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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Argentina: um pais de opereta, no pior sentido da palavra

Quem diz não sou, e sim o jornalista brasileiro Ariel Palacios, correspondente em Buenos Aires do Estadão e da GloboNews, em seu blog Os Hermanos, em post dedicado às confusas e divididas comemorações argentinas pelos 200 anos de independência.
Começa pela farsa de comemorar agora 200 anos, para uma independência que de fato só foi obtida em 1816, ou seja, seis anos mais à frente. Em 1810, o Cabildo de Buenos Aires estrilou, bem deu um grito, quando Napoleão chutou para fora do trono espanhol Fernando VII, que ficou confinado alguns anos perto de Marselha, até ser restabelecido no trono espanhol (e reverter a Constituição de Cádiz, liberal, que ele nunca aceitou), depois que Napoleão foi por sua vez chutado para fora do trono francês...

Um século atrás, a Argentina era um país sério, desenvolvido. Offenbach, um francês (alsaciano) compunha operetas cômicas, e para representar o típico latino-americano ridículo, ele compos a figura do "Brésilien d'operette".
Bem, acho que se ele fosse vivo, hoje, comporia suas obras cômicas com o "Argentin d'operette", aliás não só um, mas vários, como nos demonstra esta reportagem de Ariel Palacios.
Divirtam-se...
Paulo Roberto de Almeida

‘Todos contra todos’: um bicentenário em ritmo de opereta (com bônus track de lunfardo e a russa diva)
por Ariel Palacios
Blog Os Hermanos, 22.05.2010

Resumo da opereta
O Teatro Colón, a maior sala de ópera da América Latina (que segundo especialistas da lírica, conta com a melhor acústica para o gênero), será reinaugurado nesta segunda-feira à noite. Ainda não abriu suas portas e já é o foco de uma disputa digna de uma opereta de Franz Léhar ambientada em um inventado país dos Bálcãs.
Cristina Kirchner, irritada com o prefeito Maurício Macri, não irá à principal festividade das celebrações do dia 25 de maio, a data nacional, no Teatro Colón, símbolo da cultura argentina.
Por outro lado, a presidente não convidou ao banquete da terça-feira o vice-presidente Julio Cobos, com quem está brigada desde que ele, que também ocupa a presidência do Senado, votou contra o governo em 2008. O banquete será na Casa Rosada, o palácio presidencial.
De quebra, a presidente Cristina tampouco convidou os ex-presidentes argentinos ainda vivos desde a volta da democracia, em 1983.
O país contará com celebrações paralelas para o Bicentenário: a presidente Cristina, com o banquete na Casa Rosada e um Te Deum em Luján, o prefeito Macri com sua gala no teatro Colón; o cardeal Bergoglio com um Te Deum na catedral portenha, e até o governador de San Luis, Alberto Rodríguez Saá, que construiu uma réplica do Cabildo de Buenos Aires (edifício que foi o foco da Revolução de Maio) para fazer seus próprios festejos.

O Bicentenário argentino, longe de mostrar unidade política, exibe um país profundamente dividido, sem fatores externos que causem as divergências.
O colunista político Adrián Ventura, ironizou com amargura: “talvez no Tricentenário não estaremos pior do que agora…”

Personagens
- Cristina Kirchner, presidente, que chegou à Casa Rosada em 2007 como sucessora do próprio marido. Seus críticos afirmam que comporta-se como fosse uma diva de ópera.
- Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires, opositor dos Kirchners, ex-presidente do Boca Juniors e filho do empresário Franco Macri (o pai de Macri, por seu lado, é enfático simpatizante dos Kirchners desde 2004).
- Néstor Kirchner, ex-presidente (2003-2007), marido da presidente, secretário-geral da Unasul, presidente do partido Peronista e considerado o verdadeiro poder dentro do governo da esposa.
- Julio Cobos, vice-presidente que rachou com a presidente Cristina em julho de 2008. Considerado “mosquinha morta” quando foi escolhido para o posto de vice (Kirchner o escolheu para ser vice da esposa), agora é “presidenciável” da oposição. Macri não gosta dele, pois o prefeito portenho também ambiciona ser candidato da oposição nas eleições presidenciais de 2011.
Cenários: Teatro Colón, Casa Rosada, residência oficial de Olivos, prefeitura portenha.
Época: Os dias prévios ao 25 de maio de 2010. O 25 de maio é a data nacional, o dia da Revolução de Maio de 1810, quando iniciou o processo de rebeliões e guerras que levaria à independência do país em 1816. Na terça-feira que vem a Argentina celebrará o Bicentenário da Revolução de Maio. A data está gerando uma série de debates na sociedade sobre os acertos e os erros do país ao longo dos últimos 100 anos. O quiproquó político dos últimos dias deu um toque amargo às reflexões sobre o futuro da Argentina.

Libreto

Ato 1 – Macri fala demais
Mauricio Macri, na quinta-feira, a poucos dias da reinauguração do Teatro Colón, comenta com a imprensa como será quando a presidente Cristina for à sessão de gala na ópera na segunda-feira à noite: “se ela for com seu consorte (o ex-presidente Kirchner) terei que sentar ao lado dele. Mas isso não me deixa contente…”.
Macri, nos dias prévios, havia criticado o governo Kirchner pela investigação sobre o envolvimento do prefeito em uma serie de grampos telefônicos. Macri está sendo investigado pelo juiz Norberto Oyarbide, que nos últimos meses teria favorecido os Kirchners em diversos casos, segundo acusa a oposição.
Dentro da administração Macri alguns assessores admitem que o uso da palavra “consorte” não foi exatamente “conveniente”.

Ato 2 – Cristina perde a pose e se irrita
Cristina Kirchner coloca tom de drama na trama e afirma que não comparecerá ao Teatro Colón. Irritada – ou simulando estar irritada – a presidente envia uma carta ao prefeito Macri na qual indica que “a incrível catarata de ofensas que proferiu durante a última semana, chegando neste dia a manifestações públicas que desqualificam de forma pessoal, marcam um limite que não estou disposta a atravessar”.
No final, com ironia, disparou: “desfrute o senhor tranquilo e sem as presenças incômodas na noite do 24 de maio”.
Analistas políticos afirmam que, se bem a presidente Cristina costuma ter ataques de raiva pelos motivos da mais variada magnitude, neste caso a observação de Macri (sobre sentar ao lado de Kirchner) teria sido útil como argumento para não ir ao Colón.
Motivo: a festa do Colón é organizada por Macri, integrante da oposição. E, comparecer ao Teatro, onde Macri é o anfitrião, seria conceder-lhe alguns dividendos políticos que Cristina não pretendia dar.

Ato 3 – Imbroglio cresce e Cristina não atende o telefone
Macri tenta impedir a ausência da presidente do principal evento das celebrações do Bicentenário argentino para evitar um fiasco da imagem do país e afirma a Cristina Kirchner que lamenta sua decisão. Macri pede a Cristina Kirchner que “deixe de lado das diferenças e esteja à altura da História, que nos transcende”.
O chefe do gabinete de ministros da presidente Cristina, Aníbal Fernández, que nas últimas duas semanas manteve discussões ‘políticas’ em público com uma vedette do teatro de revista, uma modelo de passarelas – entre outras – afirma que a presidente não irá de forma alguma ao Colón. Nem ela nem outros integrantes do governo. Desta forma, ao redor de 200 entradas ficam sem dono para a noite de gala.
Na sequência, Macri telefonou à presidente Cristina na Casa Rosada. Mas, os assessores da presidente explicaram que não estava ai.
Depois, telefonou à residência oficial de Olivos. Mas, os assessores que ali estavam sustentaram que a presidente estava em uma “reunião”.
O chefe do gabinete do prefeito Macri, Horacio Rodríguez Larreta, fez um apelo na noite da sexta-feira à presidente: “por favor pense nisso..ainda existe tempo (para mudar de ideia)”. Depois, com ironia Larreta arrematou, afirmando que se Cristina for ao Colón, poderá passar “a imagem de unidade (nacional) pelo menos por um dia”.

Intermezzo com mais imbroglios e peculiaridades
No meio deste imbróglio operístico, o vice-presidente da República, Julio Cobos, recorda que não foi convidado para o banquete de gala da terça-feira na Casa Rosada o palácio presidencial, onde a presidente Cristina receberá 200 convidados especiais, entres eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Cobos, como vice-presidente, deveria ser convidado (independente do conflito entre ele e o casal Kirchner). Mas, os Kirchners não querem o detestado vice-presidente por perto.
Cobos irá ao Colón, onde não irá Cristina por vontade própria.
Macri disse que embora Cristina não compareça ao Colón, ele irá ao banquete da Casa Rosada apesar da indisposição da presidente de tê-lo por perto.
Mas, além de Cobos, a presidente Cristina Kirchner .- embora seja uma festa nacional que possui maior relevância pelos 200 anos celebrados – não convidou nenhum dos ex-presidentes civis argentinos ainda vivos (Carlos Menem, Fernando De la Rúa, Adolfo Rodríguez Saá, Eduardo Duhalde), com os quais não possui boas relações. A única exceção é o próprio marido, o ex-presidente Kirchner.
E, no meio de todo este quiproquó e comédia de enredos, o presidente do Uruguai, José Mujica, ex-guerrilheiro tupamaro, confirmou que estará presente na noite de gala do Colón, sem se importar com o conflito entre a presidente Cristina e o prefeito Macri.
Mujica, amante do teatro e da música clássica (além do tango), estará no Colón, e concidentemente, sentará ao lado do vice-presidente argentino, Julio Cobos.
No dia seguinte, no 25, Mujica sentará à mesa de Cristina Kirchner, na Casa Rosada, no banquete do bicentenário.

Ato 4 – Deus seria peronista
Na sexta-feira à noite, a presidente Cristina foi à avenida 9 de Julio inaugurar a exposição sobre o bicentenário organizada pelo governo federal. Ali, sem vacilar, afirmou de forma mística: “Deus quis que eu fosse presidente neste bicentenário!”
Ato 5 – Grand Finale, Todos contra todos
Ainda está para acontecer. Na segunda-feira à noite o prefeito Macri receberá 2.400 convidados para a gala do Colón.
No dia seguinte, a presidente Cristina celebra o 25 de maio em si.
Ela irá a um Te Deum, na catedral de Luján, na província de Buenos Aires, onde o bispo local é um dos integrantes do clero com os quais ainda não brigou.
Cristina descartou a cerimônia religiosa na catedral de Buenos Aires (que albergou a maior parte dos Te Deums dos últimos dois séculos), pois mantém uma relação tensa com o cardeal e primaz da Argentina, Jorge Bergoglio. Este, por seu lado, irritado com o descaso da presidente Cristina Kirchner, fará seu próprio Te Deum.

ANÁLISE DA OPERETA: Os analistas políticos criticam a decisão da presidente Cristina. E tampouco poupam Macri de críticas. A socióloga Beatriz Sarlo, no artigo “Brigas que carecem de grandeza” publicado neste sábado no jornal “La Nación”, indica que “não era previsível que ao chegar ao balanço do bicentenário estivéssemos ocupados com brigas cujos motivos carecem de qualquer exemplo”.
Segundo Sarlo, a frase de Macri sobre Kirchner (sobre sentar ao lado dele) é uma demonstração de que o prefeito portenho “acredita que pode comportar-se como se fosse o pai de uma namorada cujos sogros não lhe agradam”.
Sarlo sustenta que ele, falando como chefe de governo de Buenos Aires, não deve declarar que não está contente em receber o marido da presidente no dia 25 de maio no Colón. “Ninguém lhe pede que diga que sentar ao lado de Néstor Kirchner seja seu sonho. Ninguém lhe pede que exagere um tom amistoso que não sente..simplesmente, um político em funções de governo cala a boca”.
Sarlo também critica a presidente Cristina e diz que ela só não vai ao Te Deum na catedral para não encontrar o cardeal Bergoglio ali.
Segundo Sarlo, os motivos destas atitudes “que seriam caricaturescos se não afetassem a vida pública, tem a ver com o pior lado do estilo político nacional”.

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