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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Rolf Kuntz: um demolidor de mitos economicos

Rolf Kuntz é um jornalista e editorialista econômico do Estadão que, ao longo dos anos, tem comentado as medidas de política econômica dos governos brasileiros. Sempre realista, um tantinho irônico, mas sobretudo certeiro, quanto aos acertos e desacertos -- estes mais do que aqueles -- dos responsáveis econômicos de cada governo.
Esta série de artigos recentes comenta aspectos cruciais da conjuntura econômica brasileira.

Diminuir para crescer

Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo, 19 de setembro de 2012

A presidente Dilma Rousseff pôs em xeque mais uma parte da "herança bendita", ao autorizar o corte de 35% do pessoal de Furnas, passo necessário para o aumento da eficiência da empresa, segundo seu presidente, Flávio Decat. Oito anos de empreguismo desenfreado e de subordinação de toda a máquina federal aos objetivos políticos - e até pessoais - do presidente Luiz Inácio Lula da Silva causaram danos enormes ao aparelho de Estado. Os estragos impostos à Petrobrás são hoje muito claros. Foram revelados de forma inequívoca pela nova presidente da empresa, Graça Foster. Apesar de seus esforços para amaciar as denúncias e evitar conflitos abertos com a administração anterior, ela disse o necessário para qualificar a experiência dos oito anos anteriores. Metas irrealistas, projetos mal concebidos, desperdício de recursos e preços distorcidos foram algumas das marcas desse período.
O mesmo estilo de administração inflou os quadros de todos os segmentos do setor público federal. Em dezembro de 2010, o pessoal próprio das estatais era formado por 497.020 funcionários, segundo o Ministério do Planejamento. Em 2002, antes do início da gestão petista, havia 369.658. Houve, portanto, aumento de 34,4% nesse período. A expansão foi praticamente a mesma no setor elétrico - 34,6%, de 22.190 para 27.311 registrados. Em Furnas, a variação foi de 3.453 funcionários em 2002 para 4.906 em 2010 - um crescimento de 42,1%, bem superior à média do setor. O quadro atual, segundo informação divulgada na segunda-feira pela empresa, é formado por cerca de 6,4 mil empregados. O objetivo é reduzi-lo a 4,2 mil. A mudança, é importante notar, deve ocorrer sem prejuízo para a empresa. Ao contrário: o objetivo é torná-la mais ágil e mais capaz de competir. A reforma, segundo o presidente da Eletrobrás, José da Costa Carvalho Neto, será estendida às demais empresas do grupo.
Ao anunciar a redução de encargos sobre as contas de eletricidade, na semana passada, a presidente Dilma Rousseff permitiu-se um autoelogio, estendido, naturalmente, a seu padrinho político e antecessor no Palácio do Planalto. A era dos apagões, segundo a presidente, havia ficado para trás, numa referência ao grande blecaute do governo tucano. Não precisaria, para valorizar a redução de encargos, apelar para uma escandalosa inverdade. A história conhecida de todos os brasileiros é bem diferente. O grande apagão da virada do século foi substituído por uma porção de apagões de menor duração e de enorme extensão territorial. Os exemplos são muitos, mas deve ser suficiente a recordação de alguns. Dezoito Estados ficaram sem energia elétrica em 10 de novembro de 2009, depois de uma pane em Itaipu. Em 10 de fevereiro de 2010, oito Estados nordestinos ficaram sem eletricidade. Nos dias 3 e 4 de fevereiro de 2011, o mesmo número de Estados enfrentou um apagão, no Nordeste, por uma falha no sistema Chesf. Seis dias depois, as vítimas foram 2,5 milhões de pessoas na área metropolitana de São Paulo. Em outras palavras: com muito mais funcionários na folha de pagamento, o sistema continuou funcionando muito mal, com graves falhas técnicas, fiscalização deficiente e baixa regulação.
Nesse, como em vários outros campos da administração federal, o aumento dos quadros foi amplamente desproporcional à evolução da qualidade dos serviços. A capacidade geradora de todo o sistema nacional de energia elétrica aumentou 36,3% entre 2002 e 2010, mas o País continuou sujeito a falhas graves no fornecimento. Nessa área, como na maior parte do governo, os valores da produtividade e da qualidade ficaram em plano inferior, porque os objetivos do grupo governante eram muito diferentes. Vale a pena lembrar uma observação feita por bons analistas logo no começo da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: ele havia chegado a Brasília com um projeto de poder, mas sem projeto de governo. Esse detalhe nunca foi alterado em oito anos de mandato.
A ocupação da máquina pelos amigos, partidários e aliados obedeceu estritamente ao projeto de poder, assim como a centralização do comando da Petrobrás no Palácio do Planalto. A desastrada aliança com o governo venezuelano para a construção da Refinaria Abreu e Lima foi uma das consequências da subordinação das metas gerenciais aos objetivos políticos. O loteamento das empresas do setor elétrico seguiu o mesmo padrão, assim como a desmoralização das agências reguladoras. A presidente Dilma Rousseff nunca deveria esquecer esses fatos. Pode tentar disfarçá-los, em sua retórica, mas só conseguirá governar e deixar uma herança melhor que a recebida se mudar de rumo. O reconhecimento da ineficiência de Furnas e de outras empresas do setor elétrico é um avanço, talvez penoso, nessa direção.
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Desatando a economia

Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo, 12 de setembro de 2012
A presidente Dilma Rousseff deixará um bom legado se conseguir desatar a economia brasileira e liberar seu potencial de crescimento, por enquanto limitado a uns 4% ao ano. É um limite muito estreito para um país com um passivo social tão grande e exposto a uma competição internacional cada vez mais dura. Não se irá muito longe investindo cerca de 19% do Produto Interno Bruto (PIB), como nos últimos quatro anos, e ainda será preciso um bom esforço para alcançar os 24% indicados como meta oficial para o médio prazo. Não se trata só de justificar, por prestígio, a manutenção da letra B na sigla Bric. Longe de ser um luxo, a expansão econômica acelerada é uma necessidade para os países desse grupo. O Brasil tem andado fora do ritmo. Agora, o novo plano de logística, a desoneração da folha de salários e a redução da conta de energia elétrica podem ser o início de uma nova política, menos populista, menos retórica e mais voltada que a do governo anterior para o aumento da eficiência geral da economia. Essa nova orientação é por enquanto uma promessa. Mas a ação da presidente pelo menos indica o reconhecimento de problemas importantes e nunca enfrentados nos últimos dez anos.
O próprio governo é um desses problemas. A presidente o reconhece, implicitamente, ao atribuir maior importância ao setor privado para a expansão e a modernização da infraestrutura de transportes. Seu discurso é marcado pelas bravatas de sempre, quando ela critica a ação das concessionárias, cobra maior respeito aos consumidores e anuncia mais controle sobre as prestadoras de serviços ("vamos acabar com monopólios do passado e serviços distorcidos", prometeu). Mas ela sabe, sem admiti-lo, do péssimo desempenho do setor público na elaboração e na execução de projetos. Isso vale para a administração direta e para a indireta.
Em março, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou para o atraso em quase todos os projetos de adaptação dos portos para a Copa de 2014. Na maior parte, as obras nem haviam começado e em vários casos havia sinais de graves irregularidades. No primeiro semestre, as sete Companhias Docas, empresas mistas, aplicaram apenas 7,5% do orçamento previsto para o ano. Um pacote para o setor portuário, ainda em elaboração, deve ser lançado em breve. A importância do problema ultrapassa amplamente os compromissos assumidos para a realização dos jogos. Os planos do governo incluem a participação do setor privado na administração tanto de portos quanto de aeroportos.
O Ministério dos Transportes, responsável por vários dos maiores projetos do governo federal, foi o ponto inicial da faxina realizada no ano passado pela presidente Dilma Rousseff. Depois da limpeza, seus desembolsos emperraram. Neste ano, até agosto, ficaram R$ 2,5 bilhões abaixo do total aplicado um ano antes, R$ 5,5 bilhões. Aparentemente, é muito mais complicado cuidar dos investimentos em rodovias e ferrovias quando o administrador tem de respeitar certas regras de bom comportamento. No mês passado, 236 ações previstas para este ano continuavam paralisadas no ministério, segundo levantamento divulgado pela organização Contas Abertas.
A administração federal nem sempre foi tão incompetente. Raramente foi flagrada em tantas irregularidades. Além disso, talvez nunca tenha sido tão amplamente loteada e aparelhada para atender a objetivos particulares - pessoais ou partidários - de governantes e de seus aliados. A crônica dos desmandos cometidos no Ministério dos Transportes, desde o governo passado, ainda é conhecida de forma incompleta. Novos detalhes apareceram recentemente em depoimentos prestados à CPI do Cachoeira. Talvez nem todas as novidades sejam total ou parcialmente verdadeiras, mas nenhuma delas destoa das histórias correntes sobre os costumes políticos de Brasília.
Aparelhamento, loteamento de governo e irregularidades no uso de recursos públicos prejudicam tanto a moralidade quanto a eficiência da administração pública. São também problemas econômicos, porque se refletem na produtividade geral do País e comprometem o poder de competição dos produtores nacionais. Quando a presidente lançou seu plano de logística, anunciando concessões e parcerias público-privadas, alguns analistas apontaram uma possível mudança ideológica. Poderiam ter apelado para uma explicação mais simples e provavelmente mais realista: a alternativa seria uma reforma muito mais ampla e politicamente muito mais difícil de toda a máquina federal. Uma faxina mais completa seria apenas parte desse trabalho. Ainda faltaria recriar e difundir os valores de competência e de eficiência existentes, em outros tempos, pelo menos em setores da administração. Mas também para uma associação com o setor privado o governo precisará ser mais competente.
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Entre a crise e a ineficiência

Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo, 05 de setembro de 2012
Mais uma vez o governo atribuiu aos fados, isto é, à crise internacional, o mau desempenho do Brasil no comércio exterior. No mês passado o País faturou com a exportação apenas US$ 22,4 bilhões, valor 14,4% menor que o de um ano antes. Em oito meses, a receita comercial ficou 4,8% abaixo da obtida entre janeiro e agosto do ano passado. Nesse período, o gasto com a importação recuou apenas 0,7%, pela média dos dias úteis. Ou seja, a crise externa afetou mais as vendas do que as compras do Brasil. Os deuses devem estar prejudicando mais o Brasil do que os concorrentes. O efeito da retração global é inegável, até pelo menor dinamismo da China, mas essa explicação conta apenas uma parte da história. Outra parte, provavelmente muito mais importante, aparece num documento divulgado um dia depois da balança comercial brasileira. Embora tenha avançado cinco posições, o Brasil ficou em 48.º lugar, entre 144 países, no Índice de Competitividade Global 2012-2013 do Fórum Econômico Mundial. Os principais entraves estão relacionados a instituições, ao seu funcionamento e a outros fatores vinculados à ação do governo, como a infraestrutura e a instrução. Fica mais difícil culpar os deuses, quando se examina o dia a dia de quem precisa de 13 procedimentos e 119 dias para iniciar a exploração de um negócio ou recebe a educação primária brasileira, classificada em 126.º lugar pelo critério de qualidade.
A maior parte da América Latina continua mal colocada na lista do Fórum Econômico Mundial. O Chile, na 33.ª posição, e o Panamá, na 40.ª, aparecem à frente do Brasil. A Argentina passou do 86.º para o 94.º lugar, principalmente por causa da piora das condições macroeconômicas (inflação alta e contas públicas em mau estado), das condições institucionais e do mau funcionamento dos mercados de bens e de mão de obra - óbvias consequências da contínua tentativa do governo de controlar preços, falsificar índices e intervir nos negócios. Nenhuma surpresa, portanto. A degradação do Mercosul reflete a devastação causada pelo governo na capacidade da indústria argentina de produzir e de competir. Poderia ser surpreendente a inclinação do governo brasileiro para imitar o vizinho, apelando para a centralização e para o protecionismo, mas nem isso parece estranho, depois de um ano e meio de mandato da presidente Dilma Rousseff.
Os autores do relatório atribuem o avanço do Brasil para o 48.º lugar a uma "relativa melhora nas condições macroeconômicas" e ao maior uso da tecnologia de informação e de comunicação (54.º posto). O País continua beneficiado, na avaliação dos pesquisadores, pela "sofisticação da comunidade empresarial" (33.ª posição) e pelo tamanho do mercado interno (7.º posto). Mas a capacidade brasileira de competir continua emperrada por fatores citados em várias edições do estudo.
Os pesquisadores destacam no texto a escassa confiança nos políticos (121.º lugar), a baixa eficiência do governo (111.º), o desperdício no gasto público (135.º), a má infraestrutura de transporte (79.º) e a lamentável qualidade da educação (116.º), além das dificuldades para abrir um negócio e das distorções causadas pela tributação (144.º).
Os fatores positivos e negativos são apresentados em duas páginas de tabelas detalhadas e gráficos. A análise e a classificação refletem dados estatísticos (números da produção e do mercado, carga tributária e contas fiscais, por exemplo) e avaliações coletadas entre executivos e especialistas. A relação dos "fatores mais problemáticos" para os negócios é ordenada de acordo com as preocupações indicadas pelos entrevistados. Nos cinco primeiros lugares aparecem os regulamentos tributários, a oferta inadequada de infraestrutura, as alíquotas dos impostos, a burocracia governamental e as normas trabalhistas, apontadas como restritivas. O acesso ao financiamento é citado em 8.º lugar, logo depois da corrupção (7.º) e da educação ruim da força de trabalho (6.º).
Antes da crise de 2008 os exportadores brasileiros já perdiam espaço no mercado internacional. Os entraves tornaram-se mais importantes nos anos seguintes, mas o governo preferiu atribuir as dificuldades ao desajuste cambial causado pela expansão monetária no mundo rico. O câmbio tem sido, em 2012, muito mais favorável que nos anos anteriores, mas a produção industrial diminuiu, apesar do crescimento do consumo.
A inundação de dólares foi interrompida, mas a de produtos estrangeiros continua. A exportação do agronegócio, no entanto, cresceu neste ano e produziu até julho um superávit de US$ 44,5 bilhões, apesar da crise global e dos entraves internos. Há, no setor, um excedente de competitividade - por enquanto. Alguma autoridade poderá, num momento de iluminação, inventar mais algum imposto sobre a exportação de alimentos e matérias-primas. Alguns economistas geniais já têm defendido essa ideia devastadora.

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