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quinta-feira, 20 de março de 2014

1964, politica e economia - Marcelo de Paiva Abreu


1964 - política e economia
Marcelo de Paiva Abreu *
O Estado de S.Paulo, 19/03/2014

Com o cinquentenário do golpe militar de abril de 1964, multiplicam-se as reminiscências e análises na mídia. Algumas têm interesse marginal e mesmo o depoimento de protagonistas tende à trivialidade. Em casos extremos, as manifestações parecem inspiradas no doutor Pangloss ou mesmo no barão de Münchhausen. Banzo do janguismo e ranço golpista contribuem para deformar memórias. O balanço de lembranças e análises mostra que, coletivamente, estamos ainda em busca de reflexão equilibrada e minimamente consensual sobre a crise da Terceira República e o golpe que a enterrou.
No plano político, não há espaço para divergência quanto à ruptura da legalidade. Algumas análises, entretanto, exageram no otimismo quanto à evolução do processo de consolidação da democracia no País antes do golpe, com base na simples realização de eleições entre 1945 e 1962, de acordo com o calendário eleitoral. De fato, o golpe de 1964 culminou uma sequência de tentativas frustradas de virar a mesa. Em meados de 1954, na esteira do atentado da Rua Tonelero, culminando no suicídio de Vargas. Em novembro de 1955, com a tentativa de bloquear a posse de Juscelino Kubitschek, vitorioso por pequena margem na eleição de outubro. Em agosto-setembro de 1961, com o veto militar à posse do vice-presidente da República, João Goulart. O desenlace dos três episódios golpistas envolveu "soluções" pouco convencionais: suicídio de Vargas em 1954, "contragolpe legalista" em 1955 e reforma constitucional que levou ao parlamentarismo em 1961. É difícil de detectar na história política da Terceira República tendência inequívoca de consolidação da democracia no Brasil.
Tentativas de embelezar a biografia do presidente Goulart também não facilitam uma avaliação razoável do que ocorreu no início dos anos 60. Jango foi político hábil, como mostram suas vitórias eleitorais, mas teve desempenho fraco entre 1961 e 1964, mesmo quando se levam em conta os limites de seu raio de manobra até o final de 1962. De olho na provável vitória do presidencialismo em futuro plebiscito, criou condições para que fosse preparado o Plano Trienal, bastante ortodoxo, cuja implementação supostamente permitiria conter a aceleração inflacionária e reverter a queda do ritmo de crescimento da economia. Mas, após pouco mais de um trimestre, no início de 1963, Jango capitulou e apoiou a "esquerda negativa", em oposição a San Tiago Dantas e Celso Furtado, seus ministros da área econômica. Prevaleceu a ênfase tradicional em modelo econômico autárquico com forte intervenção estatal, sem privilegiar a estabilidade macroeconômica. A economia parou de crescer, a inflação se acelerou, a crise política se aprofundou, o golpe prosperou. Mesmo um líder político de maior envergadura teria dificuldade de sobreviver à conjunção de tais fatores.
É verdade que o programa econômico Campos-Bulhões, adotado pelo primeiro governo militar, guardava semelhança com o que se propunha no Plano Trienal. A diferença é que o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), mal ou bem, foi implementado e estabilizou a economia. Foi um Plano Trienal que vingou. Mas há alguma ironia no fato de que, após o triênio inicial de "imaginação reformista", o modelo econômico do regime militar tenha revertido à fórmula de autarquia e mais Estado, com o problema da inflação sendo temporariamente mitigado pela generalização da correção monetária. Após a débâcle dos 1980, só na década seguinte foi possível a busca de estratégia alternativa com ênfase em estabilidade macroeconômica, privatização e abertura da economia.

É irônico que, depois de meio século, um dos aspectos preocupantes do atual quadro econômico seja o vigoroso retorno da ênfase na autarquia e na intervenção estatal, acompanhada de leniência quanto aos desajustes macroeconômicos. Injustificada volta a fórmulas do passado cujo esgotamento é evidente à luz da história.

*Marcelo de Paiva Abreu é doutor em economia pela Universidade de Cambridge e professor titular no departamento de Economia da PUC-RIO

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