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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Educacao brasileira: 12 mitos desmontados por Gustavo Ioschpe

Material do ano passado, mas ainda plenamente válido.
Acesse a postagem interativa, neste link: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/gustavo-ioschpe-derruba-12-mitos-da-educacao-brasileira
Paulo Roberto de Almeida

Veja.com, 26/07/2014 - 09:22

Entrevista: Gustavo Ioschpe

Gustavo Ioschpe derruba 12 mitos da educação brasileira

Professor ganha pouco, universidade pública deve ser gratuita... O economista desconstrói versões predominantes sobre a realidade e os desafios do ensino nacional. Leia também: trecho inédito do novo livro do colunista de VEJA

Bianca Bibiano
Gustavo Ioschpe: "No dia em que a má qualidade do ensino tirar votos, teremos uma mudança verdadeira no país."
Gustavo Ioschpe: "No dia em que a má qualidade do ensino tirar votos, teremos uma mudança verdadeira no país." (Heitor Feitosa/VEJA.com/VEJA.com)
No início de 2013, Israel Lelis (PP), prefeito de Ibipeba, cidade de 17.000 habitantes no interior da Bahia, teve uma atitude bastante incomum: deu a todos os 200 professores da rede municipal de ensino local um exemplar do livro O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer?", de Gustavo Ioschpe, economista e colunista de VEJA. "Pensamos que era uma piada de mau gosto", conta Cleide Lelis, secretária de Educação da cidade. "Os professores que não conheciam o autor acharam que se tratava de um pseudônimo criado pelo prefeito para criticar nosso trabalho." Esclarecida a situação, os docentes organizaram um evento para discutir os artigos do livro, publicados originalmente em VEJA. "Os textos falam do que ninguém quer ouvir e fazem questionamentos que enriqueceram o debate sobre o que fazer para melhorar a qualidade da educação", diz a secretária.
Divulgação/ Ed. Objetiva
O que o Brasil quer ser quando crescer?
O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer? (Editora Objetiva; 254 páginas; 36,90 reais)
Sim, falar de temas espinhosos, questionar versões consagradas e derrubar mitos sobre a educação brasileira (leia na lista abaixo) é uma especialidade de Ioschpe, de 37 anos. Apoiado em rigor metodológico e na análise minuciosa de pesquisas nacionais e internacionais, o economista desconstrói discursos que se tornaram predominantes entre professores, pais, políticos e quase toda a sociedade para explicar a funesta situação do ensino nacional e seus desafios. Ioschpe volta à carga em novo livro, uma edição ampliada de "O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer?", que chega às livrarias no dia 1º de agosto e reúne 40 artigos publicados em VEJA entre 2006 e 2013. Os textos tratam de questões como financiamento da educação, participação dos pais e propostas de melhoria do ensino. O volume traz ainda um extenso material produzido após uma viagem do autor à China, em 2011, para investigar as causas do recente e acelerado avanço da educação no país asiático. Parte da apuração foi publicada à época em VEJA, mas parte permanecia inédita até agora (leia capítulo na íntegra).

Leia mais:
Capítulo inédito do novo livro: "A educação que constrói uma potência"

A viagem de Gustavo Ioschpe à China
A bagagem que permite ao economista fazer afirmações incisivas, que destoam da maioria — como a de que o Brasil não gasta pouco em educação e de que os professores não ganham mal —, foi acumulada ao longo de mais de 15 anos de pesquisas. "Eu não escrevo para mostrar minha opinião. Escrevo como pesquisador, apoiado em literatura empírica", diz Ioschpe. O gaúcho de Porto Alegre começou a escrever quando cursava o ensino médio e se preparava para o vestibular. "Sempre gostei de escrever e resolvi fazer um livro com dicas para vestibulandos que, assim como eu, precisavam aguentar a pressão dos exames." A repercussão do livro rendeu um convite para se tornar colunista do jornal Folha de S.Paulo, em 1996. No mesmo ano, foi aprovado na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, onde estudou administração, economia e ciências políticas.
O interesse pela educação brasileira nasceu com a repercussão de um artigo que defendia a cobrança de mensalidade nas universidades públicas. "Foi a primeira vez que recebi uma resposta agressiva dos leitores", diz. Para compreender o que causava tantas queixas, decidiu aprofundar a discussão em uma pesquisa científica. O resultado do trabalho ganhou forma em sua tese de graduação e foi aprofundado no curso de mestrado em desenvolvimento econômico na Universidade de Yale, onde ele mergulhou no estudo da economia da educação.
"Minha pesquisa me deixou chocado. Àquela altura, o Brasil ganhava visibilidade internacional com a promessa de um forte crescimento econômico, mas sofria com um problema seriíssimo de falta de capital humano, que atrapalhava o crescimento da nação e persiste até hoje. Para piorar, a discussão a respeito era irrelevante. O debate se resumia ao financiamento da educação e ao salário dos professores."
Com a "pretensão da juventude", como ele mesmo define, Ioschpe pensou que poderia mudar o eixo central do debate usando argumentos de sua tese de mestrado, publicada em 2002. "Eu queria mostrar que soluções comprovadamente eficazes para alavancar a aprendizagem, como cobrar diariamente o dever de casa, não envolviam recursos financeiros. Mas ninguém quer ouvir sobre soluções que deem mais trabalho aos professores. A educação nacional era e continua um desastre."
O receio de que o atraso educacional aniquilasse as chances de o Brasil se tornar um país desenvolvido motivou Ioschpe a seguir escrevendo — ele é colunista de VEJA desde 2006. "O maior elogio que posso receber é uma crítica pessoal. Se os comentários apontassem fraquezas nos dados que apresento, eu me importaria de verdade. Quando elas vem recheadas de xingamentos, vejo apenas que faltaram argumentos consistentes aos meus interlocutores." Com poucos interlocutores nessa seara dispostos a debater, o economista mirou outro alvo. "Antes, eu acreditava que poderia interferir no debate educacional mostrando que o problema é de má gestão e não de falta de recursos financeiros ou tecnológicos. Recentemente, concluí que discutir com esses grupos não adianta: a mudança só vai acontecer quando a população passar a cobrar melhorias."

Gustavo Ioschpe derruba 12 mitos da educação brasileira

Em entrevista, o economista comenta a situação e os desafios do ensino nacional

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"O Brasil investe pouco em educação"

“Se um médico prescreve um remédio para uma doença e ele não surte efeito, a primeira opção é aumentar a dosagem. Se o problema persistir, provavelmente o médico tentará outro medicamento. Quando o assunto é educação, a lógica segue o caminho oposto: a solução para todos os problemas é sempre aumentar a dosagem do que se considera o único remédio, ou seja, o dinheiro. Os defensores desse tratamento desconsideram o fato de que repasses de verba cada vez maiores já foram anunciados por programas como Fundef e Fundeb sem melhorar a qualidade da educação. Apesar disso, o Plano Nacional de Educação, recém-sancionado pela presidente Dilma Rousseff, prevê que, até 2024, 10% do PIB brasileiro deve ir para o setor. Segundo a Unesco, países como Finlândia, China, Irlanda e Coreia do Sul, que apresentam os melhores índices educacionais do mundo, gastam até 5,7% do PIB com educação. Em contraponto, nações como Quênia, Namíbia, Armênia e Mongólia despendem entre 7% e 12,9% do PIB no setor: mesmo assim, não conseguiram solucionar o problema da baixa qualidade do ensino.”

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Educacao: o Brasil continua pessimo no PISA-OCDE - Gustavo Ioschpe (draft de 11/01/2014)

Por que não falar a verdade, ministro?

Gustavo Ioschpe

Revista Veja, 11/01/2014

(Nota PRA, em 24/02/2015: esta nota tem mais de ano, e ficou parada nos drafts do meu blog todo este tempo, por razões que desconheço; devo ter dormido em cima do teclado... Mas o tema continua revelante, e a situação educacional do Brasil só tem piorado, por isso ela vai postada, e vocês podem ser ainda mais pessimistas do que eu era um ano atrás...)

Em dezembro, foram divulgados os resultados do Pisa, o mais importante teste de qualidade da educação do mundo, realizado a cada três anos com alunos de 15 anos. Como vem ocorrendo desde a primeira edição, no ano 2000, os resultados do Brasil foram péssimos. Ficamos em 58a lugar em matemática, 59- em ciências e 55e em leitura, entre os 65 países que participaram. Caímos no ranking nas três áreas, em relação à prova anterior. Como já havia acontecido em edições passadas, nem nossa elite se salvou: os 25% mais ricos entre os alunos brasileiros tiveram desempenho pior que os 25% mais pobres dos países desenvolvidos (437 pontos versus 452 pontos em matemática).

A Alemanha, assim como o Brasil, também participa do Pisa desde 2000. Quando os resultados daquele ano foram divulgados, os alemães descobriram que o país de Goethe, Hegel e Weber tinha ficado em 21- lugar entre os 31 participantes daquela edição, abaixo da média dos países da OCDE. Os dados caíram como uma bomba. A presidente da Comissão de Educação do Parlamento alemão disse que os resultados eram uma "tragédia para a educação alemã". A Der Spiegel, a mais importante revista do país, refletiu a tragédia com a seguinte manchete na capa: "Os alunos alemães são burros?". O alvoroço levou inclusive à criação de um game show na TV alemã.

No dia do anúncio dos resultados da última edição do Pisa, a reação brasileira foi bem diferente. Nosso ministro da Educação, Aloizio Mercadante. convocou uma coletiva de imprensa para declarar que o Pisa era uma "grande vitória" da educação brasileira e um sinal de que "estamos no caminho certo" (rumo ao fundo do poço?). Recorreu à mesma cantilena de seu antecessor, Fernando Haddad: "A foto é ruim, mas o filme é muito bom". Ou seja, a situação atual ainda não é boa, mas o que importa é a evolução dos resultados. E nesse quesito Mercadante fez um corte bastante particular dos resultados (focando apenas matemática, e só de 2003 para cá) para afirmar que o Brasil era "o primeiro aluno da sala", o país que mais havia evoluído. Sem mencionar, é claro, que evoluímos tanto porque partimos de uma base baixíssima. Quando se parte de quase nada, qualquer pitoco é um salto enorme.

Essas reações são tão previsíveis que escrevi um artigo, disponível em VEJA.com, um dia antes da fala do ministro, não só prevendo o teor da resposta como até o recurso à sétima arte (todos os links disponíveis em twitter.com/gioschpe). Mas, apesar de esperada, a resposta do ministro me causa perplexidade e espanto. Ela é muito negativa para o futuro da educação brasileira.

Eis o motivo da minha perplexidade: Mercadante e seu MEC não administram as escolas em que estudam nossos alunos de 15 anos. Dos mais de 50 milhões de estudantes da nossa educação básica, mero 0,5% está na rede federal. No Brasil, a responsabilidade por alunos do ensino médio é fundamentalmente de estados (85% da matrícula) e da iniciativa privada (13%). O MEC administra as universidades federais e cria alguns balizamentos para a educação básica, além de pilotar programas de reforço orçamentário para questões como transporte e merenda escolar, entre outras funções. A tarefa de construir as escolas, contratar e treinar os professores e estruturar o sistema é dos estados. No ensino fundamental, dos municípios. Portanto, os resultados do Pisa não representam um atestado de incompetência do Ministério da Educação. A maior parte da responsabilidade está certamente com estados e municípios. Além do mais, a tolerância do brasileiro para indicadores medíocres na área educacional é sabida e, ao contrário da Alemanha em 2000, não havia nenhuma expectativa de que tivéssemos um desempenho estelar no Pisa. Por que, então, o ministro não pode vir a público e dizer a verdade: que nossa situação é desastrosa, e que enquanto não melhorarmos a qualidade do nosso ensino continuaremos a chafurdar no pântano do subdesenvolvimento e da desigualdade? Não haveria custo político para Mercadante nem para o PT, já que o problema da nossa educação vem de antes da era lulista, e estados administrados por partidos de oposição tiveram resultados tão ruins quanto os da situação. Até entendo que seu antecessor se valesse dessa patacoada, pois teve uma gestão sofrível e era um neófito político em busca de divulgação, mas Mercadante já é um político consagrado e está fazendo uma boa gestão, a melhor da era petista; não precisa disso.

Antes que os patrulheiros venham com suas pedras, eu me adianto: o ministro não mentiu em suas declarações, apenas tapou o sol com a peneira. Fez uma seleção de dados destinada a conferir uma pátina brilhante a um cenário que na verdade é calamitoso. E esse malabarismo político, longe de ser apenas mera questão de conveniência pessoal, é muito ruim para o país.

Vocês que me leem há algum tempo sabem que estou convencido de que o grande entrave para a melhoria da qualidade educacional brasileira é o fato de que nossa população está satisfeita com
nossa escola (em pesquisa do Inep com amostra representativa de pais de alunos da escola pública, a qualidade do ensino da escola do filho teve uma inacreditável nota média de 8,6. Realidade africana, percepção coreana...). Enquanto a população não demanda nem apoia mudanças, os governantes não têm capital político para encarar a força obstrucionista dos sindicatos de professores e funcionários (um contingente absurdamente inchado de 5 milhões de pessoas). Excetuando VEJA, este colunista e mais meia dúzia de quixotes, toda a discussão nacional sobre o tema é dominada por mantenedores do status quo. Canais de TV buscam sempre alguma história de superação individual, para dar um contorno feliz a uma história triste. Rádios estão preocupadas com debates inflamados, a despeito da veracidade do que é discutido, quer o assunto seja educação, política ou futebol. Jornais acham que aprofundar um assunto é dar os dois lados da moeda, como se educação fosse questão de opinião, não de pesquisa. Empresários não querem falar nada que gere conflito; a maioria dos intelectuais é também professor e tem interesses pecuniários; políticos em geral querem se tomar prefeitos ou governadores. Nesse cenário, quem é que vai falar para o brasileiro aquilo que ele não quer ouvir? O candidato natural é o ministro da Educação. Imaginem que fantástico seria se Mercadante tivesse vindo a público para dizer: "O Brasil foi muito mal no Pisa. Nossos alunos não estão aprendendo o que precisam. Está na hora de encararmos essa realidade. Temos uma enorme crise educacional — o que, na Era do Conhecimento, significa que enfrentamos um gravíssimo problema. Para vencê-lo, todos teremos de arregaçar as mangas e trabalhar mais. Este ministério não administra nossas escolas, mas estamos à disposição de todos os prefeitos, governadores e secretários de Educação que querem melhorar".

Essas palavras poderiam marcar o início de uma nova era. E isso não traria custo político ao ministro. Acho até que geraria benefícios. São palavras de um estadista, de alguém que se preocupa com o futuro dos milhões de alunos que hoje estão sendo massacrados por um sistema educacional inepto.

P.S.: Depois da comoção de 2000, a Alemanha deu um salto. Neste último Pisa, ficou bem acima da média obtida pelos países da OCDE, abocanhando o 12. lugar em ciências, o 16º em matemática e o 19º em leitura

domingo, 4 de agosto de 2013

Miseria educacional brasileira: mais dinheiro nao vai melhorar um sistema ruim -Gustavo Ioschpe

Dilma, não desperdice nossos recursos nesse sistema educacional

23 de julho de 2013 
Autor: Gustavo Ioschpe
pequeno normal grande
Gustavo Ioschpe
Excelentíssima presidente da República, deputados e senadores: Está em suas mãos a decisão de aprovar ou vetar dois projetos de lei que aumentam o gasto em educação, um deles destinando 75% dos royalties do pré-sal para a área e o outro, o Plano Nacional de Educação, estipulando que dobremos o volume de gastos nos próximos dez anos, dos atuais 5% do PIB para 10% do PIB.
Nos últimos dez anos eu venho escrevendo sobre educação brasileira, e nela militando, com apenas um propósito: melhorar radicalmente a qualidade do ensino no país para que possamos dar um salto de desenvolvimento. Faço-o por espírito público, mas também por egoísmo: quero que meus filhos vivam em um país melhor que este que temos agora. Não ganho dinheiro com esse tema, não defendo interesse de nenhum grupo público ou privado, nacional ou estrangeiro. Ajo como se munido de uma procuração para falar em nome dos milhões de alunos das péssimas escolas públicas brasileiras, que não têm voz nem vez no debate político nacional. Por isso, espero que a senhora e os senhores acreditem em mim quando digo: eu defenderia qualquer medida para a qual houvesse evidências de que impacta positivamente o nível de aprendizado dos nossos alunos. Se essa medida fosse algo tão fácil e simples quanto aprovar uma lei, então eu ficaria mais feliz ainda. E, se essa medida tivesse como consequência secundária melhorar a renda dos 5 milhões de brasileiros que trabalham no sistema educacional, isso me deixaria triplamente contente. E, mesmo que não busque popularidade nem pretenda fazer-lhes companhia em atividades eleitorais, tampouco sou masoquista, de forma que ficaria mais alegre ainda em defender algo que vem sendo pedido pelos manifestantes de rua e por uma série de almas caridosas que clamam para que a senhora e os senhores aprovem as ditas leis. Por tudo isso, adoraria me juntar a esse coro dos que bradam por mais recurso. Mas não posso. Porque não consigo faltar com a verdade. nem ignorar décadas de evidências, nem consentir que duas dádivas que recebemos – a capacidade de trabalho do povo brasileiro, que gera os impostos de que os senhores estão prestes a se apropriar; e as riquezas minerais enterradas em nossa costa – sejam tão clamorosamente desperdiçadas em um sistema que é um Midas ao contrário: transforma o ouro que recebe em desperdício e ignorância.
A senhora e os senhores devem ter ouvido que o Brasil investe pouco em educação. Que os países que deram grandes saltos educacionais aumentaram seus gastos no setor para viabilizar seus avanços. Que se gastarmos mais conseguiremos resolver nossos problemas. Que se pagarmos mais aos nossos professores haveremos de recuperar sua combalida autoestima e finalmente trazer “os melhores” alunos para o magistério, para que elevemos a qualidade dos mestres de amanhã. Bem, desculpem-me pela franqueza e pela linguagem direta, mas a urgência e a gravidade do assunto tomam-nas necessárias: isso é tudo mentira. Deslavada.
O Brasil não gasta pouco em educação
O Brasil não gasta pouco em educação. Como mostram os dados do levantamento mais respeitado do mundo na área, o Education ata Glance de 2013, investimos em nossa educação básica 4.3% do PIB, contra 3,9% do PIB dos países desenvolvidos. Se olharmos para os gastos educacionais como um todo, ainda gastamos um pouco menos, mas isso é basicamente porque nosso sistema universitário público é minúsculo e gasta bem menos, no total, do que esses países, em que a maioria da população da faixa etária correspondente cursa o ensino superior. Nosso investimento por aluno, quando comparado ao nível de renda brasileiro, é basicamente o mesmo dos países desenvolvidos. (A senhora e os senhores, cercados por gente que quer ter mais dinheiro para administrar, provavelmente viram esses dados em seus valores absolutos nominais, em dólares. Como se fizesse sentido comparar gastos nominais em países que têm renda três ou quatro vezes maior do que a nossa, e como se em alguma atividade os valores nominais de países desenvolvidos e em desenvolvimento fossem semelhantes…).
Talvez a senhora e os senhores já saibam que gastamos o mesmo que os países com os melhores sistemas educacionais do mundo, mas acreditem que esses são patamares de nações que “já chegaram lá”. Já devem ter ouvido alguém falar que, quando esses países deram seu salto educacional, gastaram perto dos 10% do PIB que tencionamos agora gastar. Novamente: é mentira. Creio que o gráfico ao lado se encarrega de desmontar essa empulhação sem maiores delongas (os dados originais e outras bibliografias estão em twitter.com/gioschpe). São dados da Unesco para países que são referência no mundo em melhoria educacional, além dos nossos vizinhos. Cobrem o período de 1970 (quando esses dados começam a ser coletados) a 2012. Tanto faz se olharmos para o período todo ou só para o momento (1970-89) em que a maioria desses países começou a dar seu salto, a conclusão é a mesma: não houve elevação de investimento antes, durante ou depois das melhorias, e os patamares de investimento chegam no máximo à casa dos 5% do PIB. Tanto faz se o PIB é de país rico, como Espanha e Inglaterra, ou de países em desenvolvimento, como China e Chile.
Finalmente, sobre os professores. Como já escrevi em vários artigos aqui, há diversas pesquisas em que os próprios professores são entrevistados, e a maioria diz que escolheu a profissão porque a ama, gosta dela e não pretende abandoná-la. Não creio que essa categoria tenha uma autoestima menor do que a média, portanto. Muito se fala dos poucos casos de países que conseguem atrair os estudantes mais talentosos para a docência, mas esse é o típico caso da exceção que confirma a regra. Mesmo nos países mais bem-sucedidos, em geral o jovem que opta pela carreira de professor não é o mais qualificado de seu grupo etário. Os mais competentes acabam optando por profissões da iniciativa privada, em que seu talento será valorizado. Professor é carreira pública, com as limitações, engessamentos e estabilidade comuns às demais funções públicas. O que a maioria dos países top consegue fazer é pegar esse jovem mediano e, através de formação excelente e acompanhamento continuado ao longo da carreira, transformá-lo em um profissional competente. É o que deveríamos buscar fazer também.
Entendo que a senhora e os senhores querem fazer algo pela educação brasileira. Porém, como diz o vulgo, de boas intenções o inferno está cheio. Estão agindo sob a premissa errada: de que nossos problemas se resolvem com dinheiro. Isso é falso. Não é nem uma questão da quantidade de dinheiro, nem da forma como esse dinheiro é gerido. Precisamos de muitas coisas para nossa educação, e as mais importantes não têm nada a ver com dinheiro. Onde focar? Na melhoria das universidades de pedagogia/licenciatura, que são totalmente teóricas e ideológicas e não preparam ninguém para a docência. Na seleção criteriosa de diretores de escola. No estabelecimento de um currículo nacional. Na criação de expectativas altas para todos os nossos alunos, especialmente os mais pobres. Coibindo o absenteísmo docente. Fazendo com que a jornada de aulas seja aproveitada, sem tempo desperdiçado com atrasos, anúncios, chamadas, conselhos de classe. Impedindo professores de achar que encher a lousa de matéria e mandar que os alunos copiem é uma aula. Alfabetizando aos 6 anos de idade. Desinchando o currículo, especialmente no ensino médio, e dando opção de cursos técnicos e profissionalizantes nessa etapa. Prescrevendo e corrigindo mais dever de casa. Utilizando avaliações constantes e intervenções rápidas quando se identifica um aluno com problema.
Poucos itens acima podem ser resolvidos na esfera federal. A maior parte é de responsabilidade de prefeitos, governadores e seus secretários de Educação. Hoje, a maioria deles faz um trabalho muito ruim. Jogar mais um caminhão de dinheiro nas mãos dessas pessoas, com esse sistema, será a garantia de um desperdício colossal. Se ao fazerem um péssimo trabalho eles são recompensados com o dobro de recursos, que incentivo terão para melhorar?! Espero que os senhores parlamentares não se rendam ao populismo. Caso sucumbam, presidente Dilma, use o seu poder de veto. Talvez não ajude na sua próxima eleição, mas certamente beneficiará os colegas do seu neto.

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Os artigos assinados não traduzem a opinião do Instituto Millenium. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate sobre os valores defendidos pelo Instituto e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
  1. Você só não comparou os salários dos docentes em relação aos dos países citados (EUA, Finlândia,Japão, entre outros) e não fez referência à estrutura precária das instituições de ensino. Professor , no Brasil, não tem valor. Professor no Brasil adoece sim (com sobrecarga sistêmica de atividade laboral)para ganhar um pouquinho melhor, precisa fazer Mestrado e Doutorado, além da Graduação e mesmo assim trabalha em casa também,inclusive se privando do descaço, direito de todo cidadão. Existem vários artigos científicos nessa área.Professor no Brasil tem salário de fome!Acho que o senhor está muito por fora do que é ser docente no Brasil. E ninguém só trabalha por amor, ou o senhor só trabalha por amor? Que romântico.
    Junior

    23-07-2013 13:16:21
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sábado, 29 de junho de 2013

O relativismo, essa falacia epistemologica - Gustavo Ioschpe (via Orlando Tambosi)

Agradeço a meu amigo e colega de combates racionalistas, a transcrição em seu blog (aqui) deste artigo de Gustavo Ioschpe, na revista Veja de 26/06/2013, sobre o relativismo, que de outra forma me teria passado despercebido. Trata do relativismo, essa praga que invadiu universidades e vem se reproduzindo como... uma praga, justamente.
Reproduzo integralmente o conteúdo do post.
Paulo Roberto de Almeida

Orlando Tambosi, link

Na Veja da semana passada, Gustavo Ioschpe publicou um artigo - que vale a pena reproduzir integralmente - analisando uma questão epistemológica fundamental: a verdade. "Afinal, a verdade existe?", pergunta o título. Para o relativismo radical, negador de verdades universais, só há verdades relativas. Ioschpe se refere particularmente ao pensamento reinante nas escolas de segundo grau, mas o fato é que esse relativismo fincou raízes nas universidades, devastando as ciências humanas em geral. Fui testemunha dessa estupidez, contra a qual lutei quase que solitariamente na universidade a que pertenci, muitas vezes sendo chamado de positivista, reacionário etc. Muitos posts foram dedicados a esse tema no blog. Escrevi também um ensaio acadêmico sobre "jornalismo e teorias da verdade", que pode ser acessado aqui. A propósito, o relativismo deixou essa área mais próxima das ideologias que das ciências.

Há muitos anos, dei uma palestra a professores de uma rede estadual de ensino. Muita gente, ginásio grande. Apresentei a saraivada de dados em que me baseio para estabelecer um diagnóstico da educação brasileira. Depois da fala, abriu-se espaço para perguntas. Lembro-me da primeira delas como se fosse hoje: “O palestrante que esteve aqui ontem nos advertiu de que números são como palavras: são criações humanas. E que por trás de toda criação humana existe a intencionalidade da pessoa que a criou. Qual é a sua?”.

É uma visão de mundo preocupante. Fruto do pensamento pós-modernista de viés marxista, postula que não existe uma verdade objetiva, depreendida do estudo de fatos através das ferramentas da ciência. O resultado dessa investigação científica seria apenas uma verdade, a versão inventada pelo homem branco ocidental para ajudá-lo a subjugar os povos subdesenvolvidos e as minorias dos países ricos. Existem, para os pós-modernistas, “verdades”, no plural, ditadas pelas características históricas, culturais e econômicas de cada pessoa ou grupo. A crença de um aborígine de que um trovão é uma manifestação do descontentamento de uma deidade qualquer tem, portanto, o mesmo grau de verdade da descoberta de que o trovão é causado pela ionização e pelo aquecimento do ar que envolve um raio, gerando sua rápida expansão e a consequente onda de som.

Para que seja possível pensar assim, é preciso ignorar que existem fatos e que números, estatísticas, são apenas descrições quantitativas desses fatos. Se eu digo que a população brasileira em julho de 2012 era de 193 milhões de pessoas, segundo o IBGE, não se pode dizer que eu (ou os coconspiradores do IBGE) estou “criando” esse dado como se criasse um soneto. Não, as pessoas existem e estão lá! O número é apenas a maneira mais simples de comunicar esse fato, sem precisar mostrar fotos de todos os cidadãos nem repetir a contagem a cada instante. Se entendemos que fatos existem, e se notamos que os fatos corriqueiros do mundo que nos cerca já apresentam uma variedade e uma complexidade inenarráveis - da estrutura atômica e subatômica das partículas ao movimento das marés ou de planetas -, então necessitamos de um método impessoal e objetivo para perceber e compreender esses fatos. Esse método precisa ser peculiar: deve ser feito por seres humanos imperfeitos - com paixões e vilezas, sem visão de raio X nem audição perfeita - para superar as próprias limitações e chegar o mais próximo possível de observar o fato real, sem distorções ou falhas de interpretação. A criatura precisa superar o criador. Como fazê-lo? Perseguindo os fatos de maneira objetiva e técnica, gerando hipóteses sobre o mundo que só podem ser confirmadas através da medição. Porque, confiando em um método objetivo e em dados oriundos de medições, os resultados podem ser reproduzidos por diferentes pessoas em diferentes épocas, e as conclusões espúrias ou os métodos defeituosos podem ser expostos, corrigidos ou descartados. Sim, esse método a que me refiro é a ciência.

Os pós-modernistas empenham-se em destruir o edifício da ciência. Não mostrando os erros metodológicos ou quantitativos dos estudos científicos, porque a maioria dos adeptos da causa não tem competência técnica para isso (“Errar é humanas”), mas simplesmente atacando a credibilidade dos “especialistas”. E isso se faz necessário não apenas porque, sem os guardiães do conhecimento embasado em fatos, qualquer Quixote pode descrever moinhos inexistentes que devem ser derrubados, mas também porque as investigações mais recentes de várias ciências, especialmente a biologia, desconstroem muitas ideias que são caras aos pós-modernistas e marxistas em geral. Entre elas, especialmente aquela de que o ser humano é um bicho fraterno e igualitário por natureza, e não o ser competitivo e movido pela busca de status e hierarquia em seu grupo social que a psicologia evolutiva não se cansa de demonstrar em estudos e experimentos (sugestões de leitura em twitter.com/gioschpe). Claro, se o fato não existe, o cientista ou especialista só pode ser um impostor, que inventa dados para justificar algum viés inconfessável. Para os ideólogos, toda neutralidade é uma farsa. Quem aponta um erro de um pós-modernista não pode estar certo: necessariamente, deve ser um tarado neoliberal. O marxismo e seus derivativos formam um sistema fechado. Para os crentes, quem aponta seus erros o faz por algum interesse de classe, etnia ou nação e, portanto, pode ser imediatamente descartado. Só poderá apontar os erros quem for confrade. Mas, obviamente, quem é confrade não percebe os erros.

As pessoas dessa inclinação acreditam que a ciência é uma religião, uma fé cega. Que os racionalistas apenas trocaram um deus crucificado por outro abstrato: o método científico. Mas esse é um engano fundamental e dantesco. Porque a marca da religião (e da ideologia) é justamente o dogma, a ideia inquestionável e infalsificável, porque revelada por uma entidade superior. A ciência se move por dúvidas, não por certezas: tudo é questionável e precisa ser demonstrado e reproduzido. Não há crença em entidades superiores. Pelo contrário: a ciência moderna se faz pela sobreposição de vários e pequenos esforços. Até que uma teoria ganhe respeitabilidade e passe a ser aceita como uma boa descrição dos fatos, precisa ser replicada por muitos pesquisadores, que podem estar espalhados por todo o planeta. É sempre assim que funciona? Claro que não. Quem conhece a história das ideias sabe que cientistas e pesquisadores sofrem dos mesmos vícios da humanidade em geral. São seduzidos pelo poder político e econômico, sucumbem a ideologias, aferram-se a teorias patentemente equivocadas por questões pessoais ou até mesmo estéticas. Mas, por mais que ideias tortas tenham vida longa, algum dia elas não resistem ao acúmulo de evidências contrárias e morrem, vão para o lixo da história, substituídas por formulações mais corretas.

Algumas pessoas acham que não se pode confiar na ciência porque “uma hora eles dizem uma coisa, outra hora dizem outra”. Mas isso é causado mais por um viés da publicação dos resultados do que pelos resultados em si. É mais culpa da imprensa (leiga e acadêmica) do que de pesquisadores: é a velha história de que quando um homem morde um cachorro é notícia, mas não vice-versa. Os resultados mais divulgados são frequentemente os mais destoantes do senso comum e da pesquisa anterior. É bom que sejam publicados, porque arejam o debate, mas na maioria dos casos acabam sendo a exceção que comprova a regra. Não é verdade que o processo científico é um eterno pingue-pongue de versões antagônicas. O conhecimento avança, chegamos a consensos. Dificilmente se verá algum estudo sério sugerindo que fumar faz bem à saúde. É verdade que os consensos não são perenes e que talvez vamos propor ações equivocadas por baseá-las em pesquisas que depois se descobrirão equivocadas. Mas no mundo real sabemos que a perfeição é inatingível. A questão, portanto, não é acabar com o erro, pois isso é impossível, mas minimizá-lo. E certamente uma ação baseada em evidências sólidas vai errar menos do que aquela inspirada em intuições e inclinações pessoais.

Que pessoas ignorantes repitam essa linha do “cada um com a sua verdade” é até compreensível, saturados que estamos, aqui nos tristes trópicos, de gente que compartilha essa cosmovisão. Na terra da cordialidade, pega mal defender a existência de uma verdade e o consequente erro daqueles que defendem seu oposto. Parece até arrogância. Que professores pensem assim já é mais triste e preocupante, pois uma tarefa fundamental do sistema escolar é transmitir ao alunado o conhecimento acumulado ao longo de séculos de trabalho árduo de pesquisadores e pensadores, que muitas vezes perderam a vida defendendo suas ideias “hereges”. Também são os professores que deveriam propagar o método científico, para que seus alunos possam empreender o mesmo caminho da busca da verdade trilhado pelos gigantes intelectuais que nos precederam.

Mas que líderes públicos pensem assim, e ajam ao arrepio daquilo que a pesquisa já estabeleceu, aí não é apenas triste ou lamentável: é criminoso. Na área da educação posso dizer com tranquilidade: a maioria dos nossos gestores públicos despreza totalmente os milhares de estudos objetivos sobre o que funciona em educação. Insistem em gastar fortunas com ideias que a experiência, documentada em estudos rigorosos, já se encarregou de demonstrar serem inócuas. O Ministério da Educação agora cria um “Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa” que quer alfabetizar na idade errada (8 anos, em vez de 6) e defende um aumento radical do financiamento em educação que não terá nenhum impacto na melhora da qualidade do ensino (em breve escreverei artigo a respeito). Prefeituras insistem em alfabetizar com o método construtivista, quando o fônico tem se mostrado mais eficaz. Em diminuir o número de alunos em sala de aula ou colocar dois mestres por turma, o que não dá resultado. Em carregar nas ferramentas tecnológicas que não têm comprovação alguma, sem nem ao menos fazer uma escolha criteriosa do livro didático ou prescrever o bom e velho dever de casa, ambos com custo perto de zero e eficácia comprovada.

Muitos o fazem por desconhecimento e preguiça, outros por conveniências políticas, outros ainda por motivos inconfessáveis (não há fornecedor de dever de casa para dar uma mãozinha no financiamento da próxima campanha...). Mas, no frigir dos ovos, eles só podem se safar de sua irresponsabilidade porque sabem que grande parte dos eleitores está convencida de que fatos são criados de acordo com a intencionalidade de cada um e que, portanto, vontades são mais importantes do que resultados e que as boas intenções dos inventores de factoides compensam o divórcio entre seus objetivos e suas realizações. Mas os dados existem. A verdade existe. E até os pós-modernistas mostram saber disso. Cada vez que tomam um remédio ou visitam um médico para tratar de uma doença, em vez de consumir uma beberagem prescrita por um pajé, estão dando às próprias ideias a credibilidade que merecem. Ignoramos esses dados, e os muitos recados que nos mandam, por nossa conta e risco. Países não morrem nem vão à falência por teimar em ignorar a realidade. Mas podem estagnar ou retroceder, como mostra a história recente de alguns de nossos vizinhos. Se não acordarmos para a realidade, em breve haveremos de fazer-lhes companhia.


P.S.: Thomas Jefferson, um dos founding fathers dos EUA, escreveu que “onde a imprensa é livre, e todo homem capaz de ler, tudo está seguro”. Roberto Civita lutou para que cumpríssemos essas duas missões por toda a sua vida adulta. O Brasil perdeu um grande homem, mas o legado fica. Em boas mãos: a existência desta coluna, que irrita a tantos há anos, só é possível em uma organização que preza a verdade antes de agradar a leitores ou poderosos

domingo, 23 de junho de 2013

Educacao no Brasil: de mal a pior; artigos e livros Gustavo Iochpe, resenha de Paulo Roberto de Almeida

O tema é educação, que continua a decair assustadoramente no Brasil. Eu escrevi sobre isso, mas quando os desastres ainda eram pequenos, no primeiro governo Lula. A coisa continuou a se deteriorar desde então.  
Leitora deste blog me indica a leitura deste livro, que efetivamente devo ler, embora conheça muito do conteúdo, que já na Veja: 

Um dos livros que li recentemente, somente me aprimorou em pensamentos contrários aos da Pedagogia do Oprimido, por exemplo. Não sei se o Sr. já leu: "O que o Brasil quer ser quando crescer?", de Gustavo Ioschpe. Os artigos que ele selecionou para o livro foram artigos base para pensamentos de educadores que querem mudar a educação nesse país, mas não no sentimentalismo e sim em lógicas e estatísticas. Se ainda não leu, indico. Excelente livro.

Respondi o que segue, indicando todas as postagens deste blog relativas a esse autor (index: Ioschpe). Ao final, transcrevo a versão completa de minha resenha (de 2006) sobre o primeiro livro dele, pois creio que nunca a havia postado aqui:

Ainda não li esse livro, que é uma coleção de artigos que ele publicou na Veja, muitos dos quais eu já li, mas já tinha lido o primeiro livro dele, que eu recomendo: 
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil (São Paulo: Francis, 2004, 234 p.). 

Eu fiz uma extensa resenha desse livro, como registrado aqui: 
1537. “A educação é cara?; experimente a ignorância...”, Brasília, 22 janeiro 2006, 3 p. Resenha de Gustavo Ioschpe: A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil (São Paulo: Francis, 2004, 234 p.). Feita versão resumida sob o título “Reforma do ensino no Brasil”. Publicada, sob o título de “O custo da ignorância”, em Desafios do Desenvolvimento (Brasília, IPEA-PNUD, a. III, n. 20, mar. 2006, p. 62). Colocado no blog “Book Reviews”, sob nº 29 (link: http://praresenhas.blogspot.com/2006/04/29-educao-cara-experimente-ignorncia.html#links). Expandido a pedido de Roberto Macedo para a revista de Relações internacionais e Economia (Trabalho n. 1602). Relação de Publicados n. 632.

Conheço bem as ideias e materiais do autor, e já postei muita coisa dele neste mesmo blog, como se pode ver abaixo:
Diplomatizzando: Educacao:utopia e realidade - Gustavo Ioschpe
13 Abr 2013
Gustavo Ioschpe Revista Veja, 13/04/2013. A missão da boa escola é ensinar as disciplinas fundamentais aos alunos, e não tentar corrigir as desigualdades do Brasil. Um dos males que assolam nossa educação é a ...
http://diplomatizzando.blogspot.com/
A educacao no mundo ea deseducacao no Brasil - Gustavo Ioschpe
20 Fev 2012
Gustavo Ioschpe. Revista Veja, 22/02/2012. O ensino superior do futuro. Há uns anos, fui dar uma palestra em uma universidade privada. Perguntei ao diretor qual era o maior desafio deles. Imaginei que ele fosse me dizer ...
http://diplomatizzando.blogspot.com/
Diplomatizzando: A escola brasileira degringola, literalmente...
30 Jun 2010
Minha atenção foi chamada para este artigo do Gustavo Ioschpe pelo meu colega de resistência anti-irracionalidades Orlando Tambosi, que o postou em seu blog. Conheço outros trabalhos do autor, entre eles este seu livro, ...
http://diplomatizzando.blogspot.com/
Diplomatizzando: A destruicao da escola publica pela universidade ...
21 Ago 2011
Como pai da ideia, o empresário e economista Gustavo Ioschpe, pensador ad hoc da educação, esteve em Goiânia respaldando a decisão do secretário de Educação, Thiago Peixoto. Em seu Twitter, no final da tarde de ...
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Diplomatizzando: Educacao na China, educacao no Brasil: tudo a ...
20 Dez 2011
Educacao na China, educacao no Brasil: tudo a ver? Gustavo Ioschpe um economista conhecido por ser especialista em educação, passou algum tempo na China, inquirindo sobre a educação. O resultado completo está na ...
http://diplomatizzando.blogspot.com/
Diplomatizzando: 2081) Brasil: potencia economica de semiletrados
12 Abr 2010
(Shanghai, 13.04.2010) Brasil: a primeira potência de semiletrados? Gustavo Ioschpe Revista Veja, 14.04.2010 "Apesar do oba-oba, o Brasil está próximo de ser um colosso econômico e esquecer a formação de sua gente"
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Diplomatizzando: Educacao no Brasil: salarios e desempenho dos ...
30 Mai 2010
Artigo • Gustavo Ioschpe Revista Veja, edição 2167 - 2 de junho de 2010 "A partir da década de 90, ocorreu um aumento substancial de salário nas regiões mais pobres do Brasil, mas não houve melhoria na qualidade do ...
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Diplomatizzando: Descontruindo a educacao brasileira
09 Mai 2010
Acho que o Gustavo Ioschpe é tão preocupado quanto este escriba no que se refere à tragédia que é a educação brasileira, em todos os níveis. Paulo Roberto de Almeida. 10/05/10 11:38 · Paulo R. de Almeida disse.
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Educação e desenvolvimento: como o Brasil vem falhando nos dois lados

Gustavo Ioschpe:
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil
(São Paulo: Francis, 2004, 234 p.)

“Se você acha a educação cara, experimente a ignorância”. A frase é de um antigo reitor (presidente) de Harvard, respondendo a reclamações de pais de alunos quanto ao custo da universidade. Ninguém que já esteja ou que tenha colocado o seu filho no ensino superior tentará a via alternativa, obviamente, o que promete reclamações contínuas pelo futuro previsível e custos crescentes no terceiro ciclo, tanto para as famílias quanto para os governos. Todos os países desenvolvidos possuem universidades de primeira linha, assim como o Brasil (ainda que as nossas ainda não figurem no panteão das “excelências” mundiais). Elas custam caro, muito caro, qualquer que seja seu modo de financiamento, pela via privada, pela via pública, ou por combinações variadas de ambas.
Nem sempre qualidade equivale a custos, mas há uma razoável expectativa de que a melhor qualidade exija e corresponda a uma fatura mais elevada. Os retornos, segundo se depreende das experiências conhecidas, são proporcionais aos investimentos, embora existam países que insistem em desmoralizar a teoria e o registro histórico, como se pode adivinhar pela singular trajetória brasileira de custos elevados e qualidade nem sempre compatível com o retorno esperado. Mas este não parece ser o problema mais importante que nos deveria ocupar neste momento, haja visto o fato de que o Brasil parece possuir universidades que constituem um poço sem fundo do ponto de vista orçamentário, sem que elas consigam exibir uma produtividade à altura. O que justamente distingue o Brasil dos países desenvolvidos é que estes também exibem qualidade boa ou aceitável nos dois ciclos anteriores ao ingresso nas universidades, o que não parece ser o caso do Brasil. Este é um dos problemas de que se ocupa este denso e instigante livro, um dos mais importantes a ter sido publicado no Brasil nesta área extremamente problemática de planejamento e de aplicação de políticas públicas setoriais nos três níveis da federação.
Quanto o autor do livro propôs, em 1997, a cobrança de mensalidades dos alunos abastados das universidades públicas, as reações foram inusitadamente fortes, o que comprovou que ele tocara em um ponto caro (e como) às classes médias. Afinal de contas, elas já tinham sido obrigadas a pagar pelos dois ciclos precedentes em instituições privadas e agora gostariam de usufruir o que existe de melhor na educação brasileira. Mas o importante a ser ressaltado no excelente livro de Ioschpe é que o ensino superior não é o problema principal do Brasil, ou pelo menos este não é O problema nacional, ainda que os indicadores a esse respeito nos coloquem abaixo da média dos países emergentes e muito aquém dos países da OCDE. A grande questão, obviamente, é a má qualidade do ensino nos dois primeiros ciclos. Esta é a verdadeira tragédia nacional.
Para situar os problemas da educação no Brasil, Gustavo Ioschpe não esconde o seu pessimismo: “estamos pior do que se poderia imaginar” (p. 132). Também, pudera: o secretário de educação do maior estado da federação publicou, em 2003, no maior jornal do país, um artigo no qual ele defende uma concepção “poética” para a educação, no qual ele diz ser “necessário que os educadores propiciem aos seus aprendizes a consciência do que é o bem, o bom e o belo”!!! Como diz o autor, seria preciso que os “aprendizes” soubessem, antes, ler e escrever – e contar, eu acrescentaria –, “coisa que hoje não sabem fazer” (p. 15). “O resultado dessa visão da educação desprovida de qualquer sentido prático e objetivos mensuráveis é uma confusão de sentimentos nobres e resultados pífios, em que a incompetência se traveste de qualquer rótulo pedagógico ou posicionamento ideológico que a torne inatacável. Em última escala, esse desacerto conduz ao atoleiro do atraso, no qual o Brasil se afunda cada vez mais à medida que seus concorrentes evoluem a passos largos na popularização do conhecimento” (idem).
No seu prelúdio, “para que serve o governo”, Ioschpe descarta duas possíveis objeções à sua abordagem. Ele não adota, em primeiro lugar, uma visão economicista da educação, “como se sua única função fosse gerar aumento de renda”, mas ele pensa, sim, a educação como “ferramenta” para o crescimento e para o desenvolvimento econômico. Ele não pensa, em segundo lugar, que uma educação voltada para o desenvolvimento é necessariamente técnica, profissionalizante, ou “alienadora”, como se dizia antigamente. Ele crê ser necessária uma “vasta base intelectual – multidisciplinar, horizontal”. É com base nessas duas premissas que ele estuda o impacto da educação sobre o crescimento e busca propor mudanças no sistema educacional brasileiro para que essa relação se torne não apenas viável mas virtuosa. 
Na primeira parte, ele traça um quadro abrangente sobre o papel da educação no crescimento – mostrando o impacto altamente relevante dessa variável no desempenho econômico relativo dos países, com base em amplo espectro de estudos especializados –, o que lhe permite fazer, na segunda parte, um diagnóstico preciso desses problemas no Brasil. A situação é estarrecedora: temos poucos jovens nas escolas e os testes aplicados, tanto internamente como no contexto de programas da OCDE, dão resultados não só pífios, como caminhando para pior. Na educação, como na política, o Brasil consegue realizar o milagre que caminhar para trás...
Uma frase resume o sentido de sua crítica. “No Brasil, um país onde a educação é um dos principais responsáveis pela desigualdade de renda, assiste-se a uma grande mistificação sobre o assunto, em grande parte porque aqueles que se dizem esquerdistas e igualitaristas no discurso acabam defendendo, na prática, um modelo elitista e exclusivista que mantém e protege as desigualdades reinantes” (p. 158). A solução não está em aumentar a oferta de vagas nos níveis mais baixos (já perto de 100%), mas sim a de concluintes capazes de entrar nos segundo e terceiro ciclos e a única solução para isso é “aumentando a qualidade dos níveis mais baixos de educação” (p. 161).
Antes de propor a reforma completa do ensino no Brasil, não custa nada eliminar alguns mitos, como por exemplo o de que o Brasil gasta pouco em educação. Não: gastamos mais (5,1% do PIB) do que a média da OCDE (4,9%). Colocar mais dinheiro seria aumentar a ineficiência do sistema. Os professores tampouco ganham mal, para o número de horas efetivamente trabalhadas, ao contrário: eles ganham um pouco mais do que outros profissionais de mesmo nível de qualificação, sem falar das outras benesses do serviço público (estabilidade, melhor pensão, menos anos para aposentadoria etc.). Descobre-se que o Brasil gasta dinheiro nos níveis errados, com prioridades erradas.
Alguns dados, entre outros: “os universitários de instituições públicas representam menos de 2% das matrículas da educação do Brasil, mas recebem 29% dos gastos públicos destinados à educação” (p. 183). O custo por aluno é quase o dobro da média da OCDE, a relação aluno-professor é inferior, a formação leva mais tempo e o professor universitário recebe por uma pesquisa que ele não faz. No Brasil, o custo de um aluno universitário do setor público pode ser 4 a 9,5 vezes mais do que o similar do setor privado, contra uma média internacional de 2,3 para 1 (p. 189).
Quanto à reforma do ensino no Brasil, não é que faltem metas: os MEC as tem demais, mas esse ministério tão cheio de pedagogas e de técnicos educacionais continua insistindo nos caminhos errados. Como o livro foi escrito no primeiro ano do governo Lula, com base em pesquisas conduzidas bem antes, é provável que, se lhe fosse dado o lazer de atualizar os dados com base nas propostas para os vários ciclos efetuadas nestes três últimos anos, o autor contemplasse estarrecido o cenário de desolação que se desenha e que continua a se desenvolver no Brasil. A começar pela insistência do MEC em pretender monitorar ideológica e administrativamente as universidades privadas e em dar foros de igualitarismo às universidades públicas, contra a vontade dos próprios reitores, que, diga-se de passagem, insistem por outro lado em elevar o seu quinhão no bolo de recursos que já se destina ao terceiro ciclo público. Ora, pesquisas efetuadas nos anos 1990, com base no desempenho das universidades públicas confrontado aos seus custos, revelam que elas ostentam resultados apenas 67% melhores do que as privadas, para “um custo 950% maior!” (p. 190).
Os problemas mais dramáticos estão, obviamente, nos dois primeiros ciclos, com um estrangulamento ainda mais preocupante no secundário. A proposta do autor é que o Brasil tenha 66% de taxa de escolarização líquida no segundo ciclo até 2014, ou seja, que 2/3 dos jovens de 15 a 17 anos consigam completar o ensino médio. Para que isso se faça, seria preciso alfabetizar todas as crianças ao final da primeira série e a dificuldade, aqui, é bem mais gerencial do que pedagógica. É preciso melhorar a qualidade do ensino e redirecionar os recursos dos abonados do terceiro ciclo para os pobres do primeiro.
O plano de reformas do autor compreende a ampliação do FUNDEF, cobrindo o ensino médio (como no FUNDEB), a premiação da melhoria do desempenho nos estados e municípios, o fim do abatimento no imposto de renda dos gastos em escolas privadas e o fim da gratuidade no ensino superior, com transferência dos recursos para o FUNDEB. A distribuição do dinheiro adicional deveria premiar não aqueles que menos têm, mas os que melhorarem seu desempenho, relativamente. Segundo ele, o novo fundo “deveria transferir recursos de acordo com a diminuição das taxas de repetência de cada estado” (p. 223). O fim da gratuidade no ensino superior público é, obviamente, o grande elefante no meio da sala: “o estrangulamento nacional não deve acabar enquanto a universidade pública não se tornar mais eficiente e menos custosa, para que possa voltar a se expandir” (p. 231). O dinheiro arrecadado não seria para cobrir os custos da própria universidade, mas sim deve ser transferido para o ensino básico.
As universidades públicas passariam a ter permissão para cobrar o que achassem compatível com sua estrutura de custos, segundo os cursos mais requisitados. Os alunos carentes teriam ajuda governamental garantida, dentro de certos parâmetros, e o resultado seria uma melhoria da qualidade tanto no setor público como no privado. As propostas são ousadas e dignas de reflexão, quando não de implementação imediata. A pior coisa seria maior transferência de recursos para as universidades públicas, sem a contrapartida da melhoria na eficiência. O Brasil já gasta muito nas prioridades erradas. Deve-se agora fazer o que tem de ser feito, que é o que já foi feito em outros países.
Como diz o autor, no capítulo conclusivo, todas essas variáveis “dependerão, crucialmente, das universidades públicas. No melhor dos casos, as públicas aceitam a nova realidade e passam a se preocupar com sua eficiência. Essa preocupação teria duas faces: aumentar receitas e cortar gastos” (p. 252) Não é difícil aumentar receitas, mas é provável que batalhas lamentáveis venham a se instalar nos campii, aliás, na indiferença geral da sociedade, como tem ocorrido com as últimas greves. “Antes de cortar custos”, continua o autor, “a medida indispensável e óbvia é a redução dos excessos da folha de pagamentos, com a dispensa de funcionários e professores ociosos e/ou afastados”, hoje protegidos pelo regime jurídico único, “que afasta a possibilidade de demissões”. A solução seria “transferi-los para a rede de ensino médio”, o que demandaria acordos entre a União e os estados. “O problema maior, porém, seria se as universidades tivessem uma posição menos receptiva” (p. 252).
Conhecendo-se as universidades públicas brasileiras, não se concebe outra reação: greves, paralisações, manifestações já despontam no horizonte. O autor, otimisticamente, acha que a ameaça de “suicídio” fará com que as universidades públicas se acomodem ao novo espírito reformista. O componente decisivo teria de ser a determinação política do governo de fazer as reformas. Pelo que se vê em matéria de coordenação governamental, não é provável que isto ocorra. Teremos de caminhar para a falência da universidade pública e para o estrangulamento completo do segundo ciclo antes da reforma inevitável? O autor acha que essa é uma “boa luta, e [que] o Brasil a merece” (p. 253). E você leitor?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 de maio de 2006