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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Política fiscal e política monetaria no Brasil: incongruencias?


Política fiscal não substitui a política monetária do BC
O Estado de S.Paulo, 27 de Setembro de 2011

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao explicar em Washington a política econômica do Brasil, declarou que o governo havia decidido substituir a política monetária pela fiscal. Isso não é novidade para quem acompanha a evolução da economia brasileira. Na recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), sob a influência do governo, as autoridades monetárias tomaram uma decisão que as levou perto da renúncia à política de metas de inflação. Mas nunca o ministro havia sido tão explícito em relação à mudança da política econômica.
Existe, no entanto, uma grande dúvida quanto às possibilidades dessa substituição, dado o contexto da economia brasileira.
A política monetária não se limita ao aumento ou queda da taxa de juros básica. Também atua sobre o volume do crédito, seja por meio do recolhimento compulsório sobre os depósitos à vista ou a prazo, seja por meio de exigências quanto ao capital das instituições financeiras em relação a seus empréstimos, com o objetivo principal de evitar o excesso de liquidez.
No seu arsenal de instrumentos de controle, pode escolher o que tem o efeito mais rápido sobre a atitude dos bancos em relação à expansão de crédito. Mas o grande inimigo dos instrumentos da política monetária é o governo, que pode injetar na economia uma grande liquidez por meio de seus gastos, sejam eles financiados por emissões monetárias ou pela captação de recursos com a emissão de títulos da dívida pública colocados especialmente no exterior. E esse excesso de liquidez, se favorece a atividade econômica, sem dúvida propicia uma elevação das pressões inflacionárias.
Em princípio, a política fiscal poderia contribuir para a contenção da alta dos preços, aliviando a carga tributária das empresas. Essa, porém, não é a orientação do Ministério da Fazenda, que deixou claro que não pretende reduzir as despesas do governo e continuará alimentando a liquidez da economia. O esforço de poupança se limitará a não gastar todo o excesso de arrecadação. Ou seja, não se reduz a carga tributária; ao contrário, ela é ampliada com o novo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Deste modo, os gastos do governo - cada vez maiores e menos produtivos, uma vez que o que menos se privilegia são os investimentos em infraestrutura - criam uma pressão de demanda que a produção nacional não pode atender, recorrendo as empresas à importação de componentes para ter preços mais condizentes com os dos produtos estrangeiros.
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O BC e a subversão dos fatos - a mais longa marcha

Lourdes Sola*
O Estado de S.Paulo, 29 de setembro de 2011

Os 'Fatos são Subversivos' é o título de um livro de Garton Ash, um dos mais lúcidos "historiadores do presente". É um chamado à responsabilidade histórica dos formuladores de políticas públicas que se valem de conjunturas de grande incerteza para fazer valer suas prioridades. "Os fatos são subversivos (...) porque subvertem os argumentos dos líderes democráticos eleitos tanto quanto dos ditadores (...), porque subvertem as mentiras, as meias-verdades e os mitos de todos aqueles de fala fácil". O argumento reporta-se a um contexto de incerteza ainda mais extremo do que o atual cenário econômico. Mira as mentiras e meias-verdades oficiais que levaram o povo e o Congresso americanos a legitimar a invasão do Iraque e à guerra no Afeganistão em resposta ao 11 de Setembro. Sem esses recursos, retóricos, mas nada inofensivos, a História mundial teria sido outra.
O que dá um sentido trágico a essa constatação é a impossibilidade de reverter o que foi consumado com apoio em meias-verdades e mitos. Restam dois recursos corretivos: as lições de História que os fatos propiciam e a oportunidade para uma correção de rumos. Mesmo assim, há uma boa dose de otimismo na constatação de Garton Ash, porque ancorada num suposto forte: a vigência de instituições democráticas e de uma mídia investigativa, graças às quais cedo ou tarde os fatos virão à luz. No essencial, tem razão, pois toda tentativa de impedir que os fatos venham à tona traz à luz também um déficit democrático. Que as decisões da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, ilustram. Ao subtrair da agenda pública a disparidade entre a taxa oficial e a taxa efetiva da inflação, com medidas legais restritivas à autonomia de consultores e jornalistas, lança luz sobre a subordinação do Judiciário ao Executivo - e sobre indícios anteriores de regressão autoritária.
No novo contexto de incerteza global voltam a entrar em pauta entre emergentes temas correlatos, como inflação, disciplina fiscal e monetária, papel do mercado interno e crescimento. No Brasil volta à cena um velho espectro - a questão da autonomia do Banco Central (BC) - que os mercados e os analistas julgavam exorcizado desde 1999, graças ao mandato (informal) para exercer sua autoridade no marco de um conjunto de regras e normas, caracterizado como regime de metas de inflação. O debate que se seguiu à redução abrupta da taxa de juros interbancária dá o que pensar. Há convergência entre analistas quanto aos rumos da política econômica: substituição do regime de metas de inflação por metas ad hoc para a taxa de juros, adoção de uma banda oculta para as variações na taxa de câmbio. Dá o que pensar, também, sobre o modo de fazer política do governo. Por um lado, há elementos que reforçam o contraste entre a nossa trajetória e a da Argentina. O presidente do BC, o ministro da Fazenda e assessores informais do governo vieram a público legitimar tecnicamente as medidas mencionadas - sob o escrutínio dos seus pares. Com isso atestam a vigência (tênue) de um requisito democrático: a prestação de contas pelos decisores e a chance de responsabilização futura por suas apostas. Isso compõe o quadro de credibilidade econômica acumulada ao longo dos últimos anos, graças à qual foi afastada a possibilidade de reproduzirmos o padrão errático da Argentina - o "efeito vodca".
Há duas questões intrigantes a respeito. Em que momento definidor se consolidou a divergência de rumos entre os dois países? Além disso, o argumento sobre a função subversiva dos fatos pressupõe que, uma vez revelados, a capacidade para elaborá-los está dada e bem distribuída. Seria assim sempre? A resposta à primeira questão é simples: os momentos definidores foram as decisões políticas tomadas em duas encruzilhadas, em resposta aos choques externos de 1999 e 2002-2003. Respectivamente, a adoção do tripé regime de metas de inflação-flutuação cambial-superávit primário e a opção pela continuidade em 2002-2003 e nos anos seguintes. Esse rumo é posto em causa pelo governo, de forma concertada e pouco transparente. Baseia-se na aposta numa crise sistêmica internacional deflacionária, que estaria a exigir políticas fiscal e monetária expansivas aqui e agora. É uma questão em aberto, mas não se esgota nisso. Vale a pena refletir também nos termos de Garton Ash. Na hipótese de que o horizonte de crescimento dos emergentes seja menos negro do que o suposto, quais as chances de que uma nova onda inflacionária em 2012-2013 tenha um efeito subversivo sobre os mitos, as ideologias e meias-verdades de curso oficial?
Há razões para ceticismo, estruturais e históricas. As democracias de massa, num mundo globalizado, caracterizam-se pela existência de um hiato entre a democratização das informações, por um lado, e a capacidade de elaborá-las adequadamente, por outro. A experiência da inflação e das flutuações no poder de compra internacional da moeda é imediata, brindada por indicadores diários nos jornais televisivos. Dependemos da intermediação de vários atores sociais para elaborar o que significam - incluídos os que detêm o saber especializado, os ideólogos, os legisladores.
A experiência histórica também justifica o ceticismo. Uma das características da trajetória econômica brasileira é a opção pelo que caracterizo como "fuga para a frente". Diante da falsa disjuntiva estabilidade ou crescimento, reapresentada em encruzilhadas históricas como 1956-1957, ou quando dos choques do petróleo no governo Geisel, ou no Plano Cruzado, recria-se um impulso inexorável: por políticas expansionistas, ponto. Hoje enfrentamos um teste de estresse. Mas se explica a resistência à institucionalização da autonomia do Banco Central. É histórica, mas contou com a cumplicidade dos mercados para os quais essa é uma questão residual - até evidência em contrário.
* Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Oxford, professora aposentada da USP, é membro da Academia Brasileira de Ciências.

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