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domingo, 9 de março de 2014

Heranca maldita dos companheiros em construcao: setor eletrico destruido

A conta deve aumentar muito: não só os valores nominais pagos pelos desequilíbrios financeiros, mas o imenso custo-oportunidade dificil de ser estimado a ser pago pelo que ainda precisa ser refeito para corrigir os imensos equívocos cometidos.
Paulo Roberto de Almeida 

Energia

Perdas no setor elétrico somam R$ 32 bilhões em um ano

Na avaliação de especialistas, a origem do problema deve-se à intempestividade do governo na renovação das concessões de geração e transmissão, que venceriam em 2015

Veja,com, 9/03/2014
Setor sofre com a combinação de chuvas escassas, nível baixo de reservatórios, preços elevados e decisões controversas do governo
Setor sofre com a combinação de chuvas escassas, nível baixo de reservatórios, preços elevados e decisões controversas do governo (Reinaldo Canato)
A combinação entre chuvas escassas, nível baixo de reservatórios, preços elevados e decisões controversas do governo conseguiu estragar a festa dos dez anos do modelo elétrico. Em pouco mais de um ano, o setor saiu de um quadro de estabilidade para desequilíbrio. Entre indenizações pela renovação das concessões e prejuízos com a falta de chuvas, a conta do setor já soma 32,4 bilhões de reais. Pior: se for considerada a perda de valor das companhias na Bolsa de Valores a conta já supera 60 bilhões de reais e pode aumentar ainda mais, dependendo da quantidade de chuvas nas próximas semanas. Em algum momento, essa crise poderá pesar no bolso do consumidor.
Na avaliação de especialistas, a origem do problema deve-se à intempestividade do governo na renovação das concessões de geração e transmissão, que venceriam em 2015. Crente de que todas as empresas aceitariam a proposta, a presidente Dilma prometeu, em rede nacional, que a conta de luz cairia 20% a partir de 2012. A equação era baseada no fato de que os contratos, que respondiam por 22% da geração do país, seriam renovados a preços módicos.
"Como algumas empresas (Cesp, Cemig e Copel) não aceitaram, as distribuidoras ficaram sem contrato de fornecimento de energia para honrar 100% de seu mercado", explicou o professor do Grupo de Estudos do Setor de Energia Elétrica da UFRJ, Nivalde Castro. Uma das bases do modelo começou a cair, já que a regra de que as distribuidoras teriam de estar 100% contratadas, com fornecimento garantido, foi quebrada.
Para piorar a situação, a falta de chuvas deteriorou o nível dos reservatórios das hidrelétricas, elevou o preço no mercado à vista (a 822 reais o MWh) e obrigou o governo a pôr todas as térmicas caras - usadas apenas em emergências - em operação.
O uso das usinas, aliado à falta de contratos das distribuidoras, que tem obrigado as empresas a comprar energia ao custo atual, provocaram um rombo de 11,4 bilhões de reais, que pode chegar a 25,6 bilhões de reais até dezembro.
Na sexta-feira, o governo publicou decreto autorizando que a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) pague 1,2 bilhão de reais pela descontratação das distribuidoras, mas não mencionou se vai incluir na conta os gastos com as térmicas. Ou seja: não está descartado o repasse dos valores para os consumidores.
A conta para bancar os 20% de redução nas tarifas é salgada. Além do rombo das distribuidoras, o governo gastou 21 bilhões de reais para indenizar ativos não amortizados. O valor foi retirado de fundos setoriais formados com o dinheiro dos consumidores. O governo vai pagar ainda cerca de 10 bilhões de reais em indenizações por investimentos das transmissoras feitos antes de 2000.
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Desordem no setor elétrico: até as manutenções estão proibidas

Para manter as usinas funcionando em sua capacidade máxima, ONS veta manutenção de equipamentos e expõe o setor a riscos que vão além da falta de água

No início de janeiro, semanas antes do apagão que penalizou 13 estados brasileiros, a estatal Eletronorte fez um pedido corriqueiro ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS): precisava interromper a operação de três turbinas na Usina de Tucuruí, no Pará, para manutenção. A princípio, o órgão autorizou a interrupção. Mas, rapidamente, mudou de ideia. O órgão ainda exigiu, ainda, que a empresa aumentasse sua disponibilidade energética de 89% para 98%, ou seja, que operasse em sua capacidade máxima — nível que a estatal não conseguiu cumprir, ficando em apenas 93% em fevereiro. Temendo por suas turbinas, a Eletronorte enviou um ofício reiterando o pedido. O ONS respondeu com uma negativa, sem dar qualquer explicação — assim como se recusou a conversar com o site de VEJA. Essa se tornou a regra tácita para todo o sistema de geração de energia: haja o que houver, nenhuma térmica ou hidrelétrica pode entrar em manutenção enquanto os reservatórios do Sudeste, que exibem seus piores níveis históricos, não voltarem à normalidade. Embora a Eletronorte afirme que a falta de manutenção não causará dano aos seus equipamentos, técnicos rebatem dizendo que, no mínimo, a vida útil das turbinas será reduzida.

Ao manter o sistema funcionando em sua capacidade máxima, o Planalto quer afastar qualquer risco de racionamento num ano eleitoral. Mas o veto aos procedimentos de reparo que o bom senso prescreve é apenas o capítulo mais recente de uma série de decisões de cunho intervencionista que o governo vem adotando há cerca de um ano e meio, sem atentar para a lógica de funcionamento quer técnico, quer financeiro, do setor elétrico. A primeira delas, tomada em setembro de 2012 por meio da Medida Provisória 579, mudou as regras do setor com o intuito de baixar o preço da eletricidade para o consumidor e acabou inclusive provocando saída de três das maiores companhias elétricas (Copel, Cesp e Cemig) do mercado regulado. A partir daí, houve uma reação em cadeia e as distorções se acumularam. Na semana passada, por exemplo, os observadores se surpreenderam quando o preço do megawatt/hora da região Norte no mercado livre dobrou de 200 para 400 reais, enquanto as estimativas apontavam para uma queda de 200 para 150 reais. Nesta semana, o preço vigente será de 670 reais – um novo salto.

Os efeitos perniciosos da MP 579 começaram a se manifestar menos de um ano depois de sua edição. A energia consumida pelas residências é proveniente de um mercado regulado pelo governo. As distribuidoras, como a Eletropaulo, compram energia em leilões promovidos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que estabelece o preço a ser pago por megawatt levando em conta as perspectivas de demanda das próprias companhias. Como Cemig, Cesp e Copel já não participavam desses leilões, a energia ofertada não foi suficiente para suprir a demanda. Diante da escassez, as distribuidoras tiveram de comprar energia no mercado livre, que negocia contratos de curto prazo — mais caros e voláteis. Anteriormente, tal mercado era frequentado apenas por grandes indústrias, como as siderúrgicas e químicas, com consumo altíssimo de energia.

“O erro estrutural foi a MP. Isso mudou o panorama do setor inteiro. Para que tudo desse certo, não poderia haver escassez de energia. Só que o governo não combinou isso com as elétricas que não aderiram às renovações, e muito menos com São Pedro”, afirma Claudio Monteiro, da Matrix Energia. A estiagem deste ano tornou a situação crítica. Para se ter uma ideia, na primeira semana de janeiro, o valor da energia no mercado livre para a região Sudeste era de 250 reais por megawatt/hora. Já no início de fevereiro, avançou para o patamar histórico de 822 reais. Os preços são calculados semanalmente pelo ONS e pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), uma espécie de bolsa de valores do setor, onde geradoras vendem e distribuidoras compram energia de curto prazo. “É um modelo suscetível a muitos solavancos de preço. E as distribuidoras não estavam acostumadas com isso”, afirma Erik Rego, da consultoria Excelência Energética.

Na região Norte, onde se encontra o maior potencial hidrelétrico do país, as cheias típicas do início do ano deveriam trazer abundância de energia e tranquilidade. Mais uma vez, não foi o que aconteceu – deu-se o salto inesperado na cotação do megawatt/hora. O ONS se recusa a prestar esclarecimentos públicos sobre esse fato. A CCEE alegou que o preço da energia no Norte avançou porque o sistema havia alcançado o limite de transmissão do Norte para o Sudeste, o Nordeste e o Centro-Oeste. Contudo, segundo dados do ONS obtidos pelo site de VEJA, os limites de transmissão de 4 000 megawatts médios para o Sudeste e 3 300 megawatts médios para o Nordeste não haviam sido atingidos e não estavam acima do patamar histórico. Segundo esses dados, as previsões do próprio ONS para as próximas semanas são de uso abaixo da capacidade de transmissão das linhas da região. Ou seja, a explicação oficial não é convincente, o que faz com que os analistas comecem a especular sobre o que acontece nos bastidores dos órgãos que determinam as regras do setor elétrico. Entre as hipóteses aventadas está até mesmo a de que os preços estão sendo manipulados pelo governo. Ao vender sua energia barata para o Sudeste, a Eletronorte vinha sofrendo prejuízos pesados nas últimas semanas. Sob a desculpa do gargalo no sistema de transmissão, o governo teria encontrado uma forma de equalizar os preços no mercado e minimizar as perdas da estatal do Norte. Esse tipo de especulação sinaliza o grau de desconfiança e incerteza que tomou conta de um setor antes bastante estruturado.

Ao se ver obrigadas a atuar no mercado livre de energia, as distribuidoras tem amargado perdas severas. Apenas em fevereiro, a Associação Brasileira de Companhias Elétricas (ABCE) estima que elas tenham sido da ordem de 3 bilhões de reais. No ano, a previsão é que atinjam 25 bilhões de reais. Para arcar com essa compra de energia, as distribuidoras precisam ter caixa. Caso não tenham, há duas opções: ou quebram ou são resgatadas pelo Tesouro, que pode cobrir os gastos com o mercado livre com dinheiro público, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Na noite de sexta-feira o Ministério da Fazenda anunciou que fará um aporte 1,2 bilhão de reais proveniente da CDE nas distribuidoras.  “Não existe mágica. A conta vai ser paga pelo consumidor ou pelo contribuinte — que são a mesma pessoa“, afirma Alexei Vivan, diretor da ABCE. O aporte anuniciado nesta sexta-feira já está tirando dinheiro do bolso do contribuinte. Mas o bolso do consumidor também deve sofrer. Estima-se que a conta de luz tenha aumento de até 25% em 2015 – o que anularia completamente os efeitos que se pretendia obter com a edição da MP 579.

(com Estadão Conteúdo)

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