou seja, há uma infeliz coincidência entre nossos produtos competitivos e o protecionismo setorial deles (geralmente agricultura, mas alguns setores industriais tambem).
Não acredito, sinceramente, na possibilidade de um acordo comercial Brasil-EUA, apenas, talvez, um acordo de facilitação de negócios...
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Paulo Roberto de Almeida
(30/12/2009)

1631) Politica externa brasileira: editorial do jornal O Globo

Extremamente forte, a propósito da situação no Irã. Creio que não necessita nenhum comentário.

Ventos de Teerã
Editorial O Globo, 29 de dezembro de 2009

Na entrevista concedida ao GLOBO e publicada na sexta-feira 25, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, aproveitou para reafirmar a defesa brasileira de seu novo aliado preferencial, o Irã de Mahmoud Ahmadinejad. Por uma dessas trapaças do destino - mas que não pode ser creditada ao azar -, logo no domingo o regime dos aiatolás protetores do radical presidente iraniano, reeleito numa eleição fraudada, começou a desfechar nova onda de repressão à oposição interna, a mais violenta desde as manifestações ocorridas depois de anunciada a vitória contestada de Mahmoud Ahmadinejad.

Como o Irã foi tomado por uma atmosfera política inflamável, qualquer fagulha ameaça deflagrar explosões incontroláveis. A nova leva de protestos começou dias antes, com a morte de um dos clérigos dissidentes, o aiatolá Hossein Ali Montazeri. E, ao manter a repressão nas ruas em um importante feriado religioso, o regime jogou mais combustível neste incêndio. Ler a entrevista do chanceler brasileiro enquanto se acompanha o noticiário de Teerã é esclarecedor, para se ter medida dos riscos que a diplomacia brasileira corre ao abrir um guarda-chuva sobre uma ditadura teocrática metida numa aventura nuclear - tudo em nome de um antiamericanismo de ocasião, provavelmente para Brasília, em período eleitoral, afagar frações aliadas mais à esquerda.

A perigosa aventura de Ahmadinejad, sob a proteção do aiatolá Ali Khamenei, é defendida por Amorim com o malandramente falso e cândido argumento de que quem tem arsenais deste teor não pode criticar o Irã (EUA, Rússia etc.). O argumento cabe no figurino ideológico bolivariano do caudilho Hugo Chávez. Uma coisa são nações que saíram da Guerra Fria com estes arsenais, mas que participam dos fóruns que tratam do assunto, e negociam acordos de redução no número de ogivas; outra, um país subjugado por uma ditadura de fanáticos religiosos, à margem de qualquer respeito à diplomacia multilateral.

Caso a situação política interna no Irã rume para a ruptura institucional, desaguando num massacre interno, o Brasil irá à ONU defender aiatolás corruptos, sanguinários, fanáticos e sua guarda pretoriana? A julgar pelo silêncio de Amorim, na entrevista ao GLOBO, quando perguntado sobre a leniência brasileira com relação a Cuba, é provável que isto ocorra, infelizmente. Aliás, é o que o Itamaraty tem feito quando se abstém de condenar nas Nações Unidas governos marginais como o do Sudão, em busca de votos para conseguir um assento no Conselho de Segurança.

Essa clivagem ideológica acentuada da diplomacia apenas sabota o projeto do próprio governo de elevar o status do país como parceiro global confiável. Os terceiro-mundistas, bolivarianos e defensores de Ahmadinejad estacionaram um poderoso carro-bomba dentro deste projeto.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

1630) BNDES: desembolsos superam 137 bilhoes em 2009

Tem quem ache uma maravilha. Seria preciso dizer (ou lembrar) a essas pessoas que o dinheiro saiu do bolso delas. Em 2009, o Tesouro repassou mais de 100 bilhões de reais ao BNDES (além do que ele já dispõe regularmente, como fundos legais, FAT, essas coisas). Ou seja, o Tesouro fez dívida pública, remunerada na média a 10%, para que o BNDES pudesse repassar a industriais amigos e à Petrobras a 6%, apenas.
Em última instância, somos nós que estamos pagando...
Paulo Roberto de Almeida (29.12.2009)

BNDES encerra 2009 com desembolso recorde
O BNDES registrou em 2009 o maior volume de desembolsos de sua história, com liberações de R$ 137,3 bilhões. O crescimento foi de 49% em relação aos desembolsos de 2008. Se incluirmos repasses para operações de giro a bancos federais, o valor ascende a R$ 139,7 bilhões.

As liberações para o setor industrial responderam pela maior parte dos desembolsos do Banco, atingindo R$ 60,1 bilhões, uma alta de 54% em relação a 2008. Os desembolsos para infraestrutura totalizaram R$ 46,5 bilhões, um aumento de 32% na comparação com o ano anterior.

Os dados divulgados nesta terça-feira, 29 de dezembro, contabilizam as liberações que serão realizadas até 30 de dezembro e ainda poderão sofrer algum tipo de revisão. De qualquer forma, ilustram o resultado excepcional obtido em um ano em que o BNDES foi um instrumento importante na estratégia do governo de combater os efeitos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira.

O Banco reduziu fortemente as taxas cobradas em seus financiamentos, estimulando especialmente os setores de bens de capital, inovação e intensificando seu apoio às micro, pequenas e médias empresas. Também ampliou sua atuação no financiamento à exportação e capital de giro, em função da retração do crédito observada a partir do quarto trimestre de 2008.

As medidas tomadas pelo BNDES, em coordenação com outros bancos públicos e demais esferas do governo federal, ajudaram o país a superar a fase mais aguda da crise e a retomar a trajetória de crescimento do PIB, do emprego e do investimento.

Assessoria de comunicação do BNDES

1629) Livro Relacoes Brasil-Europa 2010-2020


Participei com um capitulo sobre as bases conceituais de uma (qualquer uma) política externa nacional. Para os bons entendedores...

Livro – Brasil – União Europeia – América do Sul (Anos 2010-2020)
Boletim Mundorama, 29 de Dezembro de 2009

Brasil – União Europeia – América do Sul (Anos 2010-2020)
Estevão C. de Rezende Martins e Miriam Gomes Saraiva (organizadores) 

Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2009

Esta publicação contém as comunicações apresentadas durante o Colóquio Internacional “Brasil – União Europeia – América do Sul, anos 2010-2020″ realizado em outubro de 2008 no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

Sumário


Introdução: Brasil, União Europeia e América do Sul, por 
Estevão C. de Rezende Martins e Miriam Gomes Saraiva (organizadores) 



Primeira parte: O Brasil entre a União Europeia e a América do Sul


Bridge over trouble waters: Brasil, Mercosul e União Europeia (1980–2008), por 
Marcelo de Almeida Medeiros Natália Leitão

La Unión Europea y Brasil: entre el birregionalismo y el bilateralismo, por 
Susanne Gratius

EU-Mercosur Relations after the EU-Brazilian Strategic Partnership, por 
Andrea Ribeiro Hoffmann

As relações entre a União Europeia e a América Latina – o Mercosul neste enquadramento, por 
Raquel Patrício

O Brasil entre a União Europeia e a América do Sul entre continuidades e mudanças nos governos de Cardoso e Lula: limites para uma relação triangular, por 
Miriam Gomes Saraiva

No canteiro das ideias: uma reflexão sobre o conceito de parceria estratégica na ação internacional do Brasil à luz das suas relações com a União Europeia, por 
Antônio Carlos Lessa 



Segunda parte: Através do Atlântico: convergências ou rivalidades?


Estados Unidos, UE, OTAN e Rússia: unidade e divisão estratégica, por 
Cristina Soreanu Pecequilo

Leadership without Followers: The Contested Case for Brazilian Power Status, por 
Andrés Malamud

O desenvolvimento da cooperação parlamentar após a Guerra Fria, por 
Maria Sofia Corciulo

O déficit democrático e as instituições parlamentares internacionais, por 
Maria Claudia Drummond

Representação, legitimidade, cultura e identidade: Estados, governos e sociedades nos processos de parceria entre blocos, por 
Estevão C. de Rezende Martins 



Terceira parte: Simetrias e assimetrias institucionais


De Monarquías transoceánicas a “Estado-nación” y al Estado plurinacional post-soberano en la Unión Europea: Governance multinivel y paradiplomacia (1776-2008), por 
Joseba Agirreazkuenaga

Bases conceituais de uma política externa nacional, por 
Paulo Roberto de Almeida

Estado e condicionantes constitucionais nos processos de integração regional, por 
Patrícia Luíza Kegel
Introdução

Durante 2007, o Brasil celebrou seu primeiro encontro de cúpula com os países da União Europeia onde foi assinada uma “parceria estratégica” entre ambos. O encontro ocorreu ao mesmo tempo em que as negociações políticas de formação de uma associação inter-regional entre a UE e o Mercosul estão paralisadas (na prática, desde 2004). A cúpula e a “parceria estratégica” com apenas um dos membros do Mercosul (o maior deles) chamou a atenção dos analistas. Muitas razões explicam o encontro: o Brasil vem demonstrando um comportamento pró-ativo em assuntos internacionais, especialmente em relação às negociações da OMC e agora no Grupo dos 20 formado para enfrentar a situação de crise econômica que abalou o mundo em 2008; Portugal ocupava a presidência da UE nesse momento (e mantém laços históricos com o Brasil); a UE vem estabelecendo parcerias com outros system-affecting states ou potências emergentes, como a China e a Índia (embora estes países não tenham outro fórum de diálogo político com a UE). Não obstante, é possível identificar um outro fator explicativo para a cúpula: o papel diferenciado que o Brasil pode vir a desempenhar na América do Sul.

Desde o princípio da presidência de Lula da Silva, a diplomacia brasileira vem adotando uma estratégia de construção de uma liderança na América do Sul, buscando vínculos mais fortes com os Estados vizinhos, assim como uma integração em termos econômicos, de infraestrutura e de defesa de regimes democráticos. As iniciativas de cooperação Sul-Sul foram intensificadas com a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), assim como as ações do Brasil como mediador de situações de crise tomaram maior volume. A ascensão de governos não-liberais, especialmente na Venezuela com Chávez, mas também na Bolívia e no Equador, foi motivo de preocupação para a União Europeia e seus Estados-membros. Em relação ao Mercosul, a participação do presidente Chávez em seus fóruns políticos contribui para levantar indagações sobre o desdobramento do diálogo com a UE.

Com vistas a responder estas questões, em outubro de 2008 o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília organizou, nos marcos do Projeto Renato Archer “Parcerias Estratégicas do Brasil: a construção do conceito e as experiências em curso”, o Colóquio Internacional “Brasil – União Europeia – América do Sul, anos 2010-2020”. O seminário contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais e da Fundação Konrad Adenauer no Brasil.

O objetivo das diversas mesas redondas que tiveram lugar no colóquio foi debater os diferentes papéis que o Brasil e os demais atores vinculados às relações tanto UE-América do Sul quanto, mais especificamente, UE-Mercosul possam ter desempenhado, desempenham ou possam vir a desempenhar, no plano de suas respectivas políticas externas, neste triângulo, dentro de um cenário de crise financeira iniciada em fins de 2007 e cujos desdobramentos, em 2009, se agravam. Os debates trataram de temas como o papel do Brasil como liderança em sua região; a importância e o possível impacto da parceria estratégica entre a UE e o Brasil nas relações birregionais. Debruçaram-se também sobre outras formas não-estatais de cooperação entre as duas regiões, sobre experiências europeias e a superação do atlantismo político tradicional. Questões conceituais como o Estado, a política externa e o impacto constitucional de um processo de integração estiveram igualmente na ordem do dia.

Como um bom exemplo de parceria intelectual, a colaboração entre a Universidade de Brasília, o Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, que comemora quarenta anos de suas atividades no Brasil em 2009, permitiu-nos reunir no presente livro uma série de contribuições produzidas para o colóquio. Diversos pontos são tocados nos

textos aqui apresentados ao público: Há ainda sentido em falar de parcerias estratégicas bilaterais entre países-membros de organizações regionais? Em que dimensão pode se dar uma parceria estratégica entre um Estado e uma organização regional: no plano dos Estados nacionais ou no patamar coletivo das instituições supranacionais? Há requisitos de nível de integração prévia entre Brasil e a UE para se estabelecerem padrões de uma parceria estratégica nos campos político e econômico? Que outros campos de integração se fazem necessários, como ações de política pública para incrementar esta parceria? A questão de eventuais “relações em eixo” viria a ser decisiva para os impulsos internos aos processos de integração e igualmente para os externos, chamados de “negociações entre blocos”? Buscou-se examinar nos artigos que compõem esta obra se, para a consolidação e/ou a expansão dos laços inter-regionais entre América do Sul e a UE, se requer o protagonismo moderador de determinado(s) país(es).

Reiteradas afirmações de dirigentes, tanto americanos quanto europeus, destacam a necessidade de se estabelecerem relações privilegiadas entre dois parceiros específicos. O próprio conceito de “parceria estratégica” busca sua melhor definição. Prevalece o campo da economia e do comércio com bases na intocabilidade do pragmatismo? perspectiva histórica dos respectivos protagonismos, nos planos político, econômico, jurídico, comercial, cultural, esteve no foco de abordagem dos artigos que se seguem, destacando-se o papel regional dos Estados, multiplicidade, superposição, concorrência entre organismos multilaterais, papel dos parlamentos regionais, a dimensão da justiça, as sociedades civis, a cultura.

Com vistas a responder a tantas indagações, o livro é dividido em três partes. A primeira concentra-se mais propriamente no papel do Brasil entre a UE e América do Sul, desde a perspectiva dos Estados, e na União Europeia como organização regional composta por Estados-membros. Seus artigos analisam as tensões e possibilidades existentes neste triângulo. Marcelo Almeida Medeiros em parceria com Natália Leitão e Andrea Ribeiro Hoffmann examinam o papel do Brasil nos marcos das relações da UE-Mercosul. Susanne Gratius analisa a tensão entre o bilateralismo e o birregionalismo nas relações Brasil-UE. Raquel Patrício situa o Mercosul dentro das relações UE-América Latina. Miriam Saraiva Antonio Lessa examinam as continuidades e as mudanças no comportamento brasileiro frente a UE e a América do Sul nos governos de Cardoso e Lula e o comportamento brasileiro no cenário internacional nos marcos da parceria estratégica com a UE.

A segunda parte orienta-se para questionamentos sobre as rivalidades e convergências que podem estruturar-se através do Atlântico. Cristina Pecequilo analisa as relações dos Estados Unidos com a UE, nos marcos da Otan, e com a Rússia. Andrés Malamud desenvolve reflexões acerca das possibilidades e limites do desempenho do Brasil como liderança regional. Maria Sofia Corciulo e Maria Cláudia Drummond concentram-se nos Parlamentos, examinando traços da cooperação interparlamentar entre as duas regiões e apresentando as características e os vínculos entre as instituições parlamentares internacionais e o déficit democrático presente nas organizações regionais. Estevão Rezende Martins trabalha com temas de representação, cultura e identidades entre diferentes atores dos processos de interação birregionais.

A terceira parte busca explicar importantes traços institucionais que marcam as duas regiões, tomando em conta tanto suas simetrias quanto suas assimetrias, assim como oferece ao leitor conceitos explicativos do comportamento externo dos Estados. Joseba Aguirreazkuenaga analisa as diferentes feições do Estado e de atores supra e sub-nacionais. Paulo Roberto de Almeida desenvolve reflexões sobre conceitos orientadores de uma política externa como interesse nacional, representação de interesses sociais e ação diplomática. E Patrícia Kegel examina as condicionantes constitucionais que operam sobre os processos de integração regional.

Por fim, os organizadores deste volume expressam seus agradecimentos ao Ministério da Ciência e Tecnologia que, mediante o CNPq, apoia financeiramente este projeto acadêmico. Agradece também à Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC), de Brasília, que ofereceu suas instalações e apoio para a realização do colóquio. E um agradecimento especial é aqui dirigido à Fundação Konrad Adenauer, cuja profícua parceria permite a presente publicação.

Boletim Mundorama, 2. Biblioteca, Livros

1628) Retrospectiva 2009 - Brasil e mundo

Fim de ano
Retrospectiva 2009

Opinião e Notícia, 28/12/2009

No ano de 2009, o Brasil esteve no centro de vários acontecimentos que marcaram a história. A interferência na crise de Honduras, que abalou seu relacionamento com outros países, como os Estados Unidos, aconteceu em meio a uma crise no Senado, o início da Reforma Ortográfica — que modificou mais o vocabulário de Portugal do que o brasileiro –, a escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016 e o trágico acidente com o voo 447 da Air France. Enquanto a imprensa mundial dizia que o país seria a “grande potência do século XXI”, o presidente Lula — a personalidade do ano, segundo o Le Monde – derrapou na maneira como conduzia a política externa e recebeu um dos líderes de estados mais impopulares da atualidade, Mahmoud Ahmadinejad.

Enquanto isso, o vizinho Hugo Chávez, presidente da Venezuela, conquistou a reeleição ilimitada, a maior seguradora do mundo teve um prejuízo histórico e derrubou as bolsas de quase todos os países e o presidente norte-americano recebeu o Nobel da Paz por suas ideias no primeiro ano de governo. A General Motors pediu concordata e o G-20 decidiu liberar US$ 5 trilhões para salvar a economia mundial. Em 2009, a Unesco lançou a Biblioteca Digital Mundial, centenas de pessoas morreram em decorrência do vírus H1N1 e a Coreia do Norte fez testes nucleares com bombas tão potentes quanto a de Hiroshima.

Veja abaixo estes e outros acontecimentos marcantes deste ano em seus respectivos meses:

JANEIRO

Posse de Barack Obama
- E agora, Barack
O governo Bush ajudou em muito na formação dessa imagem ’salvacionista’ do presidente Obama. Segundo o professor Maurício Parada, muito da expectativa em torno dele, na verdade, é frustração com o presidente anterior. “Se Obama acreditar na imagem do ‘salvador’, provavelmente teremos outro péssimo presidente americano”

Início da Reforma Ortográfica
- O bê-á-bá da unificação gráfica da língua portuguesa
Entra em vigor no Brasil as novas regras ortográficas da língua portuguesa.

Neste mês, o Opinião e Notícia passa a publicar críticas semanais de cinema e teatro feitas pelo colunista Franscisco Taunay.

Obituário:
- John Updike
- Gaston Lenôtre

FEVEREIRO
Fechado acordo para pacote de US$ 789 bilhões
Com o aprofundamento da crise financeira, o Congresso norte-americano e a Casa Branca anunciam um acordo para a aprovação do pacote de resgate da economia de US$ 789 bilhões. A crise financeira trouxe o temor de uma crise política, caso o “fantasma” do nacionalismo econômico voltasse a assombrar o mundo, como destacou a revista Economist.

Chávez conquista reeleição ilimitada
Em comemoração aos dez anos de governo, Hugo Chávez realiza o referendo que deu a ele reeleição ilimitada com a aprovação de 54,36% da população.

MARÇO
Prejuízo da AIG derruba bolsas
AIG tem prejuízo de US$ 61 bilhões, levando o índice Dow Jones ao seu mais baixo nível e derrubando as bolsas de todo o mundo. Mesmo assim, a seguradora pagava bônus milionários a seus executivos. Em decorrência disso, o Federal Reserve e o Tesouro dos EUA pedem revisão de normas financeiras.

Tribunal internacional expede mandado de prisão contra Omar al-Bashir.

ABRIL
G-20 anuncia US$ 5 trilhões para a economia
Marcos Cintra, vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas, analisa se a injeção maciça de US$ 5 trilhões resolverá o problema da credibilidade dos bancos.

Criadores do site Pirate Bay são condenados à prisão
Seus criadores são condenados por violar arquivos protegidos por direitos autorais. Fundado em 2004, o The Pirate Bay é o principal site mundial de downloads de filmes, músicas, jogos e softwares. Estima-se que tenha entre 22 e 25 milhões de usuários em todo o mundo.

Unesco Biblioteca Digital Mundial
Biblioteca Digital Mundial é lançada em 21 de abril e reúne coleções de livros raros, mapas, filmes, manuscritos e registros sonoros provenientes de bibliotecas e arquivos de todo o mundo.

Obituário:
- Maurice Druon
- Márcio Moreira Alves

MAIO
Surto de gripe suína
Laboratórios não conseguem alcançar a velocidade com que a epidemia se alastrava. Falta vacina e remédios para os infectados.

Coreia faz testes nucleares
Teste norte-coreano com potência da bomba de Hiroshima.

Voo 447: desafogando do espetáculo e imergindo na análise, finalmente
Airbus A330 do voo Air France 447, que ia do Rio de Janeiro para Paris, cai no Oceano Atlântico com 228 pessoas a bordo, sendo pelo menos 58 brasileiros.

Obituário:
- Zé Rodrix

JUNHO
GM apresenta pedido de concordata
Credores da companhia concordam em trocar parte das dívidas da empresa por uma maior participação acionária no negócio reestruturado, eliminando assim um dos principais obstáculos para uma concordata mais organizada.

Eleições no Irã
Apesar das suspeitas e protestos, as eleições não são anuladas e Ahmadinejad continua no poder.

Queda do diploma de jornalista
O Supremo Tribunal Federal, por 8 votos a 1, coloca fim à obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. A decisão causa grande polêmica no universo da comunicação e divide a opinião dos profissionais.

Início da crise em Honduras
O presidente Manuel Zelaya é preso pelo exército hondurenho e expulso do país. Ação é motivada pelo desejo do presidente, que assumiu o cargo em 2006, de disputar um segundo mandato, o que não é permitido pela constituição de Honduras. A crise se estende e na tentativa de volta ao país, em setembro, Zelaya pede abrigo na embaixada brasileira.

Obituário:
- Pina Bausch
- Michael Jackson
- Farrah Fawcett
- David Carradine

JULHO
Propriedade intelectual
Tecnologias ‘verdes’: o planeta e as patentes. Esqueça a luta pelo licenciamento compulsório das drogas retro-virais anti-HIV. A guerra das patentes agora se dá à luz do aquecimento global.

Escândalos envolvendo o presidente do Senado, José Sarney
PT muda de posição e respalda Sarney. O presidente Lula vê o senador José Sarney como uma peça fundamental para uma aliança estratégica entre PT e PMDB, visando as eleições de 2010. A posição do PT de não retirar o apoio a Sarney foi acertada em uma reunião da bancada do partido no Senado com a participação pouco comum do presidente do partido, Ricardo Berzoini, que foi a voz do governo.

Obituário:
- Sérgio Viotti
- Robert McNamarra
- Karl Malden

AGOSTO
Crise no Senado
A crise no Senado se estende. Entre escândalos de lavagem de dinheiro, Sarney consegue uma liminar judicial para censurar o jornal O Estado de São Paulo.

Aproximação entre Lula e Collor
Quem acompanhou as eleições de 1989 deve estar se questionando e muito sobre os rumos que Brasília tem tomado. Nesta semana, o presidente Lula recebeu em seu gabinete e sem divulgação Fernando Collor de Mello.

III Prêmio Opinião e Notícia
Com o tema vinculado à Web 2.0, com olhares ao conteúdo colaborativo na Internet, a promoção tem novidades, como a participação de estudantes matriculados não só em cursos de graduação como de pós-graduação. A vencedora foi Manuela Ilha Silva, do Rio Grande do Sul.

Obituário:
- Ted Kennedy
- Kim Dae-jung
- Les Paul

SETEMBRO
O elemento Marina Silva
Ao deixar o PT e filiar-se ao Partido Verde no dia 30 de agosto, Marina Silva muda o cenário das eleições 2010, com uma possível candidatura à presidência. Mas a senadora também pode ser afetada com o que se habituou chamar de “efeito Marina”.

Imprensa x Senado
Sarney, que é também escritor, diz que “a mídia passou a ser inimiga do Congresso, das instituições representativas”.

Governadora do Rio Grande do Sul ameaçada de impeachment
Assembleia Legislativa aceita pedido de impeachment da governadora Yeda Crusis, acusada de crime de responsabilidade.

Obituário:
- Mary Travers
- Carlos Alberto Direito

OUTUBRO
Olimpíadas no Rio
O Rio de Janeiro é a cidade escolhida para ser a sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Em Copenhagen, o Comitê Olímpico Brasileiro festeja o anúncio dado pelo Comitê Olímpico Internacional.

Obama Nobel da Paz
O presidente norte-americano é escolhido por seus esforços pela paz mundial e em prol do desarmamento nuclear.

Violação na prova do ENEM
Após o vazamento das provas o ministro da Educação, Fernando Haddad, decide adiar a prova.

Pré-estreia do filme de Lula
Com um custo de R$ 16 milhões, a produção pretende quebrar o recorde anterior e se estabelecer como o filme mais assistido no país. O filme Lula, o Filho do Brasil chega aos cinemas no mesmo ano em que há a tentativa de se eleger Dilma Rousseff para a presidência.

“Brasil é a potência do século XXI a se observar”, diz Financial Times
De um lado, o comentarista Michael Skapinker trata questões positivas do Brasil, com uma economia pujante e plena de recursos naturais. Por outro, aborda problemas de violência e desigualdade social, comparando duas visões antagônicas do país.

Obituário:
- William Safire

NOVEMBRO
Apagão
O blecaute deixa várias cidades das regiões Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil às escuras e ainda não tem uma explicação clara. Há inclusive interrupção parcial do funcionamento de telefones fixos e celulares em algumas regiões.

Mahmoud Ahmadinejad no Brasil
A vinda do presidente iraniano ao país tem causado inúmeros protestos, principalmente da comunidade judaica, e acontece há apenas uma semana de o presidente de Israel, Shimon Peres, ter estado no país. Muitos consideram que o Brasil está, mais uma vez, se aproximando de governos autocratas ao receber um presidente que nega o holocausto e é leniente com o apedrejamento de homossexuais.

20 anos da Queda do Muro de Berlim
Em 2009 são comemorados os 20 anos da queda do Muro de Belim. O Opinião e Notícia traz uma série especial sobre o tema:
O muro caiu?
As tragédias do muroO muro e a arte
Gorbachev e o muro
O sindicato que minou as bases do muro

Uso de exames de estudantes para propaganda política
A prova do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) abre inúmeras discussões. A primeira delas é a própria estruturação do exame, que a partir deste ano é universal e não mais por amostragem.

Cláudio Schamis, colaborador do Opinião e Notícia desde 2008, passa a ser colunista semanal. Seu artigo de estreia é Lula Pop Star.

Obituário:
- Claude Lévi-Strauss
- Mentor da bomba-H

DEZEMBRO
Mensalão do DEM – Caso Arruda
Em uma operação da Polícia Federal, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, é apontado como líder de um esquema que daria propinas para deputados do estado, similar ao mensalão de 2005.

Copenhague e o escândalo dos e-mails
Aquecimento incerto: Climategate levanta dúvidas sobre efeito do homem nas mudanças climáticas.

Berlusconi mais popular após agressão
Silvio Berlusconi, 73 anos, tem o nariz e dois dentes quebrados, além de um corte profundo na boca, ao ser agredido logo após um comício em Milão.

China prestes a se tornar maior exportador do mundo
Há expectativa que o país asiático ultrapasse a Alemanha no fechamento dos números relativos a 2009.

Obituário:
- Yegor Gaidar
- Jennifer Jones

domingo, 27 de dezembro de 2009

1627) Brasil é grande, diz ministro da Defesa...

Nao se pode discordar, mas quem é de verdade grande não precisa ficar lembrando...

Brasil agora enfrenta "risco de país grande", diz Jobim
Entrevista concedida pelo Ministro da Defesa
ELIANE CANTANHÊDE
Folha de São Paulo, 27.12.2009

Ministro da Defesa, que ordenou mudanças em relatório da FAB, afirma que perdedores da disputa para fornecer caças podem retaliar
Jobim diz que "americano tem mania de achar que a América Latina é uma coisa só" e defende relação com os EUA "no mesmo nível"

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, admite a hipótese de retaliação política dos perdedores do programa F-X2, de renovação de 36 caças da FAB, e avisa que o Brasil tem de estar preparado para elas. "Pode haver questões políticas que você tem de saber administrar. Quando você faz opções, sempre pode ter problemas. Isso é risco de país grande, e só vamos ficar sabendo depois", disse ele à Folha.
Deixando claro nas entrelinhas a opção pelo Rafale, da França, que concorre com o Gripen NG, da Suécia, e o F/A-18 Super Hornet, norte-americano, Jobim disse ainda que chamou a Aeronáutica para mudar as regras da indicação técnica. Segundo ele, foi porque "a transferência de tecnologia passou a ser prioridade". Depois de 34 viagens internacionais no ano, disse que a América Latina deve ter uma relação com os EUA "no mesmo nível, não de baixo para cima". Neste ano, firmou o maior acordo militar brasileiro na história recente, comprando R$ 22 bilhões em submarinos e helicópteros franceses.

FOLHA - Por que investir bilhões em armamentos num país como o Brasil, com tanta coisa por fazer?
JOBIM - Não é investir em armamento, é investir em desenvolvimento. Tudo o que a gente está fazendo em relação à Marinha e à Aeronáutica diz respeito à construção no Brasil de submarinos, de helicópteros e futuramente de caças. Um brutal avanço tecnológico, porque a empresa estrangeira associa-se a empresas nacionais e produz no país, formando técnicos, gerando expectativas, criando empregos, o diabo a quatro. Toda a alta tecnologia se desenvolve primeiro na área militar, só depois vai para a área civil.

FOLHA - E para que um submarino nuclear?
NELSON JOBIM - O território imerso do Brasil tem 4,5 milhões de quilômetros quadrados e, numa faixa de Santa Catarina até o Espírito Santo, há a maior riqueza submersa do país. É preciso dissuasão.

FOLHA - Por que não usar os submarinos convencionais, que têm manutenção muito mais barata?
JOBIM - O submarino convencional tem uma estratégia de posição, ele vai a profundidades muito grandes, mas desenvolve velocidade baixíssima. Já o de propulsão nuclear tem estratégia de movimento e chega a até 60 km/hora. Para nosso litoral, não é possível escolher um ou outro, tem de ser um e outro.

FOLHA - Ao perseguir liderança internacional e os projetos na área nuclear, o Brasil caminha para modificar a Constituição e ter condições de construir a bomba, como desconfiam diplomatas estrangeiros?
JOBIM - Nem pensar. Isso é cogitação de diplomata que chega sem saber nada sobre o Brasil.

FOLHA - O governo deixou a decisão dos caças para 2010 porque os franceses não estão cumprindo as promessas de Nicolas Sarkozy?
JOBIM - O problema todo é esse: havia uma decisão política de prosseguir a aliança estratégica com a França e havia um processo de seleção estabelecido pela Aeronáutica, que chegou aos três finalistas. A análise que tem de ser feita é quanto à plataforma, que significa basicamente o avião; à transferência de tecnologia; à capacitação nacional; ao preço e, finalmente, ao custo do ciclo de vida. A FAB faz a análise quanto à plataforma e sua adequação às necessidades do país e informa as tecnologias que as empresas estão oferecendo, inclusive detalhando as regras de cada país para aquela tecnologia.
Aqui, surge o seguinte: a França desenvolve toda a tecnologia do seu avião, depois tem a Boeing, em que toda a produção é norte-americana, e, por fim, a Saab, sueca, que tem produção americana, que é o motor, e outras europeias.
Então, tem de verificar a regra para transferência de tecnologia de cada uma dessas coisas. Não podemos iniciar o desenvolvimento de tecnologia no país e ser surpreendidos lá adiante por um embargo.

FOLHA - A FAB apresentou um relatório e o sr. devolveu, pedindo mais explicações?
JOBIM - Eu disse a eles o que eu queria. O que eles tinham era uma modelagem que vinha desde a época do governo passado, a da Copac [Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate], e eu disse ao brigadeiro [Juniti] Saito [comandante da Aeronáutica]: "Olha, mudou a modelagem. Não é mais essa aí".

FOLHA - Foi uma forma de pedir para refazer o resultado e evitar um favorito que contrariasse a preferência do presidente?
JOBIM - Isso é presunção sua, conclusão de jornalista, partindo do pressuposto de que montei tudo para chegar à conclusão que eu quero. Não é nada disso. Quero chegar ao seguinte: isso aqui é que determinará a conclusão e não a conclusão que vai impor isso. Entendeu?

FOLHA - Não está se mudando na reta final uma regra e uma comissão que vêm há muitos anos, aliás, muito antes do governo FHC?
JOBIM - É que você teve, no meio do caminho, uma coisa que não tinha antes, a Estratégia Nacional de Defesa, que interfere em tudo, transforma a transferência de tecnologia em prioridade.

FOLHA - Na prática, o sr. vetou a FAB de indicar o favorito?
JOBIM - Não vão indicar mesmo, quem decidirá é o governo.

FOLHA - O risco de não saírem os caças é zero?
JOBIM - Praticamente zero. O presidente decide em janeiro e depois vem a negociação do contrato, que pode levar uns dois meses, como na Marinha.

FOLHA - Não é preocupante pendurar todas os contratos e equipamentos num único país fornecedor?
JOBIM - A premissa é falsa, antiga. Confunde compra de oportunidade com capacitação nacional. Se você simplesmente compra alguma coisa que não sabe fazer, sim, você fica na mão do fornecedor. Antes era assim, o que exigia uma diversidade enorme de fornecedores e o preço da logística ficava uma barbaridade. Hoje, com a premissa da capacitação nacional, é melhor produzir um tipo só, porque reduz o custo.

FOLHA - É uma defesa dos Rafale, já que os contratos são todos com a França?
JOBIM - É a defesa de quem transferir tecnologia.

FOLHA - É possível algum tipo de retaliação dos perdedores? Jurídica, por exemplo?
JOBIM - Não, porque não é uma licitação, é um processo de seleção, ou seja, com dispensa de regras previstas na 8.666 [Lei das Licitações]. Bem, pode haver questões políticas que você tem de saber administrar. Evidentemente, isso pode acontecer em qualquer hipótese. Se você escolher o Gripen, pode ter problemas com os franceses e os americanos. A mesma coisa se for o F-18. Quando você faz opções, sempre pode ter problemas. Isso é risco de país grande, e só vamos ficar sabendo depois.

FOLHA - Qual o foco de reequipamento em 2010?
JOBIM - Na Marinha, nós temos interesse em navios de patrulha oceânicos, logísticos e costeiros. A Itália e a Ucrânia vão mandar gente aqui em janeiro. No Exército, o presidente autorizou R$ 43 milhões para o início do projeto do blindado sobre rodas para substituir o Urutu. A princípio, vai se chamar Guarani. Na Aeronáutica, o FX-2. E, em comum para os três, o satélite de monitoramento.

FOLHA - A nova lei de Defesa é para preparar as Forças Armadas para agir em crises urbanas, como no Rio?
JOBIM - No Exército não muda nada, porque desde 2005 ele ganhou competência de patrulhamento, revista e prisão em flagrante em caso de crimes ambientais e transfronteiriços. O que faz a nova lei? Autoriza a Aeronáutica e a Marinha a poderem fazer o mesmo.

FOLHA - Como foi a conversa com o secretário-adjunto para o Hemisfério Sul, Arturo Valenzuela?
JOBIM - Muito boa. Eu defendi que os EUA se reapresentassem à América Latina, e a reapresentação passa pela relação com Cuba. O problema americano qual é? Não é o caso dele, mas americano tem mania de achar que a América Latina é uma coisa só, e não é. Mostrei a ele que nós queremos criar uma região de paz e ter uma relação com os EUA no mesmo nível, não de cima para baixo.

1626) Estado forte, mas ausente, onde deveria estar...

Ausência do Estado
Editorial O Estado de S.Paulo
Domingo, 27 de Dezembro de 2009

Elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com o objetivo explícito de mostrar a importância do papel do poder público na vida da população brasileira, o recém-divulgado estudo Presença do Estado no Brasil: Federação, suas unidades e municipalidades é, em vários aspectos, uma comprovação da inexistência de serviços públicos em muitas localidades, ou de sua insuficiência, em outras.

Apesar do alto custo que a sustentação do seu enorme aparato impõe a todos os cidadãos - como deixa claro o próprio estudo do Ipea, ao registrar o imenso contingente de funcionários públicos espalhados pelo País -, o Estado não cumpre adequadamente seu papel em parte significativa do território nacional. Em milhares de municípios faltam serviços públicos essenciais, e os mais prejudicados são justamente os que mais precisam deles, pois suas populações não dispõem de recursos para pagar pelos serviços privados.

O objetivo do trabalho, como afirma em seu prefácio o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, foi "destacar como ocorre a presença do Estado ao longo do território brasileiro, com ênfase especial nas municipalidades, onde, de fato, vivem e convivem os brasileiros e as brasileiras". O que se destaca, porém, é o contrário desse enunciado - ou seja, a ausência do Estado.

A carência da ação pública é notável especialmente na área da saúde, o que mostra, mais uma vez, a limitada eficácia do Sistema Único de Saúde (SUS), cujos princípios foram estabelecidos em 1990, cumprindo determinação constitucional. Entre esses princípios estão a universalidade, a integralidade (atender às necessidades das pessoas, ainda que não sejam iguais às da maioria) e equidade (todos devem ter igual oportunidade de usar o sistema público de saúde). De um total de 5.564 municípios, 1.867 (33,5%) não dispõe de estabelecimentos de atendimento de urgência do SUS e um número ligeiramente maior (1.875 municípios) não tem estabelecimentos de atendimento de internação do SUS. Em 938 municípios, as unidades do SUS não dispõem de equipamentos para diagnóstico e terapia.

Ainda na área da saúde, a pesquisa constatou que os moradores de 428 localidades não dispõem de médico que atendam pelo SUS. Em 2.780 municípios não há unidades de vigilância epidemiológica e sanitária de qualquer ordem. Obtidos a partir de informações dos três níveis de governo, esses dados são bastante recentes, referindo-se a abril deste ano.

É uma deficiência socialmente perversa, pois prejudica mais os mais pobres. Com razão, o presidente do Ipea observa que "quem mais sofre com a ausência do Estado é aquele contingente da população que não tem recursos próprios para utilizar os serviços privados, e depende do setor público". Ou seja, a ineficácia do serviço público atinge mais duramente a base da pirâmide social.

Na área da cultura, a pesquisa constatou que, em 2.953 municípios (ou 53% do total), não existem estabelecimentos públicos de cultura, como museus e teatros. Em 1.560, não existe serviço de cultura com patrocínio público em nenhum nível de governo.

Dados como esses poderiam ser utilizados como argumento para aumentar os gastos dos três níveis de governo, sobretudo com a contratação de pessoal. Mas, na maioria dos casos, não se trata de falta de pessoal ou de recursos, e sim de má distribuição dos serviços públicos. Uma mudança nos critérios de montagem dos orçamentos, sobretudo os da União e dos Estados, para o atendimento prioritário dos municípios carentes, por exemplo, reduziria rapidamente esses indicadores negativos sobre a distribuição dos serviços públicos de saúde e de cultura.

Quanto a funcionários públicos, seu número é mais do que suficiente para prestar serviços à população em todos os municípios. Só na área de educação e saúde, o poder público emprega 4,2 milhões de pessoas. No total, havia, em 2008, 8,2 milhões de funcionários públicos, o equivalente a 20,8% do total de brasileiros com emprego formal. Ou seja, um entre cinco trabalhadores registrados estava empregado no serviço público. A maior parte deles (4,4 milhões) era formada por funcionários municipais; os governos estaduais empregavam 3,1 milhões de pessoas e o federal, os demais 676 mil funcionários.

1625) Jornalismo brasileiro: caminhando rapidamente para a ignorancia...

A matéria abaixo me foi enviada por um amigo, que talvez desconheça direito privado e tratados internacionais, mas sabe que sou diplomata, e talvez tenha querido me provocar, não sei se ratificando a "tese" do jornalista de que o garoto americano recentemente devolvido a seu pai biológico o foi em troca de um "tratado comercial", o que apenas revela a ignorância completa do jornalista, como comento mais abaixo.
Quando jornalistas desconhecem pormenores do assunto, deveriam pesquisar, em lugar de aventar hipóteses absurdas...
Paulo Roberto de Almeida (27.12.2009)

Uma vida por um acordo comercial
Postado dia 26 de dezembro de 2009 às 13:58

A polêmica do final do ano gira em torno da entrega do menino Sean Goldman, de 9 anos, ao pai americano. As acusações são as mais diversas entre ela uma gravíssima. O Brasil trocou o menino por um acordo tarifário que significa uma economia de alguns milhões de
dólares para o governo federal.
A história, resumidamente, começa no dia em que uma mulher, que tinha um filho com um americano veio passar as férias no Brasil e não voltou. O pai, David Goldman, baseado no Tratado de Haia sobre seqüestro internacional de crianças tentou reaver o filho. Há um ano e meio a mãe, Bruna Bianchi, morreu ao dar a luz uma menina, fruto de seu segundo casamento com o advogado João Lins e Silva.
Por aqui o comentário geral é que o pai só quis o filho porque ele é herdeiro da família Bianchi Carneiro. Pode ser. A verdade é que desde os quatro anos Sean estava acostumado com a família e há quase dois tinha uma irmãzinha a quem, diz a avó materna, era muito ligado.
O ministro Marco Aurelio de Melo, do Supremo Tribunal Federal havia concedido uma liminar ao padrasto de Sean que garantia que a decisão da guarda do menino seria tomada apenas em fevereiro pelo plenário do STF, já que era um caso complexo e que merecia a participação de todos os ministros. Mas Gilmar Mendes derrubou a liminar decidindo ele, autocraticamente, que Sean deveria ser tirado da família com [a qual] convivia há cinco anos e entregue ao pai biológico.
A avó materna de Sean, Silvana Bianchi, acusa o governo brasileiro de ter usado o neto para garantir um acordo comercial e tarifário. Ninguém no governo desmentiu. A verdade é que assim que Gilmar Mendes mandou entregar Sean ao pai americano, o congresso americano aprovou o tal acordo. Também é verdade que o presidente Lula que se manifesta sobre tudo não abriu a boca sobre o caso, apesar do pedido público de Silvana Bianchi. Também é verdade que o Ministro Paulo Vanuchi, dos Direitos Humanos, não negou quando foi acusado publicamente de defender a entrega de Sean a David Goldman, para que o Brasil não continuasse a sofrer retaliações comerciais. É verdade ainda que Sean Goldman tem cidadania brasileira e não foi defendido pelo governo como deveria.
Nas rodas de bate papo aqui no Rio, ninguém entra no mérito se o menino deveria ficar com os avós maternos, com a irmãzinha e com o padrasto, que o criou a maior parte da vida ou para o pai biológico. A maioria critica a forma como foi tomada a decisão e concordam com a avó materna segundo quem a decisão de Gilmar Mendes foi uma covardia, já que ele poderia esperar o fim do recesso e discutir com os demais ministros qual deveria ser o destino de Sean.
A impressão que ficou por aqui é que temos um judiciário insensível e, pior ainda, um governo que troca vidas por acordos e que não protege seus cidadãos. Pelo menos não quando esses cidadãos possam significar problemas para seus interesses, por mais mesquinhos que sejam. E o pior: não se preocupa com idade desses cidadãos, com o estrago que possa causar na vida deles e de todos os que o cercam. Um governo para o qual alguns cifrões valem mais que qualquer coisa, inclusive mais que a vida de uma criança.

*Maurelio Menezes, jornalista, Mestre em Ciencias da Comunicação pela ECA/

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Meu comentário (Paulo Roberto de Almeida):

NÃO, a matéria está profundamente errada.
O Brasil, seja governo ou qualquer outra entidade, nao trocou o garoto por um acordo comercial e o jornalista ignora os fatos e distorce a realidade.
O SGP, uma concessao comercial, depende inteiramente do Congresso americano, nao estando no poder do Brasil negociar o que quer que seja, pois se trata de uma concessao unilateral, que pode ou nao ser renovada, modificada, retirada, anulada, ampliada, dependendo unica e exclusivamente do Congresso americano (com acao eventual do Executivo, indicando os paises que ele quer premiar ou punir).
O garoto seria necessariamente devolvido, com SGP ou sem SGP, pois se trata de tratado internacional, a Convencao da Haia que regula esse aspecto do direito privado, da qual Brasil e EUA sao signitarios. O Brasil apenas podia devolver o garoto nao aos EUA, mas ao seu pai, que poderia ser europeu, australiano, africano, nao importa. Nao tem absolutamente nada a ver com a nacionalidade do pai ou da crianca, apenas com a relacao biologica de paternidade.
Apenas acontenceu que um senador populista achou de fazer demagogia em cima do caso, bloqueando a aprovacao para o Brasil até a decisao do STF. O SGP poderia ter sido bloqueado por outros motivos mesmo na inexistencia desse caso de direito privado.
O jornalista é um ignorante e nao deveria escrever sobre o que nao sabe.
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Paulo Roberto de Almeida
(27.12.2009)

1624) Estado brasileiro: uma trajetoria insustentavel de crescimento

Aproximando-se o início do último ano da presente administração, cabe examinar o que o governo fez consigo mesmo, ou seja, como ele cuidou dos seus próprios interesses, em lugar de cuidar prioritariamente do país.

Crescimento do Estado (desmesurado)
Com base em dados oficiais, processados pelo economista Ricardo Bergamini, esta é a evolução numérica ou quantitativa de alguns indicadores quanto ao funcionalismo federal e seus gastos respectivos.

Com base nos números conhecidos no mês de Setembro de 2009, comparando com dezembro de 2002, houve aumento do efetivo da União da ordem 316.177 novos servidores, assim distribuídos (computando apenas os de nível federal):
Executivo Civil: 104.809
Ex-territórios e DF : 16.590
Judiciário: 13.775
Legislativo: 4.739

O Gabinete da Presidência República (incluindo a advocacia geral da União) possuí 17.329 servidores ativos. Com gastos de janeiro de 2009 até setembro de 2009 de R$ 3.200.000.000,00, ou seja: uma média de R$ 355.555,555 60 ao mês.
No período do governo Lula houve acréscimo de 4.739 novos servidores no Gabinete da Presidência da República.

No Poder Legislativo Federal os novos servidores contratados neste governo foram 12.061. Trabalham no Congresso Nacional 24.608 servidores ativos (sem contar alguns milhares de inativos e pensionistas) para atender 594 congressistas. A distribuição é a seguinte:
Câmara dos Deputados: 15.792 (31,4 por deputado)
Senado Fedral: 6.544 (80 por senador)

De janeiro de 2009 até setembro de 2009 o Poder Legislativo Federal gastou a quantia de R$ 4.600.000.000,00, ou seja: uma média de R$ 511.111,111,10 ao mês. O que dá uma média de gastos por congressista da ordem de R$ 860.456,42 ao mês. (Apenas comparando: o salário mínimo ocupa apenas a fração da centena, e os parlamentares gastam 860 mil acima disso...)

O custo total de pessoal da União aumentou de R$ 75,0 bilhões em 2002 para R$ 169,0 bilhões em 2009. Incremento nominal de 125,33% em relação ao ano de 2002. Considerando inflação pelo IPCA prevista de 58,00% no período o aumento real acima da inflação será de 41,35%.

Conforme publicado em Veja (edição 2145, 30.12.2009), a dívida pública da União, em 2003 somava 1,16 trilhão de reais, ou 54% do PIB (figurativamente, cada brasileiro devia 6.597 reais).
Em 2009, a dívida pública atingiu 2 trilhões de reais, ou 67% do PIB (cada brasileiro deve, pessoalmente, 10.321 reais).
A dívida pública da União, no governo Lula, cresceu 72%; no mesmo período, a inflação foi de 47% (medida pelo IPCA).

Pergunto-me até quando os brasileiros produtivos serão capazes de suportar esse quadro desolador. Quando gastos públicos sobem acima do crescimento do PIB e bem acima da inflação, a trajetória só pode ser de desastre anunciado.
Não sei como o Brasil crescerá, posto que não há espaço para o aumento da poupança privada e, portanto, para o investimento. Cabe lembrar que a União investe uma fração mínima do investimento total, menos de 1% do PIB, todo o resto está a cargo do setor privado, nacional e estrangeiro (mas aqui em fração muito reduzida do total, embora significativa pelo lado da tecnologia, know-how e propensão a exportar).
Paulo Roberto de Almeida (27.12.2009)

1623) Bahia de Sao Salvador de Todos os Santos: um convite a belas imagens e à boa musica

Gostaria de convidar todos os frequentadores deste blog a visitarem o site de fotos de meu amigo e colega de lista Leo Teles, que presenteou todos os seus admiradores da lista com um belo passeio pela baia de Salvador, por meio de suas fotos extremamente poeticas e uma música tão encantadora quanto variada.
Eis a mensagem que ele mandou neste sábado 26 de dezembro de 2009.

Permitam-me a indulgencia de enviar-lhes umas poucas fotos que tirei da bela Baia de Todos os Santos. Sigo trabalhando em mais umas que, assim que estiverem como quero, tratarei de acrescentar ao ja interessante portfolio...
Fotos da Salvador atual, colonial e historica. Vista desde o Forte e Sao Marcelo e Solar do Unhao. Boas recomendacoes minhas para quem vier de visita à capital baiana.
Espero que estejam dos seus gostos.
http://leoteles.000page.com/#/content/Cities/Salvador%20of%20Bahia/
Abcs,
--
LEO TELES
msn: teles_leonardo@hotmail.com
http://leoteles.000page.com
http://www.flickr.com/lteles
http://twitter.com/lteles
Sent from Salvador, Bahia, Brazil

Estou neste mesmo momento ouvindo um trecho da Aida (depois de várias outras músicas) e contemplando suas muitas outras fotos, de gente, de lugares, de animais e situações inusitadas. Poesia em imagens e em sons...
Paulo Roberto de Almeida
(27.12.2009)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

1622) Bolsas de Acao Afirmativa: um dialogo importante

Recebi, a propósito de um post sobre as ações ditas afirmativas para o ingresso de negros na diplomacia,

ver este post: quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
979) Bolsas de Acao Afirmativa: preparacao de plano de estudos

vários comentários, que postei no mesmo local.
Como acabo de receber de um correspondente não totalmente identificado, mas se fazendo chamar Danielly, um longo comentário dividido em três partes (por limitações do software de comentários do Blogspot), resolvi dar o devido destaque a todo o material, reproduzindo linearmente e sequencialmente todo esse material, começando pelo meu post original, seguido dos comentários postados na sequência, e agora pelo do comentarista mais recente.
Creio que todos esses materiais devem receber o devido destaque, pois trata-se de assunto importante.
Meus novos comentários serão feitos ulteriormente.
Paulo Roberto de Almeida (25.12.2009)

1) Post Original:

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
979) Bolsas de Acao Afirmativa: preparacao de plano de estudos
Recebi, de um candidato à carreira diplomática, presumivelmente negro, um pedido de ajuda na preparação de um plano de estudos para poder candidatar-se à Bolsa do Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, que contempla aspirantes afrodescentes com apoio financeiro durante um ano, para a contratação de professores particulares, compra de livros e outros materiais de estudo, pagamento de cursinho, etc.
Devo dizer que sou filosoficamente contrário a esse programa, que me parece inscrever-se num esforço de militantes negros, apoiado pelo próprio governo, para desenvolver uma série de iniciativas de conteúdo racialista, que reputo como especialmente nefasto para o futuro da sociedade brasileira, a introduzir um elemento de apartheid nas relações entre grupos étinicos formadores do povo brasileiro.
Sou a favor de bolsas para aqueles desprovidos de meios, sem qualquer critério racial.
Isso não me impede, contudo, de responder à consulta do candidato, como fiz abaixo, logo em seguida à transcrição da mensagem recebida (devidamente descaracterizada).

PROGRAMA DE AÇÃO AFIRMATIVA DO INSTITUTO RIO BRANCO QUANTO A BOLSAS-PRÊMIO DE VOCAÇÃO PARA A DIPLOMACIA

On 24/12/2008, at 13:14, (XXX) wrote:

Mensagem enviada pelo formulário de Contato do SITE.
Nome: (XXX)
Cidade: São Paulo

Boa Tarde Professor!
Estou escrevendo para pedir um auxilio do senhor quanto ao processo do PROGRAMA DE AÇÃO AFIRMATIVA DO INSTITUTO RIO BRANCO QUANTO A BOLSAS-PRÊMIO DE VOCAÇÃO PARA A DIPLOMACIA.
Defendi meu doutorado em 2007 e desde então venho tentando ingressar nessa honrosa carreira. Desde minha graduação já tinha interesse, mas devido ao meu anseio em terminar meus estudos academicos fui deixando a oportunidade para adiante. Vou fazer o processo agora em 2009 pra tentar uma bolsa, haja visto que infelizmente me encontro desempregado e creio ser uma otima oportunidade para suprir minhas deficiencias (caso consiga). Nesse caso, peço desculpas ao senhor, mas queria saber quanto ao fato de que tenho que montar umn plano de estudos pra enviar ao Instituto Rio Branco, mas não tenho muita segurança de como deve ser esse plano. Se é algo parecido como um plano de pesquisas. Desde já peço desculpas pelo incomodo e agradeço pela atenção dispensada a minha pessoa.
Boas Festas
(XXX)

Minha resposta foi a seguinte:

(XXX),
Eu não tenho muita experiência com esse programa e não sei como e quais são os critérios de selecao, mas suponho, justamente, que muito depende de seu plano de estudos, que deve ser claro, objetivo e conciso.
Creio que uma estrutura ideal seria esta:

A. Informações pessoais
B. Formação academica
C. Avaliação da preparação pessoal ao concurso do IRBr
(pequena avaliacao qualitativa das suas "fortalezas" e "debilidades" em função da formação e das leituras)
D. Plano de Estudos
Dirigidos: curso em SP (custos, tempo, etc)
Pessoais: dedicacação especifica e reforçada em determinadas leituras, em função de C.
Listagem das materias que necessitam preparação reforçada: 1. Portugues; 2. Ingles...etc
E. Custos estimados
(avaliação geral das despesas a serem incorridas com os cursos, compra de livros, professor particular em certas matárias, assinatura de revistas e jornais, internet a cabo, etc)
F. Cronograma tentativo
(distribuição de todas essas atividades ao longo de um ano de bolsa)
G. Declaração final sobre o Programa
(especificar porque e quanto a bolsa seria importante para voce, renda pessoal, situacao familiar, profissional, etc...)
-------------
Paulo Roberto de Almeida
Postado por Paulo R. de Almeida às 4:43 PM

2) Comentários originais a este post:
7 comentários:

Caio Bertoni Viana Rocha disse...
Professor,
Concordo plenamente com sua posição acerca do assunto.
É louvável que o governo tenha a intenção de democratizar o ingresso ao Instituo Rio Branco, visando a diversificação e uma melhor representação da população brasileira nos quadros do MRE.Porém, assim como o senhor já disse, os critérios para a habilitação à concorrência de tais bolsas deveriam ser meramente econômicos e de maneira alguma raciais.
Parabéns pelo blog!
Abraços,
Caio B. V. Rocha
Quinta-feira, Dezembro 25, 2008 2:17:00 PM

Glauciane Carvalho disse...
As ações afirmativas são, extremamente, necessárias no Brasil, tendo em vista o débito histórico do governo brasileiro com a comunidade negra.Contudo, a política de cotas adotada, hodiernamente, se apresenta com uma base estrutural deficitária. Pois como o ilustre professor abordou há características de segregação, o que realmente, é maléfico para a sociedade brasileira. Mas nós temos que observar que o problema não se limita às cotas, ele é muito mais complexo, pois também se refere à falta de investimentos na área de Educação, algo que infelizmente o governo não vai resolver da noite do para o dia, por falta de disposição e de comprometimento com suas promessas de campanha frente à população brasileira.
Eu particularmente, acho benéfica esta política de bolsas, mas concordando com o renomado professor, deveria ser adotada para pessoas desprovidas de recursos. Desta forma, teríamos mais igualitarismo nas relações humanas, no contexto histórico brasileiro. Todavia, ainda que eu também seja contra a política de cotas, e deixo claro que sou da raça negra, acho que são necessárias, momentaneamente, para que se possa tentar amenizar os erros do passado.
A política de bolsas para afrodescedentes deveria ser adotada em todas as esferas. Pois existem brancos pobres que não tem condições de se preparem também para a prova do Itamaraty. E esses brasileiros, onde ficam nas políticas de inserção? Quem vai tutelar os seus direitos? Imagine só a situação de política de cotas para brancos ? Com certeza, nós chamaríamos de racismo, então, por que utilizar o nome política de cotas para afro descendentes? Neste sentido, concordo com o prof. Paulo e acho que a solução para as várias mazelas educacionais no Brasil seria investimento acirrado no ensino fundamental e médio,independente da raça, para que se possa, gradativamente, acabar com as prerrogativas, e não privilégios, pois são respaldadas em nossa ordem jurídica e dar mais isonomia e chances a todos os brasileiros. Deixo claro que sou negra e contra a política de cotas, mas neste momento, histórico brasileiro, elas são necessárias.
Quinta-feira, Dezembro 25, 2008 6:45:00 PM

Mila Donasc disse...
Concordo em Absoluto com o Dr. Paulo Roberto,é verdade que históricamente o Brasil é um país desigual, nada mais comum para um país jovem e que já passou por tantos momentos de instabilidade política. Políticas compensatórias não são definitivamente solução para o problema da desigualdade do Brasil, muito menos num nível como diplomacia, a revolução educacional deve ser feita a partir da base e assim todos terão condições equiparadas para disputar altos cargos como este. Sem citar o fato de que o Brasil não é um país racista e nem precisa desse tipo de estimulo para começar a ser. Quem acha que somos um país racista, nunca viajou nem sequer estudou esse problema em outros países do mundo. É preciso acabar com essa história de que o Brasil é um país muito rico, e entender que os recursos são limitados, quanto mais dinheiro se gasta em politicas "afirmativas" menos dinheiro sobra para se investir em educação de base com qualidade.
Sábado, Dezembro 27, 2008 12:31:00 AM

Glauciane Carvalho disse...
Desculpa senhora Mila, mas os investimentos nas ações afirmativas não atingem de forma a prejudicar os investimentos em Educação neste país. Existem muitos outros fatores que comprometem a Educação no nosso país e acho uma grande injustiça afirmar que ações afirmativas comprometem investimentos em Educação.O que para mim acaba em "sofisma hermenêutico" da problemática real enfrentada pelo Brasil. Acabar com o desvio de finalidade pública pode ser uma das grandes soluções para Educação em nosso país. Acabar com ações afirmativas seria no mínimo de absoluta irresponsabilidade de um governo, seja qual for a sua posição no globo. Devemos lutar pela "Revolução Educacional", mas simplesmente ignorar a hecatombe proferida com a escravidão e suas conseqüências nefastas para a formação da sociedade brasileira é no mínimo preocupante, para não dizer temerário.
Domingo, Dezembro 28, 2008 1:02:00 AM

Gláucia disse...
O proprietário do blog poderia, sendo um membro da corporação, solicitar o dado empírico: quantos diplomatas negros há hoje no Itamaraty? Melhor: quantos no curso do Instituto? Duvido que passe de 3%. O que acharíamos se todos os diplomatas indianos que encontrássemos fossem brancos, metade deles de olhos claros?
O Itamaraty representa o Brasil, e deve - num país que, evidentemente, ainda não somos - refletir minimamente a composição étnica da população. O governo faz isso, nesse caso, do melhor jeito: não oferecendo vagas automáticas, mas evitando que o poder econômico, como sempre faz, se imponha e impeça os negros de competir em condições de igualdade com os brancos.
O problema a resolver não é o da falta de pobres no Itamaraty, e sim o da falta de negros. Por isso, a ação afirmativa baseada em critérios raciais é a solução correta.
Domingo, Janeiro 18, 2009 4:57:00 PM

Paulo R. de Almeida disse...
Discordo ABSOLUTAMENTE (com perdão pela veemência das maiúsculas) da leitora Glaucia.
Pedir ao Estado brasileiro que verifique, estatisticamente, quantos "negros" são atualmente diplomatas e que, a partir daí, determine uma cota para o ingresso de "negros" na carreira diplomática, é uma tese absolutamente racista, e pretende que o Estado brasileiro seja um ativo promotor do APARTHEID (desculpas, mais uma vez).
A leitora Glaucia está absolutamente enganada, sob todo e qualquer critério que se possa conceber, a começar pelo antropológico, pois seria para ela, e para qualquer pessoa, determinar quem, da MAIORIA de mulatos que compoe a população brasileira, responde, no limite, à condição de "negro", como ela pretende, o que, repito, é uma tese racista e absolutamente inaceitável para qualquer padrão moral que se conceba quanto à unidade fundamental do ser humano.
Certo, ela parte de uma realidade sociológica -- que comprova que os negros e mulatos são a maioria de pobres neste país, e portanto, desfavorecidos no emprego, na educação, na vida profissional em geral -- para tentar fazer justiça social em detrimento de todos os pobres, mulatos ou não, que não poderiam ostentar essa condição racista de "negros" -- que seria obviamente reservada a menos de dez por cento da população brasileira -- para se beneficiarem de um regime de cotas que introduziria oficialmente o Apartheid em nosso país.
Sou FUNDAMENTALMENTE contra qualquer racismo em benefício de quem seja, admitindo, tão somente, que pobres em geral recebam o benefício de bolsas de estudo para tentarem equalizar suas chances de disputa com privilegiados em geral (de qualquer cor) em concursos públicos.
O mundo é injusto -- todos sabemos disso -- mas tal realidade não nos autoriza a criar mais injustiças e imoralidades apenas para corrigir males que convivem conosco por razões históricas e estruturais. Devemos, sim, esforçar-nos para corrigir essas iniquidades da melhor forma possível, atuando sobre os fatores REAIS de iniquidade, que são basicamente os de natureza econômica e social.
Estou plenamente consciente de que fatores racialistas -- ou seja, emergindo do preconceito, mas não fatores raciais, em nosso país -- estão na origem de muito sofrimento e discriminação exercidos contra pessoas negras e mulatas escuras em geral no Brasil, e isso é um resíduo dessa estupidez humana ainda persistente que se chama racismo (que ainda existe, obviamente, como componente inevitável dos comportamentos humanos ao longo do tempo). Apenas tenho a consciência ainda mais acurada de que o Estado não pode se erigir em agente de um outro tipo de racismo, institucionalizado, para corrigir os racismos individuais que existem na sociedade.
Seria a falência moral de uma sociedade construpida sobre a igualdade fundamental do ser humano.
PRA, 18.01.2009
Domingo, Janeiro 18, 2009 5:21:00 PM

3) Novos comentários por Danielly (agrupados, desta vez):

Danielly deixou um novo comentário sobre a sua postagem "979) Bolsas de Acao Afirmativa: preparacao de plan...":
(a)
Li os posts sobre o tema das bolsas de "Ação Afirmativa" direcionadas a brasileiros negros para custeio de gastos com a finalidade de os msmos se prepararem para o ingresso no IRBr. Tendo lido também os posts no blog da leitora Glaucia ( Quero Ser Diplomata), o qual gostei muito e fazendo minhas as palavras de uma determinada rsposta que, lá, a mssma postou, não vi problemas em copiá-la e aqui colar, pois essa resposta cabe na discussão que aqui se desenvolveu. O que vc (Glaucia) escreveu, resume exatamnte o que venho refletindo sobre a qUestão das "Äçõs Afirmatias", mais espcificamente, as cotas, no Brasil. Entretanto, antes de postar essa resposta, deixo aqui a forma como aparecem as Ações Afirmaivas no atual panorama jurídico segundo André Luiz Pereira de Oliveira, da Universidade Federal de Uberlândia, em seu trabalho de iniciação cientíca. Segundo o autor, "também chamadas de "medidas de discriminação positiva", (as ações afirmativas) aparecem no atual panorama jurídico como uma forma de integração dos historicamente discriminados, mediante a facilitação do acesso e da expansão de oportunidades. No Brasil, tardiamente, estas ações vêm sendo gradativamente inseridas na política social por meio da legislação e de práticas governamentais, baseando-se em preceitos constitucionais de "indícios afirmativos", dentre os quais, o de maior relevância, o próprio princípio constitucional da Igualdade (...). O interesse pela pesquisa foi despertado não só pelo fato de que a inclusão de minorias discriminadas na dinâmica da sociedade é uma necessidade contemporânea da qual o Direito não pode se abster, mas também pelo fato de que a implementação das chamadas "ações afirmativas" tem sido um tema polêmico para a comunidade da ciência jurídica, despertando opiniões divergentes.
De acordo com os resultados de Oliveira, ""Agir afirmativamente" significa ter consciência da dinâmica excludente que rege a nossa sociedade. No plano estritamente jurídico, o princípio da ação afirmativa é perfeitamente compatível com o conteúdo do Princípio da Igualdade constitucionalmente previsto. Vê-se, portanto, que a Constituição Brasileira de 1988 não se limita a proibir a discriminação, afirmando a igualdade, mas permite, também, a utilização de medidas que a efetiva, como é o caso dos citados dispositivos, inclusive materialmente". Sendo assim, o autor conclui: "As ações afirmativas, entendidas então como normas propiciadoras da implementação do Princípio da Igualdade, são implicitamente instrumentos para aferir eficácia ao objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de promover a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Art. 3°, I, CF/88). Assim, concluímos que se a igualdade jurídica fosse apenas a vedação de tratamentos discriminatórios, o princípio seria absolutamente insuficiente para possibilitar a realização dos objetivos fundamentais da República constitucionalmente definidos, sendo pois as ações afirmativas o meio mais eficaz para a consecução de tais objetivos. E, neste contexto, respondemos a indagação inicial da relação entre o referido princípio fundamental e os dispositivos afirmativos, pois somente a ação afirmativa, vale dizer, a atuação transformadora, igualadora pelo e segundo o Direito, possibilita a verdade do princípio da igualdade, para se chegar à igualdade que a Constituição Brasileira garante como direito fundamental de todos. (André Luiz Pereira de Oliveira/ UFU. Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006).
(b)
Continuação...
As cotas são um tipo necessário de ação afirmativa visto que em TODOS os patamares da sociedade brasilira (que é composta, segundo dados o IBGE por 50,6% de indivíduos que se autodeclararam de cor negra/parda e por 48,4% de indivíduos que se autodeclararam de cor branca) não há uma representividade negra, como bem lembrou Glaucia.
Voltemos ao texto com a resposta da leitora citada (peço licensa pelo uso d suas palavras as quais, devo rlembrar, faço minhas por concorar em todas as linhas.
"A discussão sobre ações afirmativas é realmente polêmica e suscita opiniões diversas na sociedade brasileira, não havendo consenso sobre o tema. Dependendo do ponto de vista em que se observa a questão, as ações afirmativas podem ser consideradas injustas ou não.
Do seu ponto de vista pessoal, que não é negro e também não tem condições financeiras de se preparar adequadamente para o concurso de Diplomacia, não ser contemplado por programas desse tipo parece realmente injusto.
Agora, do ponto de vista histórico, cultural e social, que eu acredito ser o ponto de vista dessas ações, esses programas tentam “corrigir” injustiças cometidas pelo país durante sua formação política, social e econômica.
Acho que para discutir o assunto é necessário ter um profundo conhecimento sobre a história do nosso país e, mais ainda, é necessário compreender que as ações do passado influenciaram negativamente na situação atual do negro. Algumas medidas tomadas pelo Governo no passado e alguns pensamentos da época, impediram deliberadamente o acesso do negro à economia, à educação e à cultura.
De acordo com historiadores, sociólogos, antropólogos e outros estudiosos, após a abolição da escravatura no Brasil, não houve uma política pública de inserção do negro na sociedade brasileira.
A falta de criação de um mercado de trabalho que absorvesse a mão-de-obra negra, a concentração fundiária na mão de ricos produtores agrícolas que privaram a população negra de acesso a "mecanismos democráticos de ascensão social, econômica e cultural" e o preconceito racial alimentado após quatro séculos de escravidão, gerou uma estrutura de segregação absoluta. Os negros continuaram desempenhando as mesmas funções de antes ou vivendo em subempregos, e muitos passaram a viver uma vida miserável.
"Alguns empregavam-se em outras fazendas e passaram a constituir uma população móvel, flutuante, caracterizada pela instabilidade. Outros aglomeraram-se nos núcleos urbanos, vivendo de expedientes, morando em choças e casebres nos arredores das cidades, dando origem a uma população de "favelados", sem ocupação definitiva." Como afirma a historiadora Emília Viotti da Costa em "Da Senzala à Colônia",
Algumas medidas tomadas no passado e alguns pensamentos preconceituosos da época impediram o acesso do negro à educação e à cultura.
No século XIX, vários decretos impediram ou limitaram o acesso dos negros aos bancos escolares. No pós-Abolição, o Estado empreendeu uma política deliberada de branqueamento, tomando uma série de medidas de favorecimento aos imigrantes europeus, na busca de substituir a mão de obra negra do país - uma vez que o negro era visto como inculto e elemento de atraso cultural e econômico. Essa política fazia com que o negro ficasse cada vez mais à margem da sociedade, sem emprego e sem posição social digna. Expoentes do pensamento brasileiro daquela época, inclusive abolicionistas, consideravam que existia uma escala de evolução das raças na qual os negros, pelas suas características biológicas, ocupavam a última posição. Até mesmo a igreja católica acreditava que os negros não possuíam alma.
Além disso, há dados estatísticos que comprovam que o negro, após a segregação de séculos, não teve acesso real à dinâmica social e econômica do país.
Continua...
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Segundo o IBGE, 47% da população do país é negra (preta ou parda), mas 84% dos alunos universitários são brancos. Em 2005, dos 620 Procuradores da República, apenas 7 eram negros. Dos 77 ministros dos quatro tribunais superiores, havia apenas 2 negros. Dos 513 deputados da Câmara Federal, apenas 20 eram negros. Do corpo de 1000 diplomatas do Itamaraty, apenas 10 eram negros.
Acredito que se a população negra não tivesse sido preterida ao longo dos séculos, as estatísticas apresentadas, devido a quantidade de negros e brancos existentes no país, não seriam tão desproporcionais.
Vale ressaltar ainda que existem ações afirmativas para corrigir distorções entre homens e mulheres e para garantir cotas femininas de 30% nas candidaturas partidárias e que mais de 35 universidades entre federais e estaduais já implementaram cotas para estudantes indígenas.
Não podemos fingir que essas afirmações não são verdadeiras e nem fazem parte da realidade do nosso país. Mulheres, negros e índios, foram preteridos durante séculos por pensamentos preconceituosos e por ganância.
Acredito, Dantas, que precisamos nos aprofundar na história do país para entender ações afirmativas como essa do IRBr. Hoje em dia, a discussão não acontece só no Brasil, mas no mundo todo. O avanço da ciência e da filosofia vem derrubando questões preconceituosas que fizeram parte do nosso ideário por muito tempo. Hoje já se percebe a igualdade intelectual entre sexo e raça, mas antigamente não e, portanto, é necessário que algumas medidas sejam tomadas para corrigir essas distorções. As mulheres só passaram a ter direito a voto pela constituição de 1934 e ainda precisam de cotas para que os partidos acostumem com as candidaturas femininas, os índios são obrigados a esperar a doação de terras do governo - criação de reservas – para viverem em suas próprias terras e os negros ainda lutam para terem o direito de competir em iguais condições.
Concordo também que hoje em dia é difícil saber quem é negro e quem é branco, quem descende de africanos e quem descende exclusivamente de brancos. Concordo ainda que haja exceções: existem brancos vivendo em favelas como há negros de vivendo em bairros de classe média. A questão é a proporção - a maioria de pobres e “favelados” são negros enquanto a maioria da classe média é branca, isso é um fato!
Mas não tenho intenção nenhuma de mudar a sua opinião sobre o assunto. Assim como entendo a sua indignação e a sua frustração pessoal, também entendo as bases das ações afirmativas (...).

Postado por Danielly no blog Diplomatizzando... em Sexta-feira, Dezembro 25, 2009 5:33:00 PM

Assim que tiver condições, vou comentar estes novos comentários.
Paulo Roberto de Almeida (25.12.2009, 18h49)