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domingo, 26 de agosto de 2012

O grupo Brics no contexto da crise econômica mundial - Paulo Roberto de Almeida



Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor de Economia Política no Uniceub
(www.pralmeida.org).
Publicado na Revista Jurídica Consulex (ano 16, n. 374, 15 de Agosto de 2012, p. 30-31). 
Relação de Publicados n. 1079bis; Relação de Originais n. 2416)

O Brics, foro de coordenação e consulta integrado pelo Brasil, Rússia, Índia e China, aos quais agregou-se, em 2011, a África do Sul, vem destacando-se como um grupo de economias emergentes dotado de grande potencialidade no contexto da economia mundial, sobretudo no quadro da atual crise econômica, em função da qual seu desempenho tem sido significativo em termos de preservação do crescimento e da estabilidade financeira das economias de mercado. Persistem, no entanto, dúvidas quanto à resiliência do grupo em face dos desafios atuais, sobretudo em função do agravamento da crise europeia e do baixo crescimento da economia americana. Os parágrafos seguintes visam apresentar argumentos sobre o papel do Brics na atual conjuntura.
Existe, em primeiro lugar, uma profunda incompreensão com respeito ao que é, realmente, esse grupo chamado Brics, que parece ter assumido uma estatura de grupo formal e de entidade dotada de poderes próprios no quadro da governança mundial, quando a realidade é menos positiva quanto a esse aspecto. A sigla designa uma assemblagem arbitrária de países, dotados de certas características externas aparentemente semelhantes, mas que representa apenas o que estava implícito em seu significado original, feito por um economista de um banco de investimentos: quatro (agora cinco) grandes economias em desenvolvimento, não pertencentes ao bloco de grandes potências econômicas, que são tradicionais democracias de mercado. Os quatro países apresentavam grandes promessas de crescimento econômico – por uma série de razões próprias a eles, mas isoladamente, e não como grupo – e que por isso foram identificados como boas oportunidades de investimento, pelas promessas de ganhos de mercado que representam: grandes territórios e populações, boa dotação em recursos naturais, por vezes humanos, também, crescimento razoável e crescente inserção nos circuitos da economia global.
A partir dessa adjunção de quatro países sumamente diferentes feita por um economista interessado apenas em ganhos de mercado, dirigentes desses países resolveram, dado o bom acolhimento da sigla, formalizar uma suposta união para perseguir objetivos alegadamente comuns. Quais são esses objetivos? Cabe aos dirigentes desses países, que promoveram seus encontros ministeriais e de cúpula, dizerem, com suas próprias palavras, o que eles, como grupo, pretendem fazer em relação aos grandes problemas da agenda mundial: crescimento, meio ambiente, segurança, direitos humanos, democracia, criminalidade internacional, e muitos outros temas que ocupam a agenda da ONU, do G7 e de outras organizações intergovernamentais.
Isto não quer dizer, todavia, que o Brics constitui um grupo econômico estrito senso. Quando se fala de “grupo econômico” se entende um conjunto de países integrados comercialmente, produtivamente, com intenso intercâmbio entre eles, com base num conjunto de regras comuns, e tendencialmente apontado para a convergência de políticas econômicas. Os Brics não exibem essa condição; não são, portanto, um grupo econômico, a não ser arbitrariamente, como declaração própria, mas isso não é comprovado pelos fatos.
Não se pode, portanto, falar em crescimento ou estagnação conjuntos: cada um dos fenômenos econômicos dos Brics serão, essencialmente, constituídos de processos exclusivamente nacionais, independentes, autônomos, não correlacionados entre si. Não existe uma base comum, políticas comuns, apenas intercâmbio, o que se dá com quaisquer outros ajuntamentos heteróclitos de países que se faça. A questão que se coloca, portanto, é a de saber se o Brics, em conjunto ou isoladamente, pode representar alguma diferença em face da crise econômica atual.
Como sabem os economistas do desenvolvimento e os especialistas em integração regional, crescimento, por si só, não serve de cola: cada país pode crescer por razões diferentes, não conectadas entre si. A natureza do crescimento de cada um dos Brics (na verdade, apenas China e Índia vinham crescendo de maneira consistente nos últimos anos, e aparentemente já vêm enfrentando uma baixa de ritmo, dada a crise das economias norte-americana e europeia) não tem nada a ver com os fatores de crescimento dos demais, uma vez que eles possuem características diversas e se inserem de maneiras distintas na economia mundial, assim como seus intercâmbios recíprocos obedecem a padrões diferenciados, únicos no plano bilateral.
Em outros termos, eles estavam crescendo de maneira completamente descoordenada, cada processo obedecendo a impulsos próprios, sem qualquer base comum. Que eles venham agora a sofrer impactos da estagnação ou depressão nas economias desenvolvidas, isso se fará, também, por canais próprios a cada um, sem qualquer relação estrutural entre si. A crise afeta os países individualmente, não esse grupo um pouco arbitrário chamado Brics.
O único legado acumulado pelo Brics, até o momento, é o registro de suas reuniões formais, em nível ministerial ou de cúpula, e as declarações feitas nessas ocasiões. Mas que o grupo fez, por exemplo, para avançar certos temas da agenda mundial? Para esperar algo desse grupo seria preciso que ele tivesse um poder de alavancagem sobre a economia mundial que ele ainda não tem. E seria preciso que ele oferecesse respostas a problemas comuns que não foram vistas ainda.
Como o Brics se encontra regularmente, talvez ele tenha suas próprias receitas para a superação da crise, mas talvez as soluções para os problemas de cada um dos países, individualmente, não tenha nada a ver com as respostas aos problemas dos demais, a não ser num nível muito alto de generalidade: expansão da economia mundial, abertura comercial e aos investimentos, poupança, crédito, moedas estáveis, bom ambiente de negócios. Cabe aos governos nacionais transformar as condições existentes em oportunidades de aumento da renda e riqueza nacionais (sempre nacionais), o que deriva da competência de cada um deles, não da existência de um grupo, formal ou não.
O Brics não parece dispor de um diagnóstico comum a respeito da crise atual e não conseguiu propor, até aqui, uma reformulação factível da economia mundial. Os países do grupo Brics, se continuarem pretendendo assumir políticas comuns, terão um largo caminho pela frente para se apresentar, pelo menos, como grupo, o que eles ainda não são, pelo menos não do ponto de vista econômico.

Paulo Roberto de Almeida (Brasília, 31 de julho de 2012)

5 comentários:

Augusto Leal Rinaldi disse...

Professor Paulo, em primeiro lugar gostaria de elogiar esse espaço em que o senhor contribui de maneira democrática para elucidar questões tão importantes como as que são postadas diariamente. Acompanho seu blog há algum tempo e sempre faço questão de acolher seus comentários, sempre me atentando aos argumentos e fazendo uma leitura crítica de seus textos.

Com relação ao texto dos Brics, concordo que na verdade há uma falta de convergência no discurso produzido pelo bloco no que se refere aos principais temas da agenda internacional. Numa crise de governança global que o sistema atual enfrenta, a interlocução política entre os países poderia fazer a diferença. O grupo dos países emergentes, nesse sentido, tem deixado de aproveitar essa oportunidade para estreitar o diálogo entre eles e afinar um discurso comum que demonstre à comunidade internacional a intenção de assumir maiores responsabilidades na condução de temas que antes eram conduzidos pelas grandes potências.
Pelo o que acompanho das reuniões ministeriais do grupo, o Brasil me parece ser o único país realmente interessado no avanço das negociações e que tem assumido uma postura relativamente mais ativa que seus pares, principalmente em relação à China e Rússia, que não conseguem se harmonizar em praticamente nenhum tema. Dessa forma, o senhor não acredita que o papel do Brics não está sendo comprometido pela baixa expectativa que países como Rússia e China têm em relação a assunção de um papel mais pró-ativo na condução dos grandes temas da agenda internacional? E, se isso for verdadeiro, será que a China, candidata à grande potência, não estaria perdendo uma oportunidade de demonstrar à comunidade internacional que ela tem meios e recursos disponíveis para assumir posição de autoridade no mundo?

Um abraço,
Augusto Leal Rinaldi - bacharel em Relações Internacionais (UNESP) e mestrando em Ciência Política pela UFSCar.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Augusto,
Se vc me permite, vou postar seu comentario

Augusto Leal Rinaldi disse...

Claro, sem problemas. Agradeço pela oportunidade de expor minhas ideias e questionamentos. Um abraço.

Anônimo disse...

Alguém já se perguntou que talvez a China não queira a responsabilidade de assumir esse papel!!!!

Vale!

Felipe Souza disse...

agradeço pelo artigo proposto para nós pesquisadores, estudantes, professores, que fora de enorme prestígio e valência, ainda que em termos de economia e política o interesse da população seja pouco, mesmo sendo necessário.Sem mais para o momento, obrigado.