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sábado, 15 de julho de 2023

Trajetórias dignas de registro num sistema político de baixo desempenho geral - Paulo Roberto de Almeida

Trajetórias dignas de registro num sistema político de baixo desempenho geral

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a mediocridade geral do estamento político, com as possíveis exceções de JK e de FHC

  

Poucos presidentes na história do Brasil contemporâneo tiveram qualidades que os colocaram acima do marasmo geral do estamento político. O país sempre foi comandado por oligarquias civis ou militares, com poucos líderes combinando visão de estadista e conduta plenamente democrática. 

JK ocupou um nicho poucas vezes conhecido em nossa história: a de um hábil condutor de um processo de desenvolvimento no quadro de uma democracia em pleno funcionamento. 

A inabilidade de seus dois sucessores levou a uma crise múltipla que se desdobrou na mais profunda intervenção militar no sistema político da história militar e da história nacional. 

Com exceção de Castelo Branco, os generais que se sucederam na presidência eram autocratas confirmados, cercados por oportunistas políticos, mas uma tecnocracia formada por mandarins bem-preparados conseguiu produzir algum crescimento, mas num processo de desenvolvimento deformado por uma visão autárquica da economia, predominante nas elites políticas, econômicas e militares.

Depois de políticos medíocres, FHC foi um presidente acidental, como ele mesmo se classificou: uma congregação excepcional e aleatória de fatores permitiu algo que jamais ocorreria no curso normal do estamento político. O Brasil teve uma sorte momentânea, algo fortuito e irrepetível. Mas a emenda da reeleição foi uma tragédia maldita, que deformou mais ainda os péssimos hábitos do estamento político.

Depois caímos na mediocridade habitual do estamento político, sem qualquer estadista digno desse nome, na sequência ou na prospectiva normal do sistema.

Não há perspectiva de sair do marasmo atual no futuro previsível: a mediocridade avançou no estamento político de forma disseminada e o mandarinato se concentrou na predação do Estado. 

Existem ilhas de excelência no setor privado, mas isoladas dos vetores de comando, sem chances de empolgar e guiar um processo nacional de desenvolvimento econômico e social no quadro de um regime democrático plenamente funcional.

Nossa trajetória é a de um declínio relativo, embora em marcha bastante lenta e com a preservação de uma democracia de muito baixa qualidade. A desigualdade é o traço estrutural e predominante da nação.

O Brasil continuará se arrastando em direção ao futuro, embora o progresso material seja uma fatalidade determinada pela marcha geral da comunidade planetária, globalizada a despeito de tudo.

O mundo melhorou, mas pequenas e grandes “guerras de Troia” nunca estão distantes, pois que paixões e interesses ofuscam momentânea e ocasionalmente o trajeto da racionalidade governamental.

Portanto, não cabe ser pessimista, nem muito otimista: melhor preservar um ceticismo sadio, como tento fazer.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4435, 15 julho 2023, 2 p.


domingo, 18 de outubro de 2020

Na origem do conceito de América do Sul no discurso diplomático do Brasil: um texto de 1992 - Paulo Roberto de Almeida

Quando se começou o movimento para o impeachment do presidente Fernando Collor, creio que eu estava ainda no Uruguai, em Montevidéu, servindo como conselheiro, e representante alterno, da Representação do Brasil junto à ALADI, quando tive a oportunidade de negociar um dos primeiros documentos posteriores à assinatura do Tratado de Assunção, criando o Mercosul, que foi o Protocolo (depois chamado "de Brasília") sobre Solução de Controvérsias no Mercosul. Assim que completei dois anos no posto, fui removido de volta a Brasília, para servir na recém instituída SGIE, Secretaria Geral de Integração Econômica, sob a direção do embaixador Rubens Barbosa, que também me quis remover de Genebra – onde servia sob as ordens do embaixador Rubens Ricupero, na Delegação junto aos organismos econômicos – assim que chegou a Montevidéu, o que recusei, ficando meus três anos completos na cidade suíça, a mais internacional de todas.

A minuta abaixo, de um projeto de discurso do novo chanceler do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, no governo Itamar Franco – creio que aproveitado praticamente na íntegra (pois que, como registrado na ficha deste trabalho, reproduzida abaixo), tal como publicado no Boletim de Diplomacia Econômica, que eu também passei a dirigir, junto com o BILA, Boletim de Integração Latino-Americana, que eu criei na SGIE – para a posse do embaixador Lampreia como SG do Itamaraty, a convite de FHC (chanceler até maio de 1993), tem um parágrafo que já ressalta a "América do Sul", como espaço prioritário para a atuação do Brasil no processo de integração, mas o texto preparado também discorre sobre os demais tópicos da política externa.

284. “Minuta de discurso sobre política externa”, Brasília: 7 outubro 1992, 7 p. Texto conceitual, expondo as novas bases da política externa brasileira, utilizado integralmente no pronunciamento do Chanceler Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da posse do Secretário-Geral das Relações Exteriores, Emb. Luiz Felipe Palmeira Lampreia, feita no Itamaraty em 09/10/1992. Discurso transcrito no Boletim de Diplomacia Econômica (Brasília: MRE/SGIE-GETEC, n. 13, novembro 1992), p. 11-17. Sem inscrição na relação de publicados. 

Eu até me permiti incluir uma menção a um dos meus pensadores-escritores favoritos, George Orwell, e outra menção ao parlamentarismo, que não sei se foram preservadas no discurso finalmente lido pelo chanceler FHC: eu precisaria conferir nesse Boletim de Diplomacia Econômica ou no Repertório de política externa do Brasil, relativo ao ano de 1992, que deve existir online. Aliás, coloquei muitas outras coisas, que eu mesmo pretendia que FHC abordasse – como o fato de que o diplomata não poder ser alguém desconectado da sociedade –, mas não sei agora se foram preservadas: como se sabe, os Gabinetes costumam podar qualquer ideia fora do padrão tradicional, e só costumam conservar o bullshit habitual do diplomatês insosso, o que nunca foi meu estilo.

Faço este registro, pois que acabo de receber um trabalho no Academia.edu que trata do tema, cuja informação completa segue in fine: 

A integração da América do Sul no discurso da política externa brasileira (1992-2010)
Samir Perrone


Eis a minha minuta, que merece confronto com o texto do discurso oficial: 

(Minuta)

Discurso do Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores

por ocasião da posse do Sr. Secretário-Geral

 

(Palácio Itamaraty, 09/10/92)

 

Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores, 

Embaixador Luiz Felipe Palmeira Lampreia,

Senhoras e Senhores,

 

[Lampreia, Seixas Correa...]

 

Tenho perfeita consciência do privilégio de assumir o cargo de Chanceler do Governo Itamar Franco numa época de reafirmação dos valores da ética e da democracia. Embora assumindo a direção de nossa política externa nas circunstâncias políticas por demais conhecidas de todos, minha vinda para o Itamaraty não pode ser considerada como um evento fortuito, um raio no céu azul da política nacional. Longe disso. 

Meu interesse nos temas de política exterior e de relações internacionais vem de longa data e não preciso recordar aqui a experiência acadêmica e política adquirida em diversas passagens e estadas, voluntárias ou involuntárias, em países da América Latina, da Europa e nos Estados Unidos. No período recente, já membro do Congresso brasileiro, mas ainda conservando laços com a academia, pude aprofundar minha visão da inserção internacional do Brasil, seja como membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, seja ao participar de inúmeros eventos onde aflorava no debate a questão de nossas relações internacionais e a posição peculiar do Brasil num mundo em transformação.

 

Minha chegada ao Itamaraty coincide com um momento decisivo e inovador da História do Brasil: o desafio de conciliar a busca do desenvolvimento econômico com o imperativo da justiça social, o crescimento com equidade, o progresso social com a repartição equilibrada das conquistas materiais.

Não há mais lugar, no Brasil de hoje, para o que tentam aferrar-se a privilégios e arbitrariedades; não há mais espaço para os que buscam vantagens pessoais sob o manto da impunidade.

 

Nestas últimas semanas e dias, o Brasil deu ao mundo uma perfeita lição de exercício democrático, reafirmando o grau de amadurecimento de suas instituições. A hora, portanto, é de afirmação da democracia, do primado do direito e das liberdades individuais, do pluralismo, da moralidade no trato da coisa pública, do respeito à vontade da maioria e da proteção das minorias.

 

A política externa de um país é, poder-se-ia dizer parafraseando um autor por demais famoso, a continuação de sua política interna por outros meios. O Brasil de hoje, que me cabe representar internacionalmente, caracteriza-se por uma conjuntura política onde vigora plenamente a ordem democrática e onde o amadurecimento das instituições — ainda agora testadas em seus mecanismos mais sensíveis, quais sejam o da máxima direção do Estado e o da vigência de normas constitucionais que regulam o funcionamento do Governo — nos permite vislumbrar um cenário de intensificação, mas também de normalização, do diálogo entre as forças políticas nacionais.


Sendo assim a projeção de sua política interna, a política externa do Brasil democrático só pode ser uma política externa democrática, aberta aos influxos da sociedade e plenamente sintonizada com os interesses da Nação em seu conjunto.


O Itamaraty deve desempenhar um papel de relevo na construção de uma nova nacionalidade, suscetível de propiciar ao País uma inserção internacional de acordo com seus legítimos interesses internos e de contribuir igualmente para a redução do imenso atraso social e material em que ainda vegeta grande parte de sua população.


O diplomata não pode ser um cidadão isolado das realidades sociais de seu País, um indivíduo desconectado do cenário interno, alheio aos problemas materiais e humanos que afetam seus concidadãos. A ordem democrática no plano das relações exteriores deve permitir justamente que essa dimensão social interna possa refletir-se no trabalho de formulação e de execução da política externa governamental.


O Governo que agora assume tem plena consciência de suas responsabilidades para com a sociedade, em outros termos de transformações nas esferas política, econômica e social. Ele está disposto a enfrentar as demandas por mudanças profundas na vida do País, tomando iniciativas nos campos institucional, legislativo e administrativo. Essa agenda deve ser igualmente transposta para o campo da política externa. O dinamismo no plano  interno não pode conviver com o imobilismo no plano externo.

 

A conjuntura externa impõe, aliás, mudanças na postura internacional do Brasil. O fim da guerra fria, o término do confronto Leste-Oeste, a desideologização das relações internacionais, já conformam, por eles mesmos, os novos elementos de um cenário mundial sensivelmente diferente daquele em que crescemos e fomos educados: os velhos conceitos, os antigos argumentos, os discursos tradicionais podem ser guardados na estante. A linguagem da diplomacia contemporânea deve necessariamente ser diferente, menos preocupada com os equilíbrios estratégicos e as disputas pela hegemonia e mais voltada para a superioridade tecnológica e a performance econômica.


A ordem econômica mundial não pode mais ser moldada pela vontade de algumas poucas economias dominantes: a globalização dos circuitos produtivos, dos fluxos de comércio e de investimentos, cria uma enorme rede de interesses interdependentes, muito embora alguns participantes dessa imensa fazenda econômica sejam, como na fazenda imaginada por George Orwell, mais interdependentes do que outros. Alguns, “mais iguais do que outros”, avançam na conformação de espaços econômicos exclusivos, num movimento já conhecido como de regionalização e ao qual não podemos ficar alheios.


Os países em desenvolvimento são, precisamente, frágeis em sua interdependência com o mundo, em especial com os parceiros desenvolvidos, dependentes que são do acesso a capitais e fontes externas de tecnologia moderna. A América Latina, particularmente, perdeu espaço relativo nos mercados internacionais nos últimos dez ou doze anos, enquanto a Ásia caminhava celeremente na busca de uma nova inserção internacional.


Esse contraste, doloroso para nós, acostumados que estávamos a décadas de crescimento contínuo, ilustra com força a importância do componente econômico na agenda diplomática contemporânea. Não se trata aqui de reduzir a importância do aspecto político, mas de reconhecer a primazia dos interesses econômicos e comerciais na projeção externa do País.

 

Daí derivam novos princípios que deverão orientar a política externa do Brasil nos anos 90. Nossa diplomacia, em respeito a suas tradições, deve procurar antecipar-se aos movimentos do presente, orientando seu instrumental de análise e de atuação para detectar, como bem disse o Chanceler Celso Lafer, os nichos de oportunidade que assegurem ao Brasil melhor acesso aos mercados e aos fluxos de capitais e tecnologia.

 

Realismo e objetividade no tratamento dos temas de interesse concreto do Brasil de hoje devem caracterizar essa política externa preocupada com nossa inserção no mundo contemporâneo. Sem descurar os temas tradicionais da agenda diplomática brasileira, a política exterior em minha gestão dará prioridade às matérias relacionadas com o comércio exterior e a integração regional.


O Brasil é um país a vocação ecumênica, uma nação cujos interesses espelham a vontade política, e mesmo a necessidade econômica, de um relacionamento verdadeiramente universal. No campo comercial, onde somos um global trader, é preciso desenvolver uma visão estratégica do comércio exterior, captando as novas oportunidades surgidas em áreas dinâmicas, seja em termos de produtos de alta demanda potencial ou de mercados promissores.


Para realizar a já chamada inserção competitiva do Brasil na economia mundial, a ação diplomática externa estará voltada, em especial, para a consolidação dos compromissos do País com o sistema multilateral de comércio, em especial com o GATT. Cabe operar aqui o abandono das posturas essencialmente defensivas e protecionistas  neste e em outros foros, pois é do nossos interesse que a regulamentação de novos temas da agenda econômica mundial seja feita no GATT e em outros foros multilaterais, com vistas a reduzir o potencial discriminatório de medidas nacionais unilaterais, de iniciativas puramente regionais ou resultando de acordos entre blocos ou parceiros mais poderosos.


O Brasil deve colocar-se numa postura receptiva ao desenvolvimento de novas frentes de negociação externa objetivando a liberalização dos fluxos de comércio e o aumento das condições de acesso de produtos brasileiros aos mercados internacionais. Na política comercial externa deve procurar-se seguir uma estratégia diferenciada, com a busca aludida de nichos de mercado nos países desenvolvidos e uma maior agressividade nos mercados regionais e dos países em desenvolvimento.


O MERCOSUL representa, obviamente, prioridade fundamental de nossa política externa, não apenas em termos econômicos, mas também nos planos político e diplomático. Na área econômica, porém, atenção especial deve ser dada às negociações tendentes ao pleno atingimento dos objetivos propostos no Tratado de Assunção e confirmados na decisão de Las Leñas do Conselho do Mercado Comum, que estabeleceu um cronograma de medidas a serem cumpridas até o final da fase de transição, em 31 de dezembro de 1994. 


A América do Sul, no contexto da integração regional, constitui um espaço econômico relevante para nossos interesses comerciais e econômicos: aqui é preciso definir políticas e ações positivas que permitam ao Brasil tomar iniciativas regionais, e não reagir a elas de maneira defensiva, dentro do realismo, gradualismo e equilíbrio que caracterizam [essa nova orientação.]


A política de integração, no plano hemisférico, deve ser vista como uma ação complementar aos esforços de modernização tecnológica, de melhora de competitividade e de uma melhor inserção externa. A negociação da integração regional deve articular-se com a política econômica externa vis-à-vis os países desenvolvidos, dos quais continuará a derivar o essencial dos nossos instrumentos de modernização tecnológica.


A Ásia assumirá importância crescente para a política externa brasileira, em especial em sua vertente econômica: em seu conjunto, o continente asiático, já foi, em 1991, o terceiro mercado para as exportações brasileiras.  Nesses termos, continuaremos a examinar com interesse o aprofundamento de nossas relações com o Japão e os países de crescimento dinâmico, procurando igualmente intensificar as relações de cooperação científica e tecnológica com a China e a Índia, países com os quais temos uma certa afinidade de interesses no cenário macropolítico mundial.


A prioridade em relação à África - em especial os países de língua portuguesa - é reflexo de nossa própria identidade cultural: os laços de sangue e os vínculos culturais constituem uma base sólida para a continuação de um relacionamento exemplar. Examinarei com atenção as possibilidades de cooperação com esse continente, particularmente nos campos da prestação de cooperação técnica e de participação em projetos de desenvolvimento.


Também na área cultural, o papel do Itamaraty, como difusor dos valores e bens da civilização brasileira deve ser reforçado e ampliado. Em coordenação com o Ministério da Cultura, necessitamos redefinir o alcance e as prioridades de nossa política de difusão cultural. Em minha gestão, tenciono dar ênfase à diplomacia cultural, estreitando os vínculos com a comunidade ibero-americana e com os países da África lusófona.

 

Pretendo abrir o Itamaraty para um amplo diálogo com as forças políticas nacionais, representadas no Congresso ou presentes na sociedade civil. Num momento em que a nacionalidade se apresta a discutir a opção parlamentarista, à qual me filio particularmente, o Itamaraty deve estar pronto para participar dessa revisão fundamental dos princípios operacionais de nossa democracia, inclusive no que se refere ao processo decisório e de implementação da política externa.

 

É minha intenção igualmente manter estreito contato com os setores produtivos, para que estes possam fazer o acompanhamento da agenda econômica externa, nos foros multilaterais ou no MERCOSUL, com plena consciência de suas implicações para as empresas e os agentes econômicos internos.

 

Refletindo as prioridades que pretendo desenvolver à frente da Chancelaria, estou reestruturando o funcionamento das Subsecretarias e de outras unidades subordinadas, com vistas a unificar, por exemplo, o tratamento dos temas econômicos.

 

Desde os primeiros momentos na chefia da Casa, dediquei atenção especial às questões administrativas, que tanto afetam o Itamaraty e sobre as quais espero em breve dar boas notícias a todos os funcionários, no Brasil ou no exterior.

 

Conclamo a Casa a participar deste esforço. Espero contar com a colaboração, o entusiasmo e a dedicação desse corpo de funcionários diplomáticos altamente qualificado, e de funcionários administrativos e de apoio, que, apesar das dificuldades materiais e das limitações orçamentárias, continuam a dar o melhor de seus esforços para o Itamaraty.  Quero manter estreito contato com a Casa e aproveitar suas virtudes.

 

[segue texto final do Gabinete]

 

Relação de Trabalhos n. 284


Anexo: 

A integração da América do Sul no discurso da política externa brasileira (1992-2010)

Published 2014
6 Views237 Pages

Esta tese aborda a construção do discurso da política externa brasileira acerca da integração da América do Sul, particularmente a partir da década de 1990. Através da perspectiva de estudos da Análise de Política Externa e com relevantes contribuições do campo da Análise do Discurso, este trabalho enfoca o desenvolvimento desta noção de integração sul-americana ao longo dos governos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Assim, a pesquisa apresenta uma discussão teórica acerca do estatuto do discurso na área de política externa, seguida por um levantamento do histórico de aproximação entre o Brasil e seus vizinhos da América do Sul. Com base nestes elementos, o trabalho examina as características institucionais e os principais agentes envolvidos no processo de construção do discurso da política externa brasileira para a integração regional. A seguir, a análise se volta para os aspectos discursivos, com ênfase nos pronunciamentos dos chanceleres e dos presidentes brasileiros, para compreender suas condições de emergência e existência, bem como verificar as continuidades e rupturas no desenvolvimento desta “nova” noção de região. O objetivo desta análise consiste em identificar os principais elementos políticos, sociais e simbólicos mobilizados na articulação deste discurso da política externa para a integração da América do Sul.


quarta-feira, 24 de junho de 2020

Guilherme Casarões: sobre a destruição do Itamaraty, pelos mesmos que fazem guerra cultural de extrema direita

Permito-me postar uma série de tuítes do Guilherme Casarões sobre a destruição do Itamaraty pelos olavo-bolsonaristas, fanáticos antiglobalistas, que eu classificaria de demenciais:


Guilherme Casarões
Flag of Brazil

Desinformador profissional certificado pelo chanceler Ernesto Araújo. Professor/pesquisador no resto do tempo. Pai de dois
❤
. RT ≠ endosso. Opiniões pessoais.


24 de Junho de 2020

Conversation
Para onde vai a @FunagBrasil
? A política externa populista de @jairbolsonaro é parte integral da guerra cultural bolsolavista, em que instituições são desmoralizadas, aparelhadas e destruídas. O Itamaraty está sob ataque - e a corrupção da FUNAG faz parte do processo.



1) A destruição da inteligência acumulada pela FUNAG, braço acadêmico do Itamaraty, começou antes mesmo do início do governo. O manual de História do Brasil, do grande @joadani, foi retirado do site, onde poderia ser baixado gratuitamente. O problema do livro? Este parágrafo:


Replying to @GCasaroes
2) A 2ª pancada ocorreu no começo do mandato. @PauloAlmeida53 foi demitido do cargo de diretor do IPRI após republicar expoentes do "deep state" tucano-globalista, Rubens Ricupero e o ex-presidente @FHC. Nem Paulo nem Ricupero escondiam suas discordâncias com o antiglobalismo.



3) Ao longo de 2019, @ernestofaraujo se recusou a publicar 2 livros sobre política externa. O do embaixador Synesio Goes foi vetado por ter o prefácio escrito por Ricupero. O da pesquisadora Mathilde Chatin, barrado graças ao prefácio de Celso Amorim.

Com censura a obras acadêmicas, Araújo ameaça a imagem do próprio Itamaraty
https://t.co/ptfu0NMpfz?amp=1
https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/08/02/com-censura-a-obras-academicas-araujo-ameaca-a-imagem-do-proprio-itamaraty/

[Abro um parênteses, aqui, para transcrever o que Guilherme Casarões linkou, pois eu ainda não tinha tomado conhecimento dessa matéria, que cita o meu livro de 2019: "Miséria da Diplomacia", livremente disponível em meu blog Diplomatizzando]

Uma reportagem publicada pela Folha revela que o Itamaraty se recusou a publicar um livro do embaixador Synesio Sampaio Goes Filho por conta do prefácio da obra, escrito por Rubens Ricupero, ex-embaixador em Washington e também historiador da diplomacia –e visto como desafeto pelo atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
O caso não é isolado, entretanto, e o clima de revisão e censura também atinge outras obras que passam pelo MRE. Esta tendência cria uma ameaça à imagem de profissionalismo, olhar crítico e independência do Itamaraty no resto do mundo.
Em seu livro mais recente, que não foi publicado pela Funag, o diplomata Paulo Roberto de Almeida cita pelo menos um outro caso em que a censura ocorreu neste ano.
"Uma tese de doutorado defendida no King's College, da Universidade de Londres, por Mathilde Chatin – Brazil: a new powerhouse without military strength? – A conceptual and empirical quest about an emerging economic power –, já aprovada para publicação pelo Conselho Editorial da Funag em 2018 foi congelada definitivamente por incluir um prefácio do ex-ministro Celso Amorim, no cargo durante o período coberto pelo trabalho acadêmico", diz Almeida em "Miséria da Diplomacia: A Destruição da Inteligência no Itamaraty"(Boa Vista: Editora da UFRR, 2019).
A mesma Folha relatou à época que a demissão ocorreu após Almeida republicar, em seu blog pessoal três textos recentes sobre a crise na Venezuela, um assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro pelo embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero e o terceiro pelo atual ministro das Relações Exteriores.
Na época, o clima de perseguição dentro do ministério levou à preocupação com o uso mais frequente da censura.
A imposição de censura no Itamaraty, especialmente quando direcionada a obras acadêmicas e de história, aumenta o risco pelo qual vem passando um dos principais ativos da diplomacia brasileira.
Por anos, o Itamaraty foi reconhecido internacionalmente como um dos serviços de política externa mais ativos e competentes do mundo. O profissionalismo e senso crítico dos diplomatas brasileiros são mencionados com frequência por estrangeiros que trabalham com política externa, que elogiam o preparo e conhecimento dos representantes do Brasil. Com a imposição de censura, é possível que o serviço de política externa do Brasil perca parte da sua capacidade crítica, que ajuda a promover esta imagem de competência da presença brasileira no exterior.

[Retomo Guilherme Casarões]:   

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4) Como se não bastassem as censuras, a turma olavista ocupou-se em promover conceitos frágeis, meio conspiratórios, como o novo léxico da política externa brasileira. A construção da "novilíngua" da extrema direita começou com o evento abaixo, em mai/19. http://institutoriobranco.itamaraty.gov.br/artigos/60-noticias/85-funag-e-irbr-promoveram-a-palestra-governanca-global-e-autodeterminacao-popular-de-filipe-g-martins-assessor-especial-do-presidente-da-republica
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5) Em jun/19, um grande evento "internacional" trouxe expoentes da guerra cultural antiglobalista para denunciar George Soros, o STF, Paulo Freire, o @ForodeSaoPaulo, os Illuminati e a Nova Ordem Mundial. À exceção do palestrante americano, todos são orgulhosos alunos do Olavo.

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6) 
fez a abertura do evento, denunciando a "pseudorreligião globalista" a partir de uma leitura torta de Nietzsche e Marx. O ponto mais alto da fala foi a celebração do discurso de 6 MINUTOS de Bolsonaro em Davos, por ter tido a bravura de falar de Deus.


7) Em dez/19, foi a vez do jurista/influencer olavista Evandro Pontes falar sobre as "virtudes do nacionalismo" a partir do livro do filósofo Yoram Hazony, que basicamente opõe o nacionalismo benigno ao totalitarismo da governança global. A construção da novilíngua segue firme.



8) Com o advento da pandemia, a FUNAG passou a realizar seminários virtuais sobre "a conjuntura internacional pós-coronavírus". Evento no mínimo curioso p/um chanceler que, dias antes, problematizou a pandemia de Covid19 como uma questão "terminológica", seguindo o mestre Olavo.


quarta-feira, 18 de março de 2020

Lula Secreto (agente da CIA, da diradura militar?) - Hugo Studart et alii

Transcrevo como recebi:


Lembranças de 2016 sobre o Lula Secreto

Hugo Studart
(Recebido em 18/03/2020)

Se pode haver um post delicado, polêmico, é este. Tempos atrás, acho que em 2009, fui atrás de uma história sobre uma suposta ligação de Lula com a ditadura militar. Havia boatos de que fizera parte de um pequeno grupo de sindicalistas treinados pelo Instituto Convivium, braço da CIA no Brasil. A ditadura havia pedido ao Convivium para forjar lideranças sindicais sem ligação com o Partido Comunista.
Também havia boatos de que seria agente infiltrado do Romeu Tuma, então diretor do Dops, codinome Boi. Seus elementos de ligação seria um religioso do Convivium, padre Crippa, dentro do Convivium, o delegado Roberto Cozzi, pelo Dops, além de estar sendo financiado por um diretor da Metalúrgica Mangels. Ana Prudente também já foi atrás disso. José Neumanne aborda o tema de relance no livro "O que sei de Lula". Não foi mais fundo no resultado final da escrita porque um dia recebeu ameça de que seus filhos e netos poderiam ser mortos. O delegado Romeu Tuma Jr. é mais explícito em seu segundo livro. Fato é que jamais se provou nada contra Lula nesse sentido. Mas também nunca houve interesse nem da esquerda nem da direita de ir à fundo no esclarecimento detalhado dessa história.
Um dia recebi um material curioso, trecho de um livro do Mário Garnero, que também colocava suspeitas sobre Lula. A obra fora escrita com o fígado, quando Garnero estava na cadeia. Depois ele a recolheu e cremou tudo. Dizia Garnero, em suma, que Lula for alçado ao estrelado por intervenção direta do general Golbery do Couto e Silva.
Procurei o empresário. Ele me recebeu na sede do Brazilinvest para almoço com talheres Christofle, taças de cristal da boêmia e um Bordeaux de primeiríssima. Disse que eu poderia lhe perguntar sobre qualquer assunto. Menos aquele. Que o tempo era outro e que ele não tinha interesse em falar contra Lula.
Então publiquei no meu blog aquela conversa (inconclusiva) com Garnero, muito mais para registrar o conteúdo digitalizado do capítulo do livro desaparecido no qual ele fala de um Lula Secreto. Logo depois fechei o blog e fui para o exterior estudar. Meu próprio conteúdo desapareceu do ciberespaço.
Eis que ontem o conteúdo publicado naquela época reaparece. Myrian Luiz Alves encontrou reprodução do meu post original em outro blog, Imprensa Livre. De qualquer forma, encaminho meus amigos para o texto em questão, qual seja, o capítulo do livro (desaparecido) do Mário Garnero. Avaliem vocês mesmos. O blog publica mais conteúdos sobre Lula, que não são de minha autoria.
Como a história é um processo sempre em construção, na qual cada um coloca um novo elemento, eis algumas informações sobre um suposto Lula Secreto. Assim, outros podem conseguir chegar até onde não fui capaz. Uma das possibilidades em jogo, é que se descubra que essa história não passaria de fantasia.

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O Lula Secreto

Publicado: janeiro 9, 2011 em BrasilPolítica

Acesse esta matéria atualizada em http://www.livreimprensa.com.br/o-lula-secreto/

https://internacionalpress.wordpress.com/2011/01/09/o-lula-secreto/?fbclid=IwAR1nBIKsEggeucxaowR8fSvM0pFpBEiFoynUsf3O2TXeJ1DJ-slkt996h5Q

Segue coletânea de artigos sobre o já mítico presidente Lula.
Mário Garnero, testa de ferro do Barão Rothschild no Brasil conta sobre o “Lula Secreto”
Mistério (e suspeita) na gênese desse líder politico
“Um dos grandes mistérios da história politica brasileira é compreender por que, afinal, os próceres do regime militar deixaram um jovem e desconhecido metalúrgico Luís Inácio da Silva, sem origem partidária e sem referência, sem grandes articulações, de repente se transformar em grande líder. Lula tem estrela? Sorte? É um predestinado? Ou teria sido construído, meticulosamente, nos arquivos secretos da ditadura? Fala-se inclusive, entre os militares da repressão, que Lula seria invenção do general Golbery do Couto e Silva, em armação com o empresário Mario Garnero. Será? Esta última possibilidade, a de haver um “Lula Secreto”, sempre foi aventada, mas nunca provada.
Recebi tempos atrás (de Alfredo Pereira dos Santos) cópia do capitulo de um livro de autoria do próprio Mário Garnero, “JOGO DURO”, relatando sua relação com Lula nos anos 70. O livro, já esgotado, foi editado pela Best Seller em 1988. O depoimento em questão vai da página 130 à 135. “Alguém já estranhou o fato do Lula jamais ter contestado o que o Garnero disse no livro nem tê-lo processado?”, indaga Alfredo Pereira Santos, autor da digitalização do trecho. Seria essa recusa decorrente da afirmação do próprio Garnero, segundo a qual…
“Longe de mim querer acusá-lo de ser o Cabo Anselmo do ABC, mesmo porque, ao contrário do que ocorre com o próprio Lula, eu só acuso com as devidas provas. Só me reservo o direito de achar estranho” (…) “Lula foi a peça sindical na estratégia de distensão tramada pelo Golbery – o que não sei dizer é se Lula sabia ou não sabia que estava desempenhando esse papel”, escreve ainda Garnero.
Procurei o próprio Mário Garnero para conversar sobre o assunto. Ele me recebeu com toda deferência, na sede do Brazilinvest, na av. Faria Lima, São Paulo. Em almoço com talheres de prata. “Não quero mais falar sobre isso”, desconversou Garnero. Sobre o livro, ele disse que já passou, que os tempos são outros (escreveu-o depois de ser preso, quando ainda guardava muitas mágoas), e que hoje não tem qualquer intenção de ressuscitar o assunto. Insisti daqui, perguntei das mais diversas formas. Sempre muito gentil, nada de novo informou. Mas o essencial está registrado em livro. Fiquem com o depoimento do Garnero, vale à pena ler até o fim e a fim de tirar as próprias conclusões.”
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Um dos motivos para a recusa de Garnero em comentar o assunto pode se dar ao fato de que quase 20 anos depois de ter sido banido do mercado financeiro, Mário Garnero voltou ao centro do poder abraçado ao governo Lula. À frente dos presidentes do Senado, José Sarney, e do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, dos ministros Dilma Rousseff e Ciro Gomes e de sete governadores, foi anfitrião das autoridades e dos 300 empresários presentes em seminário no ano de 2004.
Foi em 2002 que Garnero entrou em ação e ofereceu seus serviços para aproximar o PT e os banqueiros internacionais. Uma resposta ao tal “lulometro”, um índice de desconfiança do capital estrangeiro com a possível eleição de Lula a presidência.
Garnero até articulou uma viagem de José Dirceu aos Estados Unidos que incluiu desde palestras para investidores no banco Morgan Stanley até visitas a gabinetes de altos funcionários em plena Casa Branca.
Eis a transcrição de seu livro de 1988:
“Eu me vi obrigado, no final do ano passado, a enviar um bilhetinho pessoal a um velho conhecido, dos tempos das jornadas sindicais do ABC. Esse meu conhecido tinha ido a um programa de tevê e, de passagem, fez comentários a meu respeito e sobre o Brasilinvest que não correspondem à verdade e não fazem jus à sua inteligência.
Sentei e escrevi: “Lula…” Achei que tinha suficiente intimidade para chamá-lo assim, embora, no envelope, dirigido ao Congresso Nacional, em Brasília, eu tenha endereçado, solenemente: “A Sua Excelência, Sr. Luiz Ignácio Lula da Silva”. Espero que o portador o tenha reconhecido, por trás daquelas barbas.
No bilhete, tentei recordar ao constituinte mais votado de São Paulo duas ou três coisas do passado, que dizem respeito ao mais ativo líder metalúrgico de São Bernardo: ele próprio, o Lula. Não sei como o nobre parlamentar, investido de novas preocupações, anda de memória. Não custa, portanto, lembrar-lhe. É uma preocupação justificável, pois o grande líder da esquerda brasileira costuma se esquecer, por exemplo, de que esteve recebendo lições de sindicalismo da Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, ali por 1972, 1973, como vim a saber lá, um dia. Na universidade americana até hoje todos se lembram de um certo Lula com enorme carinho
Além dos fatos que passarei a narrar, sinto-me no direito de externar minha estranheza quanto à facilidade com que se procedeu à ascensão irresistível de Lula, nos anos 70, época em que outros adversários do governo, às vezes muito mais inofensivos, foram tratados com impiedade. Lula, não – foi em frente, progrediu. Longe de mim querer acusá-lo de ser o Cabo Anselmo do ABC, mesmo porque, ao contrário do que ocorre com o próprio Lula, eu só acuso com as devidas provas. Só me reservo o direito de achar estranho..
Lembro-me do primeiro Lula, lá por 1976, sendo apresentado por seu patrão Paulo Villares ao Werner Jessen, da Mercedes-Benz, e, de repente, eis que aparece o tal Lula à frente da primeira greve que houve na indústria automobilística durante o regime militar, ele que até então era apenas o amigo do Paulo Villares, seu patrão. Recordo-me de a imprensa cobrir Lula de elogios, estimulando-o, num momento em que a distensão apenas começava, e de um episódio que é capaz de deixar qualquer um, mesmo os desatentos, com um pé atrás.
Foi em 1978, início do mês de maio. Os metalúrgicos tinham cruzado os braços, a indústria automobilística estava parada e nós, em Brasília, em nome da Anfavea , conversando com o governo sobre o que fazer. Era manhã de domingo e estive com o ministro Mário Henrique Simonsen. Ele estivera com o presidente Geisel, que recomendou moderação: tentar negociar com os grevistas, sem alarido. Imagine: era um passo que nenhum governo militar jamais dera, o da negociação com operários em greve. Geisel devia ter alguma coisa a mais na cabeça. Ele e, tenho certeza, o ministro Golbery.
Simonsen apenas comentou, de passagem, que Geisel tinha recomendado que Lula não falasse naquela noite na televisão, como estava programado. Ele era o convidado do programa Vox Populi, que ia ao ar na TV Cultura-o canal semi-oficial do governo de São Paulo. Seria uma situação melindrosa. “Nem ele, nem ninguém mais que fale em greve”, ordenou Geisel.
Saí de Brasília naquela manhã mesmo, reconfortado pela notícia de que ao governo interessava negociar. Desci no Rio com as malas e me preparei para embarcar naquela noite para uma longa viagem de negócios que começava nos Estados Unidos e terminava no Japão. Saí de Brasília também com a informação de que Lula não ia ao ar naquela noite.
Mas foi, e, no auge da conflagração grevista, disse o que queria dizer, numa televisão sustentada pelo governo estadual. Fiquei sabendo da surpreendente reviravolta da história num telefonema que dei dos Estados Unidos, no dia seguinte. Senti, ali, o dedo do general Golbery. Mais tarde, tive condições de reconstituir melhor o episódio e apurei que Lula só foi ao ar naquele domingo porque no vai-não-vai que precedeu o programa, até uma hora e meia antes do horário, prevaleceu a opinião de Golbery, que achava importante, por alguma razão, que Lula aparecesse no vídeo. O general Dilermando Monteiro, comandante do II Exército, aceitou a argumentação, e o governador Paulo Egydio Martins, instrumentado pelo Planalto, deu o nihil obstat final ao Vox Populi.
Lula foi a peça sindical na estratégia de distensão tramada pelo Golbery – o que não sei dizer é se Lula sabia ou não sabia que estava desempenhando esse papel. Só isso pode explicar que, naquele mesmo ano, o governo Geisel tenha cassado o deputado Alencar Furtado, que falou uma ou outra besteira, e uns políticos inofensivos de Santos, e tenha poupado o Lula, que levantava a massa em São Bernardo. É provável que, no ABC, o governo quisesse experimentar, de fato, a distensão. Lula fez a sua parte.
Mais tarde, ele chegou a ser preso, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentou a ameaça de helicópteros do Exército voando rasantes sobre o estádio de Vila Euclides, mas tenho um outro testemunho pessoal que demonstra o tratamento respeitoso, eu diria quase especial, conferido pelo governo Geisel ao Lula- por governo Geisel eu entendo, particularmente, o general Golbery. Dois ex-ministros do Trabalho- Almir Pazzianotto e Murilo Macedo – podem dar fé ao que vou narrar.
Aí, já estávamos na greve de 1979, que foi especialmente tumultuada. O movimento se prolongava, a indústria estava parada havia quinze dias, e todos nós, exaustos, empresários e trabalhadores, tentávamos uma solução. Marcamos, no fim de semana, uma reunião na casa do ministro do Trabalho, Murilo Macedo, aqui em São Paulo.
Domingo , 8 da noite. O ministro, mais o Theobaldo de Nigris, presidente da Fiesp, dois ou três representantes de sindicatos patronais, eu, pela indústria automobilística, e a diretoria dos três sindicatos operários, o de São Bernardo, o de São Caetano e o de Santo André. Reunião sigilosa. Coisas do Brasil: como era um encontro reservado, a imprensa ficou sabendo. Chegou antes de nós.
Muita tensão, muito cansaço. E como o uísque do ministro era generoso, por volta das 2 da manhã tivemos a primeira queda. Literalmente, desabou sobre a mesa de negociações o deputado federal Benedito Marcílio, presidente do Sindicato de São Caetano, continuamos sem ele. Por volta das 4 e meia da madrugada , fechamos o acordo com Lula e com o outro (Pazzianotto servia como assessor jurídico do Sindicato de São Bernardo). Saem todos. Lula assume o compromisso de ir direto para a assembléia permanente em Vila Euclides, e desmobilizar a greve. O ministro do Trabalho, aliviado, ainda teve tempo de confidenciar: “Olha, se não saísse esse acordo, teria intervenção nos sindicatos”. Fomos dormir.
Quando acordei, disposto a saborear os frutos do trabalhoso entendimento, sou informado de que, de fato, Lula tinha ido direto para a assembléia. Como prometera. Chegou lá e botou fogo na massa. A greve iria continuar. Acho difícil que ele tenha feito de má fé. Sujeito maleável, sensível, ele deve ter percebido que o seu poder de persuasão sobre a assembléia não era tão amplo assim. Cedeu. Mesmo sabendo que as conseqüências se voltariam contra ele, como havia dito o ministro Murilo Macedo: intervenção no sindicato, ele afastado. Foi o que se deu.
Gostaria de lembrar ao Lula – que me trata como um desafeto – que sua volta ao sindicato, em 1979, começou a acontecer num escritório da Avenida Faria Lima, número 888, um dia depois da intervenção decretada. Ocorre que esse escritório era o meu e que ainda guardo uma imagem bastante nítida do Lula e do Almir Pazzianotto, sentadinhos nesse mesmo sofá que eu ainda tenho sob meus olhos, enquanto eu ligava alternadamente para o Murilo Macedo e para o Mário Henrique Simonsen, em Brasília.
– Se a intervenção acabar no ato, eu paro a greve – dizia Lula.
Eu transmitia o recado aos dois ministros que negociavam em nome do governo.
– Não é possível, o governo não pode fazer isso. Pára a greve que, em quinze, vinte dias, o sindicato estará livre – me respondiam, de Brasília.
Lula foi cedendo, aconselhado pelo Pazzianotto. Mas o acordo empacou num ponto:
– Como é que vou lá propor isso à peãozada, se não tenho nenhuma garantia de que o governo vai cumprir a promessa de acabar com a intervenção? – observou ele, cauteloso.
Confesso que também empaquei. Mas decidi arriscar:
– E se for eu o fiador? – perguntei. Era a única garantia que poderia oferecer.
– Como assim? – quis saber Pazzianotto.
– O seguinte: se o Lula não voltar ao sindicato, eu, na qualidade de presidente da Anfavea, vou ao público e conto esta história, dizendo que eu também fui ludibriado. Entro nisso com vocês.
Lula pensou um minuto:
– Aceito.
Liguei para o ministro Simonsen, para o Murilo Macedo, e, depois, para o Golbery, que prometeu: “Nós suspendemos a intervenção dentro de um mês e ele volta”.
A greve terminou. A intervenção foi suspensa em dez dias. Lula voltou à presidência do Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, para se preparar para vôos mais ambiciosos, que eu ainda acompanho, à distância, com bastante interesse.
No programa de tevê que citei, Lula reclamava de o Brasilinvest não ter pago seus débitos. O Brasilinvest nunca deveu aos trabalhadores, nem aos contribuintes brasileiros. Naquele momento em que Lula falava, os únicos credores com os quais os Brasilinvest ainda não tinha resolvido todas as suas pendências eram uns poucos bancos estrangeiros. Curioso que o presidente do Partido dos Trabalhadores tomasse as dores de banqueiros internacionais.
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Dora Kramer fragmento de artigo publicado no Jornal do Brasil, 18 de agosto de 2004:
“O sindicalista Lula – ao contrário do que parece – não se absteve de estudar. Há relatos – nunca desmentidos – de sua preparação em cursos de AFL CIO, as centrais sindicais norte-americanas, quintessência do peleguismo e do anti-esquerdismo em geral e na John Hopkins University, em Baltimore, Estados Unidos (em 1972 ou 73), onde teria feito um curso de liderança sindical, desenhado sob medida para parecer de esquerda, apenas parecer, mas servir ao sistema dominante. Merece um doutorado honoris causa, ou seria horroris causa?  E, além disso, já como diretor do sindicato dos Metalúrgicos, cursou o Instituto Interamericano para o Sindicalismo Livre, (Iadesil), sustentado pela CIA e passou a adotar sua própria “agenda”, livrando-se do próprio irmão, o Frei Chico, quadro do Partido Comunista.”
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Da entrevista do ex-deputado Sinval Boaventura ao Jornal Opção na edição de 22 a 28 de janeiro de 2006. (Foto: Golbery)
Repórter: É verdadeira a história de uma reunião na casa do então deputado Simões da Cunha, na qual a deputada Ivete Vargas teria contado que saíra de um encontro com o general Golbery e este revelou que ia projetar o sindicalista Lula para ser o anti-Brizola ?
Sinval Boaventura: A Ivete Vargas* disse que tinha estado com o ministro Golbery, na chácara dele, e que ele dissera que precisava trazer o Brizola para o Brasil, porque ele estava se tornando um mito muito forte fora do país. Que era melhor ele voltar e disputar eleição, porque assim perderia o prestigio politico. Fui ao Golbery e ele confirmou a conversa com a Ivete. Explicou que sua estratégia era estimular a imprensa para projetar o Luiz Inácio da Silva, o Lula, um grande lider metalúrgico de São Paulo como uma liderança inteligente expressiva, para ser preparado como o anti-Brizola. Sou testemunha deste tese do general Golbery. ”
*Ivete Vargas cujo marido trabalhava para Golbery, em 1979 presidiu uma das facções que disputaram o controle da sigla do PTB, com o grupo de Leonel Brizola, e finalmente, em 1980, por decisão do TSE, ganhou a disputa, e se tornou a Presidente Nacional do Novo PTB. Um novo PTB, governista, criado exclusivamente para enfraquecer Brizola.
(Foto: Lula e FHC panfletando)
Da entrevista de Jarbas Passarinho de 2008 na Terra Magazine:
Terra Magazine – As vitórias de FHC e Lula, um intelectual e um operário, podem ser consideradas uma herança de 68?
Jarbas Passarinho – Do Fernando Henrique, sim. Porque, como disse o Delfim (Netto), ele foi auto-exilado. Ele saiu do Brasil como o Delfim dizia: com passaporte e bagagem despachada (risos).
Mas é um julgamento suspeito. FHC e Delfim não se dão bem…Tanto ele como o (José) Serra. Todos os dois depois ficaram meus amigos. Esse (FHC) eu considero um subproduto direto. O Lula, não. Lula pode constar como do Golbery (do Couto e Silva, 1911-1987, general e fundador do SNI).
Golbery, por quê?Golbery fez tudo para conquistar o Lula. E a mudança de posição do próprio Figueiredo foi quando Lula começou a fazer as greves. Entendia que ele fosse um êmulo de Gandhi, já que ele não tinha lido o (Henry David) Thoreau, mestre da desobediência civil. Ele não leu nada, então é isto. Mas Gandhi ele devia saber… Me lembro quando ele deu uma declaração à TV, não aceitando a decisão do Tribunal do Trabalho de São Paulo sobre a reposição salarial dos trabalhadores. Lula disse: “Não reconheço esse tribunal”. Me lembro bem. Era desobediência civil! Coloco bem diferente do resto, até porque a reação dele já foi quando todas as liberdades fundamentais estavam restabelecidas.
O senhor conversou com Golbery, alguma vez, sobre Lula?Não. Minhas relações com Golbery foram difíceis. No final, como eu faço muito no meu estilo, quando ele se demitiu do governo, eu era ministro e fui visitá-lo. Aliás, fiquei impressionado porque era um sítio cheio de animais, a esposa dele gostava muito. E as estantes dele eram muito precárias do ponto de vista da madeira. Mas eram enormes, um pavilhão inteiro de livros. Com a vantagem de que eram livros que eu também tinha lido (risos). Ele não comprava a coisa por metro.
O governo militar estimulou a liderança de Lula?Creio que a política sindical é tipicamente isso. Agora, cada vez mais, o líder sindical trabalha sempre pra ter as melhorias imediatas. Aqui e agora. Saiu numa publicação aí de São Paulo que os colegas do Lula ficaram decepcionados com as adesões ao governo. Foi todo mundo pescar na represa Billings (risos). Lula, do ponto de vista original, iludiu demais. E tem esse grupo da esquerda burocrática, ao mesmo tempo uma esquerda suave, como a do intelectual Fernando Henrique, que pediu pra esquecerem o que ele escreveu; porque o mundo mudou. Realmente, mudou muita coisa. O Fernando Henrique, pra chegar ao poder, veio apoiado pelo que hoje é o DEM.
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‘Não sabia que Lula tinha derrotado os comunistas’
Em 1975, antes mesmo de tomar posse como governador, Paulo Egydio deu posse a Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
“Isso provocou uma reação da chamada comunidade de informações”, diz. Geisel teria perguntado “o que deu na cabeça” de Paulo Egydio. Ele explicou que Lula era adversário dos comunistas. Geisel relaxou: “Mas eu não sabia que ele tinha derrotado os comunistas”. Segundo Egydio, Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil, manobrou para “atrair” Lula para a política.
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Brasil, 2008
“Na comemoração dos 60 anos do grupo pão de açúcar [eu estive presente], a única coisa que se ouviu da ‘direita conservadora’ é a união do Brasil grande com Lula.
Está se formando na elite empresarial brasileira um pensamento de que o Lula é um homem que a elite pode confiar com segurança.
Empresários, banqueiros e ruralistas demonstraram ao Lula, pessoalmente, suas intenções e projetos de que o PT continue no governo por mais 8 anos.
O empresário Abílio Dinis, presidente do Grupo Pão de Açucar, foi pessoalmente se desculpar ao Lula pelo seu seqüestro em 1989 atribuído ao Lula e ao PT (o pedido de desculpa foi público). A imprensa de hoje já dá sinais de que o pedido de desculpas foi aceito e que, agora, vão em frente como aliados empresários e Lula].
O golpe que muitos temiam neste grupo da resistência e de militares não virá da esquerda e sim da direita e das elites corporativas.
Detalhe:
Havia muita gente da UDR e dos frigoríficos de carne bovina [setor a que eu pertenço] presente no encontro e todos, quase por unanimidade, estão embarcando neste projeto de ‘Lula mais 8 anos’,[DILMA!] no maior e mais rico estado da federação. Isto é um bom sinal do que poderá acontecer no futuro.
Rui Vicentini”
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O que os empresários acham de Lula:O mundo já deu tantas voltas nestes quase vinte anos que separam o seqüestro da festa dos Diniz que o dono do Pão de Açúcar não apenas convida Lula para ser uma das estrelas de seu jantar como lidera um grupo de empresários para um projeto pós-2010 em torno do presidente. De acordo com um interlocutor de Diniz, o grupo, do qual fariam parte também o empreiteiro Emílio Odebrecht, da Odebrecht, e Beto Sicupira, da InBev e amigo de Diniz, quer aproximar o presidente da gestão e do dia-a-dia das grandes empresas brasileiras depois que ele deixar o cargo.
“Esse grupo de empresários critica o hábito que os políticos brasileiros têm de deixar os cargos e fazer cursos nos EUA, ficando lá como bobos, sem nem entender direito inglês”, diz o amigo de Diniz. Eles acreditariam que Lula, mesmo tendo dirigido o país por oito anos, ainda teria o que aprender com as empresas brasileiras, muitas delas hoje multinacionais. A coluna tenta conversar com Diniz sobre o “projeto Lula pós-2010”. Ele sorri. A coluna insiste. E Diniz, sempre sorrindo: “Não posso comentar nada.”
O jantar do Pão de Açúcar reuniu tantos empresários e autoridades, como os ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Dilma Roussef, da Casa Civil, entre outros -que foram mobilizados 30 agentes de segurança da Presidência da República, 20 batedores do aeroporto até o local do jantar, 20 agentes do Pão de Açúcar e mais seguranças da Casa Fasano para zelar pela tranqüilidade dos convidados. Cerca de 200 funcionários do Fasano serviam guloseimas como tartare de salmão envolto em papel de arroz, camarão em crosta de gergelim e vieiras com perfume de gengibre sobre risoto de pistache, mini-folhado de perdiz e papoula, vol-au-vent de camembert e damasco; para beber, espumante Valentim, nacional, feito em homenagem ao patriarca do Pão de Açúcar, Valentim Diniz, que morreu em março, aos 94 anos.
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Lula já deu aos banqueiros 75 bilhões em duas semanas
O governo Lula já tirou mais de R$ 75 bilhões das reservas brasileiras, ou seja, dinheiro público, para aliviar os bancos da falência
9 de outubro de 2008
Apesar da imunidade fictícia criada pelo governo Lula, da interferência da crise financeira sobre o Brasil, somente nas duas últimas semanas foram despejados nos cofres dos banqueiros, nada mais, nada menos que R$ 75 bilhões. Este valor é o que já foi entregue para conter as falências dos bancos privados, mas a tendência é que a transferência de dinheiro público para os bancos seja ainda maior, pois o governo está preparando novas medidas para dar liberdade total para o Banco Central atuar na defesa incondicional de bancos e instituições financeiras.
O governo está prevendo repasse de R$ 5 bilhões para o setor da Agricultura. São outros R$ 10 bilhões para o Fundo da Marinha Mercante e R$ 15 bilhões a mais para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) poder disponibilizar na forma de linhas de crédito.
O governo tirou a obrigação dos bancos de realizar os depósitos compulsórios, depósitos realizados no Banco Central, diariamente, pelas instituições. Com esta isenção, os bancos possuem mais dinheiro em caixa para assim evitar falta de liquidez. Foi aumentada de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões o valor que os bancos podem deixar de depositar a título de depósito compulsório. Somente esta medida fez com que os bancos tivessem à disposição para gastar, R$ 5,2 bilhões.
Ainda sobre os depósitos compulsórios o governo deu aos bancos a isenção do depósito em 40% para os bancos que comprarem carteiras de empréstimos de instituições que estiverem em crise. Com esta medida serão repassados para os bancos, mais R$ 23,4 bilhões. Ainda há a medida que adia o prazo de aumento da alíquota do depósito compulsório para as empresas que trabalham com leasing. Isso elevou o montante em mais R$ 8 bilhões.
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José de Souza Martins*
Quem viu as fotografias e leu o noticiário sobre a visita do presidente Luiz Inácio a Palmeira dos Índios, em Alagoas, deve ter estranhado exuberantes elogios (além da carona no Aerolula) ao ex-presidente Collor, extensivos a Renan Calheiros, que teve problemas na presidência do Senado. A que se pode juntar os elogios e o empenhado apoio que nestes dias deu a José Sarney, presidente do Senado, enrolado na questão dos atos secretos de nomeações para funções naquela casa do Congresso.
Hélvio Romero/AE
Hélvio Romero/AE
REABILITAÇÃO – Em Alagoas, o presidente fala de Collor com ênfase, após lhe dar carona no Aerolula
O Lula e o PT de hoje são irreconhecíveis em face do que disseram que seriam, no manifesto de fundação do partido, em 1980. Eles se tornaram interessantes enigmas para a compreensão dos nossos impasses políticos, os de uma história política que avança recuando. Em discurso de 1980, na Escola Superior de Guerra, o general Golbery do Couto e Silva, militar culto, ideólogo do regime instaurado pelo golpe de Estado de 1964, deu indicações sobre a armação do futuro político do País e do lugar que nele vislumbrara para Lula. O discurso está centrado nos requisitos da segurança nacional e se refere ao âmbito da liberdade política que romperia a dependência de facções da oposição em relação à polarização da Guerra Fria.
Para ele, a redução da liberdade política criara uma rede de organizações extrapolíticas de oposição ao regime. A abertura se justificava como meio de fazer com que os partidos renascessem “na plenitude de sua função de partidos”, para que a política retornasse ao seu leito natural, forma de manter as oposições divididas. Dedica umas poucas palavras à “ala esquerdista da Igreja”, e é quando cita Lula enquanto membro de uma elite sindical de líderes autênticos, “sem revanchismo ideológico”. Lula “poderia ter sido” um desses líderes, diz Golbery, que se confessa desapontado com ele porque fora atraído “para as atividades mais políticas do que propriamente sindicais”.
Intuitivo e prático, tudo sugere que Lula aos poucos compreendeu o plano de Golbery melhor do que o próprio Golbery. Era evidente a orfandade das esquerdas, que culminaria com a queda do Muro de Berlim no fim de 1989. No Brasil essa orfandade se traduzia numa fragmentação tão extensa que Paulo Vannuchi, hoje secretário de Direitos Humanos, chegou a escrever utilíssimo manual que mapeia e lista todos os grupos partidários da esquerda clandestina, indicando a origem de cada um como fragmento de outro. Sem passar pela aglutinação de ao menos parte dessa esquerda fragmentária, Lula nunca teria conseguido a legitimidade propriamente política que o tornaria a personagem que é.
Assim como Golbery, Lula também compreendeu que a Igreja Católica estava dividida em consequência das inovações do Concílio Vaticano II e que nela havia uma importante facção, que ia de leigos a bispos, ansiosa por aliar-se às esquerdas com base no capital político das comunidades eclesiais de base. A Igreja tinha seus motivos, temerosa de ver-se repudiada por ponderáveis parcelas da população, vitimadas por notórias carências sociais. A primeira manifestação da Igreja em favor da reforma agrária fora em 1950 e viera de um bispo conservador da diocese de Campanha (MG), dom Inocêncio Engelke, que alude em sua carta pastoral ao risco de que o êxodo de trabalhadores rurais para a cidade os colocasse à mercê do proselitismo comunista. É evidente que essa Igreja também compreendeu que Lula era um personagem politicamente à deriva ao qual poderia aliar-se, como se aliou.
Operário qualificado e bem pago de multinacional, Lula compreendia que o sindicalismo da era Vargas se tornava obsoleto e agonizava, impróprio para a nova militância do entendimento e da mesa de negociação. O sindicalismo lulista era apenas o instrumento da nova realidade das relações laborais, divorciadas da concepção de classes sociais, tendente ao fortalecimento das categorias profissionais e setoriais. Longe, portanto, do mito da greve geral, a greve política, mais de confronto com o Estado do que com o capital, que era a estratégia dos comunistas, fortes no ABC operário. Lula e o PT serão decisivos na demolição da esquerda característica e histórica.
O carisma crescente de Lula, a figura mítica buscada pelas esquerdas órfãs e pelo catolicismo social, foi fundamental para o salto de modernização política representado pelo surgimento do PT (e também pelo PSDB, entre outros partidos), com a abertura política promovida pela ditadura no marco das concepções de Golbery. Lula e o PT cresceram, aglutinando o que nem sempre corretamente se autodefine como esquerda. O manifesto de 2002, pelo qual o PT realinha suas orientações ideológicas a favor de uma generosa aliança com o capital e com as multinacionais, bem como com os grupos políticos de origem oligárquica, representa o cume na construção de esquerda do partido e o início do processo de sua desconstrução de direita. Ainda antes das eleições presidenciais daquele ano, Lula, falando a usineiros de açúcar e fornecedores de cana de Pernambuco e da Paraíba, fez a crítica do socialismo e lhes prometeu benefícios de política econômica, o que resultou na imediata adesão de todos a sua candidatura.
Daí em diante, Lula no poder e o próprio PT foram descartando pessoas e facções internas à esquerda de sua opção conservadora. Foram descartando também as organizações que atuam como movimentos sociais, abandonando ou atenuando programas e projetos. Inicialmente, para trazer o apoio do latifúndio e do grande capital a sua pessoa e a seu governo. Depois, para agregar a sua base política o que de mais representativo há do remanescente oligarquismo brasileiro e da obsoleta, e não raro corrupta, dominação patrimonial.
O solidário e empolgado abraço de Lula, com sorrisos, nesses três aliados, emblemáticos senadores da República, é sobretudo um fraterno e decisivo abraço no retrocesso histórico e nos reacionários arcaísmos da política brasileira. O general Golbery achou que se enganara. Não se enganou.