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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

1686) Uma candidata à carreira diplomatica: esforçada e realista...

Recebi, hoje, uma consulta de uma jovem candidata, a que respondi como abaixo. Nem a mensagem, nem minha resposta deveriam ser tornadas públicas, e não escrevi pensando em fazê-lo, esclareço. Après coup, contudo, verifiquei que as dúvidas dessa jovem são, se não iguais, pelo menos similares ou semelhantes às de dezenas de outros jovens candidatos que, também como ela, trabalham, estudam, não dispõem, como vários candidatos privilegiados que se dedicam unicamente ao concurso, de condições ideais, para tentar o concurso, mas que no entanto possuem uma vontade imensa de ser diplomatas.
Foi pensando nesses casos, que resolvi postar aqui a mensagem da jovem -- com a obliteração de alguns dados não relevantes para o caso em si -- e também minha resposta a ela.

On 18/02/2010, at 19:31, T P E wrote:

Boa noite Sr.Paulo Roberto Almeida,
Me chamo T,e sou mais uma entre esses milhoes de jovens idealistas,que sonham com a carreira diplomática,e sonham em mudar o mundo. Moro em Sao Paulo,desde os meus 15 anos sonho com a carreira diplomática,hoje, com 21 um pouco desiludida com a relacao canditado/vaga da fuvest resolvi mudar minha opcao de curso e prestei vestibular para (...) Políticas (...).

Visando aumentar minhas oportunidades, me inscrevi tambem para o vestibular de relacoes internacionais da UFRJ. Passei na Usp e agora só me resta saber o resultado da UFRJ.
Aonde pretendo estudar futuramente,certamente posso lhe dizer que minha maior vontade é a esfera pública da área internacional, entretanto, enquanto buscava hoje sobre mercado de trabalho para os graduados em relacoes internacionais, achei sua entrevista concedida em 2006 como resposta aos jovens que buscam essa carreira, foi desolador, realista, mas desolador.

Sim sou jovem e tenho sonhos, mas devido as condicoes financeiras da minha família, trabalho e durante os meus estudos terei que prosseguir trabalhando,portantosei que dificilmente sairei poliglota da faculdade, já que nao terei muito tempo para me dedicar as atividades extra-curriculares, nao sei se terei condicoes para pagar um curso preparatorio para o Itamaraty.
Enfim desculpe-me incomoda-lo mas nao conheco nenhuma pessoa graduada nessa área que me aconselhe. Mesmo nao tendo condicoes e provavelmente nao estando em pé de igualdade com meus concorrentes, devo insistir?
Ou devo focar em alguma carreira que me dará maiores possibilidades, já que no que trata-se das oportunidades dos ''internacionalistas''na esfera privada, o mercado encontra-se saturado e altamente competitivo...

Desculpe-me sei que o senhor é um diplomata muito culto, e respeito e admiro isso, mas em linhas gerais: Será que uma menininha de subúrbio que mal sabe falar inglês, como eu deve continuar sonhando com a carreira diplomática ou cair na real de que essa carreira é altamente idealizada e inacessível aos meu padroes??
Sei que o senhor deve ser muito ocupado,mas espero ansiosamente sua resposta já que saindo a lista de aprovados na Ufrj devo decidir se vou deixar Sao Paulo ou nao para estudar relacoes internacionais lá.
Agradeco sua compreensao e paciencia se leu meu e-mail,muito obrigada!
T P E

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Minha resposta a ela:

T,
Eu compreendo suas angustias e duvidas e gostaria de aconselha-la melhor do que de fato eu consigo fazer. Seria uma enorme responsanbilidade, sem que eu conheca exatamente suas condicoes de vida, orcamento pessoal ou familiar, background familiar e preparacao intelectual, dizer exatamente o que voce deveria fazer.
Se voce quer ser ou pretende ser diplomata, saiba que esse é um caminho muito duro de estudos e preparacao, com uma enorme carga de leituras pela frente e uma dedicacao quase integral aos estudos.
Veja, eu tambem era de uma familia suburbana, pobre (meus pais nao tinham primario completo, e eu nao tinha muitos livros em casa) e tampouco sabia ingles. Mas, eu passei alguns anos na Europa, e sabia frances muito bem, e na epoca em que fiz concurso direto podia ser uma lingua ou outra, a segunda apenas classificatoria. Agora voce precisa aprender o ingles muito bem, mesmo.
Nao gostaria de fazer esse tipo de recomendacao, pois é bastante duvidosa minha capacidade efetiva de aconselha-la, mas se eu fosse voce, eu ficaria em SP (por uma questao de economia domestica, pois suponho que voce continuaria morando em casa dos pais), faria o curso de (...) Politicas (...) (que lhe dará suponho, alguma oportunidade de trabalho em prazo mais imediato) e, paralelamente, iniciaria um programa serio de estudos.
Voce tem de ser absolutamente autodidata, ou seja, ler todos os livros por conta propria e ficha-los, anotar tudo, estudar pela Internet, treinar muito o Ingles e o Portugues.
Todas as demais materias, é apenas uma questao de leitura e de fixacao da leitura.
Quanto as linguas (e uma segunda lingua será necessario tambem, e proponho que voce treine bastante o Espanhol), so tem uma maneira: pratique muita redacao, em Portugues e em Ingles. Sua redacao tem de ser perfeita, tambem. Mais proximo do concurso voce vai estudar um pouco de Gramatica, o que eu acho horrivel, mas parece que é necessario. Por enquanto comece a escrever, o tempo todo, com cuidado, com apuro, com correcao absoluta. Nao é impossivel.
De resto, voce tem de aproveitar todo tempo livre para ler os livros e materiais de internet, de noite, no fim de semana, no caminho de casa ou do trabalho, enfim, leia o tempo todo, o tempo todo.
Se voce tiver disciplina, muita vontade, voce conseguira, mas tem de partir do pressuposto que voce nao sabe nada e precisa aprender tudo. Nao é impossivel, mas voce está comecando tarde. Ja perdeu pelo menos tres ou quatro anos de leituras dirigidas.
Claro que o curso de RI na UFRJ teria maior interface com os exames de ingresso na carreira diplomatica, em compensacao voce teria muito mais despesas, nao teria certas mordomias domesticas, e precisar perder tempo com cuidados proprios. Depois, nao é nada que voce nao consiga fazer sozinha, ou seja, ler os livros e fazer trabalhos em temas internacionais. Voce pode ler jornais internacionais na internet: New York Times, Financial Times, Economist. Faça isso.
Estabeleça esses objetivos com seus pais, fique em SP, e passe o tempo estudando, como uma monja...
Acho que voce conseguirá.
Cordialmente,
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Paulo Roberto de Almeida

5 comentários:

Ricardo disse...

Incrível a visão madura que essa jovem possui. Ela tem a seu favor o tempo - uma moeda sempre, e ainda mais nos tempos hodiernos, altamente cotada. Torço por ela que tem esse sonho desde tão nova.
Destarte, vou contar minha experiência:
Tenho 28 anos, estudei Belas Artes no começo deste século e hoje sou um designer. No começo de 2009 brotou a idéia da diplomacia na minha vida, logo eu que nunca busquei carreira no setor público. Não levei essa vontade a sério no início, chegando a alvitrar à minha namorada que estudasse para o IRB. Ela me convenceu que sou que tenho o perfil para a diplomacia.
Em agosto começei a ler a bibliografia obrigatória (Freyre, Nabuco, Sérgio Buarque, Furtado...) e tomei gosto por conhecer mais o Brasil pelas letras. Sempre li muito, porém romances, livros sobre artes visuais e também história geral. Nesse embalo, fui lendo política internacional, história do Brasil, direito etc. e descobrindo autores incríveis, como Milton Santos. Saiu o edital do concurso deste ano e me inscrevi - nunca havia feito prova para concurso público, apesar de achar que este é totalmente diverso dos demais. Decidi entrar em um curso preparatório específico, visando dar um pontapé inicial aos meus estudos, depois da fase de reconhecimento do terreno. Obtive 37 de um total de 80 pontos possíveis na prova da primeira etapa do concurso deste ano.
Concomitante aos estudos faço freelancers como designer. Meu sonho era, como artista, ser uma espécie de embaixador do Brasil, assim como Ernesto Neto, que leva suas esculturas, recheadas de especiarias, mundo a fora; ou Beatriz Milhazes, com suas composições tropicais. Descobri mais tarde (será que tarde demais?) que não tenho poder criativo para tanto.
Em 1999 concluí o curso de inglês e ano passado começei a estudar espanhol. Este ano começei o Françês.
Espero que não seja tarde demais para lutar pela carreira diplomática que me fascina a cada leitura e a cada desenrolar das relações internacionais que acompanho.

Glaucia disse...

Professor e T,

Outras considerações:

(i) existem bolsas de pesquisa que você pode obter, e acho que a partir do segundo ano já. Coisa de até uns 1000 reais mensais, acho, na FAPESP. Aí é questão de fazer coincidirem seus temas de pesquisa com as leituras necessárias para a carreira; e

(ii) ir para o RJ tem, é verdade, a complicação das despesas extras. Por outro lado, para algumas pessoas é bem mais fácil estudar longe de casa, morando sozinhas, do que com as obrigações familiares e sociais inevitáveis de morar na cidade onde você cresceu;

(iii) é possível obter bolsas para fazer intercâmbio no exterior. Sei que a USP tem vários programas desse, e acho que da UFRJ você consegue ir para Oxford. Informe-se!

A decisão não é fácil. Eu acrescentaria que o curso de relações internacionais não te dará, em si, tanto mais instrumental do que outros para passar na prova. O que ocorre é que muita gente que se interessa pela carreira vai para RI, e que há uma certa dificuldade de alguns candidatos em encontrar alternativas profissionais depois do curso - que acaba formando generalistas com dificuldade de inserção num país onde somos bastante conservadores com diplomas.

Boas escolhas, e boa sorte!

Anônimo disse...

Eu fiquei profundamente comovida com as questões levantadas por esta jovem. A carreira diplomática é uma carreira como outra qualquer, apenas exige um esforço maior na preparação pelas exigências desse edital, apesar do salário não compensar, tendo em vista, a discrepância entre a preparação e a remuneração final. Contudo, minha jovem, conheço a história de uma pessoa que passou nesse concurso em 1918, totalmente desprovida de recursos financeiros, inclusive, para comer e sustentar sua família. Ela se tornou a primeira diplomata brasileira: Maria José de Castro Rebello Mendes (pesquise sobre ela na internet). Ela era baiana e muito pobre. Enfrentou a discriminação por ser nordestina e também por ser mulher.
O que quero dizer com isso, de forma resumida, é que nada na vida que é conquistado é fácil. As dificuldades chegam, não para esmorecermos, mas sim para que possamos superar limites. Muitos dirão a você para desistir, por que sinceramente, desistir é a arma dos fracos. É a zona de conforto para não se lutar pelos sonhos (ou realizações). Vá para a biblioteca e passe lá a maior parte do seu tempo. Deixe os amigos (temporiariamente) e familiares também. Continue em sua cidade. Seja uma eremita e transforme a leitura em uma verdadeira obsessão. Críticas virão, mas a diferença entre você e os outros é a conquista que terá ao final...É apenas um conselho de alguém que também veio do subúrbio violento da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro e que vendeu bala na rua aos 9 anos, para ajudar a família e que hoje se prepara com afinco para esta carreira. E que tem certeza de onde vai chegar.
Você vai conseguir, mas não sinta pena de si mesma. E nem queira que os outros digam a você o que deve ser feito. Muitos querem, mas poucos tem disposição para concretizar aquilo que querem. Apenas uma reflexão amiga...

Anônimo disse...

À Jovem T,

"Ninguém desanime, pois, de que o berço lhe não fosse generoso, ninguém se creia malfadado, por lhe minguarem de nascença haveres e qualidades. Em tudo isso não há surpresas, que se não possam esperar da tenacidade e santidade do trabalho.(...)

Já vedes que ao trabalho nada é impossivel. Dele não há extremos, que não sejam de esperar. Com ele nada pode haver, de que desesperar.(...)

O trabalho, pois, vos há de bater à porta dia e noite; e nunca vois negueis às suas visitas, se quereis honrar vossa vocação, e estais dispostos a cavar nos veios de vossa natureza, até dardes com os tesouros, que aí vos acha reservado, com ânimo benigno, a dadivosa Providência. Ouvistes o aldrabar da mão oculta, que vos chama ao estudo? Abri, abri, sem detença.(...)

Estudante sou. Nada mais. Mau sabedor, fraco jurista, mesquinho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado. Nem isso mesmo sei se saberei bem.Mas, do que tenho logrado saber, o melhor devo às manhãs e madrugadas.(...)

Mas, senhores, os que madrugam no ler, convém madrugarem também no pensar. Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não está na ci6encia alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas idéias própias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila. Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas.(...)"

Rui Barbosa (In:"Oração aos moços").

Sonhe, creia, trabalhe (estude!), persista e conquiste...!

Boa sorte!

Vale!

Glauciane Carvalho disse...

Belíssimo, belíssimo...talvez um dos comentários mais fortes e expressivos que eu tenha lido neste blog...Bravo, bravo !