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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Brasil em Desenvolvimento (3): resenha unificada de 2 volumes - Paulo R Almeida


Unifiquei as duas resenhas em uma só, e publiquei em algum revista, talvez a Plenarium, mas não tenho certeza.
Paulo Roberto de Almeida 
Dificuldades do desenvolvimento brasileiro

Ana Célia Castro, Antonio Licha, Helder Queiroz Pinto Jr. e João Saboia (orgs.):
Brasil em Desenvolvimento; Vol. 1: Economia, Tecnologia e Competitividade, 546 p.; vol. 2: Instituições, políticas e sociedade, 392 p. (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005)

Os dois volumes resultam de seminários organizados por professores da UFRJ no final de 2003, cobrindo grandes temas da economia e da ciência e tecnologia, com a participação de policy-makers e de acadêmicos brasileiros e estrangeiros. O debate partiu da idéia que o desenvolvimento é um processo sustentado de crescimento, transformação produtiva e distribuição de riquezas, ou seja, uma definição fortemente embasada em Celso Furtado, que aliás abre a obra com um texto curto, “Para Recuperar o Dinamismo”. Os quinze trabalhos constantes do primeiro volume cobrem problemas cruciais de gestão macroeconômica, de infra-estrutura, de competitividade, do papel da ciência e tecnologia e das tecnologias da informação. Surpreendentemente, os organizadores abrem a discussão dizendo que, “à diferença da década de 50, não existe neste começo de século XXI uma definição clara dos caminhos para o desenvolvimento brasileiro” (p. 13).
Os autores, com base num exame das restrições de curto prazo e das dificuldades estruturais existentes, procuraram elucidar as razões das limitações e obstáculos que se interpõem à definição de um projeto de médio e longo prazo para o desenvolvimento brasileiro. As tarefas e recomendações formuladas ao longo do livro parecem óbvias a qualquer policy-maker, mas nem sempre fáceis de serem concretizadas: promover a modernização tecnológica a partir de metas e objetivos estratégicos; integrar políticas macroeconômicas, tecnológicas, industriais, de regulação de mercados e de comércio exterior; promover políticas de inclusão social com base na educação e no emprego; superar os problemas de financiamento de longo prazo; articular os papéis do Estado e do mercado na infra-estrutura; articular as ações das instituições e do setor privado para a ciência e tecnologia; estruturar blocos comerciais e negociar acordos internacionais.
Os organizadores acreditam que o momento é propício para a definição dessas estratégias de desenvolvimento e, como acadêmicos, acham que não se pode desvincular as políticas da teoria. Eles também consideram que as condições necessárias e suficientes para se gerar um ciclo virtuoso de desenvolvimento não surgem automaticamente, mas dependem de “intervenções públicas específicas e coordenadas”, o que talvez já seja mais difícil de assegurar. Em todo caso, tanto no seio da academia, quanto no âmbito do governo e entre os grandes grupos econômicos nacionais parece estar emergindo um consenso sobre o conjunto de tarefas indispensáveis para sustentar um novo ciclo de desenvolvimento. Celso Furtado, por exemplo, acredita que isso requer uma alteração nos mecanismos estruturais de concentração da renda. Outros autores preferem enfatizar os requerimentos tecnológicos e de infra-estrutura, inclusive nas áreas do conhecimento e da inclusão digital.
Curioso que, a despeito da ênfase reconhecida na necessidade de desenvolver programas voltados para a universalização da educação com qualidade, nenhum dos textos aborda essa questão em profundidade, para ressaltar, por exemplo, as enormes carências do Brasil nesse aspecto, que estão na raiz das desigualdades distributivas condenadas por Furtado. O economista falecido em 2004 achava que o poder no Brasil ainda carrega o peso considerável do patrimônio rural e urbano, o que deixa na sombra o papel considerável do Estado (para o bem e para o mal) nas últimas décadas de realizações e descaminhos do processo brasileiro de desenvolvimento.
Todos concordam, assim, em que a retomada do crescimento depende de um aumento nos investimentos e de que isso terá de ser feito em bases diferentes daquelas mobilizadas nos anos 1950. A presença ativa do Estado é vista como “uma regularidade da história”, em quaisquer experiências de países bem sucedidos. Mas, poucos autores concordariam, por exemplo, em que o Estado brasileiro pode ter atuado, na fase recente, como um obstáculo importante ao crescimento, ao drenar recursos do setor privado para seu próprio consumo. Os acadêmicos ainda tendem a acreditar que o papel do Estado é indispensável e que os “gênios” dos anos 50 (Prebisch e Furtado) não estavam tão errados assim. Este debate deveria ser retomado no segundo volume, Instituições Políticas e Sociedade, que se ocuparia, supostamente, do papel do Estado e das instituições na elaboração e na implementação de políticas de longo prazo relativas às estratégias de desenvolvimento. Mas essa tarefa, indispensável numa obra como esta, ficou inconclusa, dadas as insuficiências analíticas derivadas da estrutura de seminário, como corresponde ao formato original do livro, o que lhe deu uma dimensão bem mais acadêmica do que propriamente de políticas públicas.
O segundo volume trata, na verdade, do que na academia se chamaria de “projeto nacional”. São quinze trabalhos divididos em cinco partes: o Brasil no mundo, o planejamento, a educação, o trabalho e, como consolo para o não-desenvolvimento, a solidariedade. Antes, uma introdução de Alain Touraine não acrescenta nada de novo ao debate sobre as relações entre atores sociais e instituições. Ele mesmo reconhece que a contribuição da sociologia para o estudo do desenvolvimento foi modesta, confirmando, portanto, a ironia de Mário Andrade, para quem a sociologia era a “arte de salvar rapidamente o Brasil”.
José Luís Fiori trata dos espaços em disputa pelo Brasil num cenário mundial em mudança. Ele faz boas digressões históricas, mas revela recaídas acadêmicas ao falar de “utopia globalitária” e ao interpretar o mundo não a partir dos dados da realidade, mas através de modelos oferecidos por colegas universitários. Países como o Brasil teriam de aceitar o “imperialismo voluntário da economia global” ou correr o risco de enfrentar uma “luta duríssima” contra as instituições do consenso de Washington. Ele acha, por exemplo, que a era FHC fez o Brasil retroceder à situação do século XIX (até 1930) e que a atual coalizão de esquerda do “projeto popular de democratização do desenvolvimento” pode ter sucesso se mobilizar o povo e obrigar as elites a se voltarem para dentro. Mas para isso o Brasil precisaria combater três “inimigos”: OMC, Alca e FMI.
O diplomata Clodoaldo Hugueney trata da coerência entre as agendas interna e externa de desenvolvimento, mas os argumentos não diferem muito do discurso oficial do Itamaraty. A “agenda do desenvolvimento”, empurrada sobretudo por Brasil e Índia, combina inserção moderada nos circuitos globais com uma demanda por novas formas de distributivismo Norte-Sul (já que as velhas são ineficientes). Ele parece favorecer as posições da ONGs do Fórum Social Mundial, mas concede em que o único princípio válido é o de um enlightened self-interest. É o que vêm praticando a China e a Índia, muito pragmáticas nesse sentido.
A parte sobre planejamento traz contribuições de Eli Diniz (sobre sua dimensão político-democrática), de Hélio Jaguaribe (um determinismo fatalístico sobre as chances do Brasil na nova ordem imperial), de Cândido Grzybowski (as utopias contraditórias do FSM) e de Ivan da Costa Marques (sobre a tentativa de clonagem de computadores Apple pela Unitron, nos anos 1980). Apenas esta última traz algo concreto, ao discutir as relações entre propriedade intelectual e políticas públicas, mas ainda assim pratica o velho maniqueísmo dos colonizadores-colonizados ao tratar das possibilidades de inovação tecnológica nesta nossa “periferia”.
Simon Schwartzman prega um salto qualitativo na educação, como condição para a superação do atraso. Talvez fosse o caso de dizer retrocesso, pois o Brasil se situa persistentemente nas mais baixas posições: em comparações internacionais da OCDE, os resultados são “extremamente ruins” e isso a despeito de se gastar bastante com educação (com 5,2% do PIB, estamos acima da média da OCDE). A ineficiência institucional é um fato, como confirma Vanilda Paiva: “errar é um luxo que já não nos podemos permitir”. A despeito da importância do problema, o Brasil persiste no erro e isso não tem nada a ver com a chamada “privatização do ensino superior”.
Na parte seguinte, João Saboia traça um quadro do que seria um mercado de trabalho desejável, feito de oito condições ideais do lado da oferta e da demanda de mão-de-obra. A evolução foi positiva em alguns aspectos (escolarização, mas ainda precisa melhorar), negativa em outros (desemprego, o que requer crescimento). Marcelo Neri se ocupa da questão da desigualdade no Brasil, uma das maiores do mundo. O quadro é trágico e basta citar: “a maior parte das políticas adotadas não mira nos desvalidos; as que miram não acertam o alvo; quando acertam, não proporcionam efeitos duradouros” (p. 321). Ele acha que os pobres precisam de um “choque de capitalismo”.
A última parte, sobre a solidariedade, é algo impressionista, recomendando auto-gestão e cooperativas para uma economia complexa como a brasileira. É como aplicar band-aid em feridos graves: pode até confortar a consciência dos aplicantes, mas não ajuda muito os assistidos. Curioso que num livro que trata de instituições e políticas, resultante de um seminário conduzido já no nouveau régime, nenhum trabalho tenha feito uma avaliação do papel do Estado e suas “políticas desenvolvimentistas”, a despeito de a expressão figurar em nove entre dez discursos dos dirigentes de plantão. Talvez porque o balanço não seria muito otimista, evidenciando os passos erráticos do Leviatã econômico, um personagem que se situa entre o bêbado e o equilibrista.

Paulo Roberto de Almeida
[Brasília, 1442 e 1433: 22 de maio e 19-20 de junho de 2005]

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