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sábado, 27 de março de 2010

1014) Mudancas na economia mundial: perspectiva historica de longo prazo

Meu mais recente artigo publicado:

Mudanças na Economia: uma história de longo prazo
seção de Economia do Portal IG (23/03/2010).
Título original:
Transformações da economia mundial: visão histórica de longo prazo
Paulo Roberto de Almeida

A economia mundial, tal como a conhecemos atualmente, é um “arquipélago” em construção desde o século 16, pelo menos e, ainda hoje, ela não constitui um sistema perfeitamente unificado, sequer homogêneo, a despeito de toda a retórica em torno da globalização. Talvez, um dia, ela venha a ser unificada num mesmo universo de redes comerciais, financeiras e de recursos humanos circulando sem restrições sobre fronteiras e controles alfandegários. Por enquanto, contudo, trata-se de uma colcha de retalhos, reunindo pedaços hoje essencialmente capitalistas, é verdade, mas ainda dotados de características nacionais distintas em seu colorido diversificado. Ela poderá caminhar progressivamente para um conjunto mais homogêneo de sistemas econômicos nacionais, mas isso depende dos progressos da liberalização comercial, financeira e “humana”, o que ainda está longe de ser garantido.
Vejamos esse processo com lentes de longo alcance, começando na era dos descobrimentos. Mesmo a partir da unificação geográfica conduzida por Colombo (1492), Vasco da Gama (1498) e Fernão de Magalhães (1521), a economia mundial do início da era moderna não era, em absoluto, universal. Nessa primeira onda de globalização, de caráter mercantil, tratava-se, mais exatamente, de um arquipélago de economias centrais, predominantemente de origem européia, vinculadas a suas respectivas periferias nas novas terras descobertas, mediante um sistema usualmente conhecido como ‘exclusivo colonial’. Os demais centros regionais – o ‘Império do Meio’ (China), o império Mogul, na Índia, o mundo muçulmano (que começava a ser unificado sob o jugo otomano) e outros ‘blocos’ sub-regionais, na Eurásia ou nas Américas – não tinham realmente condições de disputar qualquer hegemonia econômica mundial, como diriam os marxistas.
Até o final do século 18, China e Índia constituíam duas grandes economias, produzindo bens valorizados nos mercados ocidentais, mas dotadas de instituições pouco adaptadas aos desafios da nova economia industrial, caracterizada pelo que se poderia chamar, ainda no jargão marxista, de um ‘modo inventivo de produção’. Foi precisamente a partir da revolução industrial na Inglaterra, nessa mesma época, que tem início a diferenciação dos centros econômicos mundiais, processo que os historiadores econômicos chamam de ‘grande divergência’, ou seja, a aceleração da transformação tecnológica no Ocidente, seguida da dominação absoluta das potências européias sobre o resto do mundo (destinada a durar cinco séculos, talvez até hoje).
Essa segunda grande onda da globalização, de natureza industrial, conforma o que se poderia chamar, pela primeira vez, de economia mundial, uma rede integrada de centros produtores de matérias primas, de um lado, servidas pelos centros financeiros europeus – com a libra inglesa e os bancos britânicos em seu núcleo – e as oficinas manufatureiras, de outro, dotadas das novas tecnologias industriais de produção em massa. As economias nacionais, até então pouco diferenciadas entre si – posto que uniformemente e predominantemente de base agrícola ou mercantil – começam a exibir diferenças estruturais, a partir de níveis de produtividade bem mais elevados nos sistemas industriais. A defasagem de renda começa sua escalada para índices sempre crescentes, entre o centro e a periferia, num processo que se desenvolveria durante praticamente dois séculos, com um recrudescimento ainda maior durante a maior parte do século 20, para diminuir apenas a partir da terceira onda de globalização, a partir do último quinto desse século.
No intervalo, a economia mundial capitalista seria desafiada por duas ameaças muito diferentes, entre si, mas concordantes em sua ação desagregadora de um sistema verdadeiramente unificado de relações mercantis e financeiras. A partir da primeira guerra mundial, as crises recorrentes dos centros capitalistas desenvolvidos no entre guerras (em especial a de 1929 e a depressão que se seguiu) e a implantação de sistemas coletivistas (de natureza soviética, desde 1917, e os fascismos, pouco depois), com suas experiências estatizantes e antiliberais, representaram uma ‘breve’ interrupção de setenta anos no processo de globalização. No imediato pós-segunda guerra mundial, as muitas experiências de nacionalizações e de estatizações no Ocidente capitalista, com seu cortejo de práticas intrusivas, dirigistas e planos de ‘desenvolvimento’ (com muito planejamento estatal centralizado, mesmo no capitalismo) representaram, igualmente, um retrocesso na reunificação de um sistema de mercado verdadeiramente mundial, desde então colocado sob a égide dos dois irmãos de Bretton Woods (o FMI e o Banco Mundial) e do GATT (OMC, em 1995).
Foi somente a partir das reformas econômicas ‘neoliberais’ iniciadas na China a partir dos anos 1980 e da implosão e quase completo desaparecimento dos regimes socialistas, entre 1989 e 1991, que o processo de reunificação da economia mundial é retomado, no bojo da terceira onda de globalização capitalista, desta vez dominada pela sua vertente financeira (mas que inclui também os investimentos diretos). O fim do socialismo representou pouco em termos de concorrência manufatureira – já que o socialismo era um medíocre produtos de bens industrializados – e menos ainda em termos de fluxos financeiros e tecnológicos – onde os países socialistas eram ainda mais marginais, senão irrelevantes – mas significou um impacto decisivo em termos de mercados e, sobretudo, de mão-de-obra (com um destaque absoluto para a China).
A fase atual, se ainda não pode ser identificada com um novo processo de ‘convergência’ da economia mundial, caracteriza-se, pelo menos, pela diminuição da divergência entre as regiões – com notáveis exceções, como nos casos da África, do Oriente Médio e em grande medida da América Latina – e pelo rápido catch-up experimentado por alguns emergentes dinâmicos. No curso dos últimos vinte anos de globalização, a China e a Índia retiraram centenas de milhões de pessoas de uma miséria abjeta, colocando-as numa situação de pobreza moderada, justamente em função das reformas econômicas empreendidas e de sua inserção na globalização. Esse processo deve continuar, pelo menos naqueles países que decidiram substituir antigas políticas protecionistas e estatizantes por uma abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros diretos.
O lado financeiro permanece ainda a dimensão problemática da globalização, não porque a liberdade de circulação de capitais seria, em si, desestabilizadora das economias nacionais, mas porque os governos ainda insistem em praticar políticas monetárias e cambiais inconsistentes com os novos dados da economia mundial. O monopólio dos bancos centrais na emissão de moedas-papel, na fixação das taxas de juros (sem correspondência efetiva com o equilíbrio real dos mercados de capitais) e seu papel na manutenção de regimes cambiais irrealistas e desajustados explica muito das crises financeiras ocorridas na segunda metade dos anos 1990 e em 2007-2009. As bolhas que se formam não são o resultado de ‘forças cegas do mercado’ – como políticos inescrupulosos e economistas pretensamente keynesianos proclamam – mas sim a conseqüência das manipulações dos governos em setores sensíveis da economia real. A possibilidade de maiores progressos em direção à convergência econômica mundial depende, assim, tanto da continuidade da abertura dos países ao processo de globalização quanto da habilidade dos governos em manterem soberania monetária e cambial no novo contexto criado pela unificação paulatina dos mercados de capitais.
Não é provável que essa convergência se dê rapidamente, tendo em vista a resistência de muitos governos à abertura comercial e financeira e sua tendência a continuar manipulando taxas de juros e regimes cambiais, mas é previsível que a globalização continue avançando naqueles países e regiões propensos a aceitarem as novas regras de mercado. Independentemente do que digam aqueles que condenam as novas políticas ‘neoliberais’, é um fato que os países que mais progressos fizeram no plano do crescimento econômico e da prosperidade de seus povos são aqueles que mais rapidamente souberam integrar-se comercialmente na economia mundial, e dela puderam aproveitar os efeitos benéficos dos investimentos diretos, que trazem capitais, know-how e tecnologia. A lição parece ter sido aprendida, mas nem todos souberam dela retirar os ensinamentos adequados. Esse tempo chegará, um dia...

Rio de Janeiro, 17 de Março de 2010.

6 comentários:

Anônimo disse...

Professor. Todos dizem que a ditadura de 64 foi de direita. Sempre discordei, pois não fez reformas trabalhistas, premiou o funcionalismo público com muitas benesses, vigorava o dirigismo estatal, a economia era totalmente fechada, as empresas estatais reinavam. Isso é direita? Era anticomunista, sem dúvida. Eu a classifico como fascista/estatizante. Estou correto?
Marcelo

Paulo Roberto de Almeida disse...

Sinto dizer, meu caro Marcelo, mas você está totalmente ERRADO, e acho que você se deixou levar por essa subliteratura histórica que passa por informação verídica nas nossas faculdades e colégios.
O regime militar de 1964, que de fato foi uma ditadura, pode ser chamado de direita na concepção vulgar dessa expressão, mas ele foi muito mais reformista e talvez até "revolucionário" do que muita ditadura supostamente de esquerda (que costuma ser reacionária, no sentido profundo da palavra) que se encontra por aí.
Ele promoveu profundas reformas econômicas, tributárias, fiscais, financeiras, trabalhista, previdenciária, de administração pública, de política externa, de políticas macroeconomicas em geral e setoriais em particular, tudo isso em profundidade e que até hoje marcam o Brasil.
Foi certamente estatizante, mas menos que regimes típicos da esquerda, que costumam ser totalmente estatizantes. Fascista, não diria, embora alguns generais pudessem ter alguns traços fascistas, e anticomunista certamente, pois esta foi a ideologia oficial do Estado brasileiro desde os anos 30.
Foi um regime produndamente modernizador, nacionalista, autoritário, industrializante e promotor do engrandecimento do Estado e do País, com alguns erros de administração e um controle severo das liberdades democráticas.
A história, contudo, foi escrita pela esquerda que foi derrotada, que tampouco queria um regime democrático, e sim uma ditadura comunista, que seria uma espécie de Cuba ou China do Mao Tsé-tung (dificilmente pois os militares não deixariam, mas esses eram os modelos e tais eram as intenções).
Leia bons livros e se informe melhor, e não acredite em certas versões da história.

Anônimo disse...

Caro professor.
Acho que não me fiz entender direito. Apesar de não me prender a ideologias, tenho uma posição particularmente "direitista". Tenho pavor da hipocrisia esquerdista, principalmente da brasileira, talvez a mais hipócrita da atualidade e como nunca se viu antes neste mundo. Acontence que no Brasil se víncula, equivocadamente, alguém de direita com autoritarismo e ditadura. Não há dúvidas que foram feitas reformas, mas em muitos pontos parecem ter sido tímidas. A CLT, por ex, passou quase incólume. O Chile, por ex., foi mais longe nas reformas e hoje colhe os frutos. Apenas quis dizer que, considerando, aqueles itens que apontei no comentário anterior não podia considerar a ditadura de 1964 como direitista. Estranha e paradoxalmente, os esquerdistas que estão hoje no poder defendem muito do que a ditadura fez: reserva de mercado, estatização, controle da economia e fim da liberdade de imprensa.
Marcelo

José Marcos disse...

AMBIDESTRO

Um dos problemas teóricos mais complexos da Física era saber qual seria a natureza da luz. Houve épocas em que os físicos defenderam que a luz tinha natureza corpuscular. Em outros momentos, imaginaram-na como onda. A moderna Física Quântica adotou uma solução de meio-termo: a luz ora é uma partícula, ora uma onda. Isso é conhecido como o princípio da dualidade. Assim se comporta a luz na prática. "Esquerda" e "direita" não existem como realidades puras. Os sistemas econômicos atuais são "ambidestros", funcionam com características de ambos os modelos.

Rafael A. Alves disse...

Caro Professor,
Há algum artigo de sua autoria que poderia explicar melhor o seguinte trecho do texto: "As bolhas que se formam não são o resultado de ‘forças cegas do mercado’ – como políticos inescrupulosos e economistas pretensamente keynesianos proclamam – mas sim a conseqüência das manipulações dos governos em setores sensíveis da economia real". Quais são as evidências de que os governos foram os principais "culpados" pela crise do sub-prime ocorrida desde 2007? Não terá sido justamente a falta de maior - ou melhor - regulação sobre os mercados?
Obrigado.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Rafael,
Tenho muitos textos sobre isso, voce procure em meu site, por palavras chave.
Nao sao os mercados que fixam taxas de juros artificialmente baixas, nao sao os mercados que estimulam compradores sem garantias a se lancarem em emprestimos e garantias hipotecarias sem condicoes de faze-lo, nao sao os mercados que estimulam indevidamente o mercado imobiliario, sao sempre os governos.
Os mercados podem estimular bolhas acionarias, que sao corrigidas pelos proprios mercados, quando os agentes percebem que os papeis estao valorizados acima de seu retorno real, e quem perde unicamente sao os que compraram acoes acima do preco real de mercado, ou acima do preco de equilibrio da empresa emissora, e com isso nao ha nenhum prejuizo publico, apenas privado.
Quem produz grandes perdas e usa o dinheiro do contribuinte indevidamente sao os governos.
Tome consciencia disso.
Paulo Roberto de Almeida