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domingo, 13 de maio de 2012

O "futuro" do Mercosul em debate (6) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Aposto como vocês já estão cansados; imaginem eu, então, todo o domingo e ainda madrugada adentro na segunda-feira, me ocupando de algo que não me diz respeito (a não ser intelectual)...


O desafio das assimetrias  (SPG)

PRA: As assimetrias constituem, por assim dizer, um velho cavalo de batalha de SPG; nenhum outro assunto concentrou de forma tão extraordinária sua atenção, nenhum outro mobilizou tantos esforços, até a constituição de um fundo – que deve corresponder a mais ou menos 1% do PIB do Mercosul – e a modelagem de políticas de “correção de assimetrias”, assimetrias que são, como se sabe, perversas e impeditivas de qualquer esforço de integração. Não sabemos, porém, como essa opinião se coaduna com o fato de que o comércio internacional só se faz, justamente, com base em assimetrias; se todos fossem iguais, se poderia ter um belo discurso igualitário, mas baixa intensidade de intercâmbios. Não sabemos, porém, como SPG pretende resolver essa quadratura do círculo.

SPG: As assimetrias entre os Estados do Mercosul, que são notáveis em  território e população, aspectos o primeiro fixo e o segundo  de lenta transformação, mas que tem, todavia, grande importância econômica, vem crescendo rapidamente em termos de grau de diversificação produtiva, de dinamismo tecnológico e de dimensão dos respectivos parques produtivos.

PRA: A crer nessa opinião, os países mais dinâmicos deveriam esperar pelos menos dinâmicos, ou então ajudá-los a se tornarem mais competitivos e tecnologicamente avançados. Um pouco como faz a Argentina com o Brasil: ela se esforça para que nosso nível de competição industrial se aproxime do dela, se necessário à custa de salvaguardas ilegais, de políticas defensivas e arbitrárias, de violações aos compromissos contraídos sob a égide do TA, enfim, velhas medidas protecionistas que começam a ser imitadas pelo país mais dinâmico e mais diversificado tecnologicamente. Estes são fatos a exigir alguma interpretação de SPG. Ah, sim: o Brasil não deveria ser tão grande...

SPG: A dinâmica dessas assimetrias, deixada ao sabor das forças de mercado, em uma  união aduaneira e em uma área de livre comércio, na inexistência de esquemas corretivos, leva a um grau de desenvolvimento cada vez mais distinto e, portanto, a fricções, a frustrações e a ameaças permanentes à coesão do Mercosul, com todas as  consequências para a capacidade, tanto dos Estados maiores mas em especial dos menores, de defender e de promover seus interesses  em um cenário internacional cada vez mais caracterizado, apesar da crise, pela expansão de grandes blocos de países, nas Américas, na Europa e na Ásia. 

PRA: A crer nessa outra opinião de SPG, os blocos de países que não possuem “medidas corretivas” estão condenados a perder coesão e a enfrentar frustrações e crises. Como a grande maioria, senão a quase totalidade, dos blocos comerciais se apresenta sob a forma de acordos preferenciais ou de zonas de livre comércio (verdadeiras, ou com aspas, não importa, no momento), então podemos concluir que só vão se salvar os que forem uniões aduaneiras ou mercados comuns, o que deixa muito poucos no cenário. Os membros do Nafta, por exemplo, ou os da Asean mais China (e alguns outros), que estão apenas entregues às forças de mercado, devem ter os dias contados, caso não se decidam por “esquemas corretivos”, ou seja, políticas de Estado dirigidas à competitividade. Veremos se essa interpretação corresponderá a fatos, mas tenho minhas dúvidas...

SPG: A redução das assimetrias é essencial para que as economias e as  sociedades possam se beneficiar de forma equitativa do processo de integração.  As assimetrias que, em termos  concretos, correspondem a grandes diferenças de infraestrutura física e  social, de capacitação da mão de obra e de dimensão das empresas, fazem com que os investimentos privados não possam se distribuir de forma mais harmônica dentro do espaço comum, que a geração e a qualidade de empregos seja desigual e que, portanto, seja desigual a geração de renda e o bem estar nas diversas sociedades.

PRA: Temo não concordar com essa opinião. Aliás, me pergunto por que o México se decidiu por um esquema de “livre comércio” (aspas) com os EUA? Por que o Chile decidiu fazer um acordo de livre comércio (sem aspas) com a China? Por que os países caribenhos e centro-americanos querem acesso preferencial ao mercado dos EUA, com muitas concessões em troca e sem nenhum “esquema corretivo”? Estariam eles indo contra fatos desconhecidos deles? Ou são apenas fantasmagorias de um intérprete que luta contra assimetrias como D. Quixote o fazia contra moinhos “gigantes”? Por que benefícios equitativos só podem ocorrer com perfeita simetria de capacidades? Mistério!

SPG: Outros esquemas de integração, como a União Europeia, desde sua origem em 1958, se preocuparam com a existência e os efeitos de  diferentes níveis de desenvolvimento entre os Estados que deles participavam e com a necessidade de promover o desenvolvimento mais acelerado dos países mais atrasados para tornar mais equilibradas as oportunidades dentro do espaço econômico comum. Lançaram mão de vários programas, basicamente de transferência de recursos, com o objetivo de nivelar a economia dos Estados que foram se agregando à União Europeia e que se encontravam em diferentes estágios de desenvolvimento. O processo de reunificação das duas Alemanhas foi e é um exemplo de grande transferência de recursos que chega a atingir trilhões de dólares com o objetivo de nivelar duas economias e sociedades que se integram.

PRA: A UE é um caso único no mundo; pode-se perguntar ao nosso intérprete das assimetrias por que todos os demais países não seguem o caminho da UE, se ele é tão benéfico a todos, em quaisquer circunstâncias? O que a reunificação alemã tem a ver com a liberalização comercial e a abertura econômica de países soberanos? Mais importante: por que os brasileiros, que exibem uma renda per capita inferior à de argentinos e uruguaios, deveriam transferir recursos, e corrigir “assimetrias” nos dois países menores e ser extraordinariamente complacente com medidas violadoras do TA como praticadas pelo outro sócio maior? O Brasil, por acaso, se parece com a Alemanha? Gostaria de contar com alguns fatos explicativos e legitimadores, para também me formar uma opinião a respeito dessa interpretação original das assimetrias negativas à integração.

SPG: Devido à doutrina neoliberal e a seus objetivos implícitos, que presidiram à criação do Mercosul, inicialmente julgou-se e afirmou-se que as dimensões assimétricas dos Estados não afetariam o desenvolvimento de cada um deles  e que a simples integração comercial automática, sem levar em conta de forma adequada essas assimetrias, permitiria a cada um deles usufruir, de forma igual ou semelhante, dos benefícios decorrentes do processo de integração.

PRA: Bem, por aqui constatamos como pode ser nefasta a doutrina neoliberal: é ela que vem impedindo a integração. Isso ocorreu mesmo se, a partir de 2003, todos os países do Mercosul rechaçaram os governos neoliberais anteriores e passaram a aplicar políticas altamente favoráveis à integração. Devem existir outras forças poderosas que poderiam explicar, por exemplo, como e por que o Mercosul tem se afastado cada vez mais de seus objetivos originais, ou por que ele perde importância no comércio exterior brasileiro. Talvez seja devido à ação nefasta das poderosas megaempresas ocidentais; talvez seja em função do dinamismo extraordinário das novas megaempresas chinesas: ambas são multinacionais, mas sabemos que as primeiras tem aspas, as segundas não. Enfim, alguma interpretação de SPG deveria existir para explicar por que governos não neoliberais demoraram tanto tempo para se aperceberem disso. Seria a maldição do pecado original do Mercosul, um defeito de origem do TA? Vamos aguardar uma opinião mais embasada e depois confrontá-la com os fatos.

SPG: Vinte anos depois do Tratado de Assunção há uma aceitação generalizada de todos os Governos da importância e das consequências de toda ordem das assimetrias entre os Estados e da necessidade de enfrentá-las com programas eficazes, cujo montante de recursos até agora alocados são absolutamente insuficientes para a dimensão da tarefa.

PRA: Voilà! Era isso que faltava: recursos! Ainda bem que é só isso. Basta aumentar o fundo corretor de assimetrias de 1% para algo próximo de 10% do PIB dos países do Mercosul, para que as assimetrias comecem a ser reduzidas, em benefício de todos e de todas. Claro: como o Brasil é o maior, o mais “assimétrico”, cabe a ele assumir a maior parte das responsabilidades pela correção de assimetrias de toda ordem. Bem, se o orçamento brasileiro for insuficiente, caberia pleitear recursos do BNDES, do BID, do Banco Mundial, da CAF, do Fonplata, do Banco do Sul, do futuro banco dos BRICS e, também, contribuições da UE, do Nafta, da Asean, quem sabe da OCDE e da ONU? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena...

SPG: Algumas afirmações básicas podem ser feitas sobre a possibilidade de êxito no enfrentamento do desafio de redução das assimetrias, indispensável para a coesão e o futuro econômico e político do Mercosul:
a.              sem a compreensão generosa (e, aliás, de seu próprio interesse, econômico e político) dos Estados maiores, que deve se refletir em suas contribuições financeiras para os diversos programas, em especial para o FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul) pode-se continuar a enfatizar retoricamente a importância das assimetrias mas elas não se reduzirão;
b.              sem a construção da infraestrutura de energia e de transportes nos Estados menores as assimetrias não se reduzirão e
c.              nenhum programa ou política comunitária em nenhuma das diversas áreas de integração poderá ir adiante sem a criação de instrumentos financeiros assimétricos de financiamento desses  programas e políticas.

PRA: Estados maiores, no Mercosul, só existe um, nós mesmos! Somos nós que deveremos contribuir com fundos muito maiores do que os atualmente disponíveis, para ações na área de infraestrutura e energia nos demais Estados (menores, por definição), embora se tenha uma ideia de que algumas daquelas instituições financeiras estão aí para isso mesmo: financiar obras de infraestrutura e energia. Por que não continuar fazendo por essa via? Por que deveríamos criar “instrumentos financeiros assimétricos” para lidar com projetos anti-assimétricos cuja consistência técnica, cuja análise de custo-benefício, cujos estudos de custo-oportunidade, entregues aos burocratas do Mercosul, serão, necessariamente, muito inferiores aos que poderiam ser feitos por burocracias treinadas nesse tipo de atividade naquelas entidades multilaterais?


[CONTINUA...]

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