O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Instituto Rio Branco. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Instituto Rio Branco. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Pronunciamento do presidente Lula na cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco, 2023

Pronunciamento do presidente Lula na cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco

Transcrição do pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco, no Palácio Itamaraty, em 21 de novembro de 2023


Meu querido companheiro Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores, por meio de quem cumprimento os demais diplomatas que completaram 50 anos de serviço público. General Marcos Antônio Amaro, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Jean Baptista, o Núncio Apostólico do Brasil, por meio de quem cumprimento os demais chefes de missão diplomática. Embaixadora Maria Laura da Rocha, secretária-geral do Itamaraty, embaixadora Glivânia Maria de Oliveira, diretora do Instituto Rio Branco e embaixadora Maria Elisa Teófilo de Luna, paraninfa da turma Mônica de Menezes Campos, formandos, e familiares, amigos e amigas.

Eu, por conta do discurso do Essi Rafael, resolvi deixar meu discurso lá e vim falar um pouco com vocês, não da história da fundação do Itamaraty, ou da história da nossa diplomacia, porque não fui tão longe como esse. Mas eu queria falar para jovens que estão adentrando essa carreira de diplomata que, nesses anos todos, eu aprendi a ter uma relação de muito respeito com o Itamaraty.

Muitas vezes, eu nem era presidente da República, nos anos oitenta, era apenas um dirigente sindical, e quase todas as vezes que eu viajava para o exterior eu tinha um assessor, um grande companheiro de muitos de vocês, chamado Marco Aurélio Garcia, que toda vez que eu ia viajar ele comunicava ao Itamaraty que a gente ia viajar. Não importa se o presidente fosse Figueiredo, fosse Geisel, fosse Sarney, quem quer que seja, a gente comunicava ao Itamaraty que a gente ia viajar ao exterior.

E muitas vezes, Mauro, muitas vezes mesmo, sempre tinha alguém do Itamaraty esperando a gente no aeroporto, e muitas vezes a gente era convidado até para almoçar ou para jantar na embaixada. Isso me fez aumentar o orgulho que eu já tinha do Itamaraty, porque muitas vezes nós somos acusados, e muita gente até merece essa acusação, de termos complexo de vira-lata, de não termos autoestima, de não defendermos as coisas que nós acreditamos, e muitas vezes dizem que a gente se subordina demais, às vezes, à vontade de países mais importantes que nós.

Eu não acho que seja assim. Eu acho que não é o Itamaraty que determina a política externa dele. O Itamaraty cumpre as estratégias determinadas por um governo. E se o governo tiver estratégia de política internacional, eu posso dizer pra vocês que o Itamaraty tem mulheres e homens altamente capacitados para exercer qualquer que seja a tarefa determinada pelo governo. E isso é motivo de orgulho pra vocês que estão entrando nessa carreira.

Não é uma carreira fácil. Dizem que a gente pensa de acordo com o chão que os nossos pés pisam, e aí a gente precisa sempre ter cuidado de fazer com que os embaixadores possam conhecer, desde o início, a diversidade da função. É muito importante que a gente faça com que o Brasil tenha uma política muito altiva e ativa na América do Sul e no Caribe, e na América Latina. É muito importante estrategicamente, para um país como o Brasil, ter uma aproximação muito forte com o continente africano.

Se não por outra razão, é porque nós temos origem naquele continente. É porque nós devemos parte da nossa cultura àquele continente. Porque nós devemos parte do que nós somos àquele continente. E porque eles precisam que a gente retribua, não com dinheiro porque também não temos, mas com transferência de tecnologia, sabe, tudo aquilo que a gente pode ajudá-los. É esse o papel de um país do tamanho do Brasil, que faz fronteira seca de quase 16.800 km na América do Sul, e que tem como fronteira marítima todo o continente africano. Vai de Cabo Verde à Cidade do Cabo, ou seja, que a gente tem que tratar isso com muito carinho, muito respeito e com muita diplomacia, sem o complexo da arrogância daquele que acha que alguém é inferior a nós.

Eu vivi muitas histórias aqui no Itamaraty. Muitas. E muitas alegrias, e poucas tristezas. Eu tive oportunidade de viver isso aqui quando a gente resolveu não permitir que a ALCA se implantasse na nossa querida América do Sul, e que a gente fortalecesse o Mercosul, que tinha sido criado pelo presidente Sarney e pelo presidente Alfonsin (ex-presidente da Argentina, Raúl Alfonsin). Eu lembro da importância que foi a gente criar a UNASUL. Nunca, em nenhum momento da história desse país, os países da América do Sul estiveram tão irmanados como nós tivemos durante um período de quase 16 anos.

E não era irmanado porque pensávamos politicamente a mesma coisa, porque pensávamos ideologicamente a mesma coisa. Não. Éramos irmanados porque, em determinado momento da nossa história, o povo elegeu um agrupamento de dirigentes que tinha noção de que era preciso que a gente construísse um grupo, um conjunto de países, que resolvesse se fortalecer para negociar com aqueles que eram mais fortes do que nós. Para negociar com os Estados Unidos, para negociar com a China, para negociar com a União Europeia, para negociar com o Japão. Ou seja, era preciso que a gente se fortalecesse e que tivesse decisões comuns em determinadas ações de políticas externas.

E nós conseguimos viver o melhor momento. Foi aqui no Itamaraty que nós decidimos fazer a primeira reunião da história entre países árabes e países da América do Sul. Em que os Estados Unidos ficaram assustados achando que nós estávamos fazendo um movimento contra Israel. E a gente não queria fazer um movimento contra Israel, a gente queria fazer o movimento pró-Brasil, pró-América do Sul, para que a gente pudesse adentrar nesse mundo árabe e tentar estabelecer negociações e relações políticas mais maduras.

Foi aqui também que nós tomamos a decisão de fazer a primeira reunião entre o continente africano e o continente sul-americano para que a gente pudesse permitir, sabe, que os pobres do mundo se conhecessem, e que pudessem estabelecer relações, e que a gente pudesse descobrir que, mesmo sendo pobre, muita gente tem muito a oferecer para nós e nós temos muito a oferecer para eles. É por isso que nós fizemos a maior investida de embaixadores que já teve na história da África. Foram 19 embaixadas novas criadas, foram 34 países visitados. Levamos para Gana a Embrapa. Levamos para Moçambique a Universidade aberta, levamos uma fábrica de remédios retrovirais. Ou seja, na perspectiva de que o Brasil tinha que cumprir um papel muito forte para não permitir que a África continuasse sendo refém dos colonizadores, ou refém de uma atuação muito forte da China, que estava procurando lugares para poder comprar os alimentos que tanto eles precisavam.

E foi assim que o Brasil foi conquistando respeito no mundo, e foi assim que o Brasil foi ficando importante, e foi assim que eu tenho muito orgulho de ter sido o único presidente do Brasil convidado para participar de todas as reuniões do G7, menos uma que foi em São Francisco que foi o segundo ano já no governo Bush. E aí tem coisas interessantes para contar: a primeira vez que eu participei, em junho de 2003, eu tinha apenas seis meses de governo, e eu fui convidado a participar do G7 em Evian. Cheguei em Evian, um metalúrgico recém-eleito presidente da República, olhei pra dentro de uma sala cercada por vidros blindados para tudo quanto é lado, estavam lá grandes figuras que eu só via lá na televisão. Estava lá o Bush, estava lá o Tony Blair, estava lá o primeiro ministro da Itália e estava lá o convidado rei da Arábia Saudita, estava lá o Koizumi, do Japão. E eu fiquei pensando: "o que que eu vou fazer dentro dessa reunião?". E mais: não podia entrar intérprete. Eu nem entendia e nem falava. E eu falei: "o que que eu vou fazer?". Aí eu fiquei lá fora, o Sérgio Ferreira, que está aqui até hoje, e eu falei: "Sérgio, que que eu vou fazer lá dentro? Eu não consigo nem falar bom dia em inglês". Em espanhol eu ainda consigo falar “hola, que tal? Buenos dias”. O que é que eu vou fazer lá dentro?

Aí me baixou uma coisa, que eu acho que é uma coisa que deve nortear vocês, que é não esquecer o que vocês são, é não esquecer o que vocês querem, porque a gente não compra nem honra nem caráter em shopping. A gente traz de família, a gente traz de berço. Eu lembro que ver aquela gente toda importante, que eu só via na televisão, porque é engraçado, a gente vê mais o presidente americano na televisão brasileira do que o brasileiro mesmo. É uma capacidade de comunicação extraordinária. E eu fiquei pensando: "bem, desses presidentes que estão aí, alguém já viveu desempregado? Alguém já trabalhou no chão de fábrica? Alguém já viveu num bairro que dava enchente? Alguém já acordou com rato, com barata, com um metro e meio de água dentro de casa? Alguém já passou fome? Alguém já morou na periferia de algum país?", e eu pensava “acho que não”. E eu me enchi de orgulho para falar, e sabe o que eu vou falar? Eu vou falar o que eu sei falar. E eles vão me entender porque o Sérgio ia interpretar cada palavra que eu falasse. E eu entrei. Nunca me senti tão à vontade na vida, porque eu tinha definido antes de qualquer coisa que eu não era inferior a eles. Que eu não era melhor, que eu representava não o Lula, não a quantidade de diploma, eu representava o Brasil, o povo brasileiro e que, portanto, eu tinha que ter orgulho. Isso fez com que a gente ganhasse a respeitabilidade que eu acredito que tenha sido o melhor momento da história desse país.

Eu posso dizer aos jovens diplomatas, e aos velhos também. Velhos, não, experientes. De que eu estou voltando agora, estou apenas há 10 meses no governo, eu acho que nós estamos em uma fase melhor do que a gente estava quando eu deixei a presidência. Se bem que nós estamos vivendo algumas confusão na América do Sul. Não é mais a mesma de 2002, 2004, 2006. Nós vamos ter problemas políticos e, ao invés de reclamar dos problemas políticos, a gente precisa ser inteligente e tentar resolvê-los. Tentar conversar. Tentar fazer com que as pessoas aprendam a viver democraticamente na diversidade. Eu não tenho que gostar do presidente do Chile, da Argentina, da Venezuela. Ele não tem que ser meu amigo. Ele tem que ser presidente do país dele e eu tenho que ser presidente do meu país. Nós temos que ter políticas de Estado brasileiro e ele política do estado dele. Nós temos que sentar na mesa, cada um defendendo os seus interesses, como não pode ter supremacia de um sobre o outro, a gente tem que chegar num acordo. Essa é a arte da democracia, a gente ter que chegar a um acordo.

E aí é preciso ter capacidade de negociação, ter capacidade de convencimento, ter capacidade de ceder. É por isso que historicamente eu comparo democracia a um casamento. Nada é parecido com a democracia do que um casamento. Porque no casamento, na hora que você casa, na hora que você tem uma companheira, ou a companheira tem um companheiro, e você tem filhos, todo dia a gente faz concessão. É a gente que faz concessão pra mulher, é mulher que faz concessão pra gente, é a gente que faz concessão pra filho, é filho que faz concessão pra gente. Porque se não for assim, acaba o casamento.

E se não for assim, acaba a grandiosidade de uma coisa chamada diplomacia brasileira, que quer queira ou não é uma das mais respeitadas e mais elogiadas no mundo inteiro. Se tem uma coisa que a gente tem que ter orgulho, é da diplomacia brasileira. Eu posso não gostar de um diplomata, mas se o Brasil tiver política correta, esse diplomata vai exercer a sua função como funcionário do Estado brasileiro, e a gente vai ter orgulho do trabalho que ele prestou.

Eu lembro, Mauro, você já estava no Itamaraty, eu lembro quando começou a briga com Estados Unidos e Iraque. Eu lembro que o nosso representante na agência de armas químicas, me parece, ou armas atômicas, era o embaixador Bustani. E eu lembro que o embaixador Bustani disse publicamente, várias vezes, que não tinha armas químicas no Iraque. Disse isso com todo o poder da voz que ele tinha. Mas como os americanos precisavam prestar contas ao seu povo, de que era preciso derrotar alguém ligado ao terrorismo, era preciso consagrar a mentira de que o Iraque tinha armas químicas. E esse caso é fantástico porque mentiu Saddam Hussein pro seu povo, passando a ideia que tinha, e mentiu os Estados Unidos dizendo que tinha. Aí eu lembro que foi sacado do cargo o nosso companheiro Bustani, e eu fui conversar com um amigo embaixador. Não vou dizer nem aonde e nem quando, e ele me dizia assim: "Presidente, tá correto tirar o Bustani. O Brasil não tem que estar naquela agência, o Brasil não põe dinheiro lá". Eu achei uma atitude tão pequena, eu achei uma atitude tão subserviente, porque não se trata do Brasil colocar dinheiro ou não, se trata de um Brasil que faz parte de um conjunto de países que compõem a ONU. E que, portanto, o Brasil tem o direito de participar e tentar ocupar o cargo. Senão, fica uma coisa estranha.

Quando eu tomei posse em 2003, em setembro eu fui fazer meu discurso e o Brasil estava devendo todas as instituições. Todas. Pense no que que é um presidente chegar para falar e eu fiquei vendo a hora de o Kofi Annan falar: "ô baixinho, para de falar grosso e paga o que você deve, pô". Porque é vergonhoso, é vergonhoso você participar de uma série de coisas e não pagar. Você perde a autoridade moral. E durante todo o meu período de governo, sabe, quem foi diplomata no meu tempo, a gente fazia questão de pagar para que a gente tivesse autoridade de interferir em qualquer espaço que a gente estivesse.

Agora me parece que estava atrasado outra vez. Nós vamos ter que colocar em dia. Porque a gente tem que chegar nos lugares e andar de cabeça erguida. Porque se não você chega, vai sentar, e o cara fala: "o baixinho, você não pagou, fica de pé". E não é possível, assim a gente perde o respeito internamente entre nós.

Então eu queria dizer pra vocês que estão se formando, que a gente vai tentar fazer com que o Brasil tenha uma política externa mais ativa e mais altiva. Obviamente que a gente tem debilidades financeiras, nem sempre a gente tem a quantidade de dinheiro que a gente gostaria de ter, mas, por exemplo, eu tinha visitado, nos meus dois primeiros mandatos, todos os países da América do Sul e do Caribe. Não ficou um que eu não visitasse. E alguns mais de uma vez. A gente, pra manter uma boa relação com a Venezuela, a gente tinha quatro reuniões por ano com a Venezuela. Eram duas lá e duas cá. Era quase um bolero.

A gente fazia muita reunião com a Argentina, porque a Argentina é um país parceiro, o Brasil tem uma relação extraordinária com a Argentina. Foi o primeiro país que eu visitei para dar uma demonstração, em 2003, de que a gente ia ter uma forte política para a América do Sul. Porque quando eu não era ainda candidato, eu já percebia que, durante muito tempo, o Brasil olhava para os Estados Unidos e para União Europeia de costas viradas para a América do Sul. Isso aqui não tinha importância, isso aqui era problema. Pra que cuidar do Uruguai, do Paraguai, da Bolívia? É tudo problema. Não, gente. Se a gente não cuida de quem está perto da gente, muito menos a gente cuida de quem está longe. A gente olhava pro continente europeu e não via a África. Se bem que foi no regime militar, que foi no governo Geisel que a gente foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola.

É essa diplomacia que nós temos que levar em conta. É vocês saberem que vocês estão sendo respeitados por aquilo que vocês fazem. Pelo trabalho, e é preciso que o governo tenha a política, porque se alguém chegar pra vocês e falar "o embaixador não faz nada", não acreditem. O que falta é orientação política. Se o governo tiver orientação política e o Itamaraty receber a orientação política correta, todos os diplomatas serão competentes e irão executar essa política. Portanto, é esse presidente que vai, nesses próximos quatro anos, se relacionar com vocês.

A gente vai voltar a ter orgulho de ter orgulho. A gente vai voltar a ter orgulho de ser respeitado. A gente vai voltar a ser um país que não se sente menor do que ninguém, e nem queremos ser maiores. Queremos apenas compartilhar com os nossos irmãos aquilo que a gente pode fazer em conjunto. Mesmo na questão do desenvolvimento, eu sempre imaginava que o Brasil não pode crescer sozinho. Um país que tem uma fronteira que tem o Brasil, o Brasil precisa compartilhar muitas de suas políticas de desenvolvimento com outros países. Se a gente produz um avião, que alguém produza a asa, que alguém produza a hélice. Se a gente produz um barco, que alguém produza alguma parte do navio para que a gente possa gerar oportunidade pra todo mundo.

Eu não quero que o Brasil seja uma nação rica cercada de pobre por todos os lados. Eu não quero repetir o padrão América do Norte. Não é comum que a gente não tenha na América do Norte aquele monte de país do Caribe vizinho dos EUA, nenhum país ficou rico ao longo de 500 anos. É porque não tem política de compartilhamento. Vocês veem todo dia na televisão se construindo um muro para evitar que latino-americano vá para os Estados Unidos. A melhor forma de evitar, e mais barata, é fazer com que tenha desenvolvimento nos países da América Latina e do Caribe.

As pessoas viram nômade porque as pessoas querem viver, porque as pessoas querem comer. Essa é a origem da espécie humana. A gente vivia atrás de comida, as pessoas querem comer, as pessoas querem emprego. E se nos seus países não oferecem, as pessoas tentam buscar onde tem. É com essa ideia que eu gostaria de terminar meu discurso dizendo para vocês: vocês já faziam parte da história desse país, agora vocês escolheram uma função que vocês vão representar o Brasil. Não importa a grandiosidade da função, até porque ninguém nasce grande e ninguém começa grande. Ninguém. Mas vocês podem crescer na carreira, e vocês podem não só ter orgulho da função de vocês, como nós, brasileiros, poderemos ter orgulho de vocês.

Eu acho que no nosso governo, Mauro, o Itamaraty tem que receber orientação: qualquer autoridade brasileira que chegar no exterior e precisar do Itamaraty, o Itamaraty tem que atendê-lo sem saber quem é, se ele gosta do governo, se não gosta, se gosta do Lula, se não gosta, até porque ninguém é obrigado a gostar de ninguém. Nós somos obrigados a conviver de forma civilizada, democrática e respeitosa entre os seres humanos. É esse o mundo que nós poderemos construir. E é esse mundo que está agora começando na mão de vocês. Uma evolução, muitas meninas, ainda menos do que a gente precisa, vários estados estão aqui, não está mais apenas no Rio e em São Paulo. E aos poucos a gente vai fazendo com que... a gente já fez com que as universidades ficassem a cara do Brasil.

Outro dia eu fui na USP, e era um ato público, e na hora da fotografia a reitora falou assim pra mim: "Ô presidente, dá uma olhada na foto como mudou a cara da universidade". Antes, era só uma cor, era só um tipo de gente, e agora é uma coisa muito diversa. E o Itamaraty, Mauro, também tem que ser assim. O Itamaraty não tem que ter problema de gênero, o Itamaraty não tem que ter preconceito. O Itamaraty, e é por isso que vamos continuar investindo na educação, o Itamaraty tem que ser a cara do Brasil. Portanto, parabéns a vocês. Que Deus possa dar a vocês a sabedoria que o Brasil precisa desses novos representantes. E parabéns às famílias de vocês. Um abraço e boa sorte na carreira de vocês.


segunda-feira, 2 de agosto de 2021

O patrono assassinado - Alexandre Vidal Porto (FSP)

 Os alunos do Instituto Rio Branco já estão sob intensa pressão, mas não precisam fazer mais nada; basta dizer que escolheram um nome e que é só esse. Ponto.

O patrono assassinado
Com homenagem, jovens diplomatas indicam caminho ético que querem seguir
FSP, 1º.ago.2021 às 23h15
Alexandre Vidal Porto
Escritor e diplomata, é mestre em direito pela Universidade Harvard e autor de “Sergio Y. vai à América”, “Matias na Cidade” e “Cloro”
Todos os anos, milhares de candidatos disputam uma vaga para a carreira de diplomata do Ministério das Relações Exteriores. Os aprovados no concurso, após um período de formação profissional de cerca de dois anos no Instituto Rio Branco, passam a integrar o Serviço Exterior Brasileiro e a trabalhar no Itamaraty, em Brasília, ou na rede de consulados e embaixadas do Brasil espalhados pelo mundo.
Cada nova turma, ao formar-se, escolhe um patrono, cujo exemplo e trajetória devem inspirar a atuação dos jovens diplomatas como servidores de Estado. Segundo a coluna Painel de 28 de julho, a última turma de formandos do Instituto Rio Branco teria escolhido como patrono o embaixador José Pinheiro Jobim, torturado e assassinado pela ditadura militar num caso de queima de arquivo.
A confirmar-se, tal escolha não poderia ter sido mais justa e acertada.
O embaixador Jobim (1909-1979) teve carreira corretíssima no Itamaraty. Era economista de formação e, por força de contingências do trabalho, acompanhou, desde o início, por anos, as negociações para a construção da usina hidrelétrica de Itaipu. Era considerado um especialista no tema. Chefiou, também, embaixadas em Paraguai, Equador, Colômbia e Argélia. Seu último posto foi como embaixador junto ao Vaticano. Não tinha história de ativismo político.
No ano de 1979, já aposentado, compareceu à cerimônia de posse do presidente João Figueiredo. Na ocasião, comentou com colegas de Brasília que escrevia um livro de memórias. Nele, apresentaria denúncias de superfaturamento milionário nas obras de construção do complexo de Itaipu. Sete dias depois desse episódio, já no Rio de Janeiro, José Ribeiro Jobim desapareceu. Seu corpo foi encontrado na Barra da Tijuca, pendurado numa árvore pelo pescoço, num arremedo de suicídio —causa mortis sugerida no inquérito policial.
Alertadas por uma testemunha que recebera, numa farmácia, um bilhete de Jobim, no qual ele alertava sobre seu sequestro, a viúva e a filha do embaixador batalharam judicialmente até esclarecerem as reais circunstâncias de sua morte. Em 2018, o Estado brasileiro finalmente assumiu sua responsabilidade e reconheceu tratar-se de “um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política.”
O atestado de óbito de Jobim passou a refletir “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
Ao pretenderem honrar a memória de José Pinheiro Jobim, os jovens diplomatas valorizam seu exemplo de retidão e cumprimento às leis como agente público. Sublinham, igualmente, a obrigação dos servidores de não compactuar com ações que violem a Constituição Federal.
Essa possível escolha dos formandos também aponta para a necessidade de os diplomatas terem sempre presentes os prejuízos que a falta de democracia pode infligir à instituição e a seus integrantes —e essa memória é importante para uma organização de Estado, como o Itamaraty.
Com essa homenagem, os jovens diplomatas indicam, finalmente, o caminho ético que querem seguir como servidores públicos, rejeitando regimes de exceção, deplorando seus atos e honrando suas vítimas.
Deve-se ver com alegria e otimismo essa direção em que aponta a mais nova geração de diplomatas, servidores públicos que terão a seu encargo projetar a imagem e defender os interesses do Brasil no mundo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A fantasia delirante do globalismo entra no currículo do Itamaraty - O Globo

 O outrora prestigiado e respeitado Instituto Rio Branco, sob a gestão alucinada e alucinante do patético chanceler acidental, tornou-se uma escolinha das fantasias delirantes do PIOR chanceler da história do Itamaraty, guiado pelas mãos (e pés) de um ideólogo fraudulento, o Rasputin de Subúrbio, que está destruindo toda a credibilidade da diplomacia brasileira.

Paulo Roberto de Almeida

Ignorado por teóricos, 'globalismo' vira tema em cursos para diplomatas no Itamaraty

O Globo, 18/01/2021

Conceito usado pelo chanceler Ernesto Araújo e por ideólogos nacional-populistas para designar suposta conspiração internacional está na ementa de três disciplinas do Instituto Rio Branco

O “globalismo”, controverso conceito usado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, passou, oficialmente, a fazer parte do curso de formação de diplomatas do Instituto Rio Branco, vinculado ao Itamaraty. O GLOBO analisou as ementas dos cursos ministrados entre 2009 e 2020 e constatou que os termos “globalismo” e “globalista”, denotando uma suposta conspiração global para acabar com a soberania dos países, entraram na grade curricular dos futuros diplomatas a partir de 2019, primeiro ano da gestão de Araújo no comando do Itamaraty.

A formação acadêmica dos diplomatas brasileiros voltou a chamar atenção na semana passada depois que o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que colocou o Instituto Rio Branco diretamente subordinado ao chanceler. Antes, o comando do órgão, responsável pelos concursos e formação dos diplomatas, ficava sob a estrutura da Secretaria de Comunicação e Cultura do Itamaraty.

Usado até meados do século passado, sobretudo em países de língua inglesa, para designar uma visão de mundo que vai além das fronteiras nacionais, o termo “globalismo” ganhou um viés negativo na boca de ideólogos do nacional-populismo, incluindo Olavo de Carvalho, uma das principais influências intelectuais de Araújo.

Nesse sentido, o globalismo seria uma espécie de ideologia por trás de um suposto plano para reduzir o poder de governos locais e instituir um tipo de “ditadura global”. Esse “plano” seria apoiado por bilionários de todo o mundo, como o megainvestidor e filantropo George Soros, e por políticos de esquerda ou classificados como “progressistas”.

Entidades internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e suas agências, além de outras instituições multilaterais e organizações não governamentais, seriam braços dessa suposta conspiração. O termo é atualmente usado por radicais de direita para fazer sua própria crítica ao processo de globalização. O blog que Araújo mantém na internet traz o termo no título: “Metapolítica 17 – Contra o globalismo”.

Novidade em currículos

No mundo acadêmico e no Itamaraty, o termo globalismo e a tal “conspiração globalista” nunca foram considerados relevantes, mas o assunto ganhou força com a chegada de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos e, depois, com a eleição de Jair Bolsonaro e a chegada do grupo de Ernesto Araújo ao comando da política internacional do país. Isso se refletiu no conteúdo pedagógico usados na formação dos futuros diplomatas formados pelo Instituto Rio Branco, vinculado ao Ministério das Relações Exteriores (MRE).

O GLOBO analisou as ementas de cursos oferecidos pelo instituto desde 2009. A primeira vez que o termo “globalista” aparece no conteúdo pedagógico do órgão foi em 2019. Na ementa do curso de formação de diplomatas de 2020, há cinco menções ao termo “globalista”. Elas aparecem na ementa das disciplinas “Defesa, segurança e política externa” e “Política internacional I e II”. Na primeira, a ementa cita o termo para estudar a atuação dos Estados Unidos na política internacional durante o governo Trump.

Na ementa da disciplina Política internacional I para 2020, o termo globalista aparece no planejamento de uma aula sobre o atual momento da diplomacia brasileira. O plano de aula previa que os alunos debatessem as causas da eleição de Trump. A aula é no formato de debate em que os estudantes precisam analisar algumas premissas e discuti-las.

As duas premissas em questão eram, primeiro, se a eleição de Trump foi um “acidente de percurso, causado por ingerências externas, pelas ‘fake news’ e pelo machismo” ou, contrariamente, se representou um “avanço democrático importante, uma vez que parcela considerável da população, até então excluída do debate político pela hegemonia globalista, finalmente se fez ouvir”.

Fora da academia

O pesquisador e professor de Relações Internacionais Dawinsson Belém Lopes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o globalismo na concepção utilizada por Olavo de Carvalho e discípulos como Ernesto Araújo não é um conceito tido como relevante pelo mundo acadêmico.

— Essa ideia de uma megaconspiração marxista para tomar o mundo de assalto não encontra guarida nas principais academias. É uma coisa muito de gueto, de nicho. É uma ideia muito peculiar que acabou sendo transplantada para o Brasil — afirmou.

Belém Lopes classifica o conceito como “marginal” e “delirante”.

— Não é algo que conste no mainstream da teoria das Relações Internacionais nessa forma como é apresentada pelo grupo do Ernesto — explica.

A reportagem enviou questionamentos sobre o assunto para a assessoria de imprensa do Itamaraty, mas até o fechamento desta reportagem, nenhuma resposta foi recebida.



domingo, 10 de janeiro de 2021

12) Ano Merquior (12): discurso de formatura da turma de 1963 do Instituto Rio Branco

 Em 1963, já identificado como o mais brilhante da sua turma (1961-63), tendo publicado diversos artigos e pelo menos um livro, sobre temas literários, José Guilherme Merquior foi escolhido, naturalmente, como orador da turma do Instituto Rio Branco, cujo paraninfo foi o chanceler San Tiago Dantas. 



Destaco, da brochura de 1993, que publicou ensaios de seus amigos e colegas que o homenagearam um ano depois de sua morte, em janeiro de 1991, o texto do seu discurso de formatura, que é uma peça da mais refinada erudição, da qual destaco simplesmente dois conceitos: Realismo e Racionalidade, que podem ser considerados as duas vigas mestras de Merquior em TODA a sua produção intelectual, e que também marcaram a trajetória do paraninfo, San Tiago Dantas, que como também aconteceria com Merquior, teria uma morte precoce, pelo mesmo mal, um câncer fulminante.

O discurso é uma aula de cultura histórica, de reflexão filosófica, de reflexão sociológica sobre o papel da juventude no desempenho de suas funções profissionais a serviço do país. Merquior estava plenamente identificado com os ideais e objetivos da Política Externa Independente, de afirmação do objetivo maior do desenvolvimento nacional com plena autonomia decisória na política interna e, a mais forte razão, na política externa. 

Por isso se temeu que ele fosse cassado a sobreviver o golpe militar de abril de 1964, inclusive porque, em setembro seguinte, quando faleceu San Tiago Dantas, ele preparou um artigo necrológico, um obituário intelectual que, disciplinadamente foi enviado para autorização do chanceler Vasco Leitão da Cunha, que NUNCA teve resposta. Caberia buscar essa peça em seus escritos.

Os interessados neste discurso, podem acessar este link: 

https://www.academia.edu/44871698/Discurso_de_José_Guilherme_Merquior_como_orador_na_formatura_da_turma_do_IRBr_1963_ 



terça-feira, 5 de janeiro de 2021

O ano Merquior (9): Fotos do jovem orador da turma de 1963: José Guilherme Merquior

 Com meus agradecimentos ao Rogério de Souza Farias por enviar-me estas preciosidades. Nas duas primeiras fotos, Merquior discursando na formatura de sua turma em 1963. Na última recebendo os cumprimentos do presidente João Goulart; ao fundo o ministro San Tiago Dantas aplaudindo.




sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Alunos do Instituto Rio Branco discutem ideias dos clássicos: novo livro da Funag

 Apresentação da publicação no site da Funag, Biblioteca Digital: 


 

Este livro reúne uma seleção de doze textos que foram também apresentados oralmente pelos alunos e debatidos em sala de aula, em torno de grandes ideias e autores do pensamento ocidental. A beleza em Kafka e Kant é deslindada por Rafael Bernardes, enquanto Matheus da Costa se debruça sobre o desejo na obra de Dante e Jorge Luiz adentra os segredos da linguagem na interpretação dos sonhos freudiana. Já Angelo Santos foi buscar os conceitos de ideia e de ideal em Vianna Moog. Luiz Eduardo expõe a surpreendente atualidade das Confissões de Santo Agostinho e Bernardo Pereira efetua avaliação precisa da complexa fenomenologia do Ser em Vicente Ferreira da Silva. Francisco Luiz e Victor ousaram enfrentar o tempo em Proust e Nietzsche, respectivamente. A ideia de ética em Aristóteles e Levinas foi minuciosamente tratada por Osvaldo Quirino, ao passo que Matheus de Souza examina de forma inovadora a cidadania em Grande sertão: veredas, Anna Paula investiga o constitucionalismo sob Tocqueville e Cauê Pimentel, o conceito de governo na visão de Hobbes e Locke.

Clássicos: coletânea de ensaios dos alunos do Instituto Rio Branco


AutorFabio Mendes Marzano e Carlos Guilherme Sampaio Fernandes
EditorFUNAG
AssuntoColetânea. Resenhas. Estudos filosóficos. Instituto Rio Branco. Diplomacia brasileira.
Ano de edição2020
Número de páginas216
ISBN978-65-87083-34-6



sábado, 30 de maio de 2020

Uma conversa com candidatos à carreira diplomática - Paulo Roberto de Almeida

Como eu já havia anunciado, sempre tive demandas de estudantes e outros interessados na carreira diplomática no sentido (inevitável isso) fornecer "dicas" para ter sucesso nos exames de ingresso.
Sempre respondi, a todos, sem ilusões, dizendo mais ou menos que eles começaram atrasados, pois deveriam ter começado a ler a literatura de referência desde o jardim de infância. 
Brincando, claro, mas sempre fui suficientemente realista com aqueles que eu julgava não terem chance de ingressar, ou de ter uma carreira satisfatória (os de idade muito avançada, claro).
A todos eu procurava ajudar, mesmo esclarecendo que eu não estava no mercado de cursinhos ou textos preparatórios aos exames.
Mas alguma recomendação bibliográfica eu sempre fui capaz de oferecer, assim como respostas às muitas dúvidas sobre a carreira, desfazendo alguns mitos e mistificações sobre nosso trabalho e estilo de vida. 
O primeiro arquivo referenciado abaixo, já informado aqui, contem todos os trabalhos que se encaixam no conceito de "carreira", evidentemente apenas a diplomática.
Se conto agora todos os trabalhos colocados nessa lista de seis páginas, resulta dar numa conta de 37 trabalhos, de tamanhos variados, de 1 a 32 páginas.
Esse trabalho era uma preparação à resposta oral a ser fornecida em gravação de áudio, o que foi relatado no segundo trabalho aqui mencionado de número imediatamente subsequente, onde eu respondo (mais ou menos) a essas questões e faço outras considerações sobre minha trajetória pessoal antes e durante a carreira diplomática, ademais de comentários finais de maior atualidade sobre a atual não-política externa e antidiplomacia. Ele tem um link do DropBox para os que desejarem ouvir essa gravação de 1 hora e meia.
Paulo Roberto de Almeida



3683. “Preparação para a carreira diplomática: uma conversa com candidatos”, Brasília, 29 maio 2020, 2020, 6 p. Conversa online com candidatos à carreira diplomática, coordenada por Amanda do “Keep it blue podcast”, sobre as seguintes questões: 1) O que fez o senhor decidir ser diplomata?; 2) Como foi sua jornada para passar o CACD?; 3) Quais são os diferenciais para passar o concurso?; 4) Como o candidato deve abordar as atualidades em seus estudos?;  5) Como deveria ser o mindset para o estudo dos idiomas?; 6) Como foi o Instituto Rio Branco?; 7) O que se aprende por lá?; 8) Como é a vida no exterior?; 9) Como muda em relação a Brasília? Elaborada lista de trabalhos que se encaixam nos critérios solicitados. Divulgado no blog Diplomatizando (29/05/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/preparacao-para-carreira-diplomatica.html); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43192887/Preparacao_para_a_carreira_diplomatica_uma_conversa_com_candidatos_2020_).

3684. “Um diplomata desvio padrão: podcast para candidatos à carreira”, Brasília, 29 maio 2020, Audio Mpeg da Apple 1:31:13, 37, 2MB. Podcast gravado sobre os pontos enunciados no trabalho n. 3683. Disponível no Dropbox (link: https://www.dropbox.com/s/0kd91ucpgmlkhgn/3684DiplomataDesvioPadraoPodcast.m4a?dl=0).

Devo ter outros trabalhos sob outros conceitos que poderiam ajudar os candidatos à carreira, mas não tive tempo de procurar agora, pois tenho de corrigir provas de meus alunos e preparar palestras para eventos online.

Boa sorte a todos os candidatos.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de maio de 2020 

quinta-feira, 9 de maio de 2019

A metafísica do antiglobalismo numa palestra no Instituto Rio Branco - Paulo Roberto de Almeida


Confirmado: política externa do bolsonarismo dominada pela paranoia dos antiglobalizadores metafísicos

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: resumo de palestra; finalidade: informação pública]


Realizou-se em 9 de maio de 2019, dia da rendição nazista às tropas da União Soviética, em 1945, palestra do assessor internacional da Presidência da República sobre o tema “Governança Global e autodeterminação popular”, realizada no Instituto Rio Branco, sob organização da Fundação Alexandre de Gusmão. Para quem esperava uma primeira oportunidade – sim, porque até o presente momento nunca houve tal possibilidade – de receber uma exposição sistemática e abrangente da “nova” política externa brasileira, sob o governo Bolsonaro, foi uma nova frustração, pois não ocorreu nenhum tratamento ou discussão da política externa, assim como nunca houve, sob qualquer aspecto que se examine, qualquer exposição, apresentação, explanação sobre todas as demais políticas setoriais ou sobre a política do governo, de maneira geral. Continuamos sem saber o que pensa o governo sobre sua estratégia global, sobre suas prioridades setoriais, suas preferências políticas ou inclinações práticas, a não ser pelos repentes que podem ser anunciados em torno de medidas enviadas ao Congresso pelo presidente e seus ministros. Assim continua também no caso da política externa.
Segundo a própria declaração inicial do assessor da Presidência da República para assuntos internacionais, sua palestra trataria de um “tema bastante específico, muito específico mesmo”, e que talvez não fizesse sentido, em suas palavras, “para certas pessoas” (talvez estivesse pensando em mim, mas não tenho certeza disso), que provavelmente se oporiam a suas opiniões. Em todo caso, para esse assessor, os temas são, provavelmente, os grandes temas da política internacional do século XXI, que estariam enfeixados na designação geral de “governança global”, supostamente oposta à “autodeterminação popular”, ambos conceitos jamais devidamente explicitados ao longo da palestra (e tampouco no subsequente debate com a audiência). A palestra foi subsidiada com a exibição de slides, na verdade apenas algumas fotos de líderes políticos, algumas frases em destaque de uns e outros – começando com o líder do Brexit britânico, depois passando a Trump e aos italianos da nova direita – e um ou outro esquema sobre as diferenças entre a globalização – processo julgado positivo – e o globalismo, supostamente a fonte de todo o mal.
Para o assessor bolsonarista, e olavista convencido, o mundo está em “desarranjo”, e a situação internacional parece ser “bastante confusa”, mas alguma coisa está mudando, justamente em função da vitória dos Brexiters, na Grã-Bretanha, do candidato Donald Trump, nos Estados Unidos, e de outros representantes da direita na Europa, agregando ao experimento já decenal de Viktor Orban na Hungria. Esses resultados podem estar ligados à crise econômica de 2008, mas não foi apresentada qualquer evidência para esse tipo de argumento. A vitória de Bolsonaro em outubro de 2018 também se inscreveria nessa trajetória de recusa dos povos da antiga “normalidade globalista”. A “explicação” dessa mudança foi apresentada por uma frase de Trump, como se ela encerrasse a chave explicativa dessa inclinação para a direita em diferentes países europeus e nas Américas: “We will no longer surrender this country, or its people, to the false songs of globalism”.
Sobre o globalismo, disse o assessor, existe muita especulação, e ele pretendia trazer uma nova abordagem desse conceito, para sustentar sua visão pessoal sobre esse “desarranjo” atual no mundo. Se no século XX, a grande luta foi entre a democracia liberal e o totalitarismo, no século XXI a luta seria entre a democracia liberal e o globalismo. Ele deu exemplo, em seguida, de grandes líderes “nacionalistas” do século XX, para sustentar sua defesa de um novo nacionalismo, que não se confundiria com o nacionalismo causador das grandes guerras globais cem anos atrás e até a metade do século XX: Thatcher, Reagan, Gandhi ou Ben Gurion. O nacionalismo, para o assessor, teria suas virtudes, inclusive a de não ser imperialista, o que é pelo menos estranho, no confronto de amplas evidências históricas. O nacionalismo também seria contrário a movimentos ou processos políticos centralizadores, outra asserção estranha, uma vez que suas ideias estariam difusas dentro da nação.
O ponto principal de sua argumentação, porém, é o de que as populações não mais querem um projeto globalizante, e sim um movimento conservador moderno. A causa do globalismo, que em nenhum momento recebeu comprovação empírica de sua existência concreta, estaria nas “elites pensantes”, todas elas comprometidas com a emergência, afirmação e consolidação de estruturas globais de governança, quando o que se manifesta agora é o desejo dos povos de retomar o controle sobre os processos decisórios nacionais. Não faltaram invectivas contra o Iluminismo, promotor de uma “mentalidade revolucionária” que teria operado “três inversões básicas”: a primeira seria de ordem cronológica, quando o passado se torna futuro, e passa a projetar ideias globalistas baseadas numa sociedade sem classes (marxista) ou dominada pela ideia de superioridade racial (não precisa dizer quem seria); a segunda seria uma “inversão moral”, de que se pode fazer de tudo para acelerar o futuro, com base numa “teoria” supostamente de fundo maquiavélico, segundo a qual os “fins justificam os meios” (pobre Maquiavel); a terceira inversão seria a do sujeito-objeto, cabendo então novas objeções aos promotores do Iluminismo, que desembocou no Diretório, e no Terror da Revolução francesa.
O globalismo seria exatamente um episódio da mentalidade revolucionária, segundo uma “teologia do progresso” (que seria o materialismo dialético de Marx). Existiriam muitas justificativas para o globalismo, entre elas nada menos que o bem-estar e a prosperidade, ademais de diversas outras, que levariam à “corrosão da tradição religiosa”, à “ditadura das organizações internacionais” e a imposição de “autoridades biônicas” (sic).
Felizmente, o governo Bolsonaro surgiu para, a exemplo de Trump e vários colegas, “defender a população do globalismo”, que opera uma “instrumentação político-ideológica” do processo de globalização, para efetuar a “transferência do eixo do poder para um corpo difuso de burocratas internacionais”. Como disse o presidente no seu discurso aos jovens diplomatas formandos no dia 3 de maio, eles não podem deixar que o Brasil seja definido de fora; os diplomatas têm de entender o Brasil, para impedir que ele seja “definido de fora, com base em ideias e interesses alheios”. Suponho que tenha sido o próprio assessor internacional quem escreveu esse discurso para o presidente, pois ele repetiu as mesmas ideias duas ou três vezes. Graças ao governo Bolsonaro, portanto, o Brasil estaria bem posicionado para se defender do globalismo, como também para entender e enfrentar o “mundo desarranjado”.
Na parte das perguntas e respostas, outras precisões foram introduzidas, como a confirmação da convergência do Brasil com alguns governos que possuem a mesma visão do mundo, nomeadamente a Itália e os países do grupo de Visegrad, com destaque para a Hungria de Viktor Orban (ironicamente com estudos numa universidade fundada por George Soros, atualmente o seu grande inimigo globalista). Aliás, graças a essa postura, os países do grupo de Visegrad “não enfrentaram a crise de 2008”.

O que se pode depreender desse tipo de exposição autocongratulatória – afinal de contas, os diplomatas brasileiros deveriam agradecer aos novos dirigentes o fato de estarem salvando o Brasil, sua política externa e sua diplomacia dos males do globalismo – é que temos um grupo de alucinados no comando da política externa. Eles querem nos fazer crer, sem trazer qualquer evidência concreta, empiricamente fundamentada, de que existe um real perigo de o Brasil perder sua soberania sob os golpes conspiratórios das elites globalistas multilaterais e seus aliados nacionais. Não existem dúvidas nesse grupo de metafísicos antiglobalistas: o globalismo existe, estava sendo implementado, e quem não concorda com essa visão é porque é globalista, algo próximo a ser traidor da pátria. Trata-se de uma surpreendente inversão do ônus da prova, ou seja, nós, diplomatas normais, é que teríamos de provar a não existência dessa coisa nefasta que se chama globalismo.
Não tenho muito a acrescentar sobre o que eu mesmo penso da globalização e do globalismo, adicionalmente ao que já escrevi no final de 2017, num trabalho que se encontra disponível em meu blog: “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo”, Brasília, 7/12/2017, 8 p. Notas preparadas para uma entrevista a um programa da série Brasil Paralelo, sobre os conceitos de globalização e de globalismo; blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalizacao-e-globalismo-como.html). Esse antiglobalismo paranoico tem sua origem em algumas ideias estapafúrdias daquele a quem já chamei de sofista da Virginia e de Rasputin de subúrbio, de quem o assessor presidencial se declarou um admirador confesso e devotado, além do próprio chanceler atual, que criou um blog deliberadamente contrário ao que ele também acusa de ser um complô mundial em favor do multilateralismo. Mas, estranhamente, o dito chanceler nunca havia demonstrado, em anos e anos de carreira diplomática mais ou menos normal, qualquer pendor para essas ideias bizarras do guru escatológico do governo atual, tendo a elas aderido de maneira oportunista, provavelmente para ganhar, justamente, o cargo de chanceler, no qual tem se mostrado, um seguidor fiel, embora desequilibrado, dessa mística antiglobalista, que me parece ser totalmente contrária ao sentido geral da atividade diplomática, ademais de ser, como já afirmado, um monstro metafísico totalmente desprovido de evidências fáticas.
Pode-se dizer, portanto, que a política externa brasileira continuará a ser dominada por essa paranoia surrealista de seguidores de um confuso personagem que conquistou corações e mentes entre as atuais lideranças políticas. Ou seja, infelizmente, continuaremos a ser objetos do ridículo universal (e não apenas por isso). Um dia isso tudo passa, mas até lá teremos de conviver com essa confusão mental confirmada pela palestra do assessor presidencial em assuntos internacionais.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de maio de 2019