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domingo, 28 de julho de 2013

Um debate sobre os protestos e o contexto politico-economico no Brasil- Mansueto Almeida e Paulo R. Almeida

Um debate indireto entre dois Almeidas, que não são parentes, mas partilham das mesmas preocupações quanto ao futuro do Brasil, existe um, otimista quero dizer...
Meu comentário está no final.
Paulo Roberto de Almeida

Protestos e melhoria de políticas públicas: “o buraco é mais embaixo”?

O sociólogo Alberto Carlos Almeida, colunista do Valor Econômico, escreveu um interessante e polêmico artigo na última sexta-feira no jornal Valor (clique aqui para ler).
O artigo tem o mérito de lembrar que: (i) o Brasil desde sua redemocratização vem mudando para melhor; (ii) reformas são lentas e parte da nossa raiva “contra tudo que está ai” são escolhas da sociedade. Como destaca em um trecho do seu artigo: “….as instituições que existem são assim justamente porque têm acumulado em seu interior um saber prático, muitas vezes secular. Abolir esse edifício de um momento para outro pode resultar mais em prejuízos do que em benefícios.”, e (iii)a resposta política imediata às demandas das ruas pode resultar em uma herança fiscal maldita.
O que não gostei do artigo e até me surpreendeu foi a posição elitista que o sociólogo tem das manifestações e a sensação que ele transmite de que os jovens estão sendo injustos em não reconhecer as melhorias institucionais pelas quais passou a  democracia brasileira. E ainda acusa parte da “elite” de fomentar a demanda (irresponsável?) das ruas. Destaco dois trechos do artigo:
“Em qualquer onda de protestos, a turba que vai às ruas é absolutamente desinformada das minúcias e tecnicalidades que envolvem as decisões políticas. No caso do Brasil, as ruas têm sido ocupadas por jovens que têm pouca ou nenhuma experiência de vida, sequer são capazes de se sustentar economicamente. São pessoas completamente ignorantes de como se toca uma empresa, um negócio ou a administração pública. Ainda assim, têm o direito – isso é a democracia – de exigir mudanças imediatas da situação atual. Todavia, uma coisa é ter o direito de se manifestar; outra é se sentir no direito de ter suas reivindicações atendidas com rapidez. Temos um ditado que expressa bem a cautela que devemos ter quando se trata de mudanças: calma, que o buraco é mais embaixo.”
E mais à frente a visão elitista de que quem protesta não conhece a realidade aparece novamente na frase:
“As mudanças que nossos manifestantes pleiteiam já vêm ocorrendo há décadas. Eles não sabem disso. Falta-lhes qualquer tipo de sofisticação intelectual para compreender e ver que não se muda um país da noite para o dia e que coisas como o combate à corrupção e melhoria dos serviços públicos levam décadas.”
É nessa interpretação um pouco arrogante, que não acredito que tenha sido intencional (nós estudiosos entendemos a realidade das mudanças complexas, vocês jovens não entendem o mundo), que o sociólogo escorrega. Os jovens de fato não conhecem as tecnicalidades envolvidas no processo de escolhas de políticas públicas mas têm a sensação que “algo está errado” .
E aqui entro em outro artigo do valor do meu colega Marcus Melo, professor da Univ. Federal de Pernambuco (clique aqui). Marcus consegue com maior sucesso explicar que Brasil e Chile padecem de um bem e um mal comum: são economias com o melhor desempenho institucional na América Latina, mas em ambas os serviços públicos têm a pior avaliação. Ao invés de apelar para o argumento que “os jovens não conhecem as tecnicalidades de políticas públicas” Marcus reconhece a demanda legitima dos jovens nas ruas e mostra que parte da frustração com a qualidade dos serviços públicos é legítima e o culpado é o governo (às vezes o federal e, outros casos, o estadual e municipal). Como coloca Marcus Melo:
“…Mas, como explicar o dinamismo de várias economias na região – vide Colômbia, Peru e México – que supostamente seriam afetadas pelo mesmo ambiente externo desfavorável? As razões da desordem devem ser buscadas nas próprias políticas de governo e no modo de gerenciamento de sua coalizão. Como explicar o declínio relativo da parcela federal no financiamento da atenção à saúde na última década, senão por decisões de política pública? Como explicar o escárnio oficial quanto às reformas institucionais e microeconômicas, preteridas em nome de uma licença para gastar? Ou o ataque contra o Ministério Público? Etc…”
Tudo isso não será solucionado por uma reforma política e, nesse caso, o governo federal foi irresponsável ao extremo ao propor uma agenda que ele sabe que é um engodo para dar respostas às demandas das ruas.
Assim, mais irresponsável que “o comportamento de parte da elite” que fomenta a raiva das ruas contra o governo é a tentativa equivocada da elite governamental de surfar nos protestos legítimos das ruas para aprovar uma agenda própria não relacionada as demandas das ruas.

2 Respostas

  1. em 27/07/2013 às 1:27 PM | Resposta
    Rodrigo Medeiros
    Mansueto,
    Troquei algumas poucas linhas no Face com o Alberto ontem mesmo e disse que ele foi muito conservador no artigo. “Revolução” pode ter muitos significados… Renovação e mudança, por exemplo. Não dá para se afirmar que algo teria acontecido independente de uma revolução. Penso que esse é um argumento contrafactual e, portanto, inválido no artigo dele.
    Enfim, Alberto é um sociólogo sério, competente e buscou mostrar que ocorreram avanços nos últimos anos no Brasil. O problema é que o fator tempo costuma ser complicado para muitas ciências e a impaciência social é elevadíssima.
    Recomendo esse artigo:
    Abraço,

  2. O papel dos representantes do povo é o de justamente traduzir o “sentimento de que há algo malfeito” em ações públicas, passando SEU domínio dos tecnicismos e legalismos.
    Não entender isso é parecer que passou os últimos 12 anos fora e chegou para uma visita rápida ao País, passando pelo novo Maracanã (com direito ao Teleférico do Alemão, de longe) e voltando ao aeroporto.
    Não quero crer que essa tenha sido a motivação do sociólogo.


  3. Seu comentário está aguardando moderação.

    Independente dos reforços institucionais e da consolidação da democracia, o que ninguém nega, o fato é que o Brasil, por força da maioria predominante na Constituinte — social-democrática e distributivista — também consolidou uma mentalidade economicamente perversa, antiprodutivista e dilapidadora das possibilidades de acumulação, segundo a qual seria possível melhorar a vida de todos mediante medidas políticas determinadas legislativamente e a despeito de qualquer avaliação técnica quanto aos custos reais, mediatos e imediatos dessas medidas adotadas numa euforia geral e inconsciente. Parece também evidente que os agentes públicos dessas mudanças, por estarem no centro dessas medidas superestruturais — legisladores, burocratas e funcionários públicos de maneira geral, o que compreende TODO o judiciário e não apenas a sua cúpula — conseguem se apropriar de uma parte crescentemente importante das riquezas sociais regularmente aumentadas em favor do Estado, por meio de uma máquina de extração particularmente eficaz. Os politicos que estão no cimo desse sistema constituem em seu favor uma fração importante de clientela eleitoral — os assistidos por uma parte da riqueza apropriada pelo Estado — o que lhes garante condições ideais de continuidade e de preservação desse sistema, que a longo prazo é suicidário para o conjunto da sociedade.

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