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domingo, 9 de novembro de 2014

O processo de desenvolvimento segundo Peter Temin (resumido por Drunkeynesian)

Salários altos, Revolução Industrial e o Brasil de hoje 
The Drunkeynesian, quarta-feira, 2 de julho de 2014

 
"As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender" (Paulinho da Viola em Coisas do mundo, minha nêga)

Nessa pausa da Copa, aproveite o tempo para ler este paper de Peter Temin (professor emérito do MIT), uma revisão, em linguagem simples e acessível, da evolução da "Nova História Econômica" (que também atende pelo nome de cliometria.) A cliometria é produto tanto da quantificação da economia, cujo marco inicial foi a publicação do The Foundations of Economic Analysis, de Paul Samuelson, em 1947 (Samuelson tinha 32 anos, mortais—e é uma das celebridades que compartilham o dia de aniversário com este que vos escreve, como Raí e os gêmeos De Boer), quanto da evolução das técnicas econométricas, da disponibilidade de dados e do poder dos computadores para processá-los.

Temin destaca a pesquisa recente de Robert C. Allen, Hans-Joachim Voth e Nico Voigtländer (os dois últimos são coautores), que tenta responder a pergunta mais clássica de história econômica: por que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra no século XVIII? A narrativa que emerge desses trabalhos é fascinante. Vou tentar resumir em um parágrafo (já me perdoem pela heresia):

A Peste Negra, no século XIV, foi a mãe de todos os choques exógenos: surgiu inesperadamente e, em pouco tempo, reduziu drasticamente a oferta de mão de obra na Europa. Como consequências, para cultivar plantações cujo tamanho não mudou: i) salários subiram, ii) aumentaram os incentivos para adoção de novas tecnologias, iii) mulheres passaram a fazer parte da força de trabalho (tanto pela demanda por trabalhadores quanto pela adoção de tecnologias que diminuíram a necessidade de força física para o trabalho agrícola.) Com isso, mulheres passaram a se casar mais tarde e a ter menos filhos. A população passou a crescer mais lentamente, o que manteve a oferta de mão de obra restrita e os salários mais altos. Começava a se romper a "armadilha malthusiana": as famílias, menores, passaram a dispor de mais renda e puderam incrementar a alimentação (comer mais proteína animal), que, por sua vez, seguiu alterando o padrão da agricultura. A Revolução Industrial surge como uma tentativa de produtores reduzirem custos (já que empregar gente ficou permanentemente mais caro), alimentada pela criatividade de pequenos empreendedores que passaram a ter renda acima do nível de subsistência e tempo livre para experimentar (falta a peça do quebra-cabeça que explica o porquê da Inglaterra e não outro país europeu: energia barata, segundo Allen.)

Temin liga a história do desenvolvimento da Europa (depois replicada para outros continentes) aos problemas atuais de economia do desenvolvimento. A diferença entre a Europa pobre, pré-Revolução Industrial e a Europa rica que veio depois é similar à diferença corrente entre países pobres e países ricos: estes pagam salários maiores e usam tecnologia mais avançada. Ambos os fatores são, claro, interligados: salários mais altos justificam o investimento em tecnologia, e o aumento de produtividade sustenta níveis de renda maiores. A dificuldade está na transição: como fazê-la em (muito) menos que 400 anos e sem depender de um enorme choque exógeno. Se buscarmos respostas na história de sucesso da Europa, um bom começo passa por inclusão de mais mulheres na força de trabalho e redução da taxa de fertilidade.

Corta para o Brasil de hoje: um dos fatores mais importantes e menos alardeados da história econômica do país desde a redemocratização é uma profunda transição demográfica, que segue surpreendendo nós, pobres economistas. A taxa de fertilidade caiu muito rápido: lembro de um texto de Roberto Campos, acho que do início dos anos 1980 (estou sem o livro aqui, é um dos primeiros do Ensaios Imprudentes, salvo engano) que a listava como "o" principal problema do país. Tal problema desapareceu em pouco mais de uma geração: em 1980 esperava-se que cada mulher tivesse 4 filhos durante sua vida; hoje, menos de 2. Em mais uma geração, a população total do país deve começar a declinar, a partir de um pico de 220 milhões. A surpresa mais recente, e que ajuda a explicar porque o desemprego segue baixo mesmo após anos de atividade econômica fraca e salários subindo, é o baixo crescimento da população economicamente ativa (está bem explicado neste artigo do Marcelo Muinhos). Não só a população total cresce pouco como também, aparentemente, demora-se mais para entrar no mercado de trabalho, já que o aumento da renda das famílias permite financiar mais anos de educação e diminui a pressão para que jovens comecem a trabalhar o quanto antes.

A tragédia do Brasil recente é a produtividade, que é frequentemente ligada à adoção de tecnologia. Além dos dados, anedotas não faltam: os ônibus nas grandes cidades ainda empregam cobradores, o enorme contingente de empregadas domésticas, manobristas, garçons, frentistas, recepcionistas, porteiros... Claro que não se trata de simplesmente extinguir esse tipo de trabalho, mas criar condições para que os que se empregam nele consigam trabalhos melhores e sejam substituídos por tecnologia e processos mais avançados (exemplo: grandes prefeituras poderiam aproveitar o mercado de trabalho aquecido e criar projetos para acabar com cobradores de ônibus em poucos anos, oferecendo um pacote de alguns meses de salário e cursos de qualificação. Há, claro, uma briga necesária a ser comprada com sindicatos e afins.) É preciso criar um círculo virtuoso onde empregadores concluam que só conseguirão ser competitivos se diminuírem o uso de mão de obra, invistam em tecnologia e a mão de obra dispensada, suficientemente qualificada, consiga outros empregos, criados por novos investimentos visando um mercado consumidor maior e com mais poder aquisitivo. Mais fácil falar do que fazer, evidentemente, mas boa parte das condições de uma "revolução industrial contemporânea" estão dadas pela transição demográfica descrita acima. Essas condições precisam ser aproveitadas antes que prevaleça a história do "país que envelheceu antes de ficar rico."

A grande conquista dos governos no PT (muito ajudados por um grande choque de termos de troca entre 2002 e 2012, é sempre bom reconhecer), e que, na minha visão, é totalmente coerente com a história do partido, foi o aumento consistente dos salários reais. Como isso ocorreu com produtividade em queda, dependeu de uma grande redistribuição que está culminando, acredito, em taxas de lucro das empresas que não justificam novos investimentos (além da inflação persistentemente alta.) Se isso está correto, a política econômica dos próximos anos deve ser fortemente voltada para o lado da oferta, assumindo que, corretamente, as conquistas recentes em salários não podem retroceder e serão naturalmente defendidas pelos enormes grupos de interesse que se criaram em torno delas (a obviedade aparente do suicídio eleitoral que seria defender a desindexação do salário mínimo é um bom indicador da força dessa defesa.) Acho que, dentro da conjuntura, há pouco espaço para mais "trabalhismo" e muito para um "desenvolvimentismo" que tem pouco a ver com o significado que tem se dado à palavra. Criá-lo vai requerer muita criatividade e esforço de economistas e políticos que, por enquanto, ainda precisam gastar tempo e energia discutindo e pensando em questões como controle da inflação e disciplina fiscal.

Outros links:
—O paper de Voth e Voigtländer;
—Um resumo da pesquisa de Robert C. Allen;
—Se não conseguirem acessar o Temin no NBER, uma alternativa.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Miragem e tragedia do etanol brasileiro - Revista Piaui

Como a revista Piaui restringe determinadas matérias aos assinantes, não posso postar aqui um importante artigo sobre as tribulações da indústria brasileira do etanol, cantada em prosa e verso no começo do governo do Nunca Antes, e depois abandonada como pão mofado, ou roupa rasgada. Nem falo da tragédia ainda maior do biodiesel, outra c...... monumental desse governo que pretende estimular atividades e termina emporcalhando tudo. Com o petróleo também foi assim: fizeram uma confusão dos diabos, que só não resultou em guerra civil porque os estados, hoje, já não são mais o poder que eram na República Velha.
Enfim, sem poder postar o artigo original (Piaui, março de 2013), posto um resumo muito fiel feito pelo Drunkeynesian, um economista sóbrio que finge estar borracho só para ficar parecido aos keynesianos (mas ele para de beber antes da inversão da Lei de Say).
Paulo Roberto de Almeida

The Drunkeynesian
Escritos (não muito sóbrios) sobre economia, mercado financeiro e afins.

Terça-feira, 12 de março de 2013

Etanol no Brasil

Clássico da aborrescência
Ontem fiz, no twitter, um resumo dessa bela matéria da Consuelo Dieguez na piauí sobre como anda a indústria de etanol brasileira. Muita gente (aproximadamente três pessoas) pediu num formato melhor para repassar, aí vai (com ligeiras modificações):


1. O governo federal incentivou a criação de uma bolha de investimento em etanol em 2007 / 2008, enquanto o preço do petróleo passava de $100/barril e parecia que ia ficar por lá.


2. O governo federal também passou bastante tempo alimentando a ideia de que "país bom é país onde todo mundo anda de carro", dando incentivo para montadoras e concessão de crédito. A frota aumentou rapidamente.

3. Passado um tempo, surpresa, surpresa - o preço do petróleo caiu e fez com que, no relativo, o etanol ficasse muito caro.

4. Mesmo com a recuperação do preço do petróleo, a Petrobras segura o preço da gasolina abaixo do preço internacional. O etanol segue sem competitividade.

5. O consumo de combustível explodiu, o país tem que importar gasolina. Fura a bolha do etanol, usinas quebram ou são vendidas por uma fração do que custaram.

6. O contribuinte acaba tendo que financiar tanto a salvação das usinas quanto o subsídio à gasolina.

7. Dá pra ler de vários jeitos, mas a história toda me parece um exemplo de livro-texto de como tentar passar por cima de um sistema de preços de mercado gera grandes distorções e má alocação de capital.

8. Em resumo, a gasolina precisa subir, e o álcool precisa se viabilizar como alternativa mesmo com a flutuação de preços de mercado ou ser abandonado. Triste para as nossas ambições nacionalistas, porém verdadeiro.

Esse é um resumo bem rasteiro, vale ler a matéria toda.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Hora da Saudade: como era doce nossa inflacao

O que eu gosto do Drunkeynesian é que ele coloca em gráficos as estatísticas mais loucas, como essas dos juros nominais e reais no Brasil ao longo das últimas décadas.
Samba do crioulo doido, se não fosse impoliticamente incorreto dizer essas coisas atualmente.
Assustem-se, rapazes, e convençam-se de que escapamos de tempos muito loucos. Mas hoje tem gente que tem saudades desse tempo, e autoridades econômicas se dão por satisfeitas com uma inflação de 5%. Bandidos...
Paulo Roberto de Almeida 

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Um histórico longo de juros no Brasil

The Drunkeynesian

Quando se estuda juros e inflação no Brasil (ao menos no mercado financeiro), costuma-se usar a conveniência de assumir que a história começa em 1994 (após o Plano Real) o que torna os dados bem mais tratáveis e compreensíveis. Meu lado masoquista está tentando montar uma base de dados mais longa. Até agora consegui montar o frankenstein abaixo, juntando dados de diversas fontes. Quem souber de uma base melhor, pode indicar nos comentários, agradeço antecipadamente.

 

Curioso ver a longa história de 35 anos de juros reais negativos, a maluquice entre o calote de 1987 e o Plano Real e o posterior retorno à sanidade, ao menos olhando para a ordem de grandeza.

A fragil posicao externa do Brasil - The Drunkeynesian


Atrás deste nome curioso se esconde um economista do setor financeiro, que sabe fazer contas -- bem, mas isso é o mínimo que se espera de um economista --, mas que sabe também e sobretudo ir buscar os números para suas contas lá onde eles se escondem.
O Brasil sempre teve crises por dois motivos: desequilíbrios fiscais e inflação, ou balanço de pagamentos, via transações correntes. Parece que podemos ter primeiro a segunda, já que a posição se deteriora mais rapidamente do que a primeira, e também porque o governo, incapaz de fazer qualquer reforma significativa, vai levando com a barriga. No caso dos desequilíbrios internos, ele sempre pode jogar a conta para o contribuinte, produzindo mais inflação, mais endividamento interno, mais descontrole fiscal. No caso dos externos, não há o que fazer: chega um momento em que os capitais, alertados para a magnitude do problema, podem preferir sair a esperar para ver as consequências. Aí, não tem outra solução: desvalorização e ajuste são inevitáveis.
Poderia ser de outro modo, mas aí precisaria ter outro governo...
Paulo Roberto de Almeida 


Bastiat e as contas externas do Brasil

Provavelmente a citação que os leitores frequentes deste blog estão mais cansados de ver repetida por aqui é a mais famosa do pioneiro liberal Frédéric Bastiat, que diz que o economista deve levar em conta tanto o que se vê quanto o que não se vê. Bem, aqui está ela de novo. Os dados de conta externas do Brasil não podem ser qualificados exatamente como "não vistos" (basta uma meia dúzia de cliques no site do banco central para encontrar as tabelas), mas são frequentemente esquecidos em nome de alguma conveniência ou pura ignorância.
Falou-se muito nos últimos dias que o Brasil está preparado para uma eventual nova crise (em graus que vão de 200% a 300%, dependendo da autoridade consultada), que as condições são melhores que as de 2008, que temos mais reservas internacionais, etc. Neste caso, as reservas internacionais são "o que se vê"; o outro lado é o inevitável passivo externo acumulado no período, posto que o Brasil, desde 2007, deixou de ter superávit em conta corrente. Vejamos os dados:

Notem que ambas as séries estão na mesma escala, e que há um grande espaço em branco na parte de cima do eixo. Desde o final de 2008, as reservas aumentaram em US$ 160 bilhões, enquanto o passivo externo líquido cresceu US$ 450 bilhões. Essa é, a meu ver, a principal fragilidade da economia brasileira, que, ao contrário do que se prega, só aumentou nos últimos anos. Parte significativa desse aumento no passivo externo correspondeu à entrada de investimento estrangeiro direto, que tende a ser mais resiliente a choques globais de curto prazo (desde que, claro, não consista de investimento em carteira disfarçado, para evitar tributação). O restante do financiamento, porém, foi feito via endividamento (privado) e investimento em carteira. Um episódio de aversão a risco poderia provocar saída de parte desse enorme volume de capital e causar uma forte depreciação no câmbio - talvez já estejamos vendo o início desse movimento, com o real tendo perdido neste ano mais de 10% do seu valor contra o dólar durante este ano. Também já disse aqui que a história econômica do Brasil pode ser facilmente contada por meio de suas crises cambiais. Nos últimos anos, fomos levados a acreditar que "desta vez é diferente" e que esse risco estava definitivamente afastado (nossa versão do "fim da história"); não foi preciso nem uma reversão forte nos termos de troca para essa ideia começar a ruir.