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domingo, 22 de outubro de 2017

Carta ao Povo Brasileiro (Lula, 2002): comentarios PRA sobre temas de politica economica e externa

Como em diversos outros casos vinculados a temas de política externa e de relacões internacionais, eu, dada minha condição de diplomata, não podia ficar divulgando textos de análise e sobretudo de crítica. É o caso deste aqui, em que eu me permitir ironizar a ignorância econômica do redator – certamente não o Lula – da Carta ao Povo Brasileiro, altamente demagógica, mas suficiente para fazê-lo ganhar (por uma série de outros motivos.
Paulo Roberto de Almeida


Lula e as relações internacionais do Brasil

  Washington, 24 junho 2002

Destaco, da Carta ao Povo Brasileiro, emitida por Lula no último sábado (22 de junho de 2002) e transcrita em sua íntegra mais abaixo, os seguintes trechos que podem ser pertinentes para um debate sobre posições dos candidatos em temas de relações internacionais:

(Soberania comprometida):
Nosso povo constata com pesar e indignação que a economia não cresceu e está muito mais vulnerável, a soberania do país ficou em grande parte comprometida, a corrupção continua alta e, principalmente, a crise social e a insegurança tornaram-se assustadoras.
Comentário: Seria preciso esclarecer em que a soberania está comprometida. Entendo que Lula se refira a nossa dependência financeira externa, que de fato é muito alta.

(Restaurar nossa presença no mundo):
a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo
Comentário: Não creio que nossa presença soberana ou respeitada tenha sido ameaçada, mas entendo que os candidatos sempre precisam dramatizar a situação para dizer que eles são capazes de resgatar isso ou aquilo.

(Erro de Português???):
A nítida preferência popular pelos candidatos de oposição que tem esse conteúdo de superação do impasse histórico nacional em que caímos, de correção dos rumos do país.
Comentário: Parece-me que os redatores do PT esqueceram algum verbo ou complemento verbal nesta frase, pois ela não tem uma finalização correta. Será que eles precisam voltar para o supletivo?

(Exportar mais e mercado interno):
O povo brasileiro quer mudar para valer. (...) Quer trilhar o caminho da redução de nossa vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de exportar mais e de criar um amplo mercado interno de consumo de massas.
Comentário: Estou de acordo com exportar mais, ainda que eu me lembre que alguns meses atrás o Lula tinha dito que era preciso parar de exportar alimentos ou produtos agrícolas em geral até que todo brasileiro pudesse comer. Ora, o problema da fome no Brasil não tem nada, ABSOLUTAMENTE NADA, a ver com exportação de alimentos. Trata-se de um problema distributivo, de renda, não de produção. Por outro lado, a criação de um “amplo mercado interno de consumo de massas” em nenhum momento reduz ou aumenta a vulnerabilidade externa, que é determinada por fatores ligados a balanço de pagamentos, não pela dimensão do mercado interno. Será que os economistas do PT precisam voltar a ler os seus manuais de economia. Eu, na Faculdade, li todo o meu Samuelson, e aprendi certas coisas que hoje os economistas do PT parecem ignorar. Alguém pode me explicar a diferença entre mercado interno e mercado externo?

(Respeito as obrigações e compromissos externos):
Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação.
Comentário: O PT reconhece que há uma instabilidade financeira, e se compromete a respeitar os contratos e obrigações externas do País. Trata-se de notável evolução em relação a campanha de 1989, por exemplo, quando Lula convidava os demais países em desenvolvimento a aplicar um calote na dívida externa. Vivendo e aprendendo...

(Duvidas na capacidade do Brasil de honrar seus compromissos):
À parte manobras puramente especulativas, que sem dúvida existem, o que há é uma forte preocupação do mercado financeiro com o mau desempenho da economia e com sua fragilidade atual, gerando temores relativos à capacidade de o país administrar sua dívida interna e externa. É o enorme endividamento público acumulado no governo Fernando Henrique Cardoso que preocupa os investidores.
Comentário: Sem duvida, devemos reconhecer que o Brasil está fragilizado interna e externamente, por uma enorme dívida global, privada (maior na parte externa) e pública (essencialmente interna). Sua origem é conhecida: nossa imensa capacidade de viver acima dos nossos meios, de gastar mais do que arrecadamos (até que produzimos superávit primário, mas por outro lado continuamos a tomar dinheiro para rolar a dívida, pagando, e muito caro, nossos juros). Precisamos saber também, antes de fazer demagogia, qual a origem dessa situação. Além do desequilíbrio histórico do estado brasileiro (que o governo tentou corrigir fazendo reforma previdenciária, por exemplo, sempre oposta pelo PT, que defende suas corporações de funcionários públicos), não se pode deixar de lembrar todos os “esqueletos” que o governo atual absorveu, sobretudo sob a forma de renegociação das dividas estaduais e municipais. Ou seja, esse endividamento não foi feito apenas para contentar banqueiros, como parece acreditar o PT, mas por causas objetivas, que são muito difíceis de corrigir, a começar pela baixa taxa de poupança interna.

(Jogando a responsabilidade da instabilidade no Governo:)
Trata-se de uma crise de confiança na situação econômica do país, cuja responsabilidade primeira é do atual governo. Por mais que o governo insista, o nervosismo dos mercados e a especulação dos últimos dias não nascem das eleições.
Comentário: Vamos ser claros: a responsabilidade é totalmente compartilhada. Nasce de dificuldades objetivas, como as relatadas em meu comentário anterior, que são de responsabilidade, mas não exclusiva, do atual governo, mas também nasce, quer queira ou não o PT, do temor natural de que uma mudança no comando econômico, em favor de quem até agora prometia “mudar tudo”, possa representar quebra de contratos e calote na divida interna e externa.

 (Qual é mesmo o modelo alternativo?):
Nascem, sim, da graves vulnerabilidades estruturais da economia apresentadas pelo governo, de modo totalitário, como o único caminho possível para o Brasil. Na verdade, há diversos países estáveis e competitivos no mundo que adotaram outras alternativas.
Comentário: Totalmente de acordo com o PT, mas se eles não apresentarem concretamente quais são esses caminhos alternativos, podemos considerar que se trata de demagogia barata. Ou o PT diz claramente o que pretende fazer ou então para de ficar fazendo crítica genérica.... Talvez eles queiram referir-se a Índia, China, Rússia. Esses países estão mesmo melhor do que o Brasil? Ou será que Lula vai apontar os exemplos dos EUA, da Inglaterra, da França, exemplos de democracias avançadas com grau razoável de bem estar para suas populações. Mas esses países são neoliberais, para dizer o mínimo. Como é mesmo que ficamos?

 (Populismo cambial):
Lembrem-se todos: em 1998, o governo, para não admitir o fracasso do seu populismo cambial, escondeu uma informação decisiva. A de que o real estava artificialmente valorizado e de que o país estava sujeito a um ataque especulativo de proporções inéditas.
Comentário: Parece que só o PT não sabia que o real estava sobrevalorizado até o começo de 1999, pois dezenas de economistas de oposição, da situação, de direita mesmo (como o Delfim Netto), não cansavam de dizer isso todo dia, pela imprensa. No plano internacional, o índice BigMac do The Economist dava uma sobrevalorização de 15 a 20 por cento para o real e de 35 por cento para o peso argentino. Ou seja, não havia novidade nenhuma nisso. Só um governo imbecil poderia sair por aí dizendo que o câmbio está defasado e que seria preciso ajustá-lo à realidade econômica. Ou seja, nenhum governo responsável faz isso com uma “mercadoria” tão sensível como o câmbio e se o PT estivesse no governo naquela ocasião teria feito a mesma coisa.
O que o PT se esquece de dizer é que esse real sobrevalorizado foi essencial para combater a inflação e que sem ele a relativa redistribuição de renda que ocorreu no começo do Plano Real nunca teria ocorrido ou pelo menos não na mesma proporção. Ou o PT é contra consumo das massas e barateamento da produção interna? Isso só ocorreu graças ao populismo cambial . Como dizem meus colegas economistas, tudo tem o seu “trade-off”, ou seja, nada vem de graça, sempre há um preço a pagar pelas medidas econômicas que se adota para resolver este ou aquele problema. Naquela conjuntura, a quebra da espinha dorsal da inflação era o mais importante, daí o “populismo cambial”.

 (Esqueceram, outra vez, o manual de economia?):
Estamos de novo atravessando um cenário semelhante. Substituímos o populismo cambial pela vulnerabilidade da âncora fiscal. O caminho para superar a fragilidade das finanças públicas é aumentar e melhorar a qualidade das exportações e promover uma substituição competitiva de importações no curto prazo.
Comentário: Por que a âncora fiscal seria inerentemente frágil? Só porque o PT não gosta dela? Ele tem alguma outra ancora para propor, ou pretende dispensar qualquer âncora? Na verdade o que está sendo usado no lugar da ancora cambial é o sistema de “inflation targetting”, ou metas de inflação. Se o PT tem algo contra precisa dizer exatamente o que.
Agora achar que finanças públicas se resolve com “melhorar a qualidade das exportações e promover uma substituição competitiva de importações no curto prazo” é de uma burrice tão atroz que dispensa comentários. Isso pode, se tanto, melhorar a situação das contas externas, mas nunca a das contas públicas, que dependem sim de algum tipo de equilíbrio fiscal. Parece que os economistas do PT precisam voltar a ler o Samuelson.... que esqueceram no caminho.

 (Inconsistências várias:)
Aqui ganha toda a sua dimensão de uma política dirigida a valorizar o agronegócio e a agricultura familiar. A reforma tributária, a política alfandegária, os investimentos em infraestrutura e as fontes de financiamento públicas devem ser canalizadas com absoluta prioridade para gerar divisas.
Comentário: O agronegócio já contribui para diminuir nossa dependência externa e não foi preciso esperar o PT para sabermos disso. A agricultura familiar se insere nesse contexto, quando está ligada a uma cadeia produtiva, como é o caso dos estados do sul e sudeste. No resto do Brasil, geralmente agricultura familiar está mais ligada aos mercados locais, quando não é função de um sistema de mera subsistência. Reforma tributária ninguém é contra, mas o PT precisa dizer exatamente qual o seu modelo preferido e como pretende implementá-la. Política alfandegária quer dizer o que: modernizar as aduanas? Isso geralmente da mais despesa do que receita. Só se o PT quer falar de politica comercial, mas fazer isso sem referência ao Mercosul seria impossível. O PT já ouviu falar de Tarifa Externa Comum? Pretende mudá-la?
De resto, é bem vinda sua intenção de canalizar recursos para atividades capazes de gerar divisas. Ele antes tinha uma obsessão pelo mercado interno e era contra o mercado externo, sem que se consiga saber por que diabos tinha essa atitude. Deve ser parte do preconceito de muito esquerdista ingênuo contra os “mercados internacionais”.

(O PT parou de ler jornal?):
Nossa política externa deve ser reorientada para esse imenso desafio de promover nossos interesses comerciais e remover graves obstáculos impostos pelos países mais ricos às nações em desenvolvimento.
Comentário: Ou muito estou enganado, ou o Itamaraty já vem fazendo isso que o Lula recomenda. Ele teria algo de novo a propor? Acha que o Itamaraty só serve para entregar flores e dar jantares para visitantes ocasionais?

 (Taxa de juros depende da “despoupança” estatal:)
Superando a nossa vulnerabilidade externa, poderemos reduzir de forma sustentada a taxa de juros. Poderemos recuperar a capacidade de investimento público tão importante para alavancar o crescimento econômico.
Comentário: A taxa de juros depende basicamente das necessidades de financiamento do setor público, que se abastece prioritariamente no mercado interno. Se o PT quer reduzir a chamada “vulnerabilidade externa”, deveria começar propondo um superávit primário de 5 ou 6 por cento do PIB, o que significa que o governo não precisaria mais ficar tomando dinheiro no mercado e mandaria o banqueiro deixar de ser gigolô do Estado e fazer o que ele fazer: emprestar dinheiro para o setor privado. Os juros baixariam rapidamente se o Governo parasse de concorrer com industriais e agricultores. Será que o PT vai fazer isso?

(Defendendo a burguesia nacional?:)
Com a política de sobrevalorização artificial de nossa moeda no primeiro mandato e com a ausência de políticas industriais de estímulo à capacidade produtiva, o governo não trabalhou como podia para aumentar a competitividade da economia.
Comentário: Politica industrial é o que os industriais mais gostam: subsídio farto e barato, taxas de juros subsidiadas, dezenas de isenções fiscais, que vida boa... Parece que o PT herdou a mania do antigo Partidão (PCB) de querer ajudar a burguesia nacional... São os mesmos que colocam dinheiro em Miami  e praticam evasão e fraude fiscal. Acho que o comprometimento principal do PT deveria ser com a classe operária não com a burguesia...

(Então estamos de acordo: queremos crescer:)
Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores.
Comentário: Certo, certo: é o que todo mundo quer. O PT tem a receita mágica do equilíbrio fiscal e do crescimento? Se tem precisa dizer, pois estamos há anos atolados no desequilíbrio e no baixo crescimento. Onde estão os gênios econômicos do PT? Se escondendo até depois das eleições? Mas, assim fica difícil ganhar eleição: se eles guardam as suas receitas geniais para depois, correm o risco de não ganharem as eleições por inconsistências eleitoreiras e timidez programática...

(Ufa: demorou para dizer isso...):
A estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros. Não são um bem exclusivo do atual governo, pois foram obtidos com uma grande carga de sacrifícios, especialmente dos mais necessitados.
Comentário: Mas como é que passamos 7 ou 8 anos até o PT chegar a esta brilhante conclusão? Onde eles estavam este tempo todo? Brincando de esconde-esconde? Mas o governo vinha dizendo isso desde o começo, contra, aliás, a opinião do PT, que ainda há pouco dizia que um “pouquinho de inflação” era aceitável desde que aumentasse o crescimento... E a contestação da constitucionalidade da Lei de Responsabilidade Fiscal no STF? Como é que fica essa contradição pouco dialética?

 (Todo mundo de acordo?):
fundamentar a criação de uma Secretaria Extraordinária de Comércio Exterior, diretamente vinculada à Presidência da República.
Comentário: Parece que todos os candidatos propõem o mesmo, ao mesmo tempo. O Itamaraty vai ficar chupando o dedo?

Em síntese: bem vindo à realidade colegas do PT. Nada mais realista do que um economista de oposição no poder.

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São Paulo, 22 de junho de 2002

Carta ao povo brasileiro

O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça social que tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual ciclo econômico e político.
Se em algum momento, ao longo dos anos 90, o atual modelo conseguiu despertar esperanças de progresso econômico e social, hoje a decepção com os seus resultados é enorme. Oito anos depois, o povo brasileiro faz o balanço e verifica que as promessas fundamentais foram descumpridas e as esperanças frustradas.
Nosso povo constata com pesar e indignação que a economia não cresceu e está muito mais vulnerável, a soberania do país ficou em grande parte comprometida, a corrupção continua alta e, principalmente, a crise social e a insegurança tornaram-se assustadoras.
O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o de que o atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir nesse caminho, sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou mais tarde, um colapso econômico, social e moral.
O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto destrutivo. Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo.
A sociedade está convencida de que o Brasil continua vulnerável e de que a verdadeira estabilidade precisa ser construída por meio de corajosas e cuidadosas mudanças que os responsáveis pelo atual modelo não querem absolutamente fazer. A nítida preferência popular pelos candidatos de oposição que tem esse conteúdo de superação do impasse histórico nacional em que caímos, de correção dos rumos do país.
A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de um movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais enquanto nação independente. Lideranças populares, intelectuais, artistas e religiosos dos mais variados matizes ideológicos declaram espontaneamente seu apoio a um projeto de mudança do Brasil. Prefeitos e parlamentares de partidos não coligados com o PT anunciam seu apoio. Parcelas significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o país.
O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de continuísmo, seja ele assumido ou mascarado. Quer trilhar o caminho da redução de nossa vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de exportar mais e de criar um amplo mercado interno de consumo de massas. Quer abrir o caminho de combinar o incremento da atividade econômica com políticas sociais consistentes e criativas. O caminho das reformas estruturais que de fato democratizem e modernizem o país, tornando-o mais justo, eficiente e, ao mesmo tempo, mais competitivo no mercado internacional. O caminho da reforma tributária, que desonere a produção. Da reforma agrária que assegure a paz no campo. Da redução de nossas carências energéticas e de nosso déficit habitacional. Da reforma previdenciária, da reforma trabalhista e de programas prioritários contra a fome e a insegurança pública.
O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual modelo, reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de mágica, de um dia par ao outro. Não há milagres na vida de um povo e de um país.
Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade.
Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação.
À parte manobras puramente especulativas, que sem dúvida existem, o que há é uma forte preocupação do mercado financeiro com o mau desempenho da economia e com sua fragilidade atual, gerando temores relativos à capacidade de o país administrar sua dívida interna e externa. É o enorme endividamento público acumulado no governo Fernando Henrique Cardoso que preocupa os investidores.
Trata-se de uma crise de confiança na situação econômica do país, cuja responsabilidade primeira é do atual governo. Por mais que o governo insista, o nervosismo dos mercados e a especulação dos últimos dias não nascem das eleições.
Nascem, sim, da graves vulnerabilidades estruturais da economia apresentadas pelo governo, de modo totalitário, como o único caminho possível para o Brasil Na verdade, há diversos países estáveis e competitivos no mundo que adotaram outras alternativas.
Não importa a quem a crise beneficia ou prejudica eleitoralmente, pois ela prejudica o Brasil. O que importa é que ela precisa ser evitada, pois causará sofrimento irreparável para a maioria da população. Para evitá-la, é preciso compreender que a margem de manobra da política econômica no curto prazo é pequena.
O Banco Central acumulou um conjunto de equívocos que trouxeram perdas às aplicações financeiras de inúmeras famílias. Investidores não especulativos, que precisam de horizontes claros, ficaram intranquilos. E os especuladores saíram à luz do dia, para pescar em águas turvas.
Que segurança o governo tem oferecido à sociedade brasileira? Tentou aproveitar-se da crise para ganhar alguns votos e, mais uma vez, desqualificar as oposições, num momento em que é necessário tranquilidade e compromisso com o Brasil.
Como todos os brasileiros, quero a verdade completa. Acredito que o atual governo colocou o país novamente em um impasse. Lembrem-se todos: em 1998, o governo, para não admitir o fracasso do seu populismo cambial, escondeu uma informação decisiva. A de que o real estava artificialmente valorizado e de que o país estava sujeito a um ataque especulativo de proporções inéditas.
Estamos de novo atravessando um cenário semelhante. Substituímos o populismo cambial pela vulnerabilidade da âncora fiscal. O caminho para superar a fragilidade das finanças públicas é aumentar e melhorar a qualidade das exportações e promover uma substituição competitiva de importações no curto prazo.
Aqui ganha toda a sua dimensão de uma política dirigida a valorizar o agronegócio e a agricultura familiar. A reforma tributária, a política alfandegária, os investimentos em infraestrutura e as fontes de financiamento públicas devem ser canalizadas com absoluta prioridade para gerar divisas.
Nossa política externa deve ser reorientada para esse imenso desafio de promover nossos interesses comerciais e remover graves obstáculos impostos pelos países mais ricos às nações em desenvolvimento.
Estamos conscientes da gravidade da crise econômica. Para resolvê-la, o PT está disposto a dialogar com todos os segmentos da sociedade e com o próprio governo, de modo a evitar que a crise se agrave e traga mais aflição ao povo brasileiro.
Superando a nossa vulnerabilidade externa, poderemos reduzir de forma sustentada a taxa de juros. Poderemos recuperar a capacidade de investimento público tão importante para alavancar o crescimento econômico.
Esse é o melhor caminho para que os contratos sejam honrados e o país recupere a liberdade de sua política econômica orientada para o desenvolvimento sustentável.
Ninguém precisa me ensinar a importância do controle da inflação. Iniciei minha vida sindical indignado com o processo de corrosão do poder de comprar dos salários dos trabalhadores.
Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de todos.
A volta do crescimento é o único remédio para impedir que se perpetue um círculo vicioso entre metas de inflação baixas, juro alto, oscilação cambial brusca e aumento da dívida pública.
O atual governo estabeleceu um equilíbrio fiscal precário no país, criando dificuldades para a retomada do crescimento. Com a política de sobrevalorização artificial de nossa moeda no primeiro mandato e com a ausência de políticas industriais de estímulo à capacidade produtiva, o governo não trabalhou como podia para aumentar a competitividade da economia.
Exemplo maior foi o fracasso na construção e aprovação de uma reforma tributária que banisse o caráter regressivo e cumulativo dos impostos, fardo insuportável para o setor produtivo e para a exportação brasileira.
A questão de fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio. Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores.
Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos.
Mas é preciso insistir: só a volta do crescimento pode levar o país a contar com um equilíbrio fiscal consistente e duradouro. A estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros. Não são um bem exclusivo do atual governo, pois foram obtidos com uma grande carga de sacrifícios, especialmente dos mais necessitados.
O desenvolvimento de nosso imenso mercado pode revitalizar e impulsionar o conjunto da economia, ampliando de forma decisiva o espaço da pequena e da microempresa, oferecendo ainda bases sólidas par ampliar as exportações. Para esse fim, é fundamentar a criação de uma Secretaria Extraordinária de Comércio Exterior, diretamente vinculada à Presidência da República.
Há outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico com estabilidade e responsabilidade social. As mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais. Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle. Mas, acima de tudo, vamos fazer um Compromisso pela Produção, pelo emprego e por justiça social.
O que nos move é a certeza de que o Brasil é bem maior que todas as crises. O país não suporta mais conviver com a ideia de uma terceira década perdidas. O Brasil precisa navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social. É com essa convicção que chamo todos os que querem o bem do Brasil a se unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e responsáveis.
Luiz Inácio Lula da Silva

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