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sábado, 28 de maio de 2011

Mercosul em 2007: quatro anos depois mudou alguma coisa?

O texto abaixo, como no caso dos demais retirados do baú de esquecidos depois de muito tempo, foi escrito para responder a algumas perguntas de jornalista.
Como sempre, escrevo demais, e só se aproveita uma pequeníssima parte do que escrevi, permanecendo todo o resto inédito.
Como acredito que sempre existem ensinamentos a serem retirados de experiências importantes, como essa do Mercosul, e como acredito ter algo de relevante a dizer, retiro o pobrezinho do baú de esquecidos para divulgá-lo aqui para um público mais amplo...

Mercosul Revisitado
Paulo Roberto de Almeida
Questões colocadas por jornalista
Brasília, 30 de março de 2007

1) Em sua resenha do livro "Mercosul quinze anos" (São Paulo: Memorial da América Latina-Imprensa Oficial do Estado, 2007), o Sr. compara o Mercosul a um “aborrecente”. Caso ele esteja de fato condenado a ser um eterno adolescente, quais seriam as implicações para o Brasil no contexto de pai-fundador?
PRA: O Mercosul foi concebido com base numa declarada intenção política dos dirigentes máximos, os presidentes dos países membros, de aprofundar os laços de interdependência recíproca e de caminhar no sentido de ser estabelecido um espaço econômico comum, sem que talvez se levasse em conta as dificuldades de um processo de integração em meio às crises hiperinflacionárias e aos programas de estabilização macroeconômica que esses países enfrentaram desde os anos 1980 até o início da presente década.
Tanto na fase bilateral (1986-1990), Brasil-Argentina, quando o processo foi mais afirmadamente “dirigista” (com administração quantitativa do comércio bilateral e com protocolos setoriais negociados entre os dois países), como no âmbito do Mercosul (a partir de 1991), quando a orientação era bem mais livre-cambista, o Mercosul foi concebido para alcançar objetivos muito ambiciosos, que ainda não puderam ser cumpridos em função das dificuldades naturais dos processos de integração e também da instabilidade macroeconômica enfrentada por alguns de seus membros.
Nesse sentido, ele ainda precisa “crescer” bem mais e aprofundar os compromissos internos de desgravação e abertura recíproca e os projetos externos de maior inserção econômica e competitividade mundial. O Brasil, que se sente realmente responsável pelos destinos do Mercosul, atua por vezes de forma descoordenada, no plano interno, e de maneira contraditória aos objetivos integracionistas, uma vez que as diferentes burocracias setoriais – proteção ao consumidor, Receita Federal, órgãos normativos diversos etc. – nem sempre se pautam por essa perspectiva ao adotarem ou implementarem diferentes medidas de âmbito interno que podem eventualmente impactar de modo negativo a construção ou o reforço do Mercosul.

2) O Sr. elaborou sete teses sobre o processo de dificuldades que enfrenta o Mercosul. Em uma delas - Mimetismo indevido e foco em supostas assimetrias – e também em sua resenha no livro citado acima, o Sr. mostra que o Brasil é considerado (por quem?) de maneira equivocada como um país não-assimétrico ou “então o assimétrico absoluto, portanto encarregado de redimir os males existentes”. Tal redenção dos males existentes significa que o Brasil tem de contribuir com 70% dos US$ 100 milhões de obrigações não-reembolsáveis do Focem (Fundo de Correção de Assimetrias), mas só se beneficia com 10% dos projetos a serem financiados, majoritariamente voltados para o Paraguai e Uruguai (que aportam 3% do capital)? Por quê? Até quando?
PRA: Acredito que os demais sócios do Mercosul consideram que o Brasil, por ser o país mais avançado industrialmente, e também o maior em volume absoluto e relativo – maior massa territorial, maiores mercados em vista da população, maior volume de comércio interno e externo ao Mercosul, capacitação tecnológica etc. – deveria ser o país a “conceder” maiores vantagens aos demais, sem necessariamente exigir reciprocidade. Pode-se até imaginar que nosso país, em vista dessa dotação favorável de fatores primários, deva, efetivamente, fazer o maior esforço para concretizar a integração, mas esta é uma suposição política, não uma conclusão derivada dos dados da realidade. De todos os países, nossos indicadores sociais só conseguem ser melhores do que os do Paraguai, e em termos de assimetrias internas – desigualdades sociais e desequilíbrios regionais –, nosso país é certamente o campeão.
Por outro lado, as chamadas “assimetrias estruturais” decorrem de fatores muito poderosos, que atuam em nível de mercado, não sendo necessariamente corrigidas por iniciativas governamentais que atuam na superfície dos problemas. A experiência histórica indica que problemas econômicos estruturais são mais facilmente corrigidos quando se atua em sentido coincidente com os mercados do que tentando corrigir supostas “falhas de mercado” que expressam competitividades derivadas de especializações adquiridas ao longo do tempo, muito difíceis de serem alteradas por pequenos programas de financiamentos governamentais.

3) Talvez já terá respondido esta nas questões acima. Do contrário, quais os principais prós e contras para o Brasil como integrante do Mercosul?
PRA: Existem muitos argumentos a favor do Mercosul: ampliação dos mercados, economias de escala, modernização tecnológica derivada da competição ampliada, maior inserção econômica internacional – uma vez que a integração é uma espécie de mini-globalização – e outros elementos mais vinculados à cooperação política, cultural, tecnológica etc. Todos eles recomendam e determinam a abertura econômica e a liberalização comercial recíproca, a construção de empresas sólidas para atuar no plano mundial, a atração de investimentos externos, a futura conversibilidade das moedas nacionais (e até a eventual adoção de uma moeda única, num mercado verdadeiramente unificado), enfim, são inúmeros os elementos positivos num processo de integração. O Brasil certamente se beneficiou do Mercosul na última década e meia, com ampliação significativa do comércio regional e expansão de suas empresas para os países vizinhos.
Quanto aos possíveis elementos menos positivos, poderiam ser citados: o desvio de comércio – ao dar preferência a produtos vizinhos, eventualmente de menor qualidade e até mais caros do que os de terceiros países, mas protegidos pela eliminação da tarifa –, o desvio de investimentos – que pode não obedecer a critérios unicamente econômicos – e outros elementos ligados a uma possível introversão do processo – quando os países visam mais os mercados recíprocos, num jogo limitado à própria região, do que os terceiros mercados, mundiais. Eles podem ser minimizados, se os países membros adotam políticas comerciais e industriais de abertura e de inserção na economia mundial, mas há sempre o risco de comportamentos predatórios no próprio bloco de integração.
A solução para alguns desses problemas está num firme decisão política de se ater às regras do jogo, consolidando-as, se necessário, num arcabouço jurídico capaz de garantir essas regras contra comportamentos protecionistas dos membros, eventualmente por via de um tribunal autônomo de solução de controvérsias (entre países e também de acesso às empresas e particulares).
Um possível problema, para um país como o Brasil, é a perda de soberania – sobre as políticas econômicas e setoriais, por exemplo – que todo processo de integração implica, em última instância. Quando se decide caminhar para a integração é preciso saber aceitar essa perda de soberania, pois se trata de uma limitação à capacidade nacional de adotar regras em benefício dos agentes econômicos e sociais do próprio país. A dimensão integracionista passa a estar integrada ao processo decisório e de formulação e implementação de políticas nacionais.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de março de 2007

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