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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Politicas ativas do Estado: pessimos exemplos vindos de cima

Na sequência de meu artigo sobre as políticas públicas no Brasil, neste post,

Ativismo estatal

transcrevo abaixo três artigos nessa mesma linha.

Políticas perversas
Marcelo de Paiva Abreu *
O Estado de S. Paulo, 26 de julho de 2010

Disseminou-se hoje no Brasil a disposição de aceitar mais riscos do que recomendaria a prudência. A disputa presidencial estimulou o governo a partir para uma estratégia de uso quase obsceno da máquina pública na distribuição de benesses. Não é surpresa que, na esteira dessa postura do governo, prospere a disputa pelo acesso aos benefícios distribuídos pelo Estado com exacerbação de comportamentos rentistas. Venda de vento tornou-se vocação empresarial digna de inveja dos concorrentes. É só assegurar acesso a crédito público subsidiado e tratar de convencer investidores externos de que o Brasil vai ser, afinal, o país do presente. O ambiente de escancarada cooptação com o dinheiro público desestimula o debate sério de políticas públicas.
A formulação de políticas públicas tem sido calcada em diagnósticos superficiais com clara reincidência em erros cometidos no passado. Exemplo recente é a pretensa detecção de “desindustrialização”, baseada em superficial observação da queda da participação da indústria nas exportações totais ou no PIB. Nenhuma menção ao impacto do aumento dos preços de commodities em relação aos preços de produtos industriais ou ao amadurecimento da economia brasileira com ampliação do peso relativo do setor serviços.
Tal diagnóstico tem cumprido papel central na justificativa de políticas “corretivas” - muito além do que seria justificável com base em critérios de eficiência - baseadas na provisão de crédito público subsidiado e na política de compras do Estado e de empresas estatais envolvendo metas de conteúdo nacional.
O BNDES absorveu no período recente recursos do Tesouro Nacional ao ritmo de R$ 120 bilhões por ano. Recursos que são tomados pelo Tesouro à taxa Selic, enquanto o grosso dos empréstimos do BNDES está indexado à TJLP, muito mais baixa. Reduzir o custo do investimento é objetivo louvável de política econômica, mas não por meio de subsídios maciços e indiscriminados. O governo teve oito anos para tratar de reduzir o custo do investimento de forma decente e fazer convergir a taxa Selic e a TJLP por meio de consolidação do equilíbrio das contas públicas. Crédito subsidiado só faz sentido se o objetivo for eliminar imperfeições de mercado, por exemplo, estimulando o comportamento inovador da indústria ou controlando a geração de externalidades negativas como poluição do meio ambiente. A explicação do BNDES, contrapondo uma “visão dinâmica” a uma “visão quantitativa” para explicar por que a sua atuação seria “benigna” do ponto de vista da sustentação do nível de atividade, pois cria capacidade produtiva, é deprimente.
A adoção de políticas autárquicas quanto a compras públicas é facilitada pelo fato de o País não ser signatário do acordo relevante na Organização Mundial do Comércio (OMC). A recente Medida Provisória 495 sobre licitações públicas pretende garantir a “promoção do desenvolvimento nacional” e estabelece margem máxima de 25% em benefício de bens e serviços nacionais. A política de compras da Petrobrás tem sido calcada na ideia de que não deve ser perdida a oportunidade de expansão da produção de petróleo para adotar política industrial que estimule a substituição de importações de equipamentos por meio de esquemas de preferência a supridores locais. A mesma perspectiva condiciona a concorrência do trem-bala a descabidas exigências de conteúdo local. Por que é mesmo que o conteúdo local deve ser crescente nos 45 anos previstos no cronograma, alcançando 90% para trilhos e dormentes e 60% para portas, janelas, motor de tração e rodas? Reservas de mercado acarretam aumento do custo do investimento, exatamente o oposto do que o BNDES diz ser o objetivo de sua política de subsídios. Proteção à indústria nascente pode até fazer sentido. Mas metas de conteúdo nacional são sabidamente problemáticas e é fundamental que haja programação da retirada de incentivos em prazo razoável. O Brasil tem, entretanto, longa experiência de partos seculares de indústrias nascentes.
No caso extremo teremos custo de investimento muito alto, por conta das exigências de conteúdo nacional, financiado a taxas subsidiadas pelo BNDES. É mais que razoável duvidar de que tal estratégia seja sustentável a mais longo prazo. As implicações serão danosas para as finanças públicas, ainda mais em face da incontinência estrutural de gastos e sua acomodação por meio de aumento da carga fiscal. A comemorada ressurreição de setores de atividade que no passado não sobreviveram à concorrência internacional - como a indústria naval, por exemplo - leva à desconfiança de que poderia estar havendo simples criação de nova manada de elefantes brancos.
Não há qualquer indício de que a candidata presidencial governista reconheça a inadequação dessas políticas públicas. Muito pelo contrário. Por outro lado, mesmo que o candidato de oposição reconheça a necessidade de sua reformulação, ao menos parcial, seria ingênuo pensar que posições de princípio dominem o cálculo político em meio a tão farta distribuição de benesses. Vai ser difícil e custoso fazer valer a racionalidade.

*Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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Refazer o erro
Miriam Leitão
O Globo, 28.07.2010

O governo Lula resolveu repetir erros velhíssimos como a ideia de que o Estado deve decidir que empresas e setores precisam ser grandes. A notícia de que R$ 18,5 bi foram dados ao setor frigorífico ou a reportagem da “Época” sobre os benefícios fiscais direcionados a algumas obras recriam instrumentos que criaram no passado inúmeras distorções, prejuízos e estão na raiz do processo inflacionário
O cemitério dos ex-campeões nacionais ou a ala das empresas moribundas estão cheios dessa suposta boa intenção de que se investe agora o BNDES. O banco derrama dinheiro público em determinados setores e empresas. Essa ideia velha, e já comprovadamente errada, é a de que se o Estado der muitos empréstimos subsidiados e incentivos fiscais a determinadas empresas escolhidas, elas serão fortes e vão liderar o desenvolvimento nacional.

O economista Marcelo de Paiva Abreu lembra a lista de empresas mortas ou moribundas criadas exatamente neste tipo de proposta. A Coalbra faria álcool de madeira.

A Caraiba Metais acabou tendo que ser estatizada.

A Cobrasma seria a grande líder brasileira. Enfim, inúmeras.

— Em 1975, o BNDES criou três empresas com o objetivo específico de comprar ações de empresas privadas: a Embramec, Fibase e Ibrasa. A Embramec, por exemplo, tinha o objetivo de fortalecer as empresas de bens de capital comprando ações, a Fibase fazia o mesmo com o setor de insumos básicos. Tudo isso provocou um enorme prejuízo ao país, já queimamos os dedos. Houve também incentivos para o setor bélico, com a Engesa.

Fizemos até um tanque, o Osório, que pelos planos seria o grande tanque do Oriente Médio e que foi um grande fracasso. Podese argumentar que a Embraer foi um sucesso, mas antes ela fracassou e teve que receber novas injeções de recursos públicos — lembra Marcelo.

O “Estadão” fez a conta completa do que temos dado aqui na coluna com espanto: até agora, o BNDES já concentrou R$ 18,5 bilhões em empréstimos e participações societárias no setor de frigoríficos. E mais: escolhe alguns e recusa outros. O mais beneficiado é o JBS Friboi.

Do Independência, como já disse, o banco comprou ações, deu empréstimo numa operação total de R$ 450 milhões, e logo depois ele faliu.

Na reportagem da última edição da “Época” — cuja leitura recomendo — a jornalista Isabel Clemente analisou 324 obras do PAC que estão recebendo benefícios fiscais do Reidi (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura).

As obras enquadradas não pagam PIS/Cofins. Foram encontradas várias irregularidades.

A ideia era atrair capital privado para investimento em infraestrutura, mas foi concedido até para obras que já estavam em andamento, como a Usina de Estreito. O benefício tem que ser suspenso dez dias após o fim do projeto, mas a revista encontrou várias obras encerradas há muito tempo que continuam enquadradas no benefício fiscal.

Tem que ser para o projeto em si e está sendo dado até para atividades de manutenção como troca de poste. O ministro Márcio Zimmermann admitiu o erro em um desses casos, e uma semana depois mudou de ideia. Enfim, a reportagem não deixa dúvidas de que está sendo recriado no Brasil o velho balcão de favores criado no governo militar e contra o qual se lutou tanto durante anos. Nesse balcão, algumas empresas, por razões sempre obscuras, conseguiam, de burocratas, vantagens fiscais que suas concorrentes não conseguiam. Criou-se uma enorme rede de burocracia, relações promíscuas, favores escusos, distorção.

É um risco e um retrocesso retomar esse caminho que só serviu no passado para criar empresas dependentes químicas do Estado, burocratas com poderes indevidos, privilégios que concentraram renda e muita corrupção.

Por que errar erro tão velho e tão comprovadamente distorsivo? Quando os privilegiados quebravam, a dívida era estatizada e muitos deles continuavam ricos. Foi assim que o Brasil foi alimentando o processo inflacionário.

Não é a única causa, mas certamente está na raiz do processo que inchou de forma descontrolada os gastos públicos e concentrou renda.

— Não é o caso de ser purista. Há momentos e situações que podem haver subsídios, como, por exemplo, o incentivo ao investimento na inovação tecnológica. A concessão generalizada e sem critério, em vez de estimular, inibe o desenvolvimento tecnológico. Se os benefícios vão ser distribuídos indiscriminadamente, para que fazer o esforço de inovação? — pergunta Marcelo de Paiva Abreu.

Os benefícios fiscais do Reidi são perigosos porque são nebulosos em si e, além disso, são distribuídos de forma obscura.

— São criticáveis em princípio e ainda têm problemas de implementação.

Nós estamos ressuscitando instrumentos que deram errado sem ao menos fazer um estudo dos nossos erros — disse o economista.

Há outro efeito que já vimos acontecer, empresas super protegidas e aduladas por recursos públicos não se firmam, pelo contrário, passam a depender eternamente dos mesmos favores.

— O risco é de criar uma indústria eternamente infantil — disse.

Com incentivos fiscais e dinheiro barato está se fazendo também uma grande cooptação do setor empresarial.

Quem não é beneficiado, tem esperança de ser. Mas o processo é insustentável a longo prazo.

Isso já vimos e nos custou muito caro.

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O esquecido
Miriam Leitão
O Globo, 29/07/2010

Há um grande esquecido em todas as operações na telefonia brasileira: o usuário. Hoje, a Oi investe menos do que as empresas Telemar e Brasil Telecom investiam quando eram separadas.

O Brasil tem uma telefonia cujo serviço está se deteriorando, não tem cobertura de banda larga decente, e as telefônicas são campeãs de reclamação.

Os negócios anunciados ontem terão que ser submetidos à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Hoje, as empresas entram com um pedido de anuência prévia na Agência.

A informação no órgão regulador é que a decisão será tomada olhando-se três critérios: qualidade do serviço, impacto na competição e interesse do usuário.

Mas tudo se passa no governo, e nas empresas privadas, como se o assunto não tivesse que passar pela Anatel. E tem. A Agência, se não quiser ser reduzida a um carimbador, terá que avaliar todos os negócios anunciados ontem dentro dessa perspectiva. Porque do governo já não se espera, a essa altura, que olhe o interesse público.

O governo só interfere em favor dos grupos empresariais.

Mudou o Plano Geral de Outorgas para permitir a compra da Brasil Telecom pela Telemar. Na época, o pretexto foi o de criar uma supertele de capital exclusivamente nacional, que agora será luso-brasileira.

Nada contra a empresa portuguesa, tudo contra esse delírio nacionalistóide de mudar regras de forma casuística, colocar dinheiro público, e financiar uma compra sem qualquer benefício palpável para o consumidor dos serviços.

A advogada especialista em telecomunicações Cláudia Domingues lembra que a compra da BrT pela Oi, em 2008, foi feita de forma tão apressada que a Oi não avaliou corretamente o passivo da BrT. Em janeiro deste ano, a empresa comunicou que o passivo, por conta de ações judiciais contra a BrT, não era de R$ 1,2 bilhão, mas R$ 2,5 bi. Um erro de análise de mais de um bilhão de reais. E um dos sócios é o BNDES.

— O mercado de telecomunicação no Brasil piorou muito desde essa operação.

Foi como se a Oi tivesse comprado uma fazenda sem contar quantos bois havia no pasto. Tudo foi feito apressadamente e por motivações políticas.

Ninguém pensa no bem do mercado. As empresas, por exemplo, não foram à Justiça contra a recriação da Telebras, que é claramente inconstitucional. Com a operação de hoje envolvendo Telefónica, Portugal Telecom, Vivo e Oi, percebe-se o porquê. Havia outros interesses em jogo — disse.

Antes da compra da Brasil Telecom pela Telemar, a soma do que as duas investiam nos serviços de telefonia fixa e celular era muito maior do que investe agora. Ela ficou sem capacidade de investir e o consumidor pagou a conta. Na opinião dos especialistas, isso é claramente incompatível com a necessidade de expansão e da melhoria da qualidade dos serviços em sua área de atuação. No final do ano, a Oi apresentou prejuízo e uma dívida de R$ 21,8 bilhões. Analistas de mercado acham que a entrada da Portugal Telecom ajudará a reduzir essa dívida e aumentar a capacidade de investimento.

Mesmo assim, a ação da empresa despencou 16% ontem. No caso da Vivo, a operação melhora a governança porque a Telefónica aumentará seu controle sobre a empresa, mas a empresa terá que investir muito dinheiro na compra da participação.

A venda da parte da Portugal Telecom na Vivo e o uso dos recursos na compra de uma participação de 22% na Oi têm o lado bom de mostrar que o mercado brasileiro é atraente. As empresas brigaram durante meses para garantir o direito de crescer por aqui.

Hoje, 15% da receita da Telefónica vem do Brasil. Após este negócio, será 20%, tornando o país o segundo maior mercado da empresa, depois da própria Espanha.

O problema é que o governo tem adiado questões regulatórias, como, por exemplo, a licitação da Banda H. No mercado, se diz com todas as letras que as questões que antes eram resolvidas pela agência agora nem mesmo são da alçada do Ministério das Comunicações.

As empresas vão direto à Casa Civil.
O caso da Oi foi espantoso em todas as etapas. Foi assinado um memorando de entendimento para a compra da Brasil Telecom antes mesmo de o governo mudar o Plano de Outorgas. Criou-se um fato consumado antes de a Anatel decidir. Tudo foi financiado pelo BNDES e Banco do Brasil, que deram empréstimos à empresa para que ela pudesse pagar aos acionistas controladores da Brasil Telecom.

Mesmo endividada e sem capacidade de ampliar seus investimentos, a empresa usou o fato de que era a tal “supertele nacional” para se oferecer como a operadora do Plano Nacional de Banda Larga. A proposta foi defendida pelo próprio Luiz Eduardo Falco, presidente da Oi, numa reunião na Casa Civil, em abril. O argumento usado por Falco é que a Oi teria direito a isso por ser quase empresa estatal, tem 49% do capital do BNDES e dos fundos de pensão de estatais.

Nas mudanças nas telecomunicações têm ocorrido favorecimento, preferência por uma empresa por motivos pouco transparentes, interferência direta do governo em negócios de uma empresa privada e com capital em bolsa.

O Brasil está em pleno retrocesso. Na reta final do governo Lula está havendo uma fúria estatizante, concessões descabidas a empresas privadas, distribuição de benesses a escolhidos, interferência indevida em assuntos de empresas de capital aberto. Com Brasília, a Oi tem linha direta; com seus minoritários, ela não consegue se entender. Eles já recusaram três vezes propostas da empresa e o processo, do ponto de vista societário, está incompleto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Estava lá pela metade do texto quando disse pra mim mesmo: "porra, finalmente uma boa análise da situação atual. E que texto claro."

Aí voltei pra ver o nome do autor. Só podia ser o Marcelo de Paiva Abreu. O resto dos nossos economistas são realmente uns babacas perto dele.