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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

1688) Ideologia importada: afro-descendentes...

Fora da lei
DEMÉTRIO MAGNOLI
O ESTADO DE SÃO PAULO - 18/02/10

A Constituição diz que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", mas a Universidade de Brasília (UnB) distingue os candidatos inscritos em seus vestibulares em função de um critério racial. A Constituição determina que o "acesso aos níveis mais elevados do ensino" se dará "segundo a capacidade de cada um", mas a UnB reserva um quinto de suas vagas a "negros". Na UnB, uma comissão constituída por docentes racialistas e lideranças do "movimento negro" prega rótulos raciais aos candidatos, cassando-lhes o direito de autodeclaração de cor/raça. A Constituição assegura que "ninguém será privado de direitos" por motivo de "convicção filosófica ou política", mas o tribunal racial da UnB promove "entrevistas identitárias" para investigar as opiniões dos candidatos sobre negritude e movimento negro. Por iniciativa do senador Demóstenes Torres, o DEM ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com ação de inconstitucionalidade contra o vestibular racializado da UnB.

A Fundação Ford é a principal exportadora das políticas de preferências raciais inventadas nos EUA a partir do governo de Richard Nixon. Há uma década ela financia simpósios jurídicos no Brasil destinados a ensinar a juízes como contornar o princípio constitucional da igualdade entre os cidadãos. O argumento formulado pela Fundação Ford baseia-se no justo paradigma de tratar desigualmente os desiguais - o mesmo que sustenta a tributação progressiva e a exigência de rampas para deficientes físicos em edifícios de uso público. Sobre tal paradigma se equilibra o raciocínio de que a desigualdade média de renda entre "brancos", de um lado, e "pretos" e "pardos", de outro, deve ser remediada por políticas raciais de discriminação reversa.

O sofisma precisa ser desmascarado em dois planos. No plano das políticas sociais, tratar desigualmente os desiguais significa expandir as vagas nas universidades públicas e investir na qualidade do sistema público de ensino. Nas palavras de Wellington Dias, o governador petista do Piauí que, corajosamente, desafia um dogma de seu partido: "Criar cotas para negros, índios, alunos do ensino público esconde o lado grave do problema. Isso mostra a incapacidade do poder público. Sou contra isso. É preciso melhorar o sistema e qualificar os professores."

No plano do Direito, o sofisma converte indivíduos singulares em representantes de "raças", ensinando a milhões de jovens a terrível lição de que seus direitos constitucionais estão subordinados a uma cláusula racial. O vestibular da UnB é capaz de negar uma vaga a um concorrente de baixa renda que obteve notas altas, mas foi rotulado como "branco", para transferi-la a um candidato de alta renda com notas inferiores, mas rotulado como "negro". A justificativa implícita inscreve-se na fantasia do pensamento racial: o candidato de alta renda da cor certa "simboliza" a "raça" de baixa renda e seus imaginários ancestrais escravos. O sofisma não resiste a um exame lógico, mas persiste pela adesão política de uma corrente significativa de juristas ao pensamento racial.

A política, no baixo sentido da palavra, contamina a apreciação da ação de inconstitucionalidade que tramita na Corte constitucional. O relator Ricardo Lewandowski, um juiz que enxerga as audiências públicas como meios para mostrar que o tribunal toma decisões "em contato com o povo", tem curiosos critérios de seleção do "povo". No caso da audiência sobre o vestibular da UnB, ele decidiu ignorar a regra elementar da isonomia, convocando 28 depoentes favoráveis às cotas raciais e apenas 12 contrários. O "povo" do relator, ao menos quando se trata da introdução da raça na lei, é constituído essencialmente por representantes do Executivo e das incontáveis ONGs que figuram como sublegendas brasileiras da Fundação Ford.

O princípio da impessoalidade na administração pública, consagrado na Constituição, serve tanto para coibir o patrimonialismo tradicional quanto para conter a tentação contemporânea de subordinar os interesses gerais difusos aos interesses ideológicos organizados. Edson Santos, chefe da mal batizada Secretaria da Igualdade Racial, não reconhece a vigência dessa parte do texto constitucional. Um ofício assinado por ele cumpre o papel de panfleto de convocação de funcionários governamentais e ONGs para "mobilizarem caravanas com destino a Brasília" a fim de pressionar o STF nos dias da audiência pública. Edson Santos monta o circo por fora, enquanto Lewandowski ergue as lonas por dentro.

Em 2 de fevereiro, dia exato em que Edson Santos divulgou o panfleto oficial, as centrais sindicais - cujo financiamento decorre de um ato governamental - firmaram uma carta conjunta de apoio ao vestibular racial da UnB. O "movimentismo" é fenômeno típico do estágio embrionário dos totalitarismos. Nesse estágio, o Estado despe-se de sua natureza pública e adquire as feições de um ente de coordenação de "movimentos sociais" que já não passam de tentáculos do governo. O ministro-militante, que faz o Estado patrocinar uma manifestação "popular" de sítio à Corte constitucional, seria alvo óbvio de processos de responsabilidade se o Ministério Público e a maioria parlamentar não estivessem envenenados pela concepção da sociedade brasileira como uma coleção de "movimentos sociais" e ONGs.

No ofício ilegal, Edson Santos assevera que o hipotético acatamento da ação de inconstitucionalidade "abrirá as portas para paralisar todas as políticas de ação afirmativa, inclusive aquelas que beneficiam as mulheres, estudantes, trabalhadores, os índios, deficientes físicos e mentais, as comunidades tradicionais, etc." A ação em curso incide exclusivamente sobre as políticas de preferências raciais, cujo pressuposto é a rotulação estatal dos cidadãos segundo o critério abominável da raça. Mas o que seria do "movimentismo" sem o clássico expediente da mentira oficial?

4 comentários:

Flavio disse...

Fazendo alguma força, até posso aceitar que os negros tenham sua condição social prejudicada como desdobramento da escravidão; mas a questão não é essa. A condição de país subdesenvolvido, ou emergente, é algo que atinge a todos os brasileiros independentemente de cor; e parte desse subdesenvolvimento se deve a uma elite que até a década de 1930 não se preocupou em industrializar o Brasil, mas apenas em exportar seus produtos primários. Não são os brancos os responsáveis pela situação do negro( portanto jovens brancos não merecem ter suas chances de ingressar em uma universidade reduzida), mas sim uma elite que até 30 não tentou seguir os passos das nações ricas, e uma atual elite dirigente corrupta; e isso atinge não só aos negros, mas como dito antes, a todos.

Obs: O começo de uma longa caminhada de estudos é complicado, às vezes até penso em desistir. O que quero dizer é que o teu blog e biografia tem me ajudado e me inspirado bastante.

Abs

Paulo Roberto de Almeida disse...

Flavio,
A "má sorte" da população negra, ex-escrava ou mesmo liberta no Brasil, não se deveu tanto à discriminação absoluta (que tambem ocorreu, nao nos iludamos), ou à falta de industrialização no seculo 20, mas à falta de duas coisas que o Joaquim Nabuco ja tinha indicado desde suas campanhas nos anos 1870, e consolidadas no seu livro O Abolicionismo, de 1883: falta de reforma agraria subsequentemente a libertacao dos escravos e SOBRETUDO, falta de educacao, mal de que padeceu tambem a populacao branca pobre e mestica, mas que atingiu com mais acuidade os negros e mulatos socialmente excluidos.
Paulo Roberto de Almeida

Glaucia disse...

"No plano das políticas sociais, tratar desigualmente os desiguais significa expandir as vagas nas universidades públicas e investir na qualidade do sistema público de ensino."

Oi? Faltou um pedaço ou foi impressão minha? Onde é que expandir vagas e investir na qualidade se tornam "tratar desigualmente os desiguais"?

Concordo sobre o texto da Constituição - esse debate deveria estar sendo encarado pelo legislativo, assim como o debate sobre a gratuidade. Mas é preciso reconhecer que o artigo apenas reitera chavões, e não se sustenta logicamente mais do que os argumentos que pretende atacar.

Há ou não há desiguais a tratar desigualmente? Sugiro que o professor verifique as políticas de qualquer universidade de respeito nessa matéria. Verá que esse nosso comovente igualitarismo conservador é bastante, hm, jabuticábico.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Glaucia,
Concordo em que "expandir as vagas nas universidades públicas" não significa tratar desigualmente os desiguais, e sim apenas aumentar as chances de "desfavorecidos" acederem à universidade pública, pela expansão da oferta.
Mas, eu deixaria a universidade de lado e ficaria com a segunda parte da frase: "investir na qualidade do sistema público de ensino."
Eu até concentraria todos os recursos nos dois primeiros ciclos e no ensino técnico-profissional e diria para as IFES: vocês são grandes, crescidinhos, alfabetizados, eu vou dar uma mesada para o essencial dos gastos de vocês, dou completa autonomia orçamentária, mas para o resto, by-bye, passem bem, até logo, virem-se, arrumem dinheiro em outra parte, com os próprios estudantes, com as empresas, no mercado, enfim.

Tratar desigualmente os desiguais significa exatamente isso: investir maciçamente no ensino público elementar, e dar bolsas para os necessitados para estudar no terceiro ciclo. Sem qualquer viés racial, puramente de pobreza mesmo.

Políticas racialistas acabam enveredando pelo racismo e criando o Apartheid, como tenho repetido, incessamente.
Mas, acho que voce defende políticas para "negros", ou estou enganado?
Paulo Roberto de Almeida