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domingo, 25 de abril de 2010

2076) Mais uma entrevista sobre a carreira diplomatica (a minha, no caso)

Sem narcisismo, mas consciente de que pode eventualmente interessar alguns jovens direcionados para a carreira, transcrevo abaixo a "enésima" entrevista que concedi, via email, a um estudante que escolheu o tema da minha profissão como trabalho escolar (neste caso de ciclo médio).

Entrevista sobre Minha Carreira Diplomática
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista construída a partir de textos já formatados, revistos e ampliados, para servir a trabalho do estudante de curso médio do RS.

1) Qual é a sua formação acadêmica?
PRA: Sou graduado em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas, Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia e doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas, todas na Bélgica, atualmente com vocação acadêmica voltada para os temas de Relações Internacionais em função de minha carreira profissional.

2) Que motivos o levaram a escolher esse caminho?
PRA: Minha geração, impulsionada pelo romantismo da Revolução Cubana, em face das conjuntura política do Brasil no início dos anos 1960, radicalizou na oposição ao regime militar, recorrendo inclusive à luta armada, e nisso foi fragorosamente derrotada, mais por nossos próprios equívocos políticos do que pela “repressão” do regime militar. Alguns desapareceram, outros foram “eliminados” – por diferentes vias – e muitos foram para o exílio, eu inclusive, ainda que por vias legais e conservando o passaporte. Primeiro, em 1971, passei pelo socialismo – na Tchecoslováquia pós-repressão ao “socialismo de face humana”, de 1968 – e constatei uma coisa da qual já suspeitava bem antes: o socialismo, em sua versão soviética, simplesmente não funcionava, era uma imensa mentira, uma sociedade condenada ao passado, na qual as misérias morais, humanas, eram ainda maiores do que as misérias materiais, a da escassez cotidiana, a da penúria institucionalizada em modo de produção. Enfim, uma verdadeira mentira, com perdão pelo paradoxo. Depois, me instalei no capitalismo – em Bruxelas, na Bélgica –, onde encontrei condições de estudar e de trabalhar. Continuei em meu autoditatismo radical, passando mais tempo na biblioteca do Instituto de Sociologia do que nas aulas do curso de graduação em Ciências Sociais.

3) Qual é a sua profissão?
PRA: Sou Ministro de Segunda Classe no Ministério das Relações Exteriores e também atuo como professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Divido minhas atividades nessas duas profissões, levadas paralelamente, mas nem sempre consecutivamente, pois quando estou no exterior interrompo minha atividade docente nas universidades do Brasil.

4) Há quanto tempo exerce seu cargo público?

PRA: Sou diplomata de carreira desde 1977 e professor universitário desde antes.

5) Que circunstâncias o levaram a escolha dessa carreira?
PRA: Fui levado a ela naturalmente, se ouso dizer, depois de seis anos e meio de estudos no exterior, com intensas leituras, entre a graduação, o mestrado – em http://www.blogger.com/img/blank.gifeconomia internacional, na Universidade de Antuérpia – e o começo de um doutorado, ao início de 1977, interrompido pela minha volta ao Brasil. O regime ainda era autoritário, mas na sua fase declinante. Daí ao ingresso na carreira diplomática foram poucos meses, de muita atividade e de muitos projetos. Em todo caso, dei início a uma dupla carreira, de servidor público federal e de professor universitário.

6) Como vê a profissão hoje?
PRA: Uma burocracia de alto nível de qualificação técnica com ampla abertura para as humanidades e o conhecimento especializado. Trata-se da mais intelectualizada carreira na burocracia federal, combinando aspectos da carreira acadêmica, da pesquisa aplicada e da elaboração de decisões em ambiente altamente competitivo, tanto interna, quanto externamente. Uma elite, como se costuma dizer.

7) Quais as diferenças entre um internacionalista e um diplomata?
PRA: Não tenho certeza se o termo está consagrado, mas, um “internacionalista” é um graduado em Relações Internacionais. Como ele é um generalista em especialidades “internacionais” ele poderá, supostamente, atuar em todas as áreas nas quais alguma competência vinculada à sua área de formação e ao seu terreno de atividades é requerida, seja no campo da análise e processamento de informações relativas aos diferentes cenários regionais e internacionais, seja na pesquisa e ensino acadêmico, nas áreas de relações internacionais das burocracias públicas – o que inclui a diplomacia tradicional, novas “diplomacias”, em ministérios setoriais, assessorias internacionais de diversos órgãos etc. – e, provavelmente em maior volume, nas empresas privadas e nas chamadas ONGs que possuem ou aspiram possuir qualquer tipo de interface com o mundo exterior.
A expressão “internacionalista” ainda não foi oficializada; diga-se de passagem, como a própria “profissão”, não corre nenhum “risco” de ser regulamentada no futuro previsível.
A única coisa de que se precisa para se tornar diplomata é um diploma de QUALQUER curso superior reconhecido pelo MEC. Diplomata é um generalista, não um especialista, mas acho importante que tenhamos um perfil diversificado, incorporando engenheiros, médicos, matemáticos, etc.

8) Quais as habilidades necessárias para ser um (bom) internacionalista?
PRA: Qualquer que seja a universidade, e sua excelência relativa, ela nunca vai poder fornecer a cada um todos os elementos de formação de que necessitam para convertê-los em bons profissionais na vida prática. Por isso, o aperfeiçoamento constante e o estudo regular, na base do autodidatismo e das leituras auto-impostas, devem ser as normas que deveriam pautar as preocupações de quem pretende tornar-se um internacionalista.
Independentemente da carreira, estrito sensu, é preciso ter consciência de que todo inernacionalista deve ser, essencial e fundamentalmente, um internacionalista brasileiro. Ele deve ser um profissional atuando a partir da realidade brasileira e possuindo uma visão global que busca, ou que pelo menos deveria buscar, interpretar o mundo a partir do Brasil, de seus problemas e necessidades.
Todos os problemas que o Brasil enfrenta atualmente foram criados por nós mesmos, brasileiros, e só poderão encontrar soluções, todas elas internas, a partir de nossos próprios esforços e por uma vontade nacional genuinamente auto-induzida.
A primeira condição que vejo como importante para que se habilitar enquanto internacionalista competente e enquanto profissional eficiente seria uma leitura apropriada dos problemas nacionais. A partir daí, ele será capaz de exibir uma visão igualmente correta dos dados da realidade internacional, em sua dimensão própria e em sua interação com aqueles problemas domésticos. No internacionalista brasileiro, a brasilidade deve vir antes do internacionalismo. O bom internacionalista é aquele que sabe, em primeiro lugar, situar corretamente o seu país no quadro das relações internacionais, a partir dos dados primários da realidade nacional.
Minhas recomendações ao internacionalista: seja estudioso, dedicado, não confie em seus professores, que muitas vezes são preguiçosos, e continue autodidata. Faça um programa de leitura e de estudos dirigidos. Seja honesto intelectualmente, esforçado no trabalho, um pouco (mas apenas um pouco) obediente, inovador, curioso, questionador – mas ostentando um ceticismo sadio, não uma desconfiança doentia –, tente aprender com as adversidades, trate todo mundo bem (e, para mim, da mesma forma, um porteiro e um presidente), não seja preguiçoso (embora dormir seja sumamente agradável), cultive as pessoas, mais do que os livros (o que eu mesmo não faço), seja amado e ame alguém, ou mais de um... Enfim, seja um pouco rebelde, também, pois a humanidade só avança com aqueles que contestam as situações estabelecidas, desafiam o status quo, tomam novos caminhos, propõem novas soluções a velhos problemas (alguns novos também). No meio de tudo isso, não se leve muito a sério, pois a vida é uma só – sim, sou absolutamente irreligioso – e vale a pena se divertir um pouco. Tudo o que eu falei parece sério demais. Não se leve muito a sério, tenha tempo de se divertir, de contentar a si mesmo e os que o cercam.

9) Como é o mercado de trabalho para um graduado em Relações Internacionais?
PRA: Perguntam-me muito se “O mercado e as empresas estão preparados para entender o que é o profissional de RI?”. Nem os mercados, nem as empresas precisam estar “preparados para entender o que é o profissional de RI”. Essa não é função deles. Sua única função é recrutar competências para o exercício de atividades profissionais específicas e os requerimentos são estritos: ou o profissional se adapta e atende ao que lhe é demandado, ou então ele pode procurar outro emprego. Por isso, volto a insistir: as empresas, na maior parte das vezes, não querem intelectuais brilhantes que sabem discorrer sobre o Conselho de Segurança da ONU ou o último livro do Keohane, elas querem alguém que saiba redigir um contrato, negociar um acordo com parceiro de outro país, fazer uma boa prospecção de mercado, trazer negócios, lucros e resultados, ponto. Este é o mercado, que deve ocupar pelo menos 80% dos egressos dos cursos de RI, qualquer que seja o seu número (o resto indo para os governos e as academias).

10) Qual é sua visão sobre o futuro desse mercado de trabalho?
PRA: A procura, a jusante, não é alta, mas sim está ocorrendo um crescimento da oferta de cursos para atender uma demanda pré-existente, a montante, portanto. O mercado deverá ajustar oferta e procura dentro em breve. De toda forma, não existe UMA carreira de Relações Internacionais, e sim diferentes “carreiras” – ou melhor, oportunidades de emprego – que vão se ajustando aos nichos existentes, muito diversos entre si. Como a profissão não é regulamentada, nem tem chances de sê-lo muito em breve, persistirá essa relativa indefinição do que é “carreira” ou “especialização” em relações internacionais.

11) Quais os principais desafios que o Sr. enfrentou?
PRA: Numa ou noutra situação, alguns postos apresentam dificuldades materiais, desconfortos psicológicos, desafios razoáveis: por pequenos momentos, chega-se a desejar voltar ao Brasil e retornar à rotina burocrática do cerrado central, onde os atrativos são menores, mas também as surpresas. De toda forma, sempre aproveitei os momentos de dificuldade para refletir e escrever, como sempre, aliás.

12) Quais as realizações pessoais e profissionais encontradas no caminho?
PRA: Viajar, muito, intensamente, ler, também intensamente, escrever, observar, aprender, em toda e qualquer circunstância, mesmo em situações difíceis de abastecimento, conforto, restrições monetárias ou outras.
Shanghai, 25 de abril de 2010

Um comentário:

Mário Machado disse...

Professor,

Belissima resposta, que alias como você ressalta é um compendio de outras dadas anteriormente. Eu, também, padeço da sindrome de "ser bonzinho" e respondo aos domingos os e-mails semanais que me chegam sobre a profissão de relações internacionais, nossas impressões são próximas, apesar d'eu ter uma kilometragem prática muito, mas muito menor.

Não sei se ocorre o mesmo com você, mas comigo apenas 1/4 dos que respondo, voltam pra dizer um obrigado que seja, infiro que não gostam da resposta que não corrobora o mundo perfeito da profissão do futuro que as ementas das universidades dizem.

Sem contar que a maior parte de nós será mesmo "oompa loompa" das relações internacionais e não há demerito nisso, mas é interessante notar como os graduandos menosprezam a atividade que chamam de "comércio exterior", como se todos eles fossem ser embaixadores (sim pq diplomata de carreira é pouco para eles), presidentes.

São impressões minhas, mas posso ser acomedido de um mau humor crônico.

E para finalizar esse comentário enorme, lembro sempre do que vc disse em minha formatura sobre o autodidatismo e demais conselhos do "velho contrarianista".