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sábado, 26 de abril de 2014

Nunca antes no Brasil: a politica e a economia de tempos nao convencionais (3) - Paulo Roberto de Almeida

A economia e a política do Brasil em tempos não convencionais
(nunca antes mesmo...), 3

Paulo Roberto de Almeida
Palestra na UnB: 24/04/2014, 19hs
Em voo, de Bradley a Atlanta, e a Brasília, 17-18/04/2014

(continuação da parte anterior)

A história virtual das tentativas comunistas e do autoritarismo brasileiro
Uma suposição plausível é cabível nessa conjuntura da história nacional: se não tivesse havido a intentona comunista de novembro de 1935, provavelmente não teria havido a Lei de Segurança Nacional do ano seguinte, e logo em seguida o golpe de novembro de 1937 e a implantação da longa ditadura do Estado Novo, bem mais repressiva e autoritária do que o regime militar dos anos 1960 e 70. Devemos esses oito anos de ditadura completa, sem congresso e sem partidos políticos, aos ingênuos dirigentes da Internacional Comunista e aos equivocados bolcheviques tupiniquins, entre eles o idiota do líder comunista Luis Carlos Prestes. Da mesma forma, se não tivesse havido ações de guerrilha urbana e rural, estimuladas pelos comunistas cubanos e chineses, provavelmente não teríamos tido a descida numa verdadeira ditadura militar a partir de 1968, com todos os excessos da repressão policial e militar, muita tortura e muitos mortos e desaparecidos (mas muito longe dos números chilenos e argentinos). Devemos isso, mais uma vez, a “patriotas equivocados” – como o Partidão chamava os comunistas que foram para a guerrilha – e a um punhado de maoístas deslocados no tempo e no espaço. Os atentados da guerrilha, a mobilização para a luta armada, as provocações aos militares, tudo isso antecedeu, não sucedeu à descida para a ditadura e o pior da repressão durante o longo regime militar de 1964 a 1985 (que não foi uno, não foi uniforme, sobretudo não foi planejado para ser dessa forma).
É simplesmente mentira alegar agora, como fazem os herdeiros daqueles que foram derrotados na luta armada, que, por meio da guerrilha, se estava levando uma luta de resistência contra uma ditadura militar para trazer o Brasil de volta à democracia. Eu estava dentro desses movimentos e posso dizer que não é verdade: ninguém ali estava lutando para trazer de volta a democracia burguesa, que desprezávamos. O que queríamos mesmo era uma bela ditadura do proletariado, ao estilo cubano ou chinês, que inevitavelmente teria de começar fuzilando burgueses e latifundiários, para dar o exemplo, e talvez até alguns acadêmicos de direita. Esse era o nosso projeto, e foi ele que afastou o Brasil durante vários anos da redemocratização, trazendo sofrimentos inúteis, por culpa de elites alternativas, também atrasadas e até mesmo anacrônicas.
Obviamente, antes da guerrilha, seguida da repressão violenta por parte dos militares, nessa ordem, tínhamos tido o golpe militar de 31 de março de 1964, aqui também por culpa das elites tradicionais. Incapazes de se entenderem sobre como encaminhar, pela via parlamentar e democrática, os muitos problemas do processo de modernização – a rápida urbanização, a industrialização, a incorporação das massas no jogo político, as reformas a serem feitas para colocar o Brasil na nova ordem global, pós-colonial, as agruras da inflação, o caos administrativo criado por um presidente inepto, e vários outros problemas mais – as elites novamente apelo aos militares para resolver suas diferenças políticas. Havia militares de esquerda, poucos, havia militares de direita, também poucos, pois a maioria dos militares, como da população civil, queria apenas ordem, crescimento, baixa inflação, essas coisas corriqueiras e banais. Muitos deles se preocupavam com os comunistas, bastante assanhados nesses tempos de Guerra Fria e de aparente ascensão da União Soviética. Mais uma vez, o idiota do Prestes mostrava seu atrevimento, clamando que “ainda não somos governo, mas já estamos no poder”. O mesmo idiota, ao fugir da repressão que se abateu mais uma vez sobre os comunistas, deixou para trás, de presente para os militares, suas famosas cadernetas, onde estavam anotadas todas as discussões mantidas com os colegas do comitê central.
Também é mentira que o golpe começou em Washington, como alegam muitos. Obviamente que depois da “perda da China” para Mao Tsé-tung, depois que Fidel Castro proclamou o caráter marxista-leninista da revolução cubana, em abril de 1961, e sobretudo depois do episódio dos mísseis soviéticos em Cuba, em outubro de 1962, quando o mundo quase chegou à beira de uma confrontação nuclear entre os dois gigantes da Guerra Fria, depois de tudo isso é evidente que os americanos estavam preocupados com a possibilidade de uma nova Cuba no hemisfério, de uma nova China no mundo, ali, logo abaixo. Eles conspiraram, por certo, vigiaram, espionaram, se alarmaram e se prepararam, mas não foram eles que deram o golpe, nem o sinal de partida. Mesmo sem qualquer conspiração americana, sem qualquer estímulo prático, os militares brasileiros tinham motivos de sobra para dar o golpe, de qualquer jeito, entre eles a quebra da hierarquia militar pelo próprio presidente. Não foi apenas o medo do comunismo e o temor da inflação que os moveu, e sim todo o caos político criado por elites incompetentes e por dirigentes ineptos.

(continua)

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