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sexta-feira, 19 de março de 2010

1887) Um diálogo sobre a revolução russa (tudo em minúsculas...)

Recebo, de um leitor de um dos meus textos, citado nele, uma mensagem que reproduzo a seguir:

" On Thursday, June 19, 2008, at 03:03PM, "Pedro Maciel - Maciel Neto Advogados" wrote:

Caro Professor Paulo Roberto,
Recebi de um aluno uma cópia do sue artigo "A RESISTÍVEL DECADÊNCIA DO MARXISMO..." publicado na Revista Espaço Acadêmico - No. 106 - Março de 2010, p. 131/138.
Fiquei honrado de servir de nota de rodapé (p. 133). Gostei do artigo, ele é honesto sob ponto de vista que defende. Lamento não ter sido claro quando escrevi que"...o capitalismo, sua lógica, seus principais operadores e seus estafetas foram abalados com a possibilidade de novos sistemas... com a participação da classe trabalhadora,"eu me referi nesse ponto do artigo à contra-revolução (ou guerra civil) financiada pela França, Japão e Inglaterra, fato que manteve a Russia em guerra de 1.917/1.921.
Abraços,
Pedro Maciel

Pedro Benedito Maciel Neto
MACIEL NETO ADVOGADOS E CONSULTORES "

Bem, constato, em primeiro lugar, que o meu interlocutor, a despeito de ser um curioso marxista que combina seu pertencimento ao PCdoB -- um partido teoricamente maoista -- com a sua admiração por Trotsky -- um marxista aderente tardio ao bolchevismo, e que era execrado por stalinistas e maoistas -- é um advogado numa sociedade capitalista, o que pode representar alguns problemas de consciência.
Constato, em segundo lugar, que ele corrige a frase que eu citei num ponto fundamental, pois seu argumento atual modifica completamente o sentido da frase que tinha sido colocada em seu artigo original -- citado em meu texto, que já informo onde encontrar --, que pretendia fazer o capitalismo tremer de medo em face da gloriosa revolução proletária e campesina (sic) ocorrida na Rússia em 1917 (outubro, frise-se bem, não fevereiro, como seria o mais correto, pois em outubro ocorreu um putsch, não uma revolução), quando ele pretende agora falar da guerra civil de 1917-1921, quando bolcheviques e anti-bolcheviques (apoiados pela Grã-Bretanha, França e Japão) se enfrentaram numa terrível guerra civil, durante a qual Trotsky empregou ao mais alto grau as armas do terror, justamente.

O que se segue é um debate essencialmente histórico (ou seja, uma mensagem resposta, da minha parte, enviada diretamente ao e-mail do maoista-trotsquista-advogado) em torno deste meu artigo:

Paulo Roberto de Almeida:
"A resistível decadência do marxismo teórico e do socialismo prático: um balanço objetivo e algumas considerações subjetivas"
Revista Espaço Acadêmico (vol. 9, nº 106, Março de 2010, p. 131-138)
neste link.

Bem, sem mais delongas, reproduzo a seguir o que respondi ao advogado de Trotsky:

Pedro,
Agradeço pelo seu esclarecimento quanto ao contexto de 1917-21, agora de modo mais claro, mas eu teria então um comentário adicional.
Não creio que a intervenção protagonizada por algumas potências ocidentais (basicamente GB e França) e o Japão, no contexto da revolução russa de 1917, possa ser enquadrada no conceito de"capitalismo", que como você deve saber, não tem um centro coordenador ou um Estado-Maior centralizador de operações (ainda que muitos partilhem dessa visão conspiratória da História).

Essas intervenções, em grande parte indiretas (ou seja, em apoio aos exércitos "brancos" dos aristocratas ou contra-revolucionários, ou se quisermos ser mais honestos com a verdade, dos anti-bolcheviques) se deram no contexto da guerra contra a Alemanha, com a qual a Russia bolchevique negociou um armistício (em detrimento das alianças feitas pela Russia czarista com essas potências, que estavam mais ou menos sendo honradas pelo governo saido de Fevereiro, entre outros por Kerensky).
Como voce deve saber, como trostquista que é, o negociador desse desastroso armísticio (que determinou grandes perdas territoriais) foi Leon Trotsky, entao comissario do povo para assuntos exteriores, com a complacência mais ou menos inconsciente de Lenin (que tinha sua dívida a pagar com a Alemanha do Kaiser, em função do trem blindado).
Em outras palavras, foram consideracoes de natureza estratégica e de ordem tatica no terreno (pois o armisticio liberava as forcas alemas para atacar em massa na frente ocidental) que levaram as potencias a intervir, e nao, prioritariamente, essas consideracoes de ordem economica ou social que você coloca. No meio de uma guerra, e com as economias capitalistas ocidentais largamente dominadas pela intervencao estatal, a preocupacao quanto ao sistema economica estava em baixa escala de prioridades entre os dirigentes ocidentais que determinaram as intervencoes, ainda que entre eles figurassem anticomunistas de carteirinha, como o proprio Winston Churchill, que tinha sido Lorde do Almirantado.
Ou seja, o capitalismo ocidental nao apenas nao foi abalado, como sequer se preocupou com o putsch bolchevique, se é que o capitalismo tenha tido um "cérebro", como se deduz de sua argumentação. Alias, a possibilidade de que o capitalismo possa ter sido abalado com o surgimento de um novo sistema de ambito mundial me parece, como diria Mark Twain, francamente exagerada...
Creio que certos marxistas (eu também me incluo na categoria, mas não sou religioso como grande parte dos cultores da crença) deveriam parar de atribuir ao capitalismo essas caracteristicas imanentes que fazem dele uma entidade organizadora do mundo, o que constitui, precisamente, uma das grandes mistificações sociológicas do marxismo vulgar.
Quanto ao resto, um pouco de conhecimento de história, também ajudaria bastante na arguemntação em torno da Revolução Russa. A caracterização fantástica desse golpe bolchevique como uma revolução operária e campesina, como você escreve, é o primeiro mito que caberia desmantelar para um debate consequente em torno da revolução russa. Você parece comprar inteiramente a versão trotsquista e soviética desse processo, e se exime de consultar historiadores "burgueses" (mas sérios) que escreveram sobre o mesmo fenômeno, o que faz com que a maior parte da literatura dita marxista em torno desse fenômeno gira em circulos em torno dos mitos construídos pelos próprios defensores ideológicos e políticos dessa visão do mundo.
Uma história honesta e completa seria bem mais matizada quanto aos golpes, contra-golpes e processos reais que se desenvolveram na Russia.
Vocês fazem exatamente como o Vaticano: constroem uma história e se atem a certos dogmas, como se isso pudesse ser um substituto da pesquisa histórica real.
Em todo caso, grato pelo diálogo
----------------------
Paulo Roberto de Almeida
(Brasilia, 19.03.2010)

4 comentários:

Anônimo disse...

Bravo.

Vinícius Portella disse...

"Creio que certos marxistas (eu também me incluo na categoria, mas não sou religioso como grande parte dos cultores da crença)"

Paulo, explica melhor este ponto. Tu te incluis nessa categorias sob que aspectos? Deixo claro que em minha pergunta não há nenhum tom de surpresa ou de reprovação. Todavia, achei interessante explorar melhor isto, visto que teu pensamento há muito se afastou da visão de mundo marxista e hoje se encontra com traços liberais bastante acentuados. Mas não ouso te chamar de liberal, já que tu és daqueles espíritos críticos pouco afeitos a rótulos e nada propensos a seguir qualquer credo. Se não me engano, tens um texto em que dizes porque és e não és diplomata, professor e penso que marxista também. Mas faz tempo que o li e me agradaria mais saber do que te motivou a escrever essa passagem especificamente.

Um grande abraço!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Todo e qualquer sociólogo é um pouco marxista. Impossível fazer análise social, na atual etapa civilizatória, sem ser um pouco marxista, sem usar categorias marxistas.
Isso não quer dizer aceitar as propostas ou soluções de Marx (anti-mercado, estatização completa, abolição da propriedade privada, ditadura do proletariado, etc).
Estou apenas dizendo que no plano analitico, o marxismo faz parte do instrumental de qualquer sociologo.

Vinícius Portella disse...

Isso me lembrou daquela propaganda eleitoral do PT em que se apresentavam determinadas situações de exclusão social e ao final um ator dizia aproximadamente: "se tu te sensibilizas com isso, então tu também és um pouco PT".
Brincadeiras à parte, compreendo sob que aspectos tu falas. Apenas lamento que muitos se contentem com "messianismos" e "doutrinações", a despeito de uma abordagem mais sofisticada e instigante de Marx. Como graduando em ciências sociais, acho isso lamentável e um entrave a quem quer desenvolver seu pensamento.

Um forte abraço!