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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Cronicas do racismo ordinario: no STF, no dia da posse de um presidente negro


FSP, 12/10/2012 - 09h58

Leia carta de diplomatas negros barrados no STF


Os diplomatas Carlos Frederico Bastos da Silva, 45, e Fabrício Prado, 31, ambos negros,foram barrados pela segurança do STF (Supremo Tribunal Federal) no dia em que o ministro Joaquim Barbosa foi eleito presidente da corte. Só conseguiram entrar autorizados por um superior.
Desconfiados de racismo, os diplomatas pediram explicações ao secretário de segurança institucional do STF, José Fernando Martinez. Leia, na íntegra, a carta dos diplomatas.

LEIA A CARTA DOS DIPLOMATAS
Brasília, 11 de outubro de 2012

Nós, Carlos Frederico Bastos Peres da Silva e Fabrício Araújo Prado, viemos registrar nossa indignação com o tratamento que recebemos da equipe de segurança do Supremo Tribunal Federal.
O Senhor Carlos Frederico dirigiu-se, por volta das 14 horas do dia 10 de outubro, ao Supremo Tribunal Federal, a fim de assistir à eleição dos novos Presidente e Vice-Presidente da Egrégia Corte. Ao chegar ao Tribunal, passou pelo detector de metais, sem que houvesse nenhuma anormalidade, e seguiu em direção à mesa de identificação e registro do público, a qual dá acesso ao salão plenário. Ao entregar sua identidade funcional de diplomata, foi informado, pela atendente, de que havia um problema no sistema eletrônico de identificação. Ato contínuo, um segurança aproximou-se e reiterou que o sistema de registro havia sofrido pane, razão pela qual não seria possível autorizar a entrada do Senhor Carlos Frederico à plenária.
Causou estranheza que ele tenha sido o único visitante a ser afetado pela pane, uma vez que diversas outras pessoas, brasileiras e estrangeiras, entraram no salão sem empecilho algum.
Diante da demora em ver o problema resolvido, o Senhor Carlos Frederico reiterou a pergunta ao segurança sobre o que estava acontecendo. O segurança repetiu o argumento da pane do sistema e conduziu o Senhor Carlos Frederico até a saída do STF, pedindo que ele aguardasse lá enquanto o problema estava sendo resolvido.
Por volta das 14:10 horas, o Senhor Fabrício Prado chegou ao STF para encontrar-se com o Senhor Carlos Frederico (ambos diplomatas e colegas de trabalho). Ao ver seu colega do lado de fora, o Senhor Fabrício Prado perguntou a um segurança que se encontrava na entrada se haveria algum problema. O mesmo segurança esclareceu que a situação já estaria sendo resolvida e que o Senhor Fabrício Prado poderia passar pelo detector de metais e proceder à identificação. Assim o fez. Ao chegar à mesa de identificação, foi comunicado pela atendente que, também no seu caso, havia um problema no sistema. Logo depois, o Senhor Carlos Frederico foi novamente conduzido por outro segurança (não o senhor Juraci) à mesa de registro e lá se juntou ao Senhor Fabrício, enquanto aguardavam pela solução da "pane". Passado algum tempo, durante o qual outras pessoas se identificaram e entraram no salão plenário, o segurança Juraci fez ligação telefônica e informou que a entrada havia sido autorizada. Questionado sobre a razão do problema, mencionou "razões internas de segurança".
Já dentro da plenária, tivemos a oportunidade de conversar com o chefe da segurança, salvo engano, chamado Cadra. Ele explicou que as restrições à entrada remontavam à nossa primeira visita ao salão plenário ao Supremo Tribunal Federal, no dia 3 de outubro. Não entrou em maiores detalhes, mas disse que teríamos demonstrado comportamento suspeito naquela ocasião. No dia 3 de outubro, chegamos juntos ao STF, de ônibus, e passamos por três controles de segurança do STF, a saber: o externo, localizado na Praça dos Três Poderes (a cerca de 10 a 20 metros de distância do ponto de ônibus); o de metais, na entrada do Palácio do STF; e o interno, na mesa de identificação e registro do público geral. Assistimos a parte da sessão de julgamento da Ação Penal 470 e saímos separados.
Ao final da eleição do dia 10 de outubro, deixamos o STF e retornamos ao Ministério das Relações Exteriores. Inconformados com o tratamento constrangedor e sem entender o fundamento da alegação de "comportamento suspeito", retornamos ao STF, por volta das 16:45 horas, em busca de esclarecimentos. Fomos, então, recebidos pelo Secretário de Segurança Institucional do STF, o senhor José Fernando Nunez Martinez, em seu gabinete. Este último esclareceu que estava ciente de nosso caso desde a primeira visita ao STF, no dia 3 de outubro, ocasião na qual teríamos sido classificados como "dupla de comportamento suspeito".
No dia 3 de outubro, a "suspeição" teria sido registrada em nossos cadastros pessoais do sistema de segurança da Corte, disse o Senhor Martinez. Esclareceu que, ao retirar o Senhor Carlos Frederico das dependências do STF, o Senhor Juraci teria desobedecido a suas ordem diretas, as quais determinariam que ninguém poderia ser retirado daquelas dependências sem aval da chefia de segurança. O Senhor Martinez afirmou, ainda, que o assunto deveria ter sido conduzido de outra maneira. Disse, literalmente, que a equipe de segurança teria visto "fantasmas", os quais teriam crescido ao longo do tempo e provocado o incidente do dia 10 de outubro.
Não satisfeitos com a explicação oferecida pelo Secretário de Segurança, perguntamos qual teria sido o "comportamento suspeito" de nossa parte. Após ressalvar que esse é um julgamento subjetivo dos agentes de segurança e que não teria sido ele próprio a formar esse juízo, enumerou os supostos motivos que lhe foram relatados pela equipe de segurança:
1- Que nós teríamos aparência "muito jovem" para ser diplomatas. Registre-se, aqui, que o Senhor Carlos Frederico tem 45 anos e que o senhor Fabrício Prado tem 31 anos de idade, como atestam as carteiras de identidade emitidas pelo Ministério das Relações Exteriores, apresentadas à mesa de identificação já no dia 3 de outubro
2- Que os seguranças suspeitaram da veracidade dos documentos de identidade apresentados
3- Que, na saída da sessão do dia 3 de outubro, as suspeitas teriam sido reforçadas por termos, supostamente, saído "juntos" do STF, "com o passo acelerado", comportamento interpretado como tentativa de despistar os seguranças que nos seguiam.
Cumpre esclarecer que, no dia 3 de outubro, deixamos o STF em momentos distintos, o que não condiz com o relato que, segundo o Secretário de Segurança, lhe teria sido feito por sua equipe. Além disso, nunca nos demos conta de que estávamos sendo seguidos nem apressamos passo algum. Todas estas revelações nos causaram desconforto ainda maior com relação aos incidentes.
Perguntado se o incidente teria relação com o fato de sermos afrodescendentes, negou veementemente que o comportamento da equipe de segurança tivesse tais motivações. Também pediu desculpas em nome de sua equipe pela sucessão de incidentes.
Diante da gravidade dos fatos relatados, manifestamos nossa indignação com os injustificados constrangimentos aos quais fomos submetidos, a saber: registro no cadastro de entrada como "suspeitos"; remoção temporária do Senhor Carlos Frederico das dependências do STF; obstruções a nossa entrada na plenária; e perseguição por seguranças após nossa saída do STF.
Sentimos-nos discriminados pelo tratamento recebido --e no caso do Senhor Carlos Frederico, profundamente humilhado por ter sido retirado do STF no dia 10 de outubro.
Dada a natureza "kafkiana" dos incidentes, as explicações insuficientes e desprovidas de qualquer lógica razoável prestadas pela Secretaria de Segurança Institucional não nos satisfazem, razão pela qual não nos furtaremos a adotar as medidas cabíveis para fazer valer nossos direitos.
Não poderíamos deixar de expressar nossa tristeza com o fato de termos sido submetidos a tal constrangimento na data da eleição do primeiro negro a assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, pelo qual temos profundo respeito e admiração.
_Atenciosamente,_
Carlos Frederico Peres Bastos da Silva
Fabrício Araújo Prado

2 comentários:

Anônimo disse...

Certamente trata-se de um caso de natureza não "kafkiana", mas, ousariamos afirmar "machadiana"!

Não fica claro no relato se os senhores da segurança eram também negros (pardos...whatsoever...!); pouco importa; o que fica claro é que eles sofreram o constrangimento não pela condição de ser negros, mas, negros diplomatas!

Nos ocorre que o único negro no Brasil que não passaria por tal constrangimento seria o Pelé. Caso o Ministro Barbosa tivesse que entrar pelo mesmo acesso não tomaria posse!

No Brasil, ainda hoje, como diria o Conselheiro Aires:"Se muda de roupa sem trocar de pele."

Mais que uma "pele nova", precisamos de um "pilling mental"!

Vale!

Anônimo disse...

Eu sinceramente acho o que aconteceu um absurdo crasso! Se o relatado foi nesta exata sequência de fatos, não há dúvida alguma de que deve ser proposta ação cabível, baseado na RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA do Estado.
O caso não é de discriminação racial, ao meu ver. Mas sim, de concepções errôneas que acontecem diariamente, inclusive, nas entradas do banco, por exemplo (as ditas portas giratórias).
Não vejo discriminação racial e nem muito menos injúria qualificada. Mas, vislumbro uma ação de indenização por danos morais pela falta de critério objetivo ao incluírem duas pesosas (independente de serem diplomatas ou não) em uma lista de "condutas suspeitas". Há de se alertar que não estamos em período ditatorial onde as pessoas diferentes devem ser "pechadas" com os ditos comportamento subjetivo suspeito. Isto é uma afronta aos princípios basilares da ordem constitucional brasileira. Não vejo como racismo e deixo esclarecido que nem todo ato discriminatório é a materialização do racismo ou da discriminação racial que são conceitos diferentes juridicamente.
Contudo, em minha opinião, os diplomatas envolvidos devem sim, propor ação cível, quiçá, criminal e administrativa cabíveis, no caso em voga, para coibir este tipo de prática em quaisquer órgãos da Administração Pública direta ou indireta em todas os níveis, seja municipal, estadual ou federal. Cabe, peculiarmente, processo administrativo disciplinar (PAD) para apuração e aplicação de pena funcional. Eu começaria imediatamente por este último. Além disso, cabe lembrar que as ações podem ser propostas, simultaneamente (civel, administrativa e criminal)

Ass: OCG