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sábado, 17 de fevereiro de 2024

O Brasil de Lula 3 e suas relações perigosas: Venezuela de Maduro

 Os países que prepararam a nota, abaixo, sobre mais uma postura putinesca de Maduro, no tocante às eleições deste ano, devem ter enviado o texto para o Itamaraty e pediram adesão ao seu teor.

A chancelaria oficiosa, temerosa quanto ao assunto, deve ter mandado a nota à chancelaria oficial, que fica no Planalto, sem fazer nenhum comentário, pois os diplomatas ficam pisando em ovos, em certos assuntos, e não gostam de demonstrar qualquer veleidade de pensamento próprio. 

Deu no que deu: os paises se cansaram de esperar e soltaram s nota, com a omissão do Brasil, do Itamaraty e do Planalto.

Sabem o que vai acontecer? Da próxima vez nem vão se dar ao trabalho de consultar, pois seria inútil. O Brasil se omite.

Esse é o caminho da liderança?

Paulo Roberto de Almeida

Nota em português:

Os governos da Argentina, Costa Rica, Equador, Paraguai e Uruguai expressam a sua profunda preocupação com a detenção arbitrária da ativista de direitos humanos Rocío San Miguel e apelam veementemente às autoridades venezuelanas para que a libertem imediatamente e retirem as acusações feitas.


Da mesma forma, rejeitam as recentes medidas contra o Gabinete de Assessoria Técnica do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Venezuela e exigem o pleno respeito pelos direitos humanos, a validade do Estado de direito e a convocação de eleições transparentes, livres, democráticas e competitivas, sem proscrições de qualquer tipo.”


O texto em português está em:

https://www.poder360.com.br/internacional/sem-brasil-trinca-do-mercosul-pede-soltura-de-ativista-venezuelana/ 

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Argentina numa fase terminal: que venha o dilúvio (OESP)

 Escândalo no Kirchnerismo ameaça campanha de Sérgio Massa na reta final

O Estado de S. Paulo, 3/10/2023

Na reta final das campanhas para o primeiro turno das eleições na Argentina, fotos de um membro do governo aproveitando férias luxuosas na Espanha enquanto os números de pobreza do país saltam respingaram no candidato peronista Sergio Massa, que pediu publicamente sua cabeça. As imagens, publicadas se espalharam na redes sociais e fez do ministro-candidato um alvo no debate presidencial do último domingo, 1º enquanto ele luta para conseguir uma vaga no segundo turno.

 No último sábado, 30, a modelo Sofía Clerici publicou em seu Instagram fotos junto com Martín Insaurralde, kirchnerista que até então era chefe de Gabinete da província de Buenos Aires e disputava um cargo de vereador em Lomas de Zamora, uma cidade-chave da grande Buenos Aires. Nas imagens, o político aparece não apenas em um iate de luxo em Marbella, na Espanha, mas rodeado de champanhe, bolsas Louis Vuitton e relógios Rolex. Clerici chegou a apagar as imagens minutos depois, mas rapidamente elas viralizaram na rede social X (antigo Twitter). 

Poucas horas depois, Insaurralde renunciou de seu cargo e nesta segunda-feira, 2, desistiu da corrida eleitoral, a pedido de Sergio Massa, segundo os jornais argentinos. O escândalo ameaça não apenas a corrida presidencial peronista, mas coloca em xeque a vitória de Axel Kicillof na província de Buenos Aires, até então dada como certa. Os opositores de Massa logo se pronunciaram nas redes. 

“Quando os políticos dizem que a despesa pública é sagrada e que nada pode ser cortado, é porque estão se preocupando com os negócios que lhes permitem viver como monarcas”, escreveu o libertário Javier Milei. Logo em seu discurso de apresentação no debate, a candidata Myriam Bregman, do Frente de Esquerda e da Unidade dos Trabalhadores, disparou “Enquanto o povo passa fome, eles vão nos seus luxuosos iates passear pela Europa”. “Massa, explique aos argentinos como sendo o pior ministro da Economia, você pode ser presidente”, lançou Patricia Bullrich, candidata pela oposição do Juntos pela Mudança. “Como você pode se dividir em duas pessoas com tanto cinismo. 

Você aumentou 40 impostos e agora quer fazer uma lei criminal, já tem o primeiro, implique Insaurralde”. Mas analistas admitem que esperavam que o escândalo fosse mais explorado do que realmente foi no debate de ontem. Ao fim do debate presidencial, ocorrido na empobrecida província de Santiago del Estero, Massa pediu abertamente a renúncia do chefe de Gabinete de Buenos Aires: “Insaurralde cometeu um erro grave, renunciou (ao cargo no gabinete) e tem que renunciar à candidatura”. 

De acordo com o jornal argentino Clarín, nos bastidores Massa pressionou para a queda do político. “Como não quero ser utilizado para afetar o espaço político no processo eleitoral, hoje apresentei a minha demissão do cargo de Chefe de Gabinete da Província”, disse Insaurralde ao renunciar no mesmo sábado. A província em risco Com a improbabilidade de Massa vencer as eleições presidenciais, já que em um cenário de segundo turno ele perderia para Milei e para Bullrich, o peronismo aposta todas as fichas nas eleições para a província de Buenos Aires. 

E é justamente nesta eleição que o peronismo pode sofrer a sua derrota mais dramática. A chapa peronista do União pela Pátria venceu as primárias para o governo de Buenos Aires, com Axel Kicillof recebendo mais de 36% dos votos contra o Juntos pela Mudança (32,92%) pela sua reeleição. A diferença, porém, foi pequena e não seria impossível uma virada da oposição. O União pela Pátria também disputa a prefeitura da cidade de Buenos Aires, mas com menores probabilidades de vitória, já que Jorge Macri, primo de Mauricio Macri, lidera a corrida.

 A província de Buenos Aires, que tem o maior eleitorado do país, foi uma das poucas onde ganhou Sergio Massa na primárias. Para saber como este escândalo afetará o peronismo nas próximas semanas será necessário esperar a reação das próprias lideranças peronistas, defende Facundo Cruz, cientista político e coordenador geral do Instituto Pulsar da Universidade de Buenos Aires. “Sergio Massa reagiu rapidamente [ao escândalo]”, aponta Cruz. “Ontem deu declarações à imprensa sobre o que aconteceu com Insaurralde e não só aplaudiu sua renúncia à liderança de gabinete, mas foi mais longe e pediu-lhe que desistisse da lista de vereadores em Lomas de Zamora. Então já estamos vendo mais um Sergio Massa que de alguma forma busca se consolidar como o líder do peronismo e aquele que dita as diretrizes para os demais dirigentes”. Kicillof, que é próximo de Insaurralde, foi rápido em aceitar sua renúncia de sua equipe. 

Mas nas redes sociais as críticas giravam em torno da renúncia ter partido do próprio chefe de Gabinete e não uma demissão direta por Kicillof. De acordo com jornais argentinos, logo após o debate eleitoral, toda a cúpula peronista, incluindo Massa e Cristina Kirchner, se reuniram para decidir o que fazer no caso. Logo em seguida, Massa buscou se distanciar do candidato a vereador que aparece no fim de sua cédula eleitoral. Hoje, um vídeo viralizou nas redes mostrando um cartaz de Insaurralde junto o candidato peronista para a prefeitura de Lomas e Zamora sendo retirado às pressas na cidade. 

domingo, 3 de setembro de 2023

¿Puede Javier Milei ganar las elecciones en primera vuelta? - Raúl Kollmann (El País)

¿Puede Javier Milei ganar las elecciones en primera vuelta? El veredicto de los encuestadores

El País, 3/09/2023

La posibilidad de que Javier Milei gane en primera vuelta, sin ballotage, no fue descartada por los encuestadores consultados por Página/12, aunque la mayoría lo ve muy improbable.

Facundo Nejamkis, de Opina Argentina, sostiene que “luego de la confirmación del escenario de tres tercios, corresponde analizar cuál de ellos es el que más chances tiene de crecimiento. Si analizamos la falta de legitimidad del sistema político en su conjunto, si a eso le agregamos la voluntad de cambio que una mayoría clara expresa en las encuestas y si por último vemos el cambio de expectativas a favor de Milei, uno tiende a pensar que es el que que más chances tiene de crecer. Los límites que presentan las candidaturas de Massa (por oficialismo) y de Bullrich (por parecido de familia con Milei) confirman estas especulaciones. Como Milei ahora es el centro de gravedad del sistema político, solo resta saber cómo afecta eso a los votantes que, por miedo, pueden llegar a movilizarse en contra del candidato libertario. A su favor le juega que este factor miedo o de rechazo suele ser más desequilibrante cuando este tipo de políticos tienen o han tenido un paso por el poder. Solo restan dilucidar dos interrogantes principales. Primero: qué ocurrirá con los votantes que voten en octubre y no lo hicieron en las PASO. Segundo: hasta dónde puede llegar ese crecimiento de Milei y si es posible que tengamos un desenlace sin pasar por la segunda vuelta".

 Marina Acosta, de Analogías, se refiere específicamente a la posibilidad de que Milei gane en primera vuelta. Lo ve improbable. “En estos momentos estamos observando un escenario de balotaje entre la ultraderecha y el oficialismo. Esto es, estimamos improbable que Milei pueda imponerse en primera vuelta ya sea porque logre el 45 por ciento de los votos afirmativos o porque alcance el 40 por ciento de los votos y saque una diferencia porcentual mayor a 10 puntos respecto de la fórmula que le sigue. El principal movimiento del desplazamiento del voto que estamos notando es el que se está dando desde Juntos por el Cambio hacia Milei. Vemos a una ciudadanía expectante por los movimientos de las distintas fuerzas políticas, en un contexto de crisis de UxP y JxC, las dos coaliciones predominantes”.

Campaña con vacíos

Prácticamente todos los consultores perciben una enorme debilidad en las campañas que se están haciendo.

Santiago Giorgetta de Proyección lo formula así. “Bullrich está muy desorientada. El crecimiento de Milei es inevitable. Massa tiene que buscar el 33 o 34 por ciento de los votos y tal vez las medidas lanzadas van en esa dirección: apuntalar a una mayoría, en especial a los sectores de menos recursos que perdieron poder de salario. UxP tiene que recuperar en esa franja, sí o sí”.

Timerman es aún más duro. “El tema es que Milei hasta ahora había sido el único que presentaba propuestas. Apareció esta semana una lista de propuestas de Bullrich-Melconian. Pero no existen las propuestas de Sergio Massa. Y en las elecciones, si no hay promesas, no hay campaña, dice un viejo slogan norteamericano. Si no hay promesa, no hay campaña. Y por ahora no sabemos cómo va a ser la República Argentina si Sergio Massa es presidente”.

“Los tres candidatos está modificando el discurso -sostiene Analía Del Franco-. Milei empezó a moderarse. Habla poco de dolarización, Banco Central o venta de órganos. No impacta en su electorado, pero sí en los nuevos votantes que puede captar. Bullrich recurrió a Melconian, porque la cuestión económica era de gran debilidad. Massa por ahora transita su posición de ministro y presentador de acciones de gobierno. No aparece la propuesta. Igual creo que es el que mejor actúa y trabaja y canaliza a los que tienen miedo al crecimiento de Milei”


quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Terceira via e desenvolvimento econômico - Sergio Couri (FSP)

 Terceira via e desenvolvimento econômico 

Não bastam nomes, mas também ideias alternativas de gestão política, econômica e social.

TENDÊNCIAS / DEBATES

FSP, 9.ago.2022 às 10h00 

Sergio Couri

Embaixador, economista, advogado e escritor


Inquieta-me a expressã"terceira via", usada na Inglaterra a partir de Giddens, ou a "terceira posição" de Perón, na Argentina. Terceira via requer primeira e segunda, ao passo que o liberalismo e o socialismo são falsas dicotomias entre si. Nessa linha, só existe uma única via, a ser aperfeiçoada. Da mesma forma, desconforta-me a denominação "centro", por inautêntica. Alberga fisiologismos, permitindo a atores sociais e políticos defenderem-se de inconsistência e indefinição ideológicas e das práticas compatíveis. Fala-se demasiado de um "centro" indefinido.

O "centro" não está construído. É zona inexplorada. A maioria dos atores foge a identificar-se com "esquerda" ou "direita", para melhor resultado eleitoral. Também se diz de "centro-esquerda", quando se tem base eleitoral mais próxima ao salário mínimo, ou de "centro-direita", quando mais próxima às classes médias.

Centro não existe aprioristicamente. Precisa ser construído. Por isso costuma ser associado a um "ficar em cima do muro".

Parafraseando Clausewitz, acaba sendo o adiamento da "guerra" por outros meios. Por isso, é tema por demais abrangente para ser deixado apenas aos agentes políticos. Deve ser também tratado pelos pensadores e cientistas sociais, como engenharia social, que não prescinde de arquitetura. Não pode haver "centro" sem consistente ideário e programática de "centro".

"Centro", ou "terceira via", é contínua elaboração, porque o liberalismo puro ou histórico, herança dos séculos 17 e 18, nem sempre contribuiu à realização da liberdade. Quando o liberalismo existiu sem limites e controle, operou a favor dos mais fortes, e disso surgiram o capitalismo dito "selvagem" e os regimes autoritários, pois, para manter o liberalismo econômico, em certos momentos a ideologia liberal canibaliza suas faces política e civil, que têm de renascer das próprias cinzas.

De modo análogo, o socialismo puro, marxista ou utópico, nem sempre contribuiu para o avanço da igualdade e muito menos da liberdade, porque não foi feito para tanto.

Por outro lado, algumas "terceiras vias" ao longo da história, confrontadas por um de dois polos, enveredaram pelo nacionalismo extremo e pelo autoritarismo. Autoproclamavam-se "terceiras vias", mas cometeram o erro de pretender que o Estado fosse o juiz do conflito social, o que produziu resultados perversos, porque o mesmo é instrumento do poder; logo, nãé juiz imparcial, nãé o estágio mais alto da racionalidade, como quis Hegel. Ou se tornaram simples gangorras de benesses, como no caso dos diversos populismos.

Com miras àvindouras eleições, uma "terceira via" procura articular-se no Brasil como alternativa àradicalização e intolerância que se instalaram na sociedade brasileira.

Contudo, uma genuína terceira via não se fará tão somente com o lançamento de nomes alternativos, mas, sobretudo, com ideias alternativas de gestão política, econômica e social e de uma plataforma de ação que ponha o Brasil no rumo certo, ao ritmo desejável.

Não se construirá terceira via com a soma dos índices de rejeição aos nomes que a esquerda e a direita trazem ao ringue eleitoral, ou que não elabore e desenvolva certas interfaces, de modo a identificar com lucidez os problemas brasileiros e conceber estratégia pertinente de "fazer" público.

De assim não ser, estar-se-á desperdiçando rara oportunidade de sensibilizar a cidadania para a descoberta de fórmulas que permitam o compromisso e a conciliação.

O ponto de partida de um discurso e práxis de terceira via, e de seu "bloco histórico", outro não pode ser que o crescimento econômico, mola mestra do desenvolvimento. Concentração de esforços em um crescimento sustentável, como fonte de recursos para o desenvolvimento, para a maior setorialização e do Estado e do mercado na sociedade. Mas crescimento sustentável é também aquele que evite concentração de renda que possa levar a um capitalismo sem mercado, ou a critérios de dispersão de renda que findem por inibir um crescimento expressivo.

Desde os anos 1980, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro situa-se em torno de 2%, o que, descontada do crescimento demográfico, não inferior a 1%, aponta taxa de desenvolvimento econômico menor que 1% ao ano, na linha de Harrod-Domar. Isso sem mencionar as margens de erro e os fakes. São as quatro décadas perdidas, sem arranque para um verdadeiro desenvolvimento.

Mais ainda, o crescimento está fortemente atrelado a fatores externos, como variações no preço das commodities e alguns outros produtos que disfarçam a falta de aparelhamento da economia para o crescimento autopropulsionado. Quando a maré internacional baixa, deixa à mostra esse iceberg, e o clamor aumenta pelas "reformas", medidas polêmicas que não renderão os resultados de curto prazo esperados por um país onde jánão existe espaço para o não crescimento.

 

Trata-se, portanto, de estratégia de crescimento a ser concebida e implementada com rigor merkeliano, protegida de ações desviáticas. A dramaticidade do tema não permite muitas digressões sobre prioridades, apenas sobre técnicas e instrumentos. O receituário se simplifica.

O primeiro item da receita é o redimensionamento do papel do Estado, ora inchado, ora desidratado. Ele deve ter por objetivo básico, além de suas funções clássicas, o de criar "externalidades" (benefícios diretos e transversos) para todos os demais atores econômicos, incluindo ele próprio. Ademais, a qualidade da gestão estatal no Brasil não recomenda excessiva confiança no papel do Estado como agente do desenvolvimento, a não ser pela via intrínseca das externalidades.

O segundo item é a definição do papel do mercado. Aos setores diretamente produtivos deve ser deixada a tarefa de capitanear o crescimento, pois são os que reúnem condições de fazê-lo com maior eficiência, cabendo ao Estado priorizar em sua política econômica o aumento seletivo da produção.

Postos os atores em seus devidos lugares, o Estado brasileiro partirá em busca do maior volume possível de capital de risco e financeiro com que promover a implementação de externalidades pelo Estado e a expansão produtiva pelo mercado. "Nessun dorma"!

Atratividade para investimentos diretos e indiretos, financiamentos externos e internos, venda de ativos não monetários, de títulos e obrigações do Tesouro; política de juros, câmbio e inflação em patamares compatíveis com a competição no mercado externo etc. merecem ação incansável, mormente considerando-se o baixo grau de poupança e liquidez de uma economia exaurida por um crescimento inexpressivo.

Esforço intimamente ligado ao crescimento será o de aumentar a fatia do Brasil como "parceiro global" ("global partner" e "global trader"), condizente com ser uma das 15 maiores economias do mundo, preferivelmente sem reprimarização da pauta de exportações. A participação do Brasil no comércio internacional desceu do já pífio 1% dos anos 1970, o que pode marginalizá-lo no mercado globalizado.

Finalmente, não há como fugir a prioridades na definição de metas e projetos para a ação direta ou indutiva do Estado, com rígido controle do desempenho, dos mais diversos prismas, num país onde a máquina pública não dispõe de "esteiras de transmissão" eficientes.

Propósitos de terceira via que puderem percorrer essa distância entre o presente e o futuro no mais breve tempo possível serão os únicos dignos no Brasil de hoje e não deixariam de ser acessíveis às atuais "primeira" e "segunda" vias.

 

sábado, 4 de junho de 2022

Dois projetos de nação: o autoritário e o democrático - José Eduardo Faria (Estado da Arte)


O PROJETO DE NAÇÃO E O LABIRINTO VISTO DE CIMA

JOSÉ EDUARDO FARIA (ESTADO DA ARTE), 3/06/2022

BRASILPOLÍTICA

 

Deixada de lado desde o advento da globalização dos mercados entre o final do século 20 e o início do século 21, período em que a ideia de governo inerente ao Estado keynesiano foi substituída pela ideia de governança subjacente ao Estado liberal, a expressão “projeto de nação” foi recolocada novamente na agenda por duas iniciativas colidentes entre si.

(Projeto de Nação do Instituto Villas Boas)

 

A primeira iniciativa tem origem nos meios militares — mais precisamente, do grupo que apoia o governo Jair Bolsonaro e acredita, de alguma forma, se manterá no poder até 2035. Ela foi tomada pelo Instituto General Villas Bôas, criado pelo grupo do general Eduardo Villas Bôas, que foi o comandante do Exército entre 2015 e 2019, em parceria com o Instituto Federalista e o Instituto Sagres — Políticas e Gestão Estratégica Aplicadas. Com o título Projeto de Nação, coordenado por um general e revisado por três militares, dois embaixadores e dois professores, ele apresenta um cenário prospectivo do país até 2035, a partir de seis perspectivas: “temas estratégicos e incertezas críticas, consultas áugures (especialistas e outros públicos), cenários prospectivos, “cenário foco”, objetivos nacionais (políticos), diretrizes político-estratégicas e óbices”.

A segunda iniciativa foi tomada por dois economistas, Fabio Giambiagi e Ricardo de Menezes Barboza, que aproveitaram a comemoração dos 70 anos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para lançar um livro no qual técnicos de carreira de diferentes áreas decidiram apresentar uma agenda econômica e socioambiental. Com o título Labirinto visto de cima — saídas para o desenvolvimento do Brasil e publicado pela Editora Lux, a obra foi redigida por especialistas que analisaram a transição de uma economia fechada rumo a uma economia mais integrada ao mundo, porém com baixo crescimento ao longo das últimas décadas e incapaz de aproveitar todo seu potencial de desenvolvimento.

O lançamento desses dois trabalhos às vésperas do início da campanha presidencial certamente balizará as discussões e as propostas de alguns candidatos ao Palácio do Planalto. Seu denominador comum é a identificação e análise dos gargalos estruturais que têm impedido o Brasil de sair do labirinto em que se encontra e a apresentação de propostas para removê-los. Evidentemente, as duas iniciativas refletem o ethosdas corporações a que seus autores pertencem. Enquanto a primeira expressa o viés estamental dos militares, especialmente do Exército, a segunda apresenta o pensamento das novas gerações de profissionais do desenvolvimento lotados num órgão de excelência da administração pública, como é o caso o BNDES.

Se o ponto comum dos dois trabalhos é a ideia de um “projeto de Nação”, mencionada expressamente no primeiro e subentendida no segundo, no restante só há divergências. A começar pelo fato de que, enquanto um trabalho prima por seu rigor técnico e sólida fundamentação, o outro é inteiramente comprometido por uma visão de mundo ideologizada e limitada — uma visão nacionalista e fortemente autoritária, que condiciona a transformação do país à “revitalização dos valores morais, éticos e do civismo”, ao fortalecimento do “sentimento de Pátria”, ao “combate à revolução cultural”, à “promoção do sentimento coletivo de Nação” e à “valorização dos vultos históricos do Brasil, sem viés ideológico, a fim de resgatar a identidade nacional”. Por isso, a distância entre as duas iniciativas é abissal.

Embora toque em pontos importantes para o desenvolvimento socioeconômico, o primeiro trabalho não só carece de objetividade, precisão técnica e propostas sofisticadas, como também não consegue deixar de lado o mantra da denúncia da “ideologização nociva”, ao mesmo tempo em que propõe como alternativa visões ingênuas, simplórias e distorcidas da realidade atual. Por exemplo, enquanto o livro dos técnicos do BNDES chama atenção para a necessidade de iniciativas voltadas à ampliação da exposição da economia brasileira à abertura do comércio internacional, o documento dos militares, explicitando o nacionalismo de cartilha de seus autores, opõe-se a um fato concreto — a globalização dos mercados de bens, serviços e finanças, acelerada após a crise do petróleo na década de 1970.

(Fabio Giambiagi e Ricardo Barbosa (orgs.): Labirinto Visto de Cima)

“O globalismo é um movimento internacionalista cujo objetivo é massificar a humanidade, progressivamente, para dominá-la; [para] determinar, dirigir e controlar tanto as relações internacionais quanto as dos cidadãos entre si”. “No centro do movimento está a Elite Financeira Mundial, ator não estatal constituído por megainvestidores, bancos transnacionais e outros entes megacapitalistas […]. O argumento central do globalismo é de que lidar com problemas cada vez mais complexos, como crises econômicas, proteção do meio ambiente, direitos humanos e outros, requer um processo centralizado de tomada de decisões em nível mundial. É comum a Elite cooptar, aliar-se ou se alinhar com potências mundiais, organismos internacionais e ONGs […]”. No Brasil, “é visível a união de esforços entre determinadas entidades nacionais e o movimento globalista, inclusive com o apoio de relevantes atores internacionais, visando a interferir nas decisões de governantes e legisladores, especialmente em pautas destinadas a conceder benesses a determinadas minorias, em detrimento da maioria da população, a exercer ingerência em nosso desenvolvimento econômico,  usando pautas ambientalistas a reboque de seus interesses e não pela necessária preservação da natureza, e a provocar crises que enfraquecem a Nação em    sua busca pelo desenvolvimento”.

Entre outras afirmações inverossímeis, o documento afirma que, em sua “face mais sofisticada”, o globalismo deflagrou o “ativismo judicial político-partidário”, levando parte do Judiciário, do Ministério Público e das Defensorias Públicas a atuarem “sob um prisma exclusivamente ideológico, reinterpretando e agredindo o arcabouço legal vigente, a começar pela Constituição brasileira”. Essa é uma posição de quem desconhece o funcionamento do Judiciário, não acompanhou as mudanças do direito contemporâneo, não sabe que a interpretação de uma lei não é uma atividade mecânica e ignora as técnicas mais elementares de hermenêutica jurídica[1].

Problema semelhante também pode ser visto no capítulo do documento relativo à educação. Os técnicos do BNDES apontam a importância de investimento em capital humano, por meio de uma reforma educacional capaz de melhorar as condições de chegada das novas gerações ao mercado de trabalho formal. Ao beneficiar jovens dos setores mais desfavorecidos da sociedade, um ensino público de qualidade reduziria desigualdades sociais gritantes, classificadas pelos autores como “uma chaga moral da sociedade” brasileira. Já o documento dos militares, entre outras platitudes, como a proposta de melhorar “as técnicas pedagógicas de emprego de recursos tecnológicos”, fala em “aperfeiçoar a formação profissional, ética e cívica dos docentes”, em “coibir a ideologização nociva do ensino” e desprezar “propósitos de ideologias de qualquer natureza”. Em que medida essa linha programática não é, ela própria, uma ideologia autoritária, avessa à pluralidade valorativa que deve nortear o sistema de ensino? No caso do ensino superior, além disso, esse pessoal se esquece de que, por princípio, a universidade não deve ser voltada apenas para a tarefa de produzir profissionais destinados a exercer tarefas específicas, limitadas pela própria especialização, nem converter a ciência em força produtiva. Pelo contrário, por ser um centro de formação, de produção do conhecimento, de geração de cultura e de liberdade de criação, com capacidade de colocara e equacionar problemas, ela deve ser livre, laica e independente. Seu papel é articular saberes, desenvolver pensamento crítico, forjar lideranças intelectuais e, acima de tudo, descortinar horizontes — em vez de encurtá-los ou até de fechá-los.

Em seu livro, os técnicos dessa ilha de racionalidade, que é o BNDES, apontam medidas para melhorar a qualidade dos gastos públicos. Entre os problemas relativos à má qualidade dos gastos públicos está a corrupção. Sobre este tema, o trabalho dos militares afirma, mais uma vez, que a maneira de combatê-la é… “coibir a pregação ideológica radical nos três níveis da educação”, reduzindo a corrupção e a improbidade na administração pública a uma simples questão ideológica. Para assegurar a retomada do crescimento, os técnicos do BNDES também propõem “uma nova construção política” com base em quatro itens: alterar a regra do teto de gastos; promover um aumento “modesto” da carga tributária; formular “uma política social inteligente e adequadamente dosada”, por meio de programas para beneficiar trabalhadores informais; e medidas de ajuste para reforçar a austeridade fiscal. Um pacto com esses objetivos só pode ser obtido por meio de amplo diálogo com todos os setores sociais, baseado nas regras democráticas e no respeito às prerrogativas do Legislativo.

Neste ponto, o documento dos militares parece avesso a esse diálogo amplo. O texto parte da premissa de que é preciso “fortalecer a democracia por meio de reformas institucionais que saneiem as disfuncionalidades do Estado, neutralizem a corrupção, o poder de ideologias radicais de qualquer natureza e valorizem o civismo”. Propõe o aperfeiçoamento dos sistemas político e jurídico, a fim de que a “a liberdade” possa ser “exercida com responsabilidade”, sem, contudo, explicitar quem é que define o que é responsabilidade. Defende a neutralização do “poder político e social das correntes de pensamento radical, sectárias, não democráticas, que dividem a Nação”. Afirma que a percepção de liberdade no país está sendo “confundida com liberalidade e sem cidadania e espírito cívico”. Diz que o “sistema jurídico” está submisso a lideranças corrompidas, motivo pelo “não garante leis iguais para todos e permite que elas sejam manipuladas por grupos poderosos”. Aponta como óbice para a democracia a “falta de lideranças atuantes e de movimentos sociais organizados que contribuam […] para que a grande maioria da população adepta da liberdade econômica com responsabilidade social e conservadora evolucionista, faça valer sua vontade e seu pensamento político”, desqualificando assim os demais movimentos sociais como interlocutores. E, de modo obsessivo, volta a tratar como problemas a “revolução cultural que vem comprometendo a coesão nacional” e o “enfraquecimento do sentimento de Pátria e de Nação, com tendência à divisão da sociedade, pela crescente submissão dos interesses da coletividade nacional aos que atendem aos anseios de grupos minoritários”.

São afirmações perigosas. De um lado, porque são retrógradas, desprezando o pluralismo do mundo contemporâneo. Se ficasse fora dessa revolução cultural, o Brasil seria um país isolado, como uma Coreia do Norte. De outro lado, porque essas afirmações justificam a tutela da sociedade por um estamento que se arvora, sem legitimidade, em uma autoridade moderadora acima das instituições democráticas. Esse pessoal se esquece de que a República brasileira é fruto de um golpe militar, origem que viciou o regime político-democrático desde seu início. Como lembra José Murilo de Carvalho, aquela “intervenção militar tornou-se um modelo, quase uma norma recorrente ao longo da República. Esta origem criou entre os militares a ideia de que eles são os pais da República. Que eles são os responsáveis pela República e herdaram o direito, como corporação, de intervir na política quando assim o desejarem”[2].

Além de uma visão de mundo da altura de um rodapé, esse é o maior problema do documento dos oriundos de uma corporação que, desde 1889, têm dificuldades para conter ao desejo de ir muito além de sua missão constitucional específica. Ele cheira a naftalina, dada sua associação ao preâmbulo dos Atos Institucionais 1, 2 e 5 da ditadura de 64, nos quais os militares se diziam autorizados a legislar em nome de uma “autêntica ordem democrática”, porém assumindo-se como instrumento de neutralização de quem fizesse oposição à “ordem revolucionária”. O problema é que, quando esse tipo de Estado define o inimigo, ele se converte em Estado totalitário. Quando um regime político quer que todos cantem pelo mesmo missal, não há democracia. Quem mudar de hino terá de sair da igreja, espontaneamente ou pela força. Nesse sentido, falta aos autores do projeto de Nação dos militares o que os técnicos do BNDES, ao entreabrirem o encontro entre o pensamento econômico e a realidade do mundo atual, têm de sobra — capacidade de compreender a história como processo, levando em conta a tensão entre continuidades e rupturas. Em seu livro, eles defendem ideias e instituições para melhorar a realidade, o que traz novos problemas — e estes, para serem enfrentados, exigem pesquisas, estudos e embates acadêmicos com atores que são expressamente desqualificados pelos autores do documento dos militares.

Essa é a distância abissal entre as duas iniciativas que recolocam na agenda a ideia de definição de um projeto de país. No limite, o documento dos militares — o estamento que almeja estar por trás do Estado e que, apesar de ser uma instituição permanente, deixa-se confundir com o atual governo, que é transitório — caminha na linha do pereat mundi, fiat ordo, sob comando deles, é claro. Já para os técnicos do BNDES está claro que economia e democracia são coisas sérias; suas propostas manifestam a consciência de que a responsabilidade política é uma via de mão dupla, tendo como marco fundamental um Estado que ouve e responde ante os poderes constituídos e os setores articulados da sociedade e que se prepara para atender às demandas e pressões da sociedade.

 

Notas:

[1] Ver, nesse sentido, meu artigo “Judicialização da política, ativismo judicial e tensões institucionais”, in Journal of Democracy, edição de novembro de 2021.

[2] Entrevista concedida ao Jornal do Brasil, publicada em 5 de novembro de 1989, p. 13.


(Publicado simultaneamente em Estado da Arte, em 03 de junho de 2022: https://estadodaarte.estadao.com.br/projeto-nacao-labirinto-cima-jef/ )