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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Soluções chinesas para o governo e o PT - Cristian Klein

Soluções chinesas para o governo e o PT
Por Cristian Klein
Valor Econômico, 14/11/2013

São acontecimentos aparentemente desconectados de uma mesma realidade, mas não deixa de ser sintomático. Em mais uma onda reformista, a China dá novo passo para mergulhar no capitalismo, ao elevar o status do mercado de um papel "básico" em seu sistema econômico para a condição de "decisivo", conforme acaba de anunciar reunião do Partido Comunista. Estatais abrirão até 15% de seu capital para a iniciativa privada. Depois de anos e anos de crescimento acima dos dois dígitos, os chineses precisam de dinheiro para manter aquecida sua economia, que hoje evolui a 7% ao ano - muito mais do que a maioria dos países, porém pouco para seus parâmetros.

No Brasil, o governo do partido que sempre adotou a retórica antiprivatização flexibiliza os princípios de um Estado forte e apela para a maior presença do mercado na execução de projetos de infraestrutura considerados vitais, como ferrovias, rodovias e aeroportos. A inclinação intervencionista ainda atrapalha, reclama o empresariado, mas a política de concessões à iniciativa privada dará novo tom e dinâmica ao discurso da presidente Dilma Rousseff, em 2014.

A demonização das privatizações - estratégia que emparedou o então adversário tucano Geraldo Alckmin, no segundo turno de 2006 - não parece ser mais possível. Governar tem muitos bônus, mas, num cenário de persistência da crise internacional, a administração do PT lança mão de saídas que representam danos, ou ao menos limites, à marca partidária cultivada ao longo do tempo.

Mas se até a mastodôntica China move-se para um caminho sem volta em direção ao capitalismo, não será o cada vez mais pragmático PT a persistir em modelo econômico antipático ao mercado.

A via da preservação do poder é o pragmatismo

O desmantelamento do comunismo europeu e da União Soviética, no início dos anos 1990, foi responsável pelo "aggiornamento" político das convicções da maioria dos partidos de esquerda espalhados pelo mundo. Rebaixou a polarização ideológica e tornou a disputa mais moderada. Economicamente, no entanto, o caso chinês ainda se manteve como exemplo de um Estado onipresente e indutor de desenvolvimento e modernização. É um papel que vai se reduzindo com a imposição da lógica do mercado, que, por sua vez, tende a se desdobrar, no longo prazo, em nova lógica política, com pressões por democratização e fim do sistema de partido único.

O "aggiornamento" econômico da China é mais uma etapa da consolidação do que a esquerda convencionou chamar de pensamento único, com o reino do capitalismo. Espaços para visões alternativas são estreitos. O princípio da competitividade se espraia, e os atores políticos emulam o comportamento dos agentes econômicos.

O cidadão é o cliente e, na falta de condições para lhe oferecer o produto, governos e partidos, antes refratários, passam a convocar a iniciativa privada.

Foi o que fez, no mesmo dia da plenária do PC chinês, o presidente do PT, Rui Falcão, reconduzido para mais quatro anos no cargo, depois de vitória no Processo de Eleições Diretas (PED).

Falcão será coordenador da campanha de Dilma e, em sintonia com a mandatária e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - a quem agradeceu pelo apoio no PED -, destacou a importância da participação do setor privado nos projetos do governo e fez um apelo aos investimentos. "O Estado sozinho não dá conta de prover essas inversões. É preciso chamar a iniciativa privada", respondeu ao Valor, em entrevista coletiva que anunciou sua recondução à presidência do PT.

O dirigente venceu com cerca de 70% dos votos, o melhor desempenho desde a introdução do PED no partido, em 2001. A concentração de forças na legenda se dá simultaneamente ao processo de hegemonização do PT no governo federal. Falcão, no entanto, nega que a centralização das tendências internas seja efeito da longa permanência da sigla no poder central. A corrente Movimento PT, que tradicionalmente lança candidato a presidente do partido, preferiu apoiá-lo - o que garantiu a larga vantagem de 50 pontos percentuais em relação ao segundo colocado, o deputado federal Paulo Teixeira, também de São Paulo. O Movimento PT ocupa a secretaria de Direitos Humanos, com a ministra Maria do Rosário.

"Isso não tem nada a ver com governo, com centralização. O PT é um partido totalmente descentralizado. Nem adotou aquela figura clássica dos partidos de filiação comunista, o tal do centralismo democrático. Ao contrário, temos uma pluralidade extraordinária", argumentou Rui Falcão.

No PED de 2005, no entanto, o predomínio do campo majoritário na eleição à presidência do PT foi de 42% - quase 30 pontos percentuais a menos do que agora. Há oito anos, quatro candidatos terminaram embolados entre a segunda e a quinta colocação, com diferença inferior a 1,5 ponto percentual. Entre eles estavam Maria do Rosário - hoje assentada no ministério - e Plínio de Arruda Sampaio, que abandonou o barco logo depois do PED. Sampaio saiu dizendo que o partido tinha o mesmo programa do principal adversário, o PSDB, e juntou-se aos "radicais" do PSOL, fundado por parlamentares expulsos pelo diretório nacional petista sob a acusação de infidelidade partidária por criticarem o governo Lula. Foi quase uma solução comunista.

Expurgados os dissidentes, o PT caminhou, ele próprio, para o pensamento quase único da prioridade absoluta pela manutenção do governo federal.

A via da preservação do poder é o pragmatismo. Que não casa com posições arraigadas oriundas da base. Se a política de aliança nos Estados desagradar a cúpula, intervenções não estão descartadas. A flexibilização, se ocorrer, será prerrogativa da própria direção nacional. É ela que poderá concluir, por exemplo, que no Maranhão cabe uma saída heterodoxa: a de apoiar os adversários Roseana Sarney (PMDB), para o Senado, e o "comunista" Flávio Dino, ao governo estadual. Seria uma "solução salomônica", lembra Rui Falcão.

É a mesma toada do realismo chinês, que acende uma vela para Mao e outra para o mercado.

Cristian Klein é repórter de Política. Escreve mensalmente às quintas-feiras.

E-mail: cristian.klein@valor.com.br