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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Wikileaks-Brasil: terroristas que nao sao considerados terroristas

No post anterior, eu dizia que os Wikileaks, a despeito da tragédia que representam para a diplomacia americana, desvendam paranoias e hipocrisias estatais. Eles podem revelar também coniviencia ou irresponsabilidade de certos dirigentes políticos, que não se importam em que ações terroristas sejam planejadas contra os EUA, desde que não atinjam diretamente o Brasil.
Viva o Wikileaks, malgré tout...
Paulo Roberto de Almeida

O WikiLeaks e o terrorismo no Brasil - O caso do libanês “K”
Reinaldo Azevedo, 29.11.2010

A Folha de S. Paulo publicou nesta segunda-feira uma reportagem de Fernando Rodrigues onde se lê:
“A Polícia Federal do Brasil ‘frequentemente prende pessoas ligadas ao terrorismo, mas os acusa de uma variedade de crimes não relacionados a terrorismo para evitar chamar a atenção da imprensa e dos altos escalões do governo’, relatou de maneira secreta em 8 de janeiro de 2008 o então embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Clifford Sobel. Essa informação faz parte de um lote de 1.947 telegramas produzidos pela diplomacia norte-americana durante a última década, em Brasília. A organização WikiLeaks teve acesso a eles. Vai divulgá-los gradualmente a partir desta semana no site www.wikileaks.org.

Pois bem, no mesmo texto, relata-se o caso de um libanês preso no Brasil, ligado à rede Al Qaeda. E se informa também que o governo americano considera que Dilma era uma das pessoas no Brasil que faziam pressão para que o país não tivesse uma lei especial contra o terrorismo.

Essa história me irrita um tantinho, você entenderão por quê. No dia 25 de maio de 2009, eu reproduzia aqui a coluna do jornalista Janio de Freitas, da Folha. Eu e ele não somos da mesma enfermaria ideológica, como se sabe. Mas publiquei trecho de sua coluna com link e tudo. Leiam trecho:
“Está preso no Brasil, sob sigilo rigoroso, um integrante da alta hierarquia da Al Qaeda. A prisão foi feita pela Polícia Federal em São Paulo, onde o terrorista estava fixado e em operações de âmbito internacional. Não consta, porém, que desenvolvesse alguma atividade relacionada a ações de terror no Brasil. A importância do preso se revela no grau de sua responsabilidade operacional: o setor de comunicações internacionais da Al Qaeda. Tal atividade sugere provável relação entre recentes êxitos do FBI e a prisão aparentemente anterior feita em São Paulo. Há cinco dias, o FBI prendeu por antecipação os incumbidos de vários atentados iminentes nos Estados Unidos, inclusive em Nova York.”

Eu tinha essa mesma informação e fiquei esperando a confirmação de um dado. Hesitei um tantinho, e Janio saiu na frente. Eu sabia que era verdade. Publiquei a coluna dele porque meu furo já tinha ido para o brejo. Muito bem. Quem era o cara? Tratava-se do libanês K, moderador de um fórum fechado na Internet com mensagens de conteúdo racista e antiamericano. Casado com uma brasileira, exercia atividade regular em São Paulo. E foi solto.

Sabem o que então ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou sobre o caso?
“Se esse cidadão tem ou não relações políticas e ideológicas com países ou com correntes de opinião no mundo, isso, para nós, não é uma questão institucional ou legal.”
Para Tarso, a Al Qaeda era uma “corrente de opinião”.

Se havia um terrorista da Al Qaeda no Brasil e se a desculpa singela par estar solto era a de que a sua situação por aqui era estável, casado com uma brasileira, nem por isso o país deixava de desrespeitar uma resolução da Organização das Nações Unidas — mais precisamente, de seu Conselho de Segurança. Refiro-me à Resolução 1373, de 2001, cuja íntegra está aqui. Leiam trechos:

(…)
Atuando ao abrigo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, decide que todos os Estados devem:
a) Prevenir e reprimir o financiamento de atos terroristas;
(…)
d) Proibir seus nacionais ou quaisquer pessoas e entidades em seus territórios de disponibilizar quaisquer fundos, ativos financeiros ou recursos econômicos ou financeiros ou outros serviços financeiros correlatos, direta ou indiretamente, em benefício de pessoas que perpetram, ou intentam perpetrar, facilitam ou participam da execução desses atos; em benefício de entidades pertencentes ou controladas, direta ou indiretamente, por tais pessoas; em benefício de pessoas e entidades atuando em seu nome ou sob seu comando.

Decide também que todos os Estados devem:
- Abster-se de prover qualquer forma de apoio, ativo ou passivo, a entidades ou pessoas envolvidas em atos terroristas, inclusive suprimindo o recrutamento de membros de grupos terroristas e eliminando o fornecimento de armas aos terroristas;
- Tomar as medidas necessárias para prevenir o cometimento de atos terroristas, inclusive advertindo tempestivamente outros Estados mediante intercâmbio de informações;
- Recusar-se a homiziar aqueles que financiam, planejam, apóiam ou perpetram atos terroristas, bem como aqueles que dão homizio a essas pessoas;
Impedir a utilização de seus respectivos territórios por aqueles que financiam, planejam, facilitam ou perpetram atos terroristas contra outros Estados ou seus cidadãos;
- Assegurar que qualquer pessoa que participe do financiamento, planejamento, preparo ou perpetração de atos terroristas ou atue em apoio destes seja levado a julgamento; assegurar que, além de quaisquer outras medidas contra o terrorismo, esses atos terroristas sejam considerados graves delitos criminais pelas legislações e códigos nacionais e que a punição seja adequada à gravidade desses atos;
- Auxiliar-se mutuamente, da melhor forma possível, em matéria de investigação criminal ou processos criminais relativos ao financiamento ou apoio a atos terroristas, inclusive na cooperação para o fornecimento de provas que detenha necessárias ao processo;
(…)
4. Ressalta com preocupação a estreita ligação entre o terrorismo internacional e o crime organizado transnacional, o narcotráfico, a lavagem de dinheiro, o contrabando de materiais nucleares, químicos, biológicos e outros materiais potencialmente mortíferos, e, nesse sentido, enfatiza a necessidade de incrementar a coordenação de esforços nos níveis nacional, sub-regional, regional e internacional de modo a fortalecer uma reação global a essa séria ameaça e desafio à segurança internacional;
(…)


Não é o único vexame para o governo Lula revelado pelo WikiLeaks. Na madrugada, trato de alguns outros. Mas por que a resistência em ter uma lei antiterrorista, hein? Falaremos a respeito. Abaixo, uma seqüência de links sobre o caso do libanês da Al Qaeda:

- Integrante da alta hierarquia da Al Qaeda é preso em SP. Tarso vai protegê-lo?;
- Acreditem! Dirigente da Al Qaeda já está entre nós, livre, leve e solto;
- Al Qaeda no Brasil: Tarso e Itamaraty mergulham o país numa lama inédita;
- Al Qaeda no Brasil: prática do governo Lula desrespeita resolução da ONU;
- Al Qaeda no Brasil e falas delinqüentes 1: o nacionalismo brucutu;
- Al Qaeda no Brasil e falas delinqüentes 2: Mais um absurdo;
- É da Al Qaeda, sim! Ou: Tarso transforma terror em mera “corrente de opinião”;
- O imbróglio do libanês “K”;
- Al Qaeda no Brasil - Nota do Ministério Público: ainda não há provas

Por que o Brasil não tem uma lei definindo o que é terrorismo?
Reinaldo Azevedo, 29.11.2010

É preciso ler primeiro o post abaixo [acima]
Há outras coisas interessantes divulgadas pelo WikeLeaks que dizem respeito ao Brasil  — algumas chegam a ser engraçadas; outras, patéticas. Mas quero me ater ao que vai no post abaixo. Embora o terrorismo seja considerado crime imprescritível na Constituição, inexiste uma lei específica que o defina. Por quê? No dia 28 de maio do ano passado, publiquei aqui o texto “OS TERRORISTAS JÁ ESTÃO ENTRE NÓS. CADÊ A LEI?". Explicava por que os petistas não querem a lei — e, ficamos sabendo agora, segundo o governo americano, Dilma era quem mais trabalhava contra ela. Vamos ao texto daquele dia. Tudo ficará claro como o dia.
*
Se K. (ler post abaixo) é mesmo o responsável mundial pelo “Jihad Media Battalion”, o nome do que pratica é TERRORISMO. Bem, ele até poderia escolher a “Saída Dilma Rousseff” e dizer que não matou ninguém, que só cometeu “crime de organização”, não é mesmo?

 A situação é bastante séria porque a Constituição Brasileira diz que o crime de terrorismo é imprescritível, mas simplesmente inexiste uma lei que especifique, afinal de contas, o que é “terrorismo”. E as razões por que ela não existe são de lascar. Já chego lá. Antes, quero chamar a atenção de vocês para o festival de desinformação e cinismo que cercou e ainda cerca essa história.

Na terça-feira, o inefável Tarso Genro tratou o terrorismo como uma variante de “corrente de opinião”. Ontem, sustentou que o país realmente não precisa tipificar esse crime porque a legislação comum dá conta do recado — o que é conversa mole por definição: crimes específicos pedem leis específicas, ou bastaria uma única lei. Lula acusou a interferência de estrangeiros no Brasil, e o Ministério Público se encarregou de divulgar uma nota um tanto rebarbativa e precipitada, que falava na “ausência de provas”. Bem, não é o que pensa quem é especializado em investigação: a Polícia Federal.

E posso lhes assegurar que não se trata de algum araponga de Protógenes perdido lá na instituição. É gente séria. Ninguém precisa pertencer ao núcleo da Al Qaeda, em algum buraco no Afeganistão ou no Paquistão, para integrar a rede terrorista. Aliás, a sua característica mais marcante é justamente a descentralização. Existem “Al Qaedas”.

Por que tanta reticência em admitir isso? O terrorismo já descobriu o Brasil. Encontra aqui um vasto território sem lei que trate da questão. A Tríplice Fronteira está no mapa como área infiltrada pelo terror islâmico — no caso, o Hezbollah. De novo, tenho de escrever: não é assim porque eu quero. É porque é.

Por que não tem?
E por que ninguém se ocupa de estabelecer uma lei específica para os crimes de terrorismo? Porque isso criaria dificuldades internas e externas. Sim, senhores! No dia em que uma lei criar punição específica, o primeiro grupo a ser enquadrado é o MST. Mais: quando o Brasil tiver tal texto, terá de parar de flertar com terroristas latino-americanos ou do Oriente Médio, como faz hoje em dia.

E não que o país já não tenha sido ou não seja permanentemente confrontado com situações que pedem essa definição: os atos do PCC, em São Paulo, em 2006 são considerados terroristas em eu qualquer país civilizado do mundo. O mesmo se diga dos narcotraficantes do Rio, que, freqüentemente, usam a população civil como escudo. Assim, Tarso está obviamente errado. Como sempre.

Essa é, diga-se, mais uma bandeira que as oposições poderiam e deveriam assumir. Até em benefício do combate ao crime organizado. Não ignoro todo o debate sobre a eficiência ou não da tal “Lei dos Crimes Hediondos”, que tanto divide juristas. Nem entro no mérito agora. O país precisa de uma legislação excepcional - como fazem, reitero, outras democracias - que puna, também com rigor excepcional, aqueles que expõem coletividades em risco (ou que “organizam” tais ações) para alcançar seus objetivos. E a excepcionalidade não deve estar apenas numa pena mais longa ou na imprescritibilidade do crime. Terroristas não podem ter os mesmos direitos de presos comuns.

E a tarefa é urgente. E não só para conter os terroristas nativos. Também para poder enfrentar os que vêm de fora. Porque, efetivamente, eles já estão ente nós. Como bem sabem a Polícia Federal e o FBI.

Encerro
Entenderam?

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