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domingo, 13 de maio de 2012

O "futuro" do Mercosul em debate (3) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Segue a primeira parte dos comentários:

O Mercosul, e sua situação atual (SPG)
SPG: A análise da situação do Mercosul, de seus objetivos e das estratégias para alcançá-los, é de especial relevância no momento em que se vem de comemorar os vinte anos da assinatura, em 26 de março de 1991, do Tratado de Assunção, em plena e extraordinária crise e transformação política  e econômica mundial.

PRA: A menção a ser “de especial relevância” não é exatamente um fato; se trata de uma opinião do autor. Minha interpretação é a de que essa importância diminuiu consideravelmente nos últimos anos com a perda de espaço relativo do Mercosul no comércio exterior global brasileiro, com as crescentes barreiras impostas às exportações do Brasil pelo sócio argentino, pela não realização dos objetivos maiores do bloco – tal como estipulados no artigo primeiro do Tratado de Assunção (TA) – e pela orientação geral das políticas domésticas e internacionais do Brasil, aparentemente mais baseadas, atualmente, num projeto de “emergência global”, do que na reconstrução do Mercosul.
Quanto à crise, ela não tem nada de “extraordinária”, sendo apenas mais uma, na trajetória “normal” das economias de mercado, feita de bolhas recorrentes, de expansão dos gastos públicos até o limite da insolvência governamental e dos ajustes necessários. Comparativamente a outras crises, ela terá sua parte de diminuição do PIB, diminuição do emprego e redução dos padrões de vida nos países por ela tocados (EUA e Europa), fenômenos mais do que compensados pelo vigor em outros países e regiões, o que, no final, compensará em parte as perdas registradas pela “recorrência” dessa crise nos países avançados. Em algum momento do futuro, os atuais países emergentes em crescimento também terão sua parte de crises “normais”, na medida em que eles se integram cada vez mais aos circuitos dinâmicos, e tumultuosos, da economia de mercado global, como aliás já ocorreu diversas vezes num passado ainda recente. Nada de extraordinário, portanto.

SPG: Em 1991, era hegemônico o pensamento neoliberal, em um cenário econômico de grande otimismo. Era a Nova Ordem Mundial, anunciada pelo presidente G. H. Bush, a era da globalização, do fim das fronteiras, do fim da História, do progresso ilimitado para todos os Estados e para todos os indivíduos. Era o mundo unipolar, pacífico e próspero.

PRA: Esta é uma opinião do autor, feita em evidente tom de ironia. Registre-se o fato de que, em 1991, o bastião do pensamento não-neoliberal, a União Soviética, tinha implodido, não por pressão capitalista, ou cerco da OTAN, mas por evidente ineficiência intrínseca. Se o mundo se tornou unipolar, foi porque o outro polo desapareceu, não porque o “neoliberalismo” – ou o que passa por tal – tenha vencido algum combate no mundo real ou no plano das ideias. Minha interpretação é a de que esse pensamento – que a rigor não existe – nunca foi hegemônico, já que a maior parte dos decisores, em todos os países, continua a praticar o velho keynesianismo adaptado às circunstâncias, e que metade, ou mais, dos ideólogos continua a contestar o que na academia passa por “neoliberalismo”, mas que é apenas política econômica normal dos países. Desafio SPG a indicar os países que se guiam por preceitos “neoliberais” ou qualquer variação em torno disso. “Neoliberal” é um epíteto que não tem nenhum sentido concreto, a não ser como ofensa ou xingamento de uma determinada comunidade frustrada pelo desaparecimento da alternativa socialista dos supermercados da História. Os estatizantes continuam fortes e felizes, tanto que se permitem acusar não se sabe quem, exatamente, de “neoliberais”, um slogan vazio, que supostamente designa esse “monstro metafísico” que corresponde, na verdade, à economia de mercado. Enfim, tem gente que precisa de adversários...

SPG: Esse pensamento neoliberal, que veio a ser articulado no Consenso de Washington e impulsionado pelas políticas dos países desenvolvidos nos organismos e negociações internacionais e em suas relações bilaterais com os Estados da América Latina, viria a se refletir, em decorrência dessas pressões externas e até por convicção das elites dirigentes, nas políticas domésticas, econômicas e sociais, dos quatro Estados do Mercosul.

PRA: A interpretação é risível, mas deve impressionar alguns ingênuos, talvez até muitos outros que não contam com uma informação fiável sobre o que seja, ou o que representou, o Consenso de Washington. Na verdade, o CW é um fato acadêmico, mas, para todos os efeitos práticos, só existe como entidade fantasmagórica nas cabeças e nos escritos dos anti-CW, pois não conheço governo que se tenha deixado levar apenas por essas regras simples e claras de reforma e de ajuste, mas muito elementares para a condução efetiva de suas políticas macroeconômicas e setoriais. Já escrevi bastante sobre o CW para rebater agora, em detalhes, a opinião de SPG; por isso, me permito remeter os interessados aos primeiros textos da minha série sobre as “falácias acadêmicas” (neste link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/FalaciasSerie.html).

SPG: Apesar das naturais diferenças entre as situações em que se encontravam Estados e sociedades naquele momento e do grau de radicalismo com que foram implementadas, essas políticas todas tinham como principal objetivo reduzir o Estado a seu mínimo, através de programas de privatização, de desregulamentação e de abertura externa para bens e capitais, muitas vezes adotados de forma unilateral, sem negociação, como “contribuição voluntária” ao progresso de globalização.

PRA: A interpretação continua risível, forçada além do mais, pois não se sabe bem onde, quando e como, Estados e sociedades (do Mercosul e outros) foram reduzidos ao mínimo. Esse tipo de “acusação”, sem qualquer consistência, não honra a inteligência dos anti-neoliberais. Mas eles nunca são explícitos quando falam do neoliberalismo, pois na verdade não têm muitas provas empíricas de quem, exatamente, assumiu essa coisa bizarra que se chama neoliberalismo. Liberais, em economia, se definem dessa forma; quem os chama de neoliberais são os que não têm argumentos consistentes a exibir.

SPG: Em 1991, a situação política internacional estava marcada pela desintegração da União Soviética, pelo fim dos regimes socialistas da Europa Oriental, pelo desprestígio do socialismo como sistema político e econômico, pela expansão (voluntária ou “estimulada”) de regimes democráticos, pelo fim aparente dos conflitos regionais,  pela “ressurreição” das Nações Unidas e, finalmente, pela hegemonia dos Estados Unidos.

PRA: São alinhados acima alguns fatos, que SPG parece lamentar – fim de regimes socialistas, desintegração da URSS, desprestígio do socialismo; mas por que também a expansão “estimulada” da democracia?; seria um mal? – e uma afirmação que assume ares de pecado: a hegemonia dos EUA. Que crime! Os EUA estão sozinhos no mundo, depois da implosão do velho parceiro da bipolaridade! Confesso que não sei como classificar: seria um fato, uma opinião, ou uma interpretação? Mas persistem também algumas dúvidas: “fim aparente” dos conflitos regionais”? Quem decretou? Quem conseguiu essa maravilha? E a “ressurreição” da ONU, o que pensar desse milagre? Foi o fim do socialismo que permitiu? Seria para lamentar? Junto com a “hegemonia dos EUA”? Enfim, alguns estudantes vão adorar essas “constatações”.

[CONTINUA...]

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