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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Asilo, pero no mucho (esto "depiende" companero...) - Mario Machado

Um impecável artigo do meu amigo e colega blogueiro Mario Machado, sobre a mais recente das tresloucadas aventuras do Itamaraty, de qualquer ângulo que se olhe...
Acredito que muita coisa ainda há para esclarecer, mas os esclarecimentos aqui prestados pelo Mario nos deixam mais esclarecidos sobre o assunto, se ouso ser redundante.
Isso para dizer que gostaria de ter sido tão didático quanto ele, impecável, repito.
Meus cumprimentos...
Paulo Roberto de Almeida




Mario Machado
Coisas Internacionais: 29 Aug 2013 10:58 AM PDT

Eduardo Sabóia diplomata de carreira e encarregado de negócios na Bolívia decidiu trazer – com enorme risco para sua carreira e até risco pessoal – para o território nacional o senador boliviano Roger Pinto que estava asilado a 455 na Embaixada Brasileira em La Paz. Antes de analisar o caso acho que é interessante tecer algumas palavras sobre o Asilo Diplomático. 
Brevíssimas considerações sobre o asilo diplomático
A figura do asilo territorial e do asilo diplomático não possuem um quadro geral de referência no Direito Internacional, ou seja, não são institutos codificados em um tratado multilateral que torne as condutas previsíveis. E mesmo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas não possui sequer menção ao tema. Que de certo deve ser um dos que o consenso é muito complicado de atingir.
Muito embora a prática do asilo seja antiguíssima havendo registros dessa prática por toda parte, embora na antiguidade fosse mais comum que se desse asilo a criminosos comuns e não a criminosos políticos, afinal quem arriscaria uma guerra com Roma, ao proteger um inimigo desse império?
Com o tempo a necessidade de combate aos crimes transnacionais e para incentivar a cooperação entre as diversas jurisdições passou-se a considerar que o asilo era devido àqueles que sofrem perseguição judicial por crimes políticos e de opinião. E passou a ser comum a extradição – sempre que instrumentos bi-laterais assim regulem – de criminosos comuns.
O marco multilateral mais importante que versa sobre o asilo é o artigo 14, da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz:
“1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.   
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.”
Fonte: Ministério da Justiça, disponível aqui.
A história de instabilidade e perseguição política na América Latina impulsionou a constituição de um sistema interamericano de regulação multilateral da questão do asilo com dois importantes tratados a Convenção sobre Asilo Diplomático e a Convenção sobre Asilo Territorial.
Destaco alguns artigos da Convenção sobre Asilo Diplomático:
Artigo XII
Concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente, salvo caso de força maior, as garantias necessárias a que se refere o Artigo V e o correspondente salvo-conduto.
Artigo XVII
Efetuada a saída do asilado, o Estado asilante não é obrigado a conceder-lhe permanência no seu território; mas não o poderá mandar de volta ao seu país de origem, salvo por vontade expressa do asilado.
O fato de o Estado territorial comunicar à autoridade asilante a intenção de solicitar a extradição posterior do asilado não prejudicará a aplicação de qualquer dispositivo desta Convenção. Nesse caso, o asilado permanecerá residindo no território do Estado asilante até que se receba o pedido formal de extradição, segundo as normas jurídicas que regem essa instituição no Estado asilante. A vigilância sobre o asilado não poderá exceder de trinta dias.
As despesas desse transporte e as da permanência preventiva cabem ao Estado do suplicante.
Comentário sobre o caso atual
Essa viagem pelos tratados se justifica para demonstrar que não era em nenhum momento preciso que se mantivesse o senador em nossas dependências diplomáticas por 455 dias, em uma situação de enorme desconforto e alienação familiar. Essa situação em que se encontrava o senador justifica muito bem a frase de Sabóia: “Não tenho vocação pra carcereiro”.
A operação clandestina que trouxe o senador para o Brasil com todo seu caráter cinematográfico (aqui um relato com detalhes da operação) desencadeou uma crise nos corredores do poder, no Planalto Central, afinal, a própria presidente só soube da operação depois que o senador estava em território brasileiro. Esse fato mostra, por um lado que não houve o devido respeito a hierarquia do MRE, por outro lado demonstra que o encarregado de negócios possuía fortes motivos pra acreditar que o governo não conseguiria obter o Salvo Conduto para a saída do senador boliviano e que o governo federal preferia enfrentar o desgaste de ver a questão do asilo ser apreciada publicamente pelo Supremo Tribunal Federal a tentar uma operação clandestina de retirada do senador.
Os áulicos do governo começam a levantar várias teses e se esforçam em tentar desclassificar a ação e aproveitam para desancar a diplomacia profissional que apesar do assédio ideológico do topo pra baixo tem resistido e insistido em ser órgão de Estado.
Essa verdadeira humilhação burocrática a velha Casa do Barão se manifesta na composição da Comissão de Inquérito que determinará o destino de Sabóia, que é composta por pessoas alheias a carreira diplomática. Procedimento incomum na esplanada.
A estratégia de focar na disciplina interna do Itamaraty e no direitismo do asilado tem obtido sucesso e dão a impressão que a presidente está ‘colocando ordem na casa’ ao demitir o enfraquecido Antonio Patriota. Essa linha de narrativa, também, tem conseguido evitar que se pergunte com veemência na imprensa por que eram negadas visitas ao senador e por que novamente o ministro da defesa nada sabia. Mas, no caso dele nem se aventa exoneração.
O Itamaraty agiu com uma coerência desafiadora para o governo e recebeu o senador na embaixada como havia feito em Tegucigalpa (embora no caso hondurenho o asilado estivesse acompanhado por ampla comitiva e usasse a embaixada como escritório político e não pretendia sair do país), só que desta vez interesses palacianos foram contrariados.
O fato é que Sabóia se arriscou muito e foi jogado aos leões. Sua carreira será duramente prejudicada e ele sabia disso o que demonstra quão forte foram suas motivações. Admitamos é muito fácil se indignar e cobrar soluções para graves violações de Direitos Humanos usando a internet, ou com cartazes numa avenida, difícil e por que não mais nobre é dizer: “Sua vida corre perigo, mas eu também vou correr porque vou lhe acompanhar”.
Muitos defendem a obediência cega a cadeia hierárquica e concordo que é preciso ordem e controle interno, mas quanta desgraça homens e mulheres que apenas seguiam ordens já causaram no mundo?
Um asilado bastará para afetar as relações entre Brasil e Bolívia? Um asilado fará mais que o descaso com o tráfico de drogas na fronteira? Um asilado fará mais estrago que a revista do avião do ministro da defesa? Um asilado fará mais estrago que a tomada com forte aparato militar dos bens da estatal Petrobras? Ser de direita justifica sofrer perseguição política e ser detido? Vivemos em tempos de um condor de plumagem vermelha?

Um comentário:

Anônimo disse...

Se Hanna Arendt estivesse viva, e pudesse testemunhar ao julgamento do Ministro, certamente resultaria em livro:"Saboia em Brasília:Informe sobre a Banalidade do Bem"!

http://direitosfundamentais.net/2010/11/17/a-desobediencia-como-virtude/

Vale!