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sábado, 26 de agosto de 2017

O que e' o liberalismo, e como defendê-lo - Joao Luiz Mauad

O que é o liberalismo e por que devemos defendê-lo?

João Luiz Mauad

Instituto Liberal do RJ, 24/08/2017

Este artigo é a tentativa de uma defesa do liberalismo contra certas críticas e ataques de conservadores contra esta doutrina. (Muitas das ideias aqui expostas não serão estranhas àqueles que me acompanham há algum tempo, já que são resultado de uma compilação de diversos textos anteriores desse escriba sobre o tema).

Na grande maioria das vezes, as críticas e ataques focam em dois pontos principais: o primeiro acusa o liberalismo de ser uma utopia materialista que faz uma escolha inversa a do socialismo, mas é incapaz de propor um sistema funcional.

Essa crítica deriva do fato de que poucos conseguem distinguir uma doutrina política de um modo de organização econômico e social. O liberalismo é, resumidamente, um conjunto coerente de ideias e princípios, baseado na defesa da liberdade individual nos campos político, econômico, religioso, intelectual, etc. Por conseguinte, contra ingerências e atitudes coercitivas de terceiros – inclusive e principalmente do poder estatal – sobre as escolhas individuais.

O liberalismo é, portanto, uma representação abstrata ou, nas palavras de Max Weber, um tipo ideal, uma sinopse conceitual. Ao contrário do socialismo, entretanto, ele não se pretende um modelo de organização social, pois se insere no modelo capitalista – daí a enorme necessidade de defendermos o capitalismo como modelo de organização econômica e social.

Sempre que se quiser transformar, equivocadamente, o liberalismo num modelo de organização social, ele será, sim, uma utopia. Por isso, a luta dos liberais é por um modelo capitalista que seja o mais livre possível, entre as inúmeras gradações que o capitalismo comporta (atenção: estamos falando aqui de liberalismo clássico, não de anarco-capitalismo).

A segunda crítica afirma que o liberalismo não se detém na importância dos valores morais, e que esse vácuo de valores acabaria por comprometer a própria liberdade. Em outras palavras, o liberalismo traria, em suas entranhas, o veneno do relativismo moral. Não raro, esses críticos costumam confundir (de forma proposital ou não) moral com moralismo, pois, de fato, não há doutrina mais intransigente com princípios morais que o liberalismo, como tentarei demonstrar.

Antes de continuar, deixe-me esclarecer o que são princípios e valores, para efeito deste artigo, já que muita gente costuma confundir os dois conceitos. Colocando de forma simples e prática, valores estão relacionados com fins, com objetivos – são qualidades e/ou propriedades escalares, dependentes de avaliações subjetivas -, enquanto princípios vinculam-se a meios, preceitos (ditames) morais e éticos que regulam as nossas ações. Tal distinção é muito importante para demonstrar por que os liberais costumam ser intransigentes com princípios, enquanto valores serão sempre relativos.

Com efeito, para a filosofia liberal, nem a liberdade, nem a propriedade e nem mesmo a vida são considerados princípios, mas essencialmente valores. Embora a vida, a liberdade e a propriedade sejam valores elevados para os liberais, conflitos entre eles e deles com outros valores podem ser frequentes. Não há valores absolutos, nem mesmo a vida. Nada impede que um autêntico liberal sacrifique a própria vida em nome da vida de um terceiro ou de outros valores – quantos pais não sacrificariam a vida para salvar um filho? A justiça, por outro lado, como bem exemplificou Berlin, pode ser um valor precioso, mas, em determinados casos, outros valores podem se sobrepor a ela, como a clemência ou a compaixão, e acabemos optando pelo perdão, no lugar da condenação.

Já os princípios dizem respeito a meios, a formas de conduta. Não é legitimo, para um liberal, matar, roubar ou escravizar outro homem. Assim, se a vida é um valor; o direito (meu e dos outros) à vida é um princípio (que legitima inclusive a legítima defesa). Se a liberdade é um valor; o direito à liberdade (meu e dos outros) é um princípio. Assim é também com a propriedade. É legítimo que eu cometa suicídio, mas jamais será legítimo que eu cometa homicídio. É legítimo que eu doe as minhas propriedades, mas jamais será legítimo que alguém (mesmo o Estado) as doe por mim, contra a minha vontade.

Existem diferentes abordagens para os fundamentos da filosofia liberal, mas a mais comum, pois abrange quase todas, se resume no princípio da “não-agressão”. De forma simples, você pode fazer o que bem quiser com a sua vida, sua liberdade e sua propriedade, desde que você respeite os mesmos direitos dos outros e não inicie agressão contra a vida, a liberdade ou à propriedade de ninguém.

É nessa rigidez de princípios e respeito aos direitos fundamentais que reside a diferença essencial entre o liberalismo e as demais doutrinas políticas, e envolve especificamente a quantidade de autoridade que o governo deve ter sobre os assuntos privados. Grosso modo, como bem resumiu James Eyer, os esquerdistas querem que o governo promova o bem, ou pelo menos aquilo que eles consideram bom, incluindo, entre outras políticas, cuidar da saúde e da educação, promover ações afirmativas ou distribuir a renda de forma mais equânime. Para isso, esperam que o governo taxe pesadamente as empresas e os cidadãos de maior renda, além de regular os negócios e o comportamento das pessoas, na medida necessária para a promoção do que eles chamam de “justiça social”.

Já os conservadores querem que o governo evite o mal, a degeneração dos valores e dos costumes, enfim, o comportamento imoral, ainda que este comportamento não traga nenhum dano ou perigo para terceiros e afete exclusivamente os próprios agentes. Embora os conservadores gostem de dizer que preferem um governo limitado, eles geralmente não resistem à implantação de programas governamentais e leis positivas que promovam a sua agenda moralista.

Assim, tanto esquerdistas quanto conservadores acreditam, cada um a seu modo, ser missão dos governos tornar o mundo melhor, fornecer uma liderança moral e, last but not least, proteger as pessoas de si mesmas, seja em relação a sua saúde ou sua moralidade. E, concorde-se ou não com esses objetivos, todo cidadão será forçado a pagar pela sua implementação, seja com seu dinheiro ou com a sua liberdade.

Para um conservador, a sociedade (a cidade, a comunidade ou seja lá que nome queiram dar ao coletivo), deve prevalecer sobre o indivíduo, a fim de manter o que chamam de “ordem natural”. Ocorre que nem sempre os desejos e objetivos do indivíduo estão em conformidade com os da comunidade. Permitir, por exemplo, o consumo de drogas, o casamento gay ou a prostituição significa quebrar certas tradições, razão pela qual a maioria dos conservadores denunciam essas bandeiras liberais como francamente imorais e defendem que os governos proíbam tais atividades.

Ninguém explicou essa questão melhor do que Hayek. Segundo o austríaco, “Em termos gerais, poderíamos afirmar que o conservador não se opõe à coerção ou ao poder arbitrário, desde que utilizados para fins que ele julga válidos. Ele acredita que, se o governo for confiado a homens probos, não deve ser limitado por normas demasiado rígidas”. (…) “O conservador típico é, de fato, geralmente um homem de convicções morais muito fortes. O que quero dizer é que ele não tem princípios políticos que lhe permitam promover, junto com pessoas cujos valores morais divergem dos seus, uma ordem política na qual todos possam seguir suas convicções. É o reconhecimento desses princípios que possibilita a coexistência de diferentes sistemas de valores, os quais, por sua vez, permitem construir uma sociedade pacífica, com um emprego mínimo da força. Sua aceitação significa que podemos tolerar muitas situações com as quais não concordamos.”

Como se vê, o relativismo moral, vale dizer, a transigência com a quebra de direitos e princípios fundamentais não é, de forma alguma, uma característica liberal, mas está incrustado nas filosofias socialista e conservadora. Esse relativismo se consolida normalmente através de exceções, as quais acabam se tornando regras, de acordo com as conveniências de cada mandatário. A essência dessas exceções, entretanto, não é outra senão a fuga da moralidade e a justificação da injustiça. É a quebra intencional de nossa bússola moral para que possamos ser liberados dos ditames e princípios universais: é errado roubar, ferir, escravizar ou matar outro ser humano.

Em termos gerais, portanto, o liberalismo rejeita a existência de valores comuns absolutos, a serem obtidos por leis uniformes ditadas pelo Estado ou por normas positivas que pretendam transformar as pessoas em seres melhores. O liberalismo, ademais, coloca em foco não a sociedade, mas cada indivíduo, sendo este um valor mais alto que qualquer coletividade. Sociedade, Estado, Igreja, empresas e associações diversas são apenas ferramentas para que o indivíduo possa alcançar outros fins.

O liberalismo não pretende criar a felicidade ou bem-estar dos cidadãos (ou sujeitos ou indivíduos ou eleitores) por meio do Estado ou de qualquer instituição ou associação que domine e reprima a pessoa. Tal abordagem invariavelmente leva a uma confusão entre meios e fins, princípios e valores. O Estado utiliza a violência como um meio e os liberais sabem que, se permitirmos que o Estado utilize seus meios violentos, na esperança de atingir os objetivos da felicidade ou do bem-estar geral, estaremos destruindo a liberdade.

Finalmente, os liberais não pretendem eliminar as falhas cotidianas e limitações humanas. Entendemos que os seres humanos devem ser livres para escolher entre o bem e o mal. Acima de tudo, eles devem ser livres para cometer erros. Jamais poderemos ser seres morais sem tomar decisões por e para nós mesmos.

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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