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domingo, 1 de julho de 2012

O Brasil e o Conselho de Seguranca: um texto PRA, de 2005

Uma entrevista concedida a um jornal mexicano em 2005, e que permaneceu inédita até aqui (não creio que tenham usado a maior parte de minhas respostas), e que já revela meu ceticismo quanto à obsessão pessoal do presidente Lula e seu chanceler, quanto às chances do Brasil vir a obter uma cadeira no CSNU.



O Brasil e o Conselho de Segurança da ONU

Paulo Roberto de Almeida (Brasília, 1 junho 2005)
Respostas a questões colocadas por jornalista
Correspondente no Brasil do Jornal Reforma/Grupo Reforma-México

1) China, Coréia do Sul e Rússia manifestaram também simpatia à candidatura do Brasil?
            PRA: Sim, Coréia do Sul de forma explícita, por ocasião da recente visita do presidente Lula ao país asiático, agora em maio de 2005. A China de forma mais ambígua, pois disse que via com simpatia a pretensão do Brasil. A Rússia fez um apoio mais direto, mas de toda forma verbal.
            Outros países que apoiaram, direta ou indiretamente, o Brasil na suas pretensões:
Reino Unido: Em visita do Presidente Lula a Londres, nos dias 13 e 14 de julho de 2003, para participar da Cúpula da Governança Progressista, o Primeiro-Ministro Tony Blair declarou apoio à candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Alemanha: Por ocasião de visita, em 27 de janeiro de 2003, reiterou-se o apoio mútuo às candidaturas do Brasil e da Alemanha a membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Japão: O Primeiro-Ministro, Junichiro Koizumi, visitou o Brasil de 14 a 16 de setembro de 2004. Expressou-se o compromisso de apoio recíproco às respectivas candidaturas a membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Índia: O Presidente Lula fez visita de 24 a 28 de janeiro 2004, como convidado de honra do Governo indiano às celebrações do 55o Dia da República. Os dois países reiteraram o apoio mútuo ao pleito de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Chile: visita do presidente Lagos, em agosto de 2003: No Comunicado Conjunto, divulgado ao fim da visita do Presidente Lagos ao Brasil, o Chile reconheceu o legítimo interesse do Brasil em integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente. Na visita do Presidente Lula a Santiago, em agosto de 2004, o apoio à aspiração brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança foi explicitado de modo mais enfático do que antes.
Venezuela: Em sua quinta visita ao Brasil, em 15 de setembro de 2004, o Presidente Chávez confirmou o apoio da Venezuela a que o Brasil venha a integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente.
Bolívia: Em visita a Brasília, em 28 de abril de 2003, o Presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, declarou apoio a que o Brasil integre o Conselho de Segurança na qualidade de membro permanente.
Guiana: O Presidente Bharrat Jagdeo, em visita ao Brasil, em 30 de julho de 2003, declarou apoio ao ingresso do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente.
Suriname: O Presidente Runaldo Ronald Venetiaan, em visita ao Brasil, em 22 de julho de 2003, manifestou apoio ao ingresso do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente.

Extrato de um Relatório do Ministério das Relações Exteriores sobre os primeiros dois anos de política externa do Governo Lula:
Começo de transcrição:

PRESENÇA NO CONSELHO DE SEGURANÇA COMO MEMBRO NÃO-PERMANENTE
O Brasil foi eleito, em 2003, para ocupar um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, durante o biênio 2004-2005, em uma das duas vagas destinadas à América Latina e Caribe. Trata-se do nono mandato brasileiro desde o estabelecimento do órgão, em 1946. Nenhum país foi eleito mais vezes do que o Brasil para o Conselho de Segurança.
Na condição de membro não-permanente do CSNU, o Brasil tem-se envolvido crescentemente nas questões da paz e da segurança internacional. Participa ativamente na formulação de políticas voltadas para a paz e a reconstrução pós-conflito, em particular no que diz respeito a países e regiões prioritários para a política externa brasileira (Haiti, Timor-Leste, África  e Oriente Médio). Sem prejuízo do diálogo de alto nível com os membros permanentes, a ênfase da delegação brasileira tem sido na cooperação com os demais países em desenvolvimento presentes no Conselho. Esta cooperação tem sido excelente, destacando-se a atuação conjunta com o Chile, em 2004; a presença de diplomata argentino como integrante da delegação brasileira, em iniciativa inédita que demonstra o alto grau de confiança na aliança estratégica Brasil-Argentina; e a coordenação com os membros africanos e a União Africana no encaminhamento das questões de paz e segurança na África.
O Brasil assumiu papel de liderança no processo de estabilização e reconstrução do Haiti, país com o qual compartilhamos a herança cultural africana. As Forças Armadas brasileiras fornecem o maior contingente e o comando de tropa na Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH). O Brasil tem impulsionado, tanto no território haitiano quanto no Conselho de Segurança, uma visão criativa do processo de construção da paz, que enfatiza a interdependência entre três pilares: a estabilização da situação de segurança, o processo de reconciliação política em bases democráticas e participativas e a promoção do desenvolvimento econômico e social, com projetos de impacto imediato associados a um planejamento de longo prazo.
O Brasil reforçou seu compromisso com o Timor Leste, país de língua portuguesa, ampliando o contingente brasileiro na Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNMISET). A delegação brasileira junto ao Conselho de Segurança coordenou as consultas para aprovação da resolução que estendeu por mais um ano, até março de 2005, a UNMISET. Na medida em que o Timor-Leste consolida sua independência e ingressa em fase pós-operação de paz, o Brasil continua a estender solidariedade e apoio, implementando medidas concretas de cooperação.
No tocante aos temas africanos, a atenção brasileira, no âmbito do CSNU, tem-se voltado crescentemente para Guiné-Bissau. O Brasil designou o conselheiro militar do Escritório das Nações Unidas na Guiné-Bissau (UNOGBIS), participou de diversas missões da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e coordenou as consultas entre os membros do Conselho de Segurança, que possibilitaram a aprovação, em dezembro de 2004, da primeira resolução sobre Guiné-Bissau desde 1999, ampliando e fortalecendo o mandato do UNOGBIS.
Quanto aos demais temas africanos (Côte d´Ivoire, Libéria, Sierra Leone, Burundi, República Democrática do Congo, Saara Ocidental, Somália, Etiópia - Eritréia), o Brasil tem ressaltado a necessidade de apoiar a União Africana na busca de soluções para os problemas daquele continente. A abertura de Embaixadas em São Tomé e Príncipe, República Democrática do Congo e Adis Abeba (sede da União Africana e da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África) é expressão concreta do compromisso brasileiro com o continente africano. O Brasil enviou, ainda, observadores para participar em operações de paz das Nações Unidas na Libéria e em Côte d´Ivoire, além de Chipre e Kossovo - Sérvia e Montenegro.
A presença do Brasil no Conselho de Segurança tem possibilitado a reafirmação de princípios tradicionais da diplomacia brasileira (respeito ao direito internacional, solução pacífica de controvérsias, defesa da soberania e da democracia) no exame das questões de paz e segurança internacional. O Brasil tem defendido ativamente os valores e os interesses nacionais - sem perder de vista a perspectiva dos países sul-americanos e do mundo em desenvolvimento - em questões como combate ao terrorismo, não-proliferação de armas de destruição em massa, prevenção do genocídio e proteção de grupos vulneráveis (mulheres, crianças e minorias étnicas). A presença do Brasil no Conselho de Segurança, em caráter permanente, representará a melhor garantia de que a voz dos países do Sul será ouvida nas grandes decisões internacionais.

REFORMA DAS NAÇÕES UNIDAS

No contexto da crise suscitada pela invasão norte-americana do Iraque, o Secretário-Geral Kofi Annan propôs – e o Brasil apoiou firmemente – aprofundar a discussão sobre a reforma das Nações Unidas mediante a constituição de um Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança, o qual contou com um integrante brasileiro, o Embaixador João Clemente Baena Soares. Sem prejuízo do fortalecimento dos demais órgãos do sistema das Nações Unidas, o Brasil tem apoiado a ênfase na reforma do Conselho de Segurança, sem a qual, na expressão de Kofi Annan, nenhuma reforma das Nações Unidas poderá ser considerada completa. A admissão do Brasil e de outros países em desenvolvimento como membros permanentes contribuirá para conferir maior representatividade, legitimidade e eficácia àquela crucial instância decisória.
A formação, em setembro de 2004, do G-4 (Alemanha, Brasil, Índia e Japão), integrado por países cujas candidaturas a um assento permanente no Conselho de Segurança já estão consolidadas, representou um importante avanço. A constituição do grupo e o expressivo número de apoios públicos ao ingresso do Brasil como membro permanente demostram que já foram superadas fórmulas que excluíam  o ingresso de países em desenvolvimento como membros permanentes do Conselho.
O Relatório do Painel de Alto Nível, divulgado em 02/12/04, apresentou dois modelos para a reforma do Conselho de Segurança: o modelo “A”, que prevê expansão nas duas categorias de membros, com a criação de seis novos assentos permanentes e três novos assentos eletivos; o modelo “B”, que não contempla aumento do número de membros permanentes, mas apenas novos assentos não-permanentes, com mandato de mais longa duração (4 anos) e possibilidade de reeleição, e um novo assento com mandato de dois anos, sem direito à reeleição. Em ambos os casos, haveria uma ampliação do CSNU dos atuais 15 para 24 membros. A atuação do Brasil tem-se concentrado na promoção da reforma na linha proposta no modelo “A”.
Após a divulgação do Relatório do Painel, o debate sobre a reforma das Nações Unidas passou a atrair mais atenção. No decorrer de 2005, espera-se que as consultas entrem em fase decisiva, sobretudo nos meses que antecedem o evento de alto nível da Assembléia Geral, em setembro, que fará a primeira revisão qüinqüenal da implementação da Declaração do Milênio e das Metas de Desenvolvimento do Milênio.

Final de transcrição.

2) O senhor em alguns textos afirma que o Brasil tenta essa cadeira há décadas, mas quando menciona a experiência da Minustah (Haití) parece que o senhor tenta dizer, indiretamente, ou tácitamente, que o Brasil ainda não está pronto. O senhor acha que não é cedo para o Brasil ocupar esse assento?
            PRA: Existem dois problemas aqui: nossa preparação em geral, e a experiência da Minustah. A elite diplomática e militar do Brasil, ou seja, o establishment que comanda a política externa e de defesa do Brasil, considera, há décadas, desde a Liga das Nações, que o Brasil não apenas está preparado como já poderia estar ocupando um lugar de relevo no sistema internacional. Minha opinião é a de que o Brasil está apenas parcialmente preparado, tendo em vista suas notórias deficiências internas em termos de organização do Estado e mesmo as limitações orçamentárias que constrangem as Forças Armadas. Não temos, por outro lado, disponibilidade de recursos em volume suficiente para fazer cooperação técnica e assistência ao desenvolvimento de países mais pobres, na dimensão necessária para aparecer como um país “provedor” de cooperação em bases regulares e normais. Nossa cooperação externa é limitada, parcial e extremamente limitada. Por outro lado, não tenho certeza de que as FFAA estejam preparadas para todo e qualquer tipo de operação em situações emergenciais. Atualmente, existe um grau de preparação maior, inclusive pensando nas operações de peace keeping das NU, mas não creio que o Brasil possa assumir toda e qualquer operação da ONU, sobretudo alguma de peace making.
            No caso, do Haiti, tratou-se de uma decisão eminentemente político-propagandistica, no sentido de fazer parte da nossa campanha pelo CSNU, sem considerar a situação no terreno e nossas limitadas capacidades para participar do que é, basicamente, um problema de Nation Building. Acho que não estamos preparados para isso, e no máximo estamos fazendo operações de segurança, de natureza praticamente policial, sem contar com extensos recursos para fazer tudo o que seria necessário.

3) Brasil já deixou de ser cauteloso na campanha pela vaga permanente?
            PRA: O Brasil foi muito cauteloso na gestão anterior, e o presidente FHC evitou confrontar a Argentina nesse particular. O governo atual tem sido muito mais afirmativo, colocando claramente a pretensão do país, solicitando apoios de todo e qualquer dirigente político, em visitas e em encontros bilaterais, o que pode provocar problemas nas relações bilaterais com a Argentina e em menor escala com o México.

4) O Brasil tem dividas das dotações obrigatórias do 2004 ou mais antigas?
            PRA: Não tenho presente os dados específicos, mas sei que o Brasil, que era um grande devedor de todo o sistema da ONU (e de outros organismos internacionais também), fez um enorme esforço, no ano passado, para liquidar quase todas as pendências, pagando de uma vez só algumas centenas de milhares de dólares (se não milhões, mesmo). Mas não tenho os números, que precisariam ser buscados com a Divisão das Nações Unidas do Itamaraty.

Consulta original:
Prezado Professor Almeida:
Depois de ler seus interesantes textos tenho já algumas respostas às perguntas feitas à noite. Só gostaria de pedir esclarecimentos:
1) China, Corea do Sul e Russia manifestaram também simpatía 'a candidatura do Brasil?
2) O senhor em alguns textos afirma que o Brasil tenta esa cadeira há décadas, mas quando menciona a experiencia da Minustah (Haití) parece que o senhor tenta dizer, indiretamente, ou tácitamente, que o Brasil ainda nao está pronto. O senhor acha que não é cedo para o Brasil ocupar esse assento?
3) Brasil já deixou de ser cauteloso na campanha pela vaga permanente?
4) O Brasil tem dividas das dotações obrigatorias do 2004 ou mais antigas?

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