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domingo, 25 de março de 2012

Entrevista da presidente Dilma à revista Veja: comentários PRA


Uma entrevista da presidente Dilma à revista Veja: alguns comentários

Paulo Roberto de Almeida
Comentários seletivos a entrevista publicada na
Revista Veja, edição de 28/03/2012;

Nota liminar: Primeiro uma observação curiosa: li a entrevista da presidente à revista Veja em 25 de março de 2012, em Londres, onde vim para dar uma palestra no programa de estudos pós-graduados sobre o Brasil do King’s College, da Universidade de Londres, programa dirigido pelo brasilianista americano Anthony Pereira. Não sei bem porque, ou como, o Blogspost, tal como acessado aqui, converte sua terminação habitual (.com/) em co.uk, da mesma forma como meus acessos na França acabam sem a designação comercial, simplesmente por fr. Espero que isto não afete a estabilidade futura do link que estou fornecendo aqui, e isto exclusivamente para prover aos leitores deste meu comentário, necessariamente sintético, a íntegra da entrevista da presidente.
Agora uma pequena introdução metodológica: farei comentários única e exclusivamente sobre os pontos selecionados por mim, que cobrem, essencialmente, questões de política econômica e de relações internacionais, deixando de lado outras questões, como política doméstica, por exemplo, que atraem menos minha atenção. Como sempre, procederei de maneira muito simples: transcreverei as frases ou parágrafos que mereceram minha atenção (DR:), e acrescentarei imediatamente meus comentários pessoais (PRA:), ou seja, pontos de vista, argumentos e opiniões que podem representar alguma dose de subjetividade, ou impressionismo, sem necessariamente sobrecarregar o texto com dados, números e estatísticas que poderiam dar a minhas afirmações alguma fundamentação empírica. Mas este é o preço de comentários on spot, ou seja, imediatos.

O Brasil aos olhos de Dilma
Entrevista em Brasília, aos jornalistas Eurípedes Alcântara, diretor de redação, e Lauro Jardim, Policarpo Junior e Thaís Oyama, os redatores-chefes da revista VEJA.

DR: (...) É uma simplificação grosseira supor que o governo brasileiro considere as pressões externas a única causa de nossos problemas. Segundo, ignorar que existem fortes externalidades agindo sobre a economia brasileira é um erro que não podemos cometer, sob pena de arriscar a prosperidade nacional, a saúde de nossa base industrial e os empregos de milhões de brasileiros. Terceiro, os fatores exógenos são reais e não podem ser subestimados.

PRA: Por diversas vezes, tanto a presidente, quanto seus ministros da área econômica – Fazenda e Indústria e Comércio Exterior – referiram-se à “concorrência predatória” vinda do exterior, ou seja, o fato de que os países desenvolvidos, por causa ou para escapar da crise, estariam “despejando” seus produtos no Brasil, de maneira desleal. Isso simplesmente não é verdade: nenhum país desenvolvido, ou seja, os europeus ou os EUA, estão despejando produtos baratos no Brasil. Pode ser que a China o esteja fazendo, mas isso não se ouviu, em nenhum momento, vindo da presidente ou de seus ministros, talvez porque, por razões políticas, eles estejam poupando a China, que tampouco foi acusada de “guerra cambial”, outra acusação infundada, seja dirigida a europeus e americanos, ou aos próprios chineses. É verdade que estes últimos manipulam sua taxa de câmbio – algo nunca dito pelos mesmos responsáveis brasileiros – mas apenas porque eles resolveram ancorar sua moeda ao dólar, algo perfeitamente legítimo, que o Brasil já fez no passado, e que ainda assim não obsta a que a moeda chinesa, o yuan, esteja sendo progressivamente valorizado em relação ao dólar e outras moedas.
Em segundo lugar, as “fortes externalidades agindo sobre a economia brasileira” atuaram basicamente em favor de seu crescimento, desde 2003 a 2008, quando a economia cresceu puxada pela demanda externa. Mas também é o caso, atualmente, mesmo se de maneira menos forte, dado o menor crescimento das economias avançadas. A demanda de emergentes dinâmicos da Ásia continua sustentada, e é ela que vem contribuindo para o pouco, modesto, medíocre crescimento brasileiro, que tem na demanda externa – junto com o aumento do crédito no mercado interno – uma de suas únicas fontes de crescimento.
Fatores exógenos existem, são reais, mas até o momento eles agiram no sentido de beneficiar a economia brasileira. Quanto às ameaças percebidas ou reais, ou seja, a concorrência asiática, elas existiriam de qualquer maneira, com crise ou sem ela, já que decorre de fatores vinculados à produtividade e à competitividade que independem da situação nos países desenvolvidos e possuem sua própria dinâmica. Sem compreender essas sutilezas, qualquer pronunciamento sobre “pressões externas”, “externalidades” ou “fatores exógenos” corre o risco de obscurecer a natureza real dos problemas do Brasil.

DR: Não acho adequado ver o fenômeno do tsunami de liquidez que foi criado pelos países ricos em crise como uma agressão proposital às demais nações. Mas a saída que eles encontraram para enfrentar seus problemas é uma maneira clássica, conhecida, de exportar a crise.

PRA: A expressão “tsunami de liquidez” – que a presidente parece preferir à anterior designação, totalmente equivocada, de “guerra cambial” – não traduz exatamente a realidade das políticas conduzidas nos países europeus e nos EUA, e mesmo que a expressão traduzisse algum movimento desse tipo ela contraditaria totalmente as “lições” que ela mesma ofereceu gratuitamente aos europeus numa viagem anterior (a Bruxelas, e ao G20 financeiro, de Cannes, no ano passado); naquela ocasião, ela alertou os europeus para não “combater a crise por medidas recessivas”, e sim implementar medidas fiscais de sustentação da demanda agregada, em moldes classicamente keynesianos. Os que europeus e americanos, antes deles, fizeram, na verdade, foi injetar liquidez no sistema, em momentos de stress financeiro e ameaça de novas quebras bancárias, medidas que até monetaristas conservadores como Milton Friedman preconizariam, independentemente de saber de onde os bancos centrais tirariam o dinheiro.
Que a presidente não reconheça que essa injeção de liquidez – que está muito longe de ser um tsunami, pois o dinheiro serviu apenas para recapitalizar os bancos, não para distribuir dinheiro à farta para “especuladores” – foi feita como agressão proposital a outros países já é um grande progresso. Mas sua segunda frase, acima, não faz nenhum sentido, nem econômico, nem simplesmente lógico: em nenhum momento, os “países ricos” estão “exportando a crise”, longe disso; estão apenas fazendo aquilo que ela mesma recomendou, e que parece ter esquecido: não combater a crise por novas medidas recessivas, mas pela sustentação do crédito. Ela disse expressamente isto, antes...

DR: Quando o companheiro Mario Draghi (economista italiano presidente do Banco Central Europeu) diz “vamos botar a maquininha que faz dinheiro para rodar”, ele está inundando os mercados com dinheiro.

PRA: Em nenhum momento o “companheiro” Draghi disse algo do gênero; ele inclusive lembrou o impedimento de – e opôs-se terminantemente a – repasse de dinheiro do BCE aos governos; ele apenas trabalhou na sustentação do sistema financeiro, o que é, sim, uma obrigação de todos os bancos centrais sérios e funcionais; eles não devem sustentar governos em seus déficits, ou criar dinheiro para governos, apenas cumprir seu mandato de manter o sistema financeiro – ou seja, os créditos bancários – líquido, como “emprestador de última instância”. Descurar essas realidades representa obscurecer a realidade e distorcer todo o debate econômico levado de forma muito responsável na Europa e no congresso americano; no Brasil é que se misturam funções de autoridades monetárias, do Tesouro – que andou financiando companhias – e dos bancos públicos.

DR: (...) E o que fazem os investidores? Ora, eles tomam empréstimos a juros baixíssimos, em alguns casos até negativos, nos países europeus e correm para o Brasil para aproveitar o que os especialistas chamam de arbitragem, que, grosso modo, é a diferença entre as taxas de juros praticadas lá e aqui. Eles ganham à nossa custa.

PRA: Os investidores tomam empréstimos a juros baixíssimos na Europa, nos EUA e no Japão porque os mercados de créditos estão funcionando com esses juros artificialmente baixos, certamente impulsionados pelas taxas irrealistas dos bancos centrais. Mas seria um erro acreditar que o governo está alimentando especuladores privados; isso é simplesmente um erro grosseiro. Os especuladores correm para o Brasil, como poderiam correr para qualquer outro país, desde que esse outro país tivesse juros tão atraentes quanto os do Brasil. Seria por ingenuidade, ou por ignorância, que essa acusação de “ganância” contra os investidores, ou especuladores internacionais, é feita pela presidente? Dizer que “Eles ganham à nossa custa” é uma afirmação propriamente inacreditável: para desmantelá-la bastaria perguntar: se os juros brasileiros estivessem alinhados com a média dos mercados internacionais eles continuariam ganhando à nossa custa? A presidente já se perguntou por que o Brasil oferece juros tão apetitosos?

DR: Então, o Brasil não pode ficar paralisado diante disso. Temos de agir. Temos de agir nos defendendo – o que é algo bastante diferente de protecionismo.

PRA: Aqui parece haver uma confusão mental, um erro monumental, pois a frase vem na imediata sequência da anterior. O que especulação com juros generosos do Brasil tem a ver com protecionismo comercial? Isso eu não consigo perceber e desafio que se encontre uma relação entre essas duas coisas diferentes. Seria muito simples ao Brasil se “defender” de especulação com juros: bastaria oferecer taxas de juros normais... Quanto ao “protecionismo”, deve ser uma espécie de lapso conceitual inconsciente.

DR: (...) O protecionismo é uma maneira permanente de ver o mundo exterior como hostil, o que leva ao fechamento da economia. Isso não faremos. Já foi tentado no passado no Brasil com consequências desastrosas para o nosso desenvolvimento. Cito aqui o caso da reserva de mercado para computadores, que, nos anos 80, arrasou a modernização do parque industrial brasileiro e nos privou de tecnologias essenciais.

PRA: Curioso que a presidente diga isso, pois tanto seu partido de origem, o PDT, quanto o seu atual, o PT, foram ardorosos defensores da política de reserva de mercado para informática, lamentando estridentemente que o presidente Collor tivesse terminado com essa lei que, segundo ela, agora, “nos privou de tecnologias essenciais”. Aparentemente, tanto o PDT, quanto o PT, e a própria presidente apoiam leis de reserva de mercado para bens e serviços nacionais, tanto que o fazem para investimentos em setores ditos estratégicos, na área do petróleo, por exemplo, em detrimento de preço e qualidade. Não apenas o fazem, como reforçam diferentes medidas de favorecimento de compras nacionais, como obrigar o exército, por exemplo, ou mesmo várias outras agências nacionais, a comprar no Brasil mesmo com um sobrepreço de 25% (o que é enorme, reconheçamos, em termos de orçamento de compras de qualquer entidade). Isso não é protecionismo? Isso não nos priva de tecnologias essenciais, que vêm embutidas em produtos importados?

DR: (...) O que estamos fazendo, e vamos continuar fazendo, é contrabalançar com medidas defensivas as pressões desestabilizadoras externas que estão carreando para o Brasil quantidades excessivas de capital especulativo.

PRA: Aqui também a confusão é enorme, com uma mistura de diversos elementos, que pertencem a mundos diferentes, e um equívoco monumental quanto à origem do suposto “capital especulativo” estrangeiro. Em primeiro lugar, não existem “pressões desestabilizadoras externas”, nunca existiram, e dificilmente vão existir. EUA e Europa não estão em condições de fazer nenhum “tsunami” de liquidez, tanto porque já se debatem com enormes dívidas públicas e dificuldades políticas para aprovar mais gastança pública. O que está ocorrendo, simplesmente, é uma redução do ritmo de crescimento das economias avançadas, o que logicamente diminui a demanda externa por nossos produtos, apenas e tão simplesmente isso. Ou seja, o ambiente de morosidade econômica nos “países ricos” trará menos renda para o Brasil, a isso se reduzem as “pressões desestabilizadoras externas”, que não são pressões e não são, longe disso, desestabilizadoras. Como o Brasil se orgulha de possuir um “enorme” mercado interno – e os nossos economistas keynesianos têm um orgulho infantil dessa banalidade – alguma diminuição da demanda externa não deveria fazer assim tanta diferença, não é mesmo?
Agora vejamos a natureza do “capital especulativo”. Metade, ou mais, representa receitas de exportações do agronegócio – tão demonizado por certos companheiros – que sozinho consegue compensar o déficit nas transações de bens manufaturados, cujas exportações são prejudicadas não por qualquer “concorrência predatória” do exterior, mas por fatores exclusivamente internos. Outra parte é tomada de capital de corretoras e bancos nacionais, que usam esse dinheiro para sustentar suas operações internas de crédito (ganhando com isso enormemente). Uma parte, variável – pois depende de IOF, regras sempre mutáveis, diferenciais de juros em função da inflação, risco Brasil, etc. – é, sim, capital especulativo, e apenas existe porque o Brasil “convida” esses especuladores a jogarem com títulos governamentais de curto prazo, operações cambiais – o Banco Central contribui para isso, sinalizando que pode comprar dólares que entram – e outras oportunidades que existem no Brasil pelos diferenciais, justamente, do nosso mercado de capitais, restrito, cartelizado, altamente lucrativo. Existe também o capital que entra a título de investimento externo direto – 65 bilhões de dólares em 2011 – mas a presidente provavelmente exclui essa parte dos “especuladores”. Engano dela, pois uma parte, ao menos, desse IED vem também a título especulativo: já que o governo colocou uma série de barreiras – IOF e outros – a capitais de curto prazo, algum capital vem supostamente a título de investimento, o que provavelmente libera recursos de suas filiais para que elas façam, também e não surpreendentemente, especulação financeira. O Brasil é um país que adora capital estrangeiro, embora deteste os capitalistas estrangeiros. Bizarro...

DR: (...) O Brasil está em uma situação agora em que podemos dizer aos países ricos que não queremos o dinheiro deles. Não queremos pagar os juros de 13% por empréstimos que eles nos oferecem. Obrigada, mas não queremos pagar as exorbitantes taxas de permanência desses empréstimos, quantia que eles cobram mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos estejam disponíveis a qualquer momento.

PRA: Acho que a presidente extrapolou aqui também. Os países ricos estão fazendo muita coisa errada, certamente, menos oferecendo dinheiro fácil ao Brasil. Se alguém souber que EUA, França, Alemanha, Espanha, Itália, Grã-Bretanha, ou quaisquer outros, estão oferecendo dinheiro ao Brasil, avisem por favor este comentarista, que ele nunca ouviu falar de tamanha generosidade em momentos difíceis.
E estamos pagando 13%  de juros pelos capitais que eles nos oferecem? Quem? Quanto? Quando? A presidente está redondamente enganada: não conheço nenhum país rico oferecendo dinheiro a essas taxas ao Brasil. Agora, eu conheço um país que paga esse valor para o lançamento de seus títulos da dívida doméstica, o que atrai também – uma vez não é costume – algum capital especulativo estrangeiro. Que coisa, hem?!
O que acontece, cabe esclarecer a presidente, é o seguinte: tomadores totalmente nacionais captam recursos no exterior a 7 ou 8% ao ano – talvez até menos agora – e depois convertem o dinheiro para suas operações de crédito interno, a taxas quase dez vezes superiores. Mesmo pagando IOF, imposto de renda e outras taxas abusivas do sistema financeiro brasileiro (para o governo, entenda-se bem), mesmo suportando alguma proporção de inadimplência e riscos associados ao judiciário – sempre tão lento e tão disposto a sustentar devedores – ainda assim são operações absolutamente fantásticas em qualquer país do mundo. Acho que a presidente deveria se informar melhor sobre como funciona o sistema de crédito externo para os tomadores nacionais, e ela constatará que o único tomador que paga 13% é o próprio governo, para suas operações internas.
Quanto a esta outra afirmação absurda – “não queremos pagar as exorbitantes taxas de permanência desses empréstimos, quantia que eles cobram mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos estejam disponíveis a qualquer momento” – a presidente está mal informada, uma vez mais, e deve ter confundido alguma explicação de assessor quanto às condições de empréstimos oficiais de entidades oficiais, ou seja, agências nacionais ou bancos multilaterais – que, sim, colocam dinheiro à disposição de tomadores vorazes como o Brasil e cobram taxa de permanência, mesmo quando não se usa o dinheiro. Mas isso é claríssimo: se você reserva um dinheiro e não usa, dinheiro que o banqueiro poderia desembolsar para outros tomadores, é evidente que você vai pagar por isso, pois o dinheiro ficou lá à sua disposição.
Isso ocorre muito frequentemente com empréstimos bilaterais oficiais ou de órgãos multilaterais, pois tomadores brasileiros – digamos governos estaduais, municipalidades, e mesmo agências federais – “inventam” que só podem fazer determinadas coisas com empréstimos externos, pois o orçamento nacionais é muito lento, complicado, cheio de condicionalidades – como a Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, contra a qual o PT lutou bravamente – e depois, por falta de projetos ou por excesso de incompetência, o dinheiro fica parado, esperando que o tomador se organize para gastá-lo. A presidente deveria, portanto, reclamar dos nacionais, não dos estrangeiros, por causa dessa gastança indevida de dinheiro público: a culpa é inteiramente dos brasileiros, ou melhor, do governo do Brasil e de suas infinitas agências que adoram um empréstimo externo.

DR: (...) Eu disse isso com toda a clareza à chanceler Angela Merkel durante minha visita à Alemanha. Aqui se noticiou que eu estava querendo dar lições à Alemanha. Não foi nada disso. Eu quis deixar claro que o Brasil não quer mais ser visto como destinação de capital especulativo ou apenas como mercado consumidor dos produtos que eles exportam.

PRA: Bem, a chanceler alemã deve ter se perguntado: “Mas o que está querendo dizer esta senhora? Sinceramente não entendo.” Realmente, ninguém entende, seja lição, ou não. Vejamos mais em detalhe. Capital especulativo? Angela Merkel deve ter dito para si mesma: “Mas, se esses brasileiros, pelo menos, tivessem juros normais, não haveria capital especulativo nenhum. Por que eles não reduzem os seus juros?”. Pois é: acho que “tsunami” da presidente é provocado internamente, pelo menos é o que parece, ao se examinarem as evidências. Não vejo, sinceramente, vagas de euros, de libras ou de dólares sendo disponibilizados pelos governos respectivos para especular com o Brasil. Em contrapartida, vejo sim, ondas de euros, libras e dólares vindos de todas as partes, de fundos de investimentos, aproveitar as oportunidades do Brasil, principalmente, essas emissões generosas a 13%, como disse a presidente (agora um pouco menos).
Tampouco vejo, por mais que eu busque, navios e mais navios de produtos americanos ou europeus despejando produtos baratos – “desleais” diria alguém – no Brasil. Vejo, sim, muitos produtos chineses, que oferecem preços que europeus e americanos seriam incapazes de oferecer, tanto porque seus produtos também são fabricados na China. Por outro lado, vejo, sim, ondas, de brasileiros passeando pelas ruas de Paris e pelos shoppings de Miami, comprando desbragadamente: e por que isso? Bem, não sei se a presidente percebeu, mas o Brasil ficou caro demais. Já era caro, muito antes da valorização do real, com a média de 40% de impostos internos, mais as tarifas de importação, que continuam elevadas, e todos os sistemas cartelizados de distribuição, o que permite lucros exagerados aos ofertantes locais, mesmo na ausência de outros fatores de encarecimento. O que o câmbio valorizado fez foi tornar transparente o absurdo que são os preços no Brasil – sobretudo para serviços, ou non tradables – e também permitir viagens mais fáceis, justamente a maneira de comer mais barato em restaurante tão bons, ou melhores, que os nossos, e comprar roupas (talvez chinesas) a preços competitivos.

DR: (...) Também deixei bem claro que, quando o Banco Central Europeu joga de repente 1 trilhão de euros no mercado, ele não pode esperar que os países fiquem de braços cruzados enquanto parte desses recursos vem somente passear no Brasil e voltar mais gorda para a Europa sem ter deixado aqui nenhum benefício.

PRA: Desafio qualquer assessor econômico da presidente a provar que esse trilhão do BCE veio “passear” no Brasil; se eles disseram isso para sua chefe, o que é presumível acreditar, pois ela tende a repetir o que ouve, é altamente irresponsável, e absolutamente equivocado. Mesmo que isso fosse verdade – o que obviamente não é – e que dinheiro privado venha nessa proporção ao Brasil, é de se acreditar que os europeus, especuladores ou não, não encostaram uma faca na barriga dos pobres brasileiros, obrigando-os a tomar o seu dinheiro indesejado. E se eles ficaram mais “gordos”, foi o Brasil quem o permitiu, certo? Essa, a Angela Merkel tampouco deve ter entendido...

Como reagiu?
DR: Ela [Angela Merkel] disse que entendia meu ponto de vista perfeitamente, mas que os países emergentes não podiam esquecer que nós temos responsabilidades globais como consumidores ávidos e, portanto, como parte da solução das economias estagnadas da Europa. Eu, então, respondi que nós devemos ser parceiros no ataque aos problemas globais, mas que nossa colaboração não podia ser mais apenas como mercados consumidores e foco de atração de capitais especulativos.

PRA: “Consumidores ávidos”, os alemães, os europeus? Certamente! Mas isso é muito bom para o Brasil (para os chineses também, claro). Imaginem se eles não fossem, como seriam modestas nossas exportações para eles, que já foram nossos primeiros parceiros comerciais durante muitos anos. Agora são os chineses, muito ávidos também, o que brasileiros do agronegócio e da mineração agradecem encarecidamente. Que a Europa precisa se recuperar, isso é certo: que ela o tenha de fazer invadindo mercados estrangeiros é menos seguro. Ela precisa, antes de tudo, de recolocar em ordem as contas nacionais dos países membros, pois são esses os desequilíbrios que estão afetando sua economia, não algum problema importado de fora ou dependente do comércio mundial.
E o Brasil não quer ser mercado consumidor? Que pena para os brasileiros, pois acredito que eles gostariam. Justamente, quando eles estavam começando a gostar de consumir produtos importados – que são mais baratos e que podem ser de melhor qualidade – vem o governo, e crau!, coloca mais impostos e barreiras a esse desejo dos nossos pouco ávidos consumidores. Tudo isso para proteger americanos e europeus que montam automóveis por aqui, claro, além dos bravos amigos metalúrgicos do ex-presidente, que estavam ameaçados de perder empregos, apenas por que custam muito caro para o sistema produtivo nacional. Tudo isso é culpa dos europeus, claro...

DR: (...) Eu disse a eles [empresários brasileiros] que nossa maior defesa é aumentar a taxa de investimento privado. Eles reclamaram que os impostos cobrados no Brasil inviabilizam as melhores iniciativas e impedem que eles possam competir em igualdade de condições no mundo. Eu concordo. Temos de baixar nossa carga de impostos. E vamos baixá-la.

PRA: Ótimo. Estaremos esperando – com perdão pelo gerúndio, mas creio que ele se encaixa no clima ambiente – pela implementação das promessas da presidente.

DR: (...) Vamos nos defender atacando – ou seja, exportando e ganhando mercados. Para isso, temos de aumentar nossa taxa de investimento real para pelo menos 24%. O governo vai investir e gerar o ambiente de negócios para que isso ocorra.

PRA: Idem, idem. Ainda que eu acredite que o governo vai ter certa dificuldade para chegar a esse número. Não que eu desconfie das palavras da presidente, mas eu acho simplesmente impossível, no futuro previsível, sendo o Brasil o que é, chegar a isso.

DR: (...) Os empresários terão de fazer a parte deles, aproveitar as oportunidades, assumir riscos e deixar aflorar aquilo que o Keynes chama de “instinto animal” da livre-iniciativa.

PRA: Acho que a presidente deveria pagar direitos autorais, ou pelo menos direitos morais, não a Keynes – pois duvido que ela o tenha lido – mas ao neopetista Delfim Netto, que vive repetindo essas frases de efeito, que não dizem absolutamente nada, mas que encantam o empresariado, que paga bem caro por palestras animadas, cheias de frases de efeito como essa.

DR: (...) a China está dando sinais evidentes de fadiga do modelo-focado fortemente na exportação. Tenho acompanhado os debates sobre a China, e seus lideres não escondem que não podem mais negligenciar o mercado consumidor interno. Eles estão mudando seu foco aceleradamente para atender às demandas do mercado interno chinês. Isso significa que a China em breve vai importar mais do que commodities. Os chineses vão importar bens de consumo – geladeiras, fogões, forno de micro-ondas –, e a parte da indústria brasileira que via a China como ameaça poderá passar a vê-la como oportunidade de mercado também para nossas exportações de manufaturados.

PRA: Fadiga do modelo chinês??? Acho que a presidente se engana, ou então foi informada pelos próprios chineses dessas boas intenções. O que está ocorrendo é um menor crescimento das exportações para mercados semi-recessivos, como os da Europa. Enquanto a China puder continuar com seu modelo exportador, ela vai continuar, pois isso é absolutamente essencial para a oferta de empregos internos. Os produtos que os chineses fazem para exportação dificilmente poderiam ser vendidos no mercado interno, por uma simples questão de diferenciais de renda: a presidente deveria saber disso, ou então ter algum assessor mais bem informado que lhe dissesse isso, e não acreditar no que lhe dizem os chineses.
Mas isso é o de menos: agora, acreditar que os chineses vão importar todos esses produtos que a presidente menciona do Brasil já não é mais desinformação, e sim uma crença absolutamente estapafúrdia. O Brasil jamais conseguirá exportar esses produtos para a China, simplesmente porque a China os fabrica melhor e mais baratos que o Brasil. Mas, como a China não consegue escapar das leis econômicas do capitalismo – sistema bem mais presente na China do que no Brasil, diga-se de passagem – empresas estrangeiras estabelecidas na China e também empresas chinesas também começam a se deslocar para países de mão-de-obra mais barata: Vietnã, Bangladesh e outros. Os operários chineses se tornaram muito caros, pelos menos os da costa. Uma coisa é certa: produtos com tecnologia dominada, como esses mencionados, não tem a mínima condição de serem oferecidos mais baratos pelo Brasil do que pelos asiáticos. Mas isso a presidente deve saber, ou deveria desconfiar, pois são leis econômicas muito simples.

Voilà, encerro por aqui meus comentários exclusivamente econômicos. Espero ter ajudado a esclarecer alguns pontos, desmistificar outros, e contribuir para um debate bem informado sobre as realidades brasileiras no contexto da atual conjuntura mundial.
Não costumo cobrar nada pela assessoria involuntária: apenas respeito pela nossa inteligência e um pouco, apenas um pouco, de comprometimento com a verdade objetiva dos fatos e de fidelidade à simples realidade dos processos econômicos.
De nada.

Paulo Roberto de Almeida
Londres, 25 de março de 2012.

3 comentários:

Leandro Pereira disse...

Obrigado! Mais um otimo texto!

Nataniel disse...

Que ótima postagem! Adoro acompanhar este blog!

Eduardo Rodrigues, Rio disse...

Obrigado pelos comentários, Paulo. Já compartilhei no Facebook.