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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

1878) O debate sobre a "primarizacao" da economia brasileira

1) Primeiro a matéria do jornal que sustenta um debate que vem sendo travado desde certo tempo, sem conclusões definitivas no estado atual:

Básica e concentrada
Exportação de bens primários ganha força. Indústria perde espaço

Henrique Gomes Batista e Eliane Oliveira RIO e BRASÍLIA
O Globo, 29.01.2010

A concentração das vendas externas do país em produtos primários e o enfraquecimento da indústria ganharam força em 2009. Apenas seis produtos básicos foram responsáveis por praticamente um terço (32,17%) das exportações brasileiras: soja, minério de ferro, petróleo, açúcar, frango e farelo de soja.

No ano anterior, este grupo respondia por 27,72% das vendas brasileiras a outras nações e, em 2004, somente 20,69%. Isso ocorre porque a crise mundial afetou mais fortemente os compradores de produtos acabados brasileiros — como Estados Unidos, Europa e América Latina — e favoreceu a exportação para a China, grande compradora de bens primários e hoje o maior parceiro comercial do Brasil.

O ano de 2009 foi o primeiro em que não havia nenhum item industrializado entre os seis mais vendidos.

Entre os dez produtos mais exportados, apenas dois — aviões, na sétima posição, e automóveis, em décimo lugar no ranking — são manufaturados.

Em 2004, o top ten continha outras duas manufaturas, além das atuais: peças de automóveis e aparelhos de transmissão e recepção.

Com isso, os produtos primários responderam por 40,50% das exportações brasileiras em 2009. Esta é a primeira vez, em 20 anos, que a categoria ultrapassa os 40% do total — em 2008, estava em 36,89%. Por outro lado, os produtos manufaturados, que representaram 46,82% das vendas de 2008, passaram a significar apenas 44,02% no ano passado.

Para o economista da RC Consultores, Fábio Silveira, hoje o país está dependente das commodities, sem autonomia para planejar seu futuro, sob o ponto de vista comercial. O quadro é positivo, quando os preços sobem.

Mas uma queda nas cotações dos produtos, a curto prazo, acaba afetando negativamente a balança.

— Esta forte concentração de produtos na pauta de exportações é preocupante, pois são produtos sobre os quais o Brasil não tem qualquer controle, nem de preços, nem quantidade — confirmou o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro

Dependência deve aumentar em 2010
O Brasil vive hoje esse problema da “primarização” de sua pauta exportadora.
Alguns dizem que isso não é um problema, pois Chile, Canadá e Austrália se desenvolveram com exportações de bens primários. Há quem alegue, inclusive, que existe mais tecnologia em alguns primários, como carnes, com pesquisa genética, que em alguns manufaturados. Mas é polêmico, e o Brasil precisa saber se quer ser um grande exportador de básicos ou se quer diversificar a sua pauta — afirmou Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet).

Para Lima, essa concentração tende a continuar em 2010, pois ele acredita que os grandes compradores de manufaturados do Brasil ainda estarão com economias relativamente fracas, enquanto a China deve aumentar seu apetite por produtos básicos. Em sua opinião, o país perdeu a oportunidade de, na bonança mundial, de fazer as reformas tributária e trabalhista, o que daria mais competitividade para o setor industrial brasileiro.

O governo reconhece que as commodities têm tido um papel imprescindível nas exportações. Mas argumenta que a queda da participação de manufaturados se deve ao desaquecimento da demanda mundial. Outros dois fatores são o dólar desvalorizado, que tira a rentabilidade, em reais, dos exportadores, e a concorrência chinesa em terceiros mercados.

Os setores que melhores resultados apresentaram em 2009 mostram suas estratégias. Produtores de açúcar, por exemplo, se beneficiaram da quebra de produção da Índia, o que abriu mercado ao produto nacional, com preços melhores no mercado mundial. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Frango (Abef), Francisco Turra, disse que o segredo foi focar em mercados menos atingidos pela crise: Ásia e Oriente Médio. Outro fator considerado fundamental pelo setor foi a abertura do mercado chinês para o frango: — As vendas para Rússia, União Europeia, Japão e Venezuela caíram muito. Por isso, incrementamos negócios em outras regiões.

Segundo o vice-presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, a siderurgia brasileira manteve o esforço de exportação, mesmo com queda de preços para manter os níveis de produção, tendo em vista que o mercado interno desaqueceu: — Além disso, houve a entrada em operação de novas indústrias. A queda das exportações em volume foi de 2,9% e em receita 38,8%.
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2) Agora a carta de um economista indignado com o que ele imagina ser uma traição de neoliberais, prontos para entregar o país aos donos do "Consenso de Washington" e autores intelectuais de uma volta de nossa economia a padrões coloniais:

Carta ao jornal O Globo por João Carlos Bezerra de Melo
A reprimarização da economia

Ora, até que enfim esse jornal abre as suas páginas e estampa manchete de primeira página, para noticiar, como se fosse a última novidade, o resultado do processo (que se vai agravar ainda, muito mais) de reprimarização da economia brasileira, com os seus inelutáveis efeitos sobre o balanço de transações externas correntes, sobre o nível do emprego e sobre o crescimento econômico, enfim.

O que não faz a parcialidade sistemática com que esse obstinado porta-voz da classe dominante (vale dizer dos grandes oligopólios financeiros e sua camarilha, poderosa o suficiente para abranger, envolver e, digamos, e$timularcerto tipo hegemônico de colunistas econômicos da grande mídia - ataca, por todos os meios o atual governo?

Afinal, (quem diria?), denuncia O GLOBO o óbvio fenômeno, não natural nem casual, mas resultante de uma persistente, proposital e criminosa política cambial, contra a qual nós, os economistas não alinhados sob a bandeira inimiga dos lesa-pátria neoliberais, vimos nos batendo, anos a fio.

Aplausos, pois, para o tardio despertar d'O GLOBO. Porém, a um só tempo, veemente (a mais veemente) condenação, por não haver contado toda a história: O câmbio sobrevalorizado, em que reside a causa do objeto da "denúncia" tardia, se mantém como herança dos tempos não saudosos do tucanato servil aos postulados do Consenso de Washington (cujos prepostos, no atual governo, suportam o insider Meirelles no comando do independente Banco Central); e tem como corolário a total desregulamentação (por que não dizer orgia?) dos fluxos financeiros e dos juros estratosféricos, que ganham o topo do pódio mundial, se é que cabe a imagem no contexto de tão sinistro certame. Esse outro lado da verdade, O GLOBO não conta e, omitindo-o, exerceu o seu sempre presente papel de desinformar o seu público leitor, no que diz respeito à realidade brasileira.

Mais uma vez, na contra-mão da História e do interesse da nacionalidade, O GLOBO perdeu um belo momento para contar a história toda, completa, sem omitir nem escamotear a verdade. E de perguntar aos virtuais candidatos à Presidência da República: Quem dos senhores subscreve o compromisso de disciplinar os fluxos financeiros internacionais e promover uma política cambial realista e patriótica que evite o retorno do País à condição de uma grande plantation?

João Carlos Bezerra de Melo, economista, assinante de O GLOBO

2 comentários:

E. Baldi disse...

PRA,

Caso possa responder, com base no texto apresentado, quais as limitações de um país vinculado ao atual esquema institucional do comércio mundial para mexer em seu câmbio? Pode-se desvalorizar à vontade, como faz a China? A pressão é unicamente política? Não há nada de direito internacional sobre isso?

Grato.

Ah, e tudo se resumiria ao câmbio? Não haveriam outras medidas tão ou mais importantes?

Paulo Roberto de Almeida disse...

E. Baldi,
Veja meus comentários neste post:

http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/01/1885-um-debate-sobre-comercio-cambio-e.html