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terça-feira, 16 de março de 2010

1885) Brasil, Brics, Europa - Lourdes Sola

A Europa inacabada e o B de Brics
Lourdes Sola
O Estadao de S.Paulo, 16 de março de 2010

O noticiário internacional tem coberto temas que convergem num sentido muito preciso: pautam a agenda da política externa do próximo governo. Aos problemas da zona do euro somaram-se a visita da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, o périplo do presidente Lula pela região e a postura ativamente omissa do Brasil na questão dos direitos humanos em Cuba e no Irã. São temas que iluminam os testes de estresse por que passam duas modalidades distintas de integração regional, a da Europa e a da América Latina. Também realçam um contraponto: é no plano político que o lugar do B de Brics permanece uma questão em aberto. Em parte, porque o Brasil passou a ser um dos atores coadjuvantes no cenário global. Vale dizer, nossas responsabilidades estão mudando de natureza e de escala, paralelamente às mudanças no eixo de poder econômico global. Mas também porque o sentido dessas mudanças não está introjetado e decantado pelas autoridades pertinentes. Ainda se curvam a um tipo de pluralismo inaceitável: subordinam os direitos humanos (e a democracia) a uma ideia de "soberania" ou "legalidade" circunscrita ao Estado cubano ou ao iraniano.

É no plano político que os grandes ativos do Brasil e suas responsabilidades internacionais são inexplorados. Somos o único dos Brics sem armas nucleares. Somos parte do Sul, pelos níveis intoleráveis de justiça distributiva. Mas o caminho para superá-los, tal como nossa trajetória econômica, reflete o alinhamento da sociedade, e do eleitor-consumidor, com os valores do "Norte": pela via democrática, do compromisso com o constitucionalismo e por meio de um mix único entre Estado e mercado, como agentes de transformação social e econômica. Padrão consolidado nos anos 90. É nesse registro que os rumos da zona do euro nos interessam. Lá, como cá, "as grandes transformações" econômicas, boas ou adversas, definem as encruzilhadas, não os rumos: só propiciam os incentivos para as decisões estratégicas dos políticos eleitos.

O que está em jogo na Europa é a própria ideia de Europa, como a conhecemos hoje, ou seja, como resultado de uma construção política, idealizada pelos arquitetos do Tratado de Roma (1957): Jean Monet, Robert Schuman, Paul Henri Spaak e Alcide De Gasperi. A matriz da nova identidade europeia foi uma visão estratégica e algo utópica: construir uma comunidade de interesses econômicos e de recursos políticos para exorcizar a devastação de duas guerras, do Holocausto e da Guerra Civil na Espanha. Eles operaram simultaneamente em duas frentes. Na econômica, a integração substituiria o nacionalismo expansionista, baseado nas desvalorizações competitivas da taxa de câmbio. No plano político, o compromisso com um papel proativo de exportação da democracia para os vizinhos, reféns de ditaduras. Estes valores foram codificados nas condicionalidades políticas para acesso à União, as quais embutem uma concepção de democracia representativa, regulada pelo constitucionalismo liberal, de molde social-democrático, ou seja, solidário. Daí, as condições de um piso salarial mínimo e a redução das desigualdades regionais em cada país, tendo por referência os elevados padrões médios da União. Daí também a construção de uma rede de sustentação financeira - os "fundos estruturais" a custo quase zero - para as áreas subdesenvolvidas dos países em democratização, os do Sul e, depois, os pós-comunistas.

Por isso, a leitura economicista da União Europeia, a partir da União Aduaneira, é parcial e socialmente conservadora. Não faz jus ao sentido de missão que inspirou os governantes eleitos da Bélgica, da França, da Itália, do Luxemburgo, dos Países Baixos e da Alemanha Ocidental a darem início à construção da Europa. Saltam aos olho as qualidades de statemanship que deram corpo a essa visão, aprofundada por seus continuadores, Willy Brandt, François Mitterrand. Em suma, a construção da nova identidade europeia não ocorreu a reboque de interesses econômicos, mas, ao contrário, o interesse econômico em integrar a Europa explica a aderência dos setores não-democráticos do Sul à democracia. É o caso do setor financeiro na Espanha.

Essa ideia de Europa está em jogo, em virtude do que o Tratado de Maastricht e a unificação monetária significaram: um ato de delegação política de parte dos países membros e de seus respectivos eleitorados, pelo qual abdicaram de sua soberania monetária, transferida para o Banco Central Europeu. Em troca da preservação de sua soberania fiscal, a partir de padrões convergentes de autodisciplina. No longo prazo, a preservação da ideia matriz e da moeda comum forte, que a simboliza, depende de mais um giro do impulso unitário, ou seja, a construção da Europa como federação política. Isso requer um novo ato de delegação política, agora, a da soberania fiscal em benefício de entidades regulatórias supranacionais. A ideia de um Fundo Monetário Europeu se inscreve nesse cenário.

No curto prazo, isso depende de um processo de persuasão dos eleitorados nacionais e também de visão estratégica e qualidades de statemanship das lideranças políticas da Alemanha e da França. Será impossível, porém, realizar esse tipo de calibragem político-econômica sem outra "grande transformação", de corte keynesiano, em escala europeia. Por um lado, a reestruturação econômica e a disciplina fiscal que se requerem dos Piigs não podem ser contracionistas, nem pautadas por um tom punitivo por parte dos pesos pesados. Por outro, é fundamental que a Alemanha - país superavitário e cujo setor privado é o grande credor da Europa, graças aos níveis de poupança de sua sociedade - abra seus mercados, consumindo mais. A ser assim, continuará a fazer jus aos valores que moldaram sua liderança na construção da Europa: moeda forte e integração.

PROFESSORA DA USP, EX-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CIÊNCIA POLÍTICA, É DIRETORA DO GLOBAL DEVELOPMENT NETWORK, DO INTERNATIONAL INSTITUTE FOR DEMOCRACY E DO CONSELHO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS

3 comentários:

Horacio disse...

Causa Humanitária.

Por favor,

há uma campanha na rede neste momento.

A falta de liberdade de expressão em Cuba levou a cadeia dezenas de pessoas por crime de opinião.

Aqui no Brasil, podemos nos expressar, dizer o que pensamos, se alguém é ou não isso ou aquilo, se fulano é ou não alinhado com o governo e etc.

Desde que não acusemos ninguém de um crime tipificado na lei (e ser alinhado ou não, ou ser “cabeça de planilha” ou não, não são crimes), podemos nos expressar com liberdade. Não tiramos pedaços de ninguém.
Temos esta liberdade, de criticar a política econômica quando não concordamos, ou de criticar este ou aquele programa de governo. Às vezes a vemos como exagerada, às vezes sentimos na pele seu limite estreito.
Mas o seu valor é inquestionável.

Disse William Blake nos Provérbios do Inferno:”Esteja sempre pronto a dar sua opinião e os vis te evitarão.”

Contudo, ainda hoje, em pleno século XXI, existem países aonde isto não é possível, como China, Coréia do Norte ou Cuba. A vileza humana já foi mais longe outrora quando milhões morreram. Não há necessidade de outros 100.

Há uma campanha mundial pela liberdade de expressão em Cuba. Neste momento, vários presos políticos estão em greve de fome. Desse modo, peço o obséquio de que divulgue em seu blog o link

http://firmasjamaylibertad.com/Firmas.php

Já se encontra assinado por pessoas do mundo inteiro que prezam pela liberdade de expressão. Entre elas, está Yoani que demonstra a força que um blog pode ter num país que pretende cercear a liberdade. Como blogueiro, deve ser motivo de orgulho observar até onde se pode ajudar a uma causa humanitária.

Anônimo disse...

O Senhor Horácio que encontrar um culpado pelo narcotráfico no Rio de janeiro, pelas crianças que morrem subnutridas, pela falta de segurança, pela desigualdade, pelo analfabetismo, pela falta de oportunidades aos mais pobres, pela dura e realidade brasileira onde os 10% da população detem 99% da economia do Brasil, forçando a população pobre aos barracos que desabam . O Sr. diz tudo isto por inveja a Cuba.
Eu ia quase me esquecendo de completar, desculpem-me, mas eh assim mesmo o Sr. quiz me provocar para ouvir as verdades duras do povo brasileiro . A corrupção. Ia que esquecendo da corrupçao brasileira , que verte dinheiro aos ladrões de colarinho. Cuba não tem corrupção !!!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Anônimo (sempre esses anônimos anônimos...),
Você está completamente enganado. Todo o sistema cubano é uma imensa corrupção. Se os dirigentes vivem bem, enquanto o povo vive mal, o que mais se chama isso senão corrupção?
Se o povo é obrigado a traficar no mercado negro para se abastecer, qual é o nome disso?
Se o povo precisa pagar por fora para ter antena de TV satélite, isso é certamente corrupção.
Todo o sistema é imensamente corrupto, e uma gigantesca fraude.
Você está muito mal informado sobre as realidades cubanas.
Pra