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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Celso Amorim: entrevista-final (ou quase...)

Se ouso formular algumas observações à  entrevista do ministro Celso Amorim, faria apenas as retificações abaixo, não de opinião, mas como statements of fact. Ou seja, vou limitar-me a expor alguns fatos.
[Comentários PRA: entre colchetes e em itálico.]
Observo apenas que não sou, nem nunca fui um especial apreciador da Alca: um acordo visivelmente desequilibrado, proposto pelos EUA em seu benefício, obviamente. Mas quem assinou a declaração de Miami, comprometendo o Brasil com a Alca, foi o presidente Itamar Franco, supostamente sob recomendação de seu chanceler, o mesmo que agora dá entrevista dizendo que foi bom não ter a Alca (embora eu considere que as suas razões, ligadas à crise americana, são totalmente erradas). Acordos comerciais são sempre negociáveis, como aliás fizeram vários países da região, negociando acordos de acesso ao mercado americano -- com reciprocidade, claro -- depois que três altivos e soberanos países (Brasil, Argentina e Venezuela) implodiram a Alca (como aliás era a intenção desde o início). Considero, por acaso, que é melhor ter mais comércio, em geral, do que menos comércio, mesmo com o "império". Essa coisa de comércio "sul-sul" e uma "nova geografia comercial" me parece uma auto-limitação sem qualquer sentido prático: do ponto de vista dos empresários (que são os que exportam, não o governo, vale lembrar), mercados são mercados, estejam onde estiverem, ao sul, ao norte, embaixo, em cima, dentro, fora, anywhere. As simple as that...
Paulo Roberto de Almeida

ENTREVISTA DA 2ª: CELSO AMORIM
ELIANE CANTANHÊDE - COLUNISTA DA FOLHA
Folha de S.Paulo, 15.11.2010

Sempre digo que Pelé só teve um; igual a Lula não vai ter
AINDA ASSIM, CHANCELER DIZ QUE DILMA PODE FAZER UM GOVERNO "EXTRAORDINÁRIO", DÁ COMO CUMPRIDA SUA MISSÃO NO CARGO E DEFENDE POLÍTICA EXTERNA, QUE DEFINIU COMO "ALTIVA E ATIVA"

"Não lamento nada." Com essa frase, dita em francês e emprestada de Edith Piaf, o ministro Celso Amorim, 68, termina oito anos à frente do Itamaraty defendendo de forma enfática sua política, que batizou de "altiva e ativa".
Mantém as críticas aos EUA, carrega nas tintas ao pintar o protagonismo do Brasil no comércio e na política externos e defende a posição que o país teve em casos polêmicos, como mediar o acordo nuclear do Irã.
Ele diz que cumpriu sua missão e que seria "incapaz" de se candidatar a permanecer no governo Dilma Rousseff. Compara o presidente a Pelé e vaticina: "Igual a Lula não vai ter, mas não quer dizer que Dilma não vá fazer um governo extraordinário".

Folha - O sr. é candidato a continuar no cargo?
Celso Amorim - Fiquei muito contente com a vitória da Dilma, mas eu seria incapaz de me colocar como candidato.

FSP: Se fosse convidado, ficaria?
Eu me sinto bem, considero minha missão cumprida. Agora, se me pedirem conselho, estou disposto a dar.

FSP: Por exemplo...
Acho que o próximo ministro deve ser um profissional e a gente deve continuar trabalhando na renovação. Precisamos de gente mais nova.
[É um fato: gente mais nova é sempre mais suscetível de obedecer sem questionamentos às ordens de cima, inclusive porque depende dos mais velhos para promoção, ou de apenas um mais velho...]

FSP: O embaixador Antônio Patriota?
Ele tem plenas condições, mas não é o único.

FSP: Como o sr. virou chanceler?
Eu nem conhecia o Lula. Nunca soube por que optou por mim, nunca perguntei.
Ele costumava dizer que eu tinha caspa, então, devia ser um pouco mais popular. Adivinha qual a primeira pessoa para quem eu liguei quando o Lula foi eleito em 2002? Foi para o Fernando Henrique Cardoso. Mas o Lula é uma figura excepcional, você conta três ou quatro líderes políticos como ele no século.

FSP: E como vai ser sem Lula?
Sempre que me perguntam isso digo que Pelé só teve um, mas o Brasil foi cinco vezes campeão. Igual a Lula não vai ter, mas isso não quer dizer que a Dilma não vá fazer um governo extraordinário e uma política externa muito boa.

FSP: Qual foi o maior acerto da política externa?
Quando o presidente me indicou publicamente, eu tinha de dizer umas palavras rápidas ali. Eu tinha falado umas duas vezes com Lula, não tinha combinado nada, não tinha estudado o programa do PT, e, aí, eu disse que a política externa seria altiva e ativa. Essas palavras, que eu disse quase por acaso, acabaram entrando para o programa do PT e da presidente. Era uma questão de atitude.

FSP: Antes não era altiva e ativa?
Tenho 50 anos de Itamaraty e vi gente muito boa, muito competente, mas com aquela atitude que um secretário-geral de muito tempo atrás traduzia assim: "Política externa dá bolo". Então, é melhor cuidar da burocracia e evitar bolo.

FSP: O que poderia dar bolo?
Quando nós fizemos o G20 comercial em Cancún e quando começamos a brigar contra a Alca e todos os vizinhos pareciam muito atraídos pela Alca, inclusive a Argentina. Ela morreu em Miami, sabe por quê? Porque foi quando conseguimos chegar a uma Alca que serviria ao Brasil, que não cerceasse a nossa capacidade de escolha de um modelo de desenvolvimento, e aí não interessava mais para os outros. Matamos a Alca sem dar um tiro.
[Brigar contra a Alca? Mas foi Celso Amorim, como chanceler de Itamar Franco, que aceitou integralmente o menu da Alca. Diga-se de passagem, foi surpreendente ver o Brasil aceitar, em dezembro de 1994, um compromisso de negociar, até 2005, e implementar depois disso, uma zona de livre-comércio hemisférica. Ou seja, o chanceler de Lula estava desfazendo aquilo que foi feito pelo chanceler de Itamar Franco; o que aliás se deu também em relação aos acordos de promoção e proteção de investimentos, metade dos quais foi assinada por Celso Amorim, que depois se voltou contra sua "criatura" diplomática; notável coerência intelectual.
Mas, "brigar contra a Alca", é uma expressão muito pouco diplomática; significa que havia, pois, uma atitude beligerante. Ela precedia, aliás, o governo Lula: no governo FHC, o futuro SG-MRE Samuel Pinheiro Guimarães já proclamava que a Alca iria matar o Mercosul e impedir o desenvolvimento do Brasil; certo exagero, claro, mas a intenção já estava declarada e a decisão tomada.
Pode-se inclusive perguntar qual é o "modelo de desenvolvimento" do Brasil sem a Alca: a situação de não-Alca trouxe qual modelo de desenvolvimento?
Pode-se também simplesmente esclarecer que um acordo de livre-comércio está longe de ser um modelo de desenvolvimento: seria pretender que o rabo do comércio abanasse o cachorro do desenvolvimento. Nenhum economista sério acredita nesse tipo de argumento.]

FSP: Isso tudo não foi um pouco de teatro? A intenção não era matar a Alca desde o início, por uma questão ideológica?
Olhando em retrospectiva, foi melhor mesmo não ter tido a Alca. A crise nos EUA demonstrou isso. Nós ficamos mais protegidos, tivemos mais liberdade. E pudemos investir na política Sul-Sul.
[Achar que um acordo de livre-comércio, destinado basicamente a ampliar comércio e atrair investimentos produtivos pode "transmitir crise" é uma extrapolação que poucos economistas se arriscariam a fazer. Isso equivaleria a dizer que uma crise na Alemanha vai inevitavelmente se propagar pelos outros 26 países membros, e que portanto melhor seria não ter integração, não ter livre-comércio internamente à UE, pois uma crise na Alemanha, algum dia, seria prejudicial a todos os seus membros.
Não sei quem é capaz de acreditar nisso e deixar de lado todos os benefícios potenciais do livre-comércio e da atração de investimento. Pois é: Grécia, Portugal, Espanha e outros candidatos são malucos: eles preferem perder a liberdade, insistir numa política Sul-Norte, em lugar de ficar quietinhos no seu lugar, desfrutando de sua liberdade com outros países iguais a eles. Gente maluca...]

FSP: Mas o Brasil ficou sem Alca, sem a Rodada Doha e sem acordos bilaterais.
Nosso comércio cresceu com o mundo todo, o Brasil é a oitava economia do mundo, está entre os dez maiores cotistas do FMI. Tinha um acordo prontinho entre EUA e União Europeia para nos enganar de novo, como sempre. Só sobravam migalhinhas. Quem disse "não" foi o G20, em 2003, e não há quem não reconheça que quem liderou o G20 foi o Brasil.

FSP: E o viés ideológico, as picuinhas contra os EUA?
Logo no início, o presidente Lula condenou a invasão do Iraque, mas sem confrontacionismos inúteis, tanto que ele teve uma boa relação com [George W.] Bush, como tem com [Barack] Obama.

FSP: Como foi o início, com o sr., Marco Aurélio Garcia e Samuel Guimarães mandando?
Foi tudo empírico, intuitivo. O presidente muitas vezes tinha uma intuição do que devia fazer, mas foi preciso formular aquilo em termos diplomáticos, e isso exige alguma experiência.
[A jornalista esqueceu do fichamento de americanos em aeroportos brasileiros, decretado por um juiz maluco, em total ilegalidade, medida derrubada por um tribunal de instância superior e prontamente restabelecidade, em sua ilegalidade, por medida administrativa, sem amparo legal, pelos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores. Uma medida claramente discriminatória, quando a lei americana se aplicava erga omnes, ou seja, não era dirigida especificamente contra brasileiros.]

FSP: E a questão de princípios, de democracia, de direitos humanos?
Pode ter tido aqui uma repercussão de alguma coincidência infeliz...

FSP: O sr. considera coincidência infeliz o presidente e ministros às gargalhadas com os irmãos Castro no dia da morte de um dissidente cubano?
O fato de ele ter morrido quando o presidente estava lá era imprevisível, você chame como quiser chamar.

FSP: Não equivale a Lula comparar a resistência iraniana a chororô de time derrotado?
Não me cabe comentar declarações do presidente.

FSP: O que o Brasil ganha ao mediar o acordo nuclear do Irã?
Quando o Obama fala na inclusão da Índia no Conselho de Segurança [da ONU] todos captaram que não é possível fazer uma reforma sem o Brasil. Quando se discute clima, comércio, chamam o Brasil, a Índia e a China. O único terreno em que havia ainda uma certa reserva de mercado era a questão da paz e da segurança. Foi por isso que a ação do Brasil e da Turquia no Irã incomodou. Os países ocidentais diziam: "Vai lá". Ninguém acreditava que o Irã aceitasse os três pontos da carta do Obama, e ele aceitou.

FSP: Por que o Brasil se omite de condenar países que desrespeitam os direitos humanos?
Eu sei o quanto essas coisas são manipuladas. No ano em que os EUA faziam acordos comerciais com a China, a China desaparecia das resoluções de direitos humanos. Se no ano seguinte não tinha mais acordo comercial com a China, a China voltava para as resoluções. E agora não entra mais. Há sete países que convivem com situações crudelíssimas e jamais são mencionados. Por quê? Porque têm bases americanas ou outros interesses.

FSP: O Brasil está exercitando o "soft power" ao financiar países de todos os continentes?
Em geral, está financiando empresas brasileiras, e o que o Brasil gasta é ínfimo. Nossa cooperação técnica é comparável talvez à de um pequeno país europeu, tipo Áustria. Você não pode estar entre as dez maiores economias do mundo, querer uma política ativa na OMC e esperar que esses países te apoiem sem nada em troca. É também querer que esses países assumam um risco na hora de você brigar com os Estados Unidos e com a União Europeia.

FSP: A Áustria não tem milhões de miseráveis, como o Brasil.
Uma coisa não elimina a outra. Não vi nenhuma crítica à ajuda ao Haiti.

FSP: O mundo vive nova bipolaridade, entre EUA e China?
Não acho que saímos de uma bipolaridade para cair em outra. O mundo hoje é muito mais complexo. Por mais que a China seja importante, precisa do Brasil para discutir clima. Por mais que os EUA sejam importantes, precisam do Brasil e outros para discutir comércio e finanças. Não há mais como haver políticas impositivas.

FSP: A China é aliado do Brasil nos Bric, mas ao mesmo tempo competidor comercial direto.
Nosso saldo comercial com a China deve chegar a US$ 7 bilhões neste ano, enquanto temos um deficit de US$ 5 bilhões com os EUA, que é o maior superavit dos EUA no mundo. Então, vamos convir que a China não é o nosso grande problema.

FSP: Se o sr. pudesse voltar atrás, o que faria diferente?
Vou falar como a Edith Piaf: "Je ne regrette rien" [Eu não lamento nada].

Leia a íntegra da entrevista
folha.com.br/po830614

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