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segunda-feira, 23 de maio de 2016

Jose Serra sobre o governo e a politica externa - entrevistra a Eliane Cantanhede (OESP)

‘Governo não tem a opção de fracassar’, diz José Serra

O Estado de S.Paulo,

Com promessa de ‘turbinar’ o Itamaraty, Serra prepara viagem à Argentina para começar ‘atualização’ do Mercosul

BRASÍLIA - O novo chanceler, José Serra, enumera os erros da política externa dos 13 anos de governo do PT, anuncia que vai discutir uma “atualização” do Mercosul em sua primeira viagem internacional, hoje, à Argentina, e assume um compromisso com a opinião pública e os diplomatas: “Vamos turbinar o Itamaraty”.

Serra disse estar acertando com o ministro do Planejamento, Romero Jucá, como cobrir a carência de R$ 800 milhões do Itamaraty, que tem até atrasado salários e aluguéis e imóveis no exterior. Fora isso, há dívidas de R$ 6,7 bilhões do Brasil a organismos e bancos internacionais, tema também em discussão.
Ele também prometeu abrir o País ao mundo e uma relação melhor com os Estados Unidos. “Nossa relação comercial com os EUA deve com certeza se tornar mais próxima e o grande investimento aí é a remoção de barreiras não tarifárias”, disse na noite de sexta-feira, em entrevista ao Estado na qual resumiu os desafios do governo Michel Temer: “Não temos a opção de fracassar. Tem que dar certo”.

José Serra durante posse como Ministro das Relações Exteriores no Itamaraty, em Brasília.
José Serra durante posse como Ministro das Relações Exteriores no Itamaraty, em Brasília.
O que é uma política externa “regida pelos valores do Estado e da Nação”?
A política externa lida com os interesses nacionais num contexto mundial e vamos ter uma política de Estado, numa nova modalidade de política externa independente. Além de não se alinhar às potências, será independente de partidos e de aliados desses partidos no exterior, diferentemente do que havia nos governos do PT.
O sr. não vê diferenças entre a política externa de Lula e a de Dilma? O sr. chegou a ficar bem próximo do chanceler de Lula, Celso Amorim, quando o sr. era ministro da Saúde e ele embaixador em Genebra e atuaram juntos para a quebra de patentes de medicamentos contra a Aids.
Trabalhamos muito bem e de forma produtiva. Aliás, o Celso deixou de fumar cachimbo por minha causa. Eu disse que ele não podia fumar cachimbo e ir a reuniões antitabagismo e ele jurou que tinha deixado de fumar. Minha relação com o Celso foi muito boa. Depois, no Itamaraty, prefiro não analisar.
Uma crítica a Amorim era que ele era antiamericanista, mas o sr., pelo passado de UNE e de esquerda, também é visto assim.
Não é bem assim, mas, de todo modo, não tenho condições agora de revisar a minha biografia e o que eu pensava a respeito. Só que tive uma experiência pessoal que foi muito importante, quando passei parte do meu exílio nos Estados Unidos, nas Universidades de Princeton e Cornell, e comecei a conhecer a sociedade e a democracia americanas muito de perto. Daria uma outra entrevista eu contar o impacto que eu tive ao viver o cotidiano e junto à base da sociedade a democracia americana.
O sr. assume num momento em que o Brasil precisa revigorar as relações com Washington, depois que elas ficaram esgarçadas pela contaminação ideológica no Brasil e pela espionagem da NSA até da presidente...
NSA, o que é isso? Os EUA são uma peça essencial do mundo contemporâneo, embora já não tão dominante como no passado, pois você tem novos centros de poder e de economia, caso típico da China. Nossa relação com os EUA é secular e fundamental e deve com certeza se tornar mais próxima no comércio. O grande investimento aí é a remoção de barreiras não tarifárias. Eles têm uma rede de proteção não tarifária, na área fitossanitária, por exemplo, que exige negociação. Vamos trabalhar incessantemente nessa direção.
Uma eventual eleição do republicano Donald Trump pode atrapalhar esse processo?
Prefiro não acreditar nisso...
No seu discurso de posse o sr. defendeu a reaproximação com parceiros tradicionais, como EUA, Europa e Japão. É o fim da política Sul-Sul?
Veja, se o Brasil é um país continental, tem de ter relações com o mundo inteiro. Nós vamos levar adiante nossa relação com a África, mas não com base em culpas do passado ou em compaixão, mas sabendo como podemos cooperar também beneficiando o Brasil. Aliás, minha ideia é fazer um grande congresso no ano que vem entre Brasil e África, para discutir comércio, cooperação e trocas, inclusive na área cultural, onde temos grande afinidade.
Quando fala em compaixão, o sr. quer dizer que o Brasil não vai mais perdoar dívidas de países africanos, como fez Lula?
Pedi um levantamento para definir o que será feito daqui em diante. O Brasil não é um país que tem dinheiro sobrando, não somos um país desenvolvido. Não implica estabelecer relações predatórias com nenhuma parte do mundo, mas temos que gerar empregos e combate à pobreza aqui dentro também.
Dilma disse em entrevista ser ignorância uma política externa sem os vizinhos e sem os Brics.
A impressão que eu tenho é de que ela não sabe o que está dizendo. Entendo as dificuldades e até esse certo desnorteamento e me sinto constrangido e pouco à vontade para debater com ela nessas condições.
Muitos elogiaram, mas muitos consideraram acima do tom diplomático suas notas contra o diretor da Unasul e os países “bolivarianos” que criticaram o processo político brasileiro. Foram acima do tom?
Foi um tom abaixo das agressões feitas. Na minha primeira reunião no ministério eu disse que não iríamos nem calar nem escalar. Essa é a linha. O que fizemos foi apontar o que não era verdadeiro. Dizer que a democracia está atropelada no Brasil? Que não há garantias democráticas? Basta qualquer um de fora passar uns dias aqui para ver que a democracia está funcionando normalmente. Foi um processo traumático? Foi. Mas todo dentro da democracia e do previsto pela Constituição.
Como fica a relação com Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua e El Salvador, que se manifestaram sobre o Brasil? E com o diretor da Unasul?
A tendência é ir tendo relativizações. Aliás, eu sou amigo do Ernesto Samper (da Unasul). Depois da nota, nós já nos falamos.
Por que a primeira viagem é para a Argentina?
A Argentina é considerada por nós para lá de prioritária. Entre os propósitos da viagem está o debate sobre a atualização do Mercosul, criação do mecanismo de ação conjunta Brasil-Argentina e acertar uma conferência regional sobre ilícitos nas fronteiras, uma questão vital para o Brasil e para a Argentina.
Quando se fala nisso, pensa-se no Paraguai, que, aliás, atuou para evitar notas oficiais contra o Brasil.
Uma ação dessa natureza é inviável sem a colaboração dos países, porque não se resolve na linha das fronteiras, mas no interior dos países. Estou convencido de que teremos a cooperação da Argentina, do Paraguai, da Bolívia, da Colômbia... O Paraguai é um país que está se modernizando e o chanceler deve vir aqui em breve.
O sr. falou em atualização do Mercosul. O que significa isso, já que o sr. é considerado inimigo do Mercosul?
Não, não sou, mas o Mercosul é uma união alfandegária que terminou sendo um obstáculo a acordos bilaterais de comércio. Houve uns 500 acordos bilaterais nos últimos anos, mas o Brasil só fez três: com Israel, Palestina e Egito. É preciso aprofundar as condições da zona de livre comércio, porque ainda há barreiras, e encontrar formas de flexibilizar as regras para permitir acordos bilaterais mundo afora.
Uma das críticas à política externa do PT é que foi toda centrada no multilateralismo na OMC, que não deu certo, vetando o bilateralismo, que todos os demais fizeram. Isso vai mudar?
O multilateralismo poderia ter sido bom para o Brasil, mas, na medida em que Doha, da OMC, não avançou, ficou preso nisso, sem multilateralismo e sem acordos bilaterais. Mas, veja, não estou dizendo que vamos abandonar a OMC, apenas que vamos ter os pés no chão.
O Brasil vai reforçar relações com a Aliança para o Pacífico?
É uma grande prioridade. Relação Brasil-Chile sempre foi próxima e temos boa relação com Colômbia e Peru. Queremos estreitar relações com o México, que é da Aliança para o Pacífico e, assim como a Argentina, é prioridade número 1.
Aproximar dos pragmáticos e neutralizar os bolivarianos?
Posso ser sincero? Não tem nada a ver com conjunturas políticas. Tem a ver com estratégias mais permanentes.
Na era Lula-Amorim, o Brasil participava de negociações para a crise do Irã, para a crise do Oriente Médio... O sr. vai priorizar o comércio em detrimento da diplomacia, ou isso vai voltar?
Sem megalomania. Vamos participar pela paz, pelo entendimento, usando as vantagens comparativas que o Brasil possa ter, mas, repito, sem megalomania.
Com suas críticas à política externa do PT, vem aí uma dança de cadeiras em cargos-chave da chancelaria e das embaixadas?
Vamos manter uma política gradualista de preenchimento de cargo e o mais importante é que nós vamos turbinar o Itamaraty. Nesses anos todos, seja pelo jeito de fazer política externa, seja pelas dificuldades orçamentárias mais recentes, houve certo desânimo e ceticismo que comprometeram a autoestima do Itamaraty. Mas isso, eu prometo, será revertido.
Como, se o governo prevê um rombo de R$ 170,5 bilhões?
A carência imprescindível do Itamaraty é da ordem de R$ 800 milhões e não precisa ser tudo de uma vez. Então, o peso do Itamaraty nas finanças públicas é insignificante e eu não posso atribuir senão ao descaso tudo isso que vinha acontecendo.
E as dívidas com organismos e bancos internacionais?
Quem paga é o Planejamento e hoje (sexta-feira) passei um bom tempo com o ministro Romero Jucá discutindo isso. Ao todo, são R$ 3 bilhões de dívida com os organismos, mais R$ 3,7 bilhões para os bancos (BID, Bird, FMI...)
Vai ter corte de embaixadas e consulados?
Eles criaram uns 60 postos e agora são 227. Será que tudo isso é necessário? Estamos vendo custo-benefício.
A concessão de passaporte diplomático para o tal bispo evangélico foi uma derrapada?
Eu não assino passaportes, seria exótico se assinasse. O problema é que a Igreja Católica sempre teve dois passaportes diplomáticos, as evangélicas reivindicaram a mesma coisa, e algum governo, acho que do Lula, concedeu. Não cabe ao governo definir que uma igreja é mais ou menos importante que a outra.
O Itamaraty é um trampolim para sua candidatura em 2018?
Claro que não, não tem trampolim nenhum. Tudo o que eu quero é fazer uma boa administração aqui. Pode parecer uma declaração de político tradicional, mas é verdadeira.
Seus filhos acreditam nisso?
Meus dois filhos, sim, principalmente o homem. As mulheres são mais desconfiadas.
E se o governo Michel Temer naufragar?
Os desafios são imensos, mas não temos a opção de dar certo ou fracassar. Tem de dar certo, pelo País. O impeachment é doloroso e traumático, mas é uma questão de salvação do Brasil.

sábado, 21 de maio de 2016

Rubens Ricupero: entrevista sobre a nova política externa -- BBC

'Não adianta ter embaixada sem água e telefone', diz Ricupero

Por BBC |

Ex-ministro e amigo de Serra defende fechamento de representações diplomáticas brasileiras e diz que legitimidade do governo lá fora dependerá de êxito no combate a crise

BBC
Amigo de longa data de José Serra, o ex-secretário geral da Unctad (o órgão da ONU para comércio e desenvolvimento) Rubens Ricupero diz que "conversou bastante" com o novo chanceler quando este foi convidado a assumir o Ministério de Relações Exteriores pelo presidente interino Michel Temer.
"Procuramos - eu e (o ex-ministro do Desenvolvimento) Sergio Amaral - dar a ele (Serra) um pouco de nossa percepção da situação (das relações exteriores brasileiras)", diz o diplomata aposentado.
Rubens Ricupero
BBC Brasil
Rubens Ricupero
Ricupero, que também foi ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e embaixador em Washington, nega que haja contradição no fato de Serra prometer uma "desideologização" da diplomacia brasileira e, ao mesmo tempo, enfatizar as relações com países de governos mais liberais, como a Argentina de Mauricio Macri.
Para ele, fechar representações em outros países em um contexto de escassez de recursos é uma questão de "bom senso". "De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone?"
 
E o atual governo não precisa se preocupar com sua legitimidade no exterior. "No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não", diz.
"É um pouco aquilo que se diz em inglês, 'Nothing succeeds like success' (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado."
Confira a entrevista que Ricupero concedeu à BBC Brasil, por telefone, da casa de uma de suas filhas, na França.

BBC Brasil: Serra prometeu "desideologizar" as relações exteriores, mas em seu primeiro discurso também falou na aproximação em países politicamente mais alinhados ao atual governo brasileiro, como Argentina e México. Isso não é uma contradição?
Rubens Ricupero: Não há contradição porque uma coisa é você apoiar uma ideologia clara, como era o bolivarianismo, com a qual o PT tem certa identidade. Outra muito diferente é reconhecer realisticamente que o Brasil precisa manter uma relação mais estreita com os dois grandes países latino-americanos que são comparáveis a nós em tamanho, economia e influência - o México, no norte, e a Argentina, no sul.

Isso não significa que haja menosprezo pelos outros. Os países (da Aliança) do Pacífico e mesmo Venezuela, Bolívia e Equador, todos são parceiros. Mas (ter como foco a Argentina) é uma atitude realista, da mesma forma que para a Franca a relação especial é com a Alemanha. Ninguém aqui imaginaria que essa é uma opção ideológica - é uma imposição da realidade.
Ideologia é postular uma relação especial com países distantes, com os quais temos pouco em comum até na vida econômica, como Cuba e Nicarágua, apenas porque eles fazem parte da aliança bolivariana.
BBC Brasil: Mas se a Argentina tivesse um governo kirchnerista a aposta não seria a mesma, seria?
Ricupero: Seria, porque, como disse, isso é uma imposição da própria vizinhança, da realidade. Agora, não há dúvida que facilita (a relação), como o ministro disse no discurso, o fato de Argentina e Brasil estarem sintonizados, passando por momentos semelhantes, com problemas graves de natureza econômica e com o mesmo tipo de transição. Também com novos governos que têm uma visão parecida sobre a necessidade de uma inserção internacional mais aberta. Isso facilita enormemente para que se comece a mudar o panorama do Mercosul.
Uma coisa é um Mercosul em que o Brasil quer negociar com outros países acordos de comércio e a Argentina faz corpo mole, como até poucos meses atrás. Outra é ter um parceiro que quer tanto quanto nós negociar ativamente com a União Europeia e outros países. Há uma atitude diferente.
México, Colômbia, Peru, Chile. Todos esses países querem se integrar no mundo, abrir-se ao comércio e ao investimento - mesma linha que o Brasil segue agora. Então é natural que você tenha mais afinidade com esses países.

BBC Brasil: A diplomacia de Lula foi marcada por uma expansão do ativismo do Brasil lá fora e um aumento do número de embaixadas e consulados. Serra pediu que fosse calculado quanto custaria fechar algumas dessas representações. Fará uma diplomacia mais contida?
Ricupero: A diplomacia de Lula e do chanceler Celso Amorim refletiu um grande momento positivo vivido pelo Brasil, inclusive na economia. Havia um contexto mundial favorável, com crescimento acelerado da China e alto preço das commododities. Agora, a situação mudou muito. Essa redução do ativismo já foi perceptível no governo Dilma.
Todo país em fase de dificuldades orçamentárias costuma reavaliar sua rede de representações para tirar melhor proveito dos recursos. Os ingleses recentemente, com os conservadores no poder, fecharam alguns postos diplomáticos e remodelaram outros. A França também fez isso. É apenas um reflexo das dificuldades.
De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone? Tenho colegas aqui no exterior que não conseguem pagar conta da internet, telefone. Eu mesmo quando fui embaixador em Washington durante o governo (Fernando) Collor tive de pagar as contas da embaixada do meu bolso pra evitar um corte.
É melhor que, nesses casos, haja uma atitude de bom senso de fazer com que os gastos correspondam aos meios. É isso que eu acho que vai ser feito, mas isso não significa diminuir o nível de atividade. Você pode conseguir a mesma coisa utilizando melhor os recursos.
BBC Brasil: A expansão de embaixadas foi um erro?
Ricupero: Talvez menos que erro. Foi um entusiasmo precipitado. Julgou-se que aquele período de bonança duraria para sempre. E não só na política externa. Havia essa atitude com relação a todos os gastos do governo. Por isso eles se expandiram tanto.
BBC Brasil: O tom das notas emitidas em resposta a governos como Cuba, Nicarágua e Venezuela (que condenaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff) causou polêmica e dividiu o Itamaraty. Para alguns, elas seriam muito incisivas, políticas. 
Ricupero: Não concordo. A surpresa seria se não houvesse reação. Porque as notas dos outros é que foram de uma agressividade inacreditável na convivência diplomática. A nota da Venezuela, por exemplo, é umas sete vezes mais longa que a nota de resposta. A do Brasil é enérgica, mas está dentro do formato diplomático tradicional. Não há nenhum juízo sobre o que está acontecendo na Venezuela ou Cuba, sobre como são as eleições nesses países. Nada que atente contra o princípio de não intervenção. Quem interveio no Brasil foram eles. Apenas respondemos a uma agressão.
BBC Brasil: O que esperar da diplomacia de Serra?
Ricupero: Uma diplomacia realista, pragmática e sóbria, comprometida com a ampliação de nossas exportações e atração de investimentos para ajudar o país a sair da crise. No momento o comércio exterior, o setor externo é um dos poucos setores da economia que está começando a apresentar bons resultados. É verdade que por razões negativas - as importações caíram muito. Mas há a expectativa de se ampliar as exportações, e, com isso, criar empregos no Brasil.
BBC Brasil: O atual governo não pode ter dificuldades para garantir sua legitimidade lá fora?
Ricupero: Não se pode dar muita importância a essas coisas. No começo, sempre há esse tipo de estranheza, porque obviamente aconteceu uma coisa (processo de impeachment) que não é trivial e é preciso explicar (isso lá fora). Mas o que tenho visto na imprensa internacional é uma descrição se não positiva, ao menos bem informada (do que está ocorrendo no Brasil). Os artigos que vi no New York Times, Financial Times, Economist, Le Monde refletem a complexidade do que está se passando.
No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele vai enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não. É um pouco aquilo que se diz em inglês "Nothing succeeds like success" (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado. Protesto na Venezuela: para alguns analistas, país estaria à beira de um colapso.
Temos no debate no exterior a mesma divisão que no Brasil. Há quem seja favorável e quem seja contra (o impeachment). Afinal, vivemos (com o impeachment) um dilema no sentido estrito, do dicionário: uma situação em que uma pessoa é obrigada a escolher entre duas alternativas ruins - tanto a continuação como a mudança (eram ruins). E aí foi preciso ver marginalmente qual oferecia uma esperança de melhora.
BBC Brasil: A crise política e econômica da Venezuela se aprofundou. Alguns analistas dizem que o país está à beira de um colapso. Como o Brasil deve se posicionar?
Ricupero: Quando era diplomata cuidei de Venezuela por muitos anos. Não sei qual a opinião do ministro (Serra) sobre isso, mas acredito que a gente deve se manter dentro do princípio de não intervenção. Sei que a situação está muito tensa e se agrava dia a dia, mas não vejo outra possibilidade. Os países têm de encontrar seus caminhos por seus próprios meios e os outros podem ajudar se forem solicitados. Os resultados que vimos no mundo de ações que violam esse principio de não ingerência - por exemplo, a invasão do Iraque, a derrubada do regime da Líbia - foram todos desastrosos, ainda que tenham vindo embrulhados nas melhores intenções.
BBC Brasil: Serra deu indicações de que deve apostar nas negociações de acordos bilaterais. As dificuldades econômicas não podem ser um empecilho para atrair o interesse de outros países? Quais os acordos mais prováveis?
Ricupero: Esses acordos já estão em andamento. Eu soube que (um acordo) com o Peru está praticamente concluído. Imagino que vai ser mais fácil com esses países que se mostram mais abertos, Peru, Chile, México, espero que a Colômbia também.No caso dos EUA, é possível que se encontre uma maneira de continuar o esforço que o (ex-)ministro Armando Monteiro estava fazendo para examinar todas as barreiras não-tarifárias. Com a União Europeia eu diria que vai ser prioridade máxima, porque em conjunto a UE é de longe o maior parceiro comercial do Brasil e a maior fonte de investimentos para o país. A China também deve receber atenção especial.
BBC Brasil: O Mercosul pode deixar de ser uma união aduaneira para virar área de livre comércio?
Ricupero: Não acho que isso seja uma decisão (do ministro), não está no discurso dele. Essa ideia de deixar a união aduaneira é complexa, precisaria ser analisada em todas as suas implicações. Há setores importantíssimos tanto no Brasil quanto na Argentina que teriam dificuldade se não houvesse a união aduaneira, como o automobilístico.

E o atual governo não precisa se preocupar com sua legitimidade no exterior. "No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não", diz.
"É um pouco aquilo que se diz em inglês, 'Nothing succeeds like success' (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado."
Confira a entrevista que Ricupero concedeu à BBC Brasil, por telefone, da casa de uma de suas filhas, na França.
BBC Brasil: Serra prometeu "desideologizar" as relações exteriores, mas em seu primeiro discurso também falou na aproximação em países politicamente mais alinhados ao atual governo brasileiro, como Argentina e México. Isso não é uma contradição?
Rubens Ricupero: Não há contradição porque uma coisa é você apoiar uma ideologia clara, como era o bolivarianismo, com a qual o PT tem certa identidade. Outra muito diferente é reconhecer realisticamente que o Brasil precisa manter uma relação mais estreita com os dois grandes países latino-americanos que são comparáveis a nós em tamanho, economia e influência - o México, no norte, e a Argentina, no sul.

Isso não significa que haja menosprezo pelos outros. Os países (da Aliança) do Pacífico e mesmo Venezuela, Bolívia e Equador, todos são parceiros. Mas (ter como foco a Argentina) é uma atitude realista, da mesma forma que para a Franca a relação especial é com a Alemanha. Ninguém aqui imaginaria que essa é uma opção ideológica - é uma imposição da realidade.
Ideologia é postular uma relação especial com países distantes, com os quais temos pouco em comum até na vida econômica, como Cuba e Nicarágua, apenas porque eles fazem parte da aliança bolivariana.
BBC Brasil: Mas se a Argentina tivesse um governo kirchnerista a aposta não seria a mesma, seria?
Ricupero: Seria, porque, como disse, isso é uma imposição da própria vizinhança, da realidade. Agora, não há dúvida que facilita (a relação), como o ministro disse no discurso, o fato de Argentina e Brasil estarem sintonizados, passando por momentos semelhantes, com problemas graves de natureza econômica e com o mesmo tipo de transição. Também com novos governos que têm uma visão parecida sobre a necessidade de uma inserção internacional mais aberta. Isso facilita enormemente para que se comece a mudar o panorama do Mercosul.
Uma coisa é um Mercosul em que o Brasil quer negociar com outros países acordos de comércio e a Argentina faz corpo mole, como até poucos meses atrás. Outra é ter um parceiro que quer tanto quanto nós negociar ativamente com a União Europeia e outros países. Há uma atitude diferente.
México, Colômbia, Peru, Chile. Todos esses países querem se integrar no mundo, abrir-se ao comércio e ao investimento - mesma linha que o Brasil segue agora. Então é natural que você tenha mais afinidade com esses países.
Leia também: Maioria de brasileiros aprova entrada de refugiados no país, mas não na própria cidade ou casa, diz pesquisa
BBC Brasil: A diplomacia de Lula foi marcada por uma expansão do ativismo do Brasil lá fora e um aumento do número de embaixadas e consulados. Serra pediu que fosse calculado quanto custaria fechar algumas dessas representações. Fará uma diplomacia mais contida?
Ricupero: A diplomacia de Lula e do chanceler Celso Amorim refletiu um grande momento positivo vivido pelo Brasil, inclusive na economia. Havia um contexto mundial favorável, com crescimento acelerado da China e alto preço das commododities. Agora, a situação mudou muito. Essa redução do ativismo já foi perceptível no governo Dilma.
Todo país em fase de dificuldades orçamentárias costuma reavaliar sua rede de representações para tirar melhor proveito dos recursos. Os ingleses recentemente, com os conservadores no poder, fecharam alguns postos diplomáticos e remodelaram outros. A França também fez isso. É apenas um reflexo das dificuldades.
De que adianta ter um número enorme de embaixadas e não ter dinheiro para pagar aluguel, água ou telefone? Tenho colegas aqui no exterior que não conseguem pagar conta da internet, telefone. Eu mesmo quando fui embaixador em Washington durante o governo (Fernando) Collor tive de pagar as contas da embaixada do meu bolso pra evitar um corte.
É melhor que, nesses casos, haja uma atitude de bom senso de fazer com que os gastos correspondam aos meios. É isso que eu acho que vai ser feito, mas isso não significa diminuir o nível de atividade. Você pode conseguir a mesma coisa utilizando melhor os recursos.
BBC Brasil: A expansão de embaixadas foi um erro?
Ricupero: Talvez menos que erro. Foi um entusiasmo precipitado. Julgou-se que aquele período de bonança duraria para sempre. E não só na política externa. Havia essa atitude com relação a todos os gastos do governo. Por isso eles se expandiram tanto.
BBC Brasil: O tom das notas emitidas em resposta a governos como Cuba, Nicarágua e Venezuela (que condenaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff) causou polêmica e dividiu o Itamaraty. Para alguns, elas seriam muito incisivas, políticas.
Ricupero: Não concordo. A surpresa seria se não houvesse reação. Porque as notas dos outros é que foram de uma agressividade inacreditável na convivência diplomática. A nota da Venezuela, por exemplo, é umas sete vezes mais longa que a nota de resposta. A do Brasil é enérgica, mas está dentro do formato diplomático tradicional. Não há nenhum juízo sobre o que está acontecendo na Venezuela ou Cuba, sobre como são as eleições nesses países. Nada que atente contra o princípio de não intervenção. Quem interveio no Brasil foram eles. Apenas respondemos a uma agressão.
BBC Brasil: O que esperar da diplomacia de Serra?
Ricupero: Uma diplomacia realista, pragmática e sóbria, comprometida com a ampliação de nossas exportações e atração de investimentos para ajudar o país a sair da crise. No momento o comércio exterior, o setor externo é um dos poucos setores da economia que está começando a apresentar bons resultados. É verdade que por razões negativas - as importações caíram muito. Mas há a expectativa de se ampliar as exportações, e, com isso, criar empregos no Brasil.
BBC Brasil: O atual governo não pode ter dificuldades para garantir sua legitimidade lá fora?
Ricupero: Não se pode dar muita importância a essas coisas. No começo, sempre há esse tipo de estranheza, porque obviamente aconteceu uma coisa (processo de impeachment) que não é trivial e é preciso explicar (isso lá fora). Mas o que tenho visto na imprensa internacional é uma descrição se não positiva, ao menos bem informada (do que está ocorrendo no Brasil). Os artigos que vi no New York Times, Financial Times, Economist, Le Monde refletem a complexidade do que está se passando.
No fundo, a reputação que este governo vai ter fora e dentro do Brasil dependerá de como ele vai enfrentar os problemas da economia e outras áreas. Ou seja, se vai acertar ou não. É um pouco aquilo que se diz em inglês "Nothing succeeds like success" (Nada tem mais sucesso do que o sucesso). Se o governo tiver êxito vai ser aplaudido. Se não tiver, vai ser muito criticado. Protesto na Venezuela: para alguns analistas, país estaria à beira de um colapso.
Temos no debate no exterior a mesma divisão que no Brasil. Há quem seja favorável e quem seja contra (o impeachment). Afinal, vivemos (com o impeachment) um dilema no sentido estrito, do dicionário: uma situação em que uma pessoa é obrigada a escolher entre duas alternativas ruins - tanto a continuação como a mudança (eram ruins). E aí foi preciso ver marginalmente qual oferecia uma esperança de melhora.
BBC Brasil: A crise política e econômica da Venezuela se aprofundou. Alguns analistas dizem que o país está à beira de um colapso. Como o Brasil deve se posicionar?
Ricupero: Quando era diplomata cuidei de Venezuela por muitos anos. Não sei qual a opinião do ministro (Serra) sobre isso, mas acredito que a gente deve se manter dentro do princípio de não intervenção. Sei que a situação está muito tensa e se agrava dia a dia, mas não vejo outra possibilidade. Os países têm de encontrar seus caminhos por seus próprios meios e os outros podem ajudar se forem solicitados. Os resultados que vimos no mundo de ações que violam esse principio de não ingerência - por exemplo, a invasão do Iraque, a derrubada do regime da Líbia - foram todos desastrosos, ainda que tenham vindo embrulhados nas melhores intenções.
BBC Brasil: Serra deu indicações de que deve apostar nas negociações de acordos bilaterais. As dificuldades econômicas não podem ser um empecilho para atrair o interesse de outros países? Quais os acordos mais prováveis?
Ricupero: Esses acordos já estão em andamento. Eu soube que (um acordo) com o Peru está praticamente concluído. Imagino que vai ser mais fácil com esses países que se mostram mais abertos, Peru, Chile, México, espero que a Colômbia também.No caso dos EUA, é possível que se encontre uma maneira de continuar o esforço que o (ex-)ministro Armando Monteiro estava fazendo para examinar todas as barreiras não-tarifárias. Com a União Europeia eu diria que vai ser prioridade máxima, porque em conjunto a UE é de longe o maior parceiro comercial do Brasil e a maior fonte de investimentos para o país. A China também deve receber atenção especial.
BBC Brasil: O Mercosul pode deixar de ser uma união aduaneira para virar área de livre comércio?
Ricupero: Não acho que isso seja uma decisão (do ministro), não está no discurso dele. Essa ideia de deixar a união aduaneira é complexa, precisaria ser analisada em todas as suas implicações. Há setores importantíssimos tanto no Brasil quanto na Argentina que teriam dificuldade se não houvesse a união aduaneira, como o automobilístico.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Itamaraty: sigilo sobre viagens de Lula ao exterior financiadas pela Odebrecht (2015)

Perguntar não ofende:
O novo governo e o novo ministro vão desclassificar estas informações?
O MPF não pode requisitar os telegramas?
Paulo Roberto de Almeida

Itamaraty torna sigilosos documentos que citam Odebrecht

O sigilo cobre o período em que a empreiteira bancou viagens ao exterior do ex-presidente Lula

FILIPE COUTINHO
Época, 16/06/2015
 
governo Dilma classificou como secretos e reservados pelo menos 760 documentos envolvendo a Odebrecht. O sigilo cobre justamente o período em que a empreiteira passou a pagar viagens ao exterior do ex-presidente Lula, muitas vezes apoiado pelas embaixadas brasileiras nos países visitados. Alguns documentos poderão ficar em segredo até 2030.
Apesar do discurso pró-transparência adotado após o recuo na tentativa de impedir a divulgação de telegramas desclassificados, o Itamaraty, apenas no governo Dilma, decretou o segredo por até 15 anos de um conjunto de 141 documentos secretos e 619 reservados que citam a Odebrecht.
A informação foi prestada pelo diplomata João Pedro Costa, Diretor do Departamento de Comunicações e Documentação, após consulta de ÉPOCA por meio da Lei de Acesso à Informação.

Costa é o mesmo diplomata que, na semana passada, sugeriu que fossem colocados em segredo por até dez anos um conjunto de documentos inicialmente classificados como reservados (sigilo de cinco anos) e que, pela lei já deveriam ser públicos, e que citam a Odebrecht  durante o governo Lula.
A justificativa para o sigilo era o interesse da revista ÉPOCA, que já produziu reportagem acerca das ligações entre Lula e a empreiteira. A manobra foi divulgada pelo O Globo e o Itamaraty decidiu então liberar os documentos, sem restrições. Mas apenas os documentos reservados (com prazo de sigilo de cinco anos) e que já são de domínio público. Os 760 documentos sigilosos que citam a Odebrecht produzidos no governo Dilma continuarão em segredo.

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domingo, 1 de maio de 2016

A agenda perdida da area internacional - Marcos Sawaya Jank (FSP)

A agenda perdida da área internacional


 
É dramática a situação das representações brasileiras no exterior. Atrasos nos salários e benefícios dos funcionários, cortes de água e luz, dificuldade para custear viagens de trabalho e um inaceitável atraso nas contribuições para as Nações Unidas e outras organizações internacionais são exemplos de problemas correntes das 225 representações do país no exterior.
Após o aumento de mais de 40% no número de representações desde o governo Lula, o Brasil se vê hoje na constrangedora situação de ter de fechar postos e reduzir despesas correntes para não ser despejado em alguns países.
Acompanho o trabalho dos diplomatas brasileiros há mais de 20 anos e posso afirmar, com segurança, que a nossa diplomacia se posiciona entre as melhores do mundo. Trata-se de uma das poucas carreiras de Estado bem estruturadas no Brasil, marcada pela seleção criteriosa, pela formação sólida e pela reputação reconhecida no mundo todo.
Mas, apesar dos bons serviços prestados no exterior, muitas vezes de forma heroica e voluntária, a coordenação do governo como um todo deixa a desejar.
Os Ministérios das Relações Exteriores, Indústria e Comércio Exterior, Agricultura e a Apex (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos) precisam juntar esforços de forma mais eficiente, definindo claramente as suas atribuições e limites, somando recursos e evitando duplicidades.
Missões esporádicas ao exterior são necessárias, principalmente em nível presidencial e ministerial, mas datas e horários precisam ser respeitados e o follow-up do que foi acordado precisa ser cumprido. Falhas homéricas têm ocorrido –além de sucessivos cancelamentos e atrasos, quase sempre há muito barulho no momento da visita, mas pouco preparo prévio e uma execução deficiente na sequência.
Deveríamos reduzir a busca por holofotes passageiros em megaeventos de custo astronômico e cuidar melhor da relação cotidiana com nossos parceiros comerciais. Por exemplo, na Ásia, região mais dinâmica do mundo, a nossa presença física é tímida e desconectada, menos expressiva do que a de países bem menores do que o Brasil.
No caso das commodities, que representam dois terços das nossas exportações, mais importante do que participar esporadicamente de feiras e rodadas de negócios é direcionar recursos para a labuta diária nos órgãos reguladores dos países-chave: redução das barreiras comerciais, entrega rápida de questionários de habilitação de unidades produtivas, organização de visitas e missões, negociação de acordos bilaterais –sanitários, contra a dupla tributação, de facilitação de comércio e investimentos etc.
Precisamos ultrapassar a fase das demandas unilaterais de acesso ao país-alvo e desenvolver parcerias estratégicas de longo prazo que beneficiem os dois lados. As oportunidades de cooperação bilateral são imensas.
Mas nada disso é novidade, porque já estivemos em melhor posição no passado, inclusive no vasto universo das negociações para a formação de megablocos comerciais, à semelhança dos que hoje proliferam pelo mundo afora.
Não faltam no Brasil cabeças brilhantes para enfrentar o jogo internacional com desenvoltura. O que falta, sim, é organização e foco, envolvendo não apenas os diversos órgãos do governo como também as associações e as empresas do setor privado. É hora de recuperar a agenda perdida da área internacional.

Itamaraty: Senador Jose Serra assume o ministerio - Patricia Campos Mello (FSP)

Serra no Itamaraty
Patricia Campos 
DE SÃO PAULO
Folha de São Paulo, 30/04/2016

A perspectiva de ter o senador José Serra (PSDB-SP) como próximo chanceler anima o Itamaraty, segundo apurou a Folha. Ter como ministro um político de estatura em vez de um diplomata de carreira fortaleceria o ministério em um momento de fragilidade. Com Serra, o Itamaraty voltaria a ter o peso que não tinha desde a saída do chanceler Celso Amorim, em 2010, acreditam diplomatas.
Mas a possibilidade de transferir a área de comércio exterior para o ministério é alvo de fortes críticas. Um Itamaraty "turbinado" incluiria toda área de comércio exterior, ou somente a Apex, agência que faz promoção comercial. O primeiro cenário gera pânico no Ministério do Desenvolvimento e profundo desagrado no Itamaraty.
"Seria como misturar vinho com azeite", diz uma fonte. São duas carreiras muito diferentes –a política externa segue uma visão de Estado enquanto a política comercial precisa abrir mercados e vender produtos. "É preciso ter um órgão que receba demandas do setor privado, como defesa comercial, e o Itamaraty não pode ser esse órgão, porque vai priorizar as relações diplomáticas com outros países", diz uma fonte do Desenvolvimento. União Europeia, EUA, China e Japão têm ministérios separados para lidar com comércio exterior e diplomacia.
Além disso, a incorporação da área de comércio exterior tomaria muito tempo e talvez nem estivesse pronta até o fim do governo Temer, em 2018.
Pessoas próximas a Temer afirmam que o vice fez a proposta a Serra sem pensar exatamente em como esse Itamaraty "turbinado" sairia do papel, tentando emplacar um "ministério fortalecido" em vez das pastas da Fazenda ou Planejamento, que o tucano preferia.
De qualquer maneira, diplomatas já comemoram a possibilidade de um ministro Serra. "Seria um ministro com acesso ao presidente e ao Ministério do Planejamento, que lidera os cortes de verbas do Itamaraty", diz um diplomata. Entre as mudanças esperadas estariam o fechamento de postos na África, menos ênfase no relacionamento Sul-Sul e uma guinada no Mercosul.
Mas o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda que é muito próximo de Serra, com quem conversa regularmente, não acredita em mudanças dramáticas na política para o Mercosul. "Não se sabe se transformar o Mercosul em área de livre comercio traria benefícios e a Argentina agora tem um presidente, Mauricio Macri, que não seria obstáculo a negociações comerciais", diz. Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da FGV e colunista da Folha, concorda. "Fazer reformas no Mercosul e no comércio exterior é muito complexo e geraria muitos inimigos", diz.
Em relação à personalidade difícil do senador, um diplomata é pragmático: "Depois de tanto tempo trabalhando com a Dilma, o Serra não seria um problema."
Entre os diplomatas com bom trânsito com o senador tucano estão Sergio Danese, atual secretário-geral do Itamaraty; Santiago Mourão, embaixador em Teerã, Mário Vilalva, embaixador em Lisboa, Marcos Galvão, embaixador junto à OMC, e Roberto Jaguaribe, embaixador em Pequim.
Se o chanceler for mesmo um político, o assessor internacional da presidência, cargo hoje ocupado por Marco Aurelio Garcia, poderia ser um diplomata de carreira, e o nome de Danese surge com força. Segundo um interlocutor de Temer, o vice já teve várias audiências com Danese e a "química foi boa".

terça-feira, 26 de abril de 2016

Itamaraty: a lista de candidatos no governo transitorio de Michel Temer aumenta: Senador Aloysio Nunes


Mais um "candidato", ou sugerido, para o Itamaraty, num governo de transição de Michel Temer, o atual presidente da CREDN-SF, senador Aloysio Nunes, junto com o embaixador Rubens Barbosa, atualmente presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior​, e do Conselho de Comércio Exterior da FIESP.
Paulo Roberto de Almeida

A vice-política externa


Em famosa carta endereçada à Dilma, mas enviada para todo o Brasil, Temer afirma: democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Em termos de relações exteriores, a frase é mais reveladora do que pode parecer. Temer já mobiliza nomes da oposição como os primeiros formuladores e executores de sua política externa. O primeiro chanceler do “vice-governo” Temer parace inclusive já ter sido escolhido, é o senador Aloysio Nunes
Por Tomaz Paoliello*
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A movimentação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff demanda projeções sobre como seria um governo de seu vice-presidente, Michel Temer. Apesar da grande dose de incerteza dos tempos atuais, já é possível vislumbrar algumas das tendências do que seria, por exemplo, a futura política externa de Temer. Em famosa carta endereçada à Dilma, mas enviada para todo o Brasil, Temer afirma: democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Em termos de relações exteriores, a frase é mais reveladora do que pode parecer. Temer já mobiliza nomes da oposição como os primeiros formuladores e executores de sua política externa. O primeiro chanceler do “vice-governo” Temer parace inclusive já ter sido escolhido, é o senador Aloysio Nunes.

Na segunda-feira, 18 de abril, Nunes, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado, viajou a Washington, a pedido de Michel Temer, para empreender uma campanha de relações públicas internacional centrada na desconstrução da narrativa do golpe. Tanto Nunes quanto Temer reagiram negativamente às afirmações de de Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), e Ernesto Samper, Secretário Geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) sobre falta de legitimidade neste processo em curso que pode culminar no afastamento da presidente. O Senador Nunes, em resposta ao Secretário Geral da OEA, afirmou que a viagem de Almagro ao Brasil teria sido um gesto oportunista, e que o uruguaio tem “completo desconhecimento sobre a situação política brasileira”. Vale nota sobre a biografia de Almagro: o Secretário Geral tem longa e reverenciada carreira diplomática, representou o Uruguai em diversas instâncias regionais e foi chanceler uruguaio de 2010 a 2015, na administração Mujica. Sua expertise a respeito da América Latina e a intimidade com a realidade brasileira são inquestionáveis.
Em coluna publicada na Folha de S. Paulo no dia 30 de março, Aloysio Nunes já denunciava que o governo supostamente utilizou a máquina pública para disseminar a narrativa do golpe. De acordo com o Senador, o governo estaria se valendo dos canais oficiais, ou seja, da diplomacia, com finalidades partidárias. A esquerda mobilizou, de fato, suas tradicionais redes internacionais, mas não através da diplomacia. Essas redes, compostas por políticos e partidos de esquerda, setores da academia, ativistas, jornalistas e estudantes, se juntaram internacionalmente à luta contra o impeachment. O nonsense de um processo de impedimento conduzido por deputados denunciados por corrupção contra uma presidente sob a qual não pesam processos na justiça, até o momento ,certamente facilitou a repercussão internacional majoritariamente negativa sobre o processo. A movimentação do Senador Nunes, em contrapartida, tenta dar resposta aos receios de uma comunidade internacional justamente alarmada e busca mobilizar os possíveis parceiros de um futuro governo Temer. Não à toa, tenta diálogo com aqueles atores que historicamente se preocupam menos com a legitimidade política de seus parceiros e desejam apenas interlocutores que permitam seu acesso privilegiado às elites políticas e econômicas nacionais.
Os encontros de Aloysio Nunes em Washington miram interlocutores de duas naturezas: autoridades políticas e o empresariado. O Senador tem reuniões agendadas com o Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, o republicano Bob Corker, e com o antigo embaixador dos EUA em Brasília, Thomas Shannon, atual subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado. O outro importante compromisso na agenda divulgada pela assessoria do parlamentar brasileiro é uma reunião com empresários norte-americanos e acontece no Albright Stonebridge Group. A consultoria que organiza a reunião é dirigida por Madeleine Albright, ex-Secretária de Estado no governo Bill Clinton, e Carlos Gutierrez, ex-Secretário de Comércio no governo George W. Bush. O empresariado norte-americano pode ser um aliado importante, visto que historicamente se preocupou muito pouco com a natureza política de seus parceiros, como chegou ao poder e o que fez para se manter nele. Sempre valeu mais a estabilidade política e um bom ambiente de negócios do que o regime político. Quanto aos prospectos políticos, a viagem de Nunes se dedica a democratas e republicanos, mas parece dar ênfase a uma aproximação com quadros próximos a um futuro governo Hillary Clinton. De uma forma ou de outra, oferecer boas oportunidades de negócios ao empresariado parece uma aposta certa.

A revanche de 2014
Aloysio Nunes foi o vice-presidente da chapa do também tucano Aécio Neves, derrotado no segundo turno das eleições de 2014. Os pontos principais do programa de Aécio Neves em 2014, apresentam coincidências impressionantes com o documento ‘Uma Ponte Para o Futuro’, formulado pelo PMDB e divulgado como um possível programa de governo Temer. O ponto central coincidente aos dois documentos é a ideia da construção de uma política externa focada na abertura comercial, com ênfase em acordos bilaterais e regionais em detrimento de diálogos de caráter multinacional, e uma postura declarada de desconfiança com relação ao Mercosul enquanto espaço privilegiado de formulação e execução de política externa para a região. Essa postura se opõe à opção da política externa de Lula e Dilma, que privilegiou a negociação comercial nas esferas multilaterais e teria transformado as organizações regionais no que tucanos se referem pejorativamente como “fóruns de discussão política e social” (http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/04/rubens-barbosa-acao-do-pt-no-exterior-e-pessima-para-o-brasil.html). A abertura comercial deve ter como foco, de acordo com ambos os documentos tucano e temerista, alguns parceiros privilegiados. Os dois documentos seguem coincidentes ao apontar quem seriam esses parceiros: o Brasil deve buscar se aproximar da Ásia, da Europa e principalmente dos EUA. O foco seria integrar a economia brasileira às “cadeias globais de valor”. (http://inter01.tse.jus.br/divulga-cand-2014/proposta/eleicao/2014/idEleicao/143/UE/BR/candidato/280000000085/idarquivo/229?x=1406050602000280000000085).
Cabe aqui a referência a uma outra figura pública que é personagem principal da construção dessa articulação PSDB-PMDB que tenta emplacar agora o que as urnas rejeitaram em 2014 em muitas agendas – inclusive no que tange à política externa. O principal assessor para política externa da chapa do PSDB, formulador da seção de política externa do programa de governo de Aécio, foi o Ex-Embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa. Barbosa, atualmente presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, anunciou no último mês de março a criação de um novo think-tank, o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). Apesar de se declarar apartidário, o IRICE contou, em seu lançamento, com palestra do Governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin. O instituto, focado na agenda de comércio exterior, enfatiza os mesmos pontos do programa de governo de Aécio e do documento do PMDB, notavelmente a ideia de que o sucesso em política externa pode ser medido pela quantidade de acordos comerciais assinados. As consequentes críticas à política externa dos últimos anos vêm sempre associadas à opção brasileira sob governos do PT pelas relações com os países de sul global e a supostamente malfadada opção por negociações no âmbito da OMC. Apesar da ausência de dados sobre os financiadores do IRICE, o vínculo de Barbosa com a FIESP e a coincidência de discursos ajudam a revelar quais são os interesses articulados ao redor da iniciativa. E permitem inferências sobre de onde os recursos provém.
A política externa que se articula nas sombras do governo Dilma parece bastante clara quanto ao que veio: seu objetivo será aplicar, passo a passo, a ideia de relações exteriores derrotada nas eleições de 2014. Para isso, se utilizará das mesmas figuras, como Nunes e Barbosa; do mesmo referencial ideológico liberal; e do mesmo argumento, que associa as relações regionais, sul-sul, e multilaterais a uma política externa de cunho supostamente ideológica e partidária. Muitos têm receio de aderir à narrativa do golpe para se referir ao processo de impeachment. Mas a narrativa já tem a adesão de grandes veículos da imprensa internacional e mobiliza atores políticos relevantes no exterior. Os conspiradores o sabem, e parecem bastante preocupados em reverter o jogo, evitando a pecha que lhes cabe de golpistas aos olhos da comunidade internacional. Os esforços nesse sentido, contudo, deixam ainda mais evidentes as conspirações que protagonizam.

*Tomaz Paoliello é professor de Relações Internacionais da PUC (SP)
Fonte: Revista Fórum
www.revistaforum.com.br

domingo, 24 de abril de 2016

Escritores e escrevinhadores do Itamaraty: minhas respostas a um questionario - Paulo Roberto de Almeida


Escritores e escrevinhadores do Itamaraty:
Respostas a questionário enviado a Paulo Roberto de Almeida

Respostas de Paulo Roberto de Almeida
a questionário enviado em 30/03/2016 por Aurea Domenech, escritora, artista e funcionária do Itamaraty, a propósito de uma reunião com "escritores" da Casa. 


Nota introdutória: Respondo voluntariamente às 20 simpáticas perguntas do questionário abaixo transcrito, que me foram enviadas como preparatórias à elaboração de uma monografia a respeito do tema, e como possível proposta de realização de um congresso de “escritores” do Serviço Exterior brasileiro, não na condição de “escritor”,  o que eu não me considero ser, mas na de um mero “escrevinhador”, como consignei no título deste trabalho. Escritores são aquelas pessoas que fazem da escrita – e da ulterior publicação de seus escritos – uma atividade constante, podendo servir até de ganha-pão, ou, mais frequentemente, aquelas que escrevem pelo prazer da escrita, por uma motivação interna que as leva a traduzir suas ideias e pensamentos, suas reflexões e sentimentos, suas observações sobre a vida exterior e qualquer outra elaboração mental a respeito da experiência vivida, ainda que alheia, em uma atividade constante, regular, consciente e deliberada, de transposição de todos esses elementos numa plataforma qualquer de comunicação, sob a forma de uma escrita compreensível à maioria dos eventuais leitores.
No meu caso, não creio poder utilizar-me dessa classificação, não apenas porque não faço da minha escrita – que aliás é constante e regular – um meio de vida, mas também porque meus escritos são motivados unicamente por um objetivo didático explícito, o de instruir os mais jovens (e alguns mais velhos também), sobre o que aprendi na vida, lendo, viajando, conversando com pessoas mais espertas, observando simplesmente o funcionamento do mundo e seus problemas, com destaque para o Brasil, seu processo de desenvolvimento, sua inserção internacional. Essa não é, portanto, a atividade de um escritor, e sim a de um professor, aliás voluntário, pois a condição é secundária à minha atividade principal de servidor do Serviço Exterior brasileiro. Por isso, considero não poder abrigar-me sob o chapéu dos escritores, daí minha preferência por essa outra categoria que os franceses chamam de “scribouillard”, que corresponde exatamente à palavra escrevinhador em Português.

1.   Qual é o ponto fundamental no cotejo entre a atividade diplomática e a produção literária e ensaística? A convivência entre a cultura e as instituições do Estado nas sociedades ibero-americanas é notória? Como isso se dá em nosso país?

PRA: A atividade diplomática, em qualquer país, em qualquer época, constitui, provavelmente, a mais intelectual, a mais “literária”, das profissões associadas à burocracia de Estado, uma vez que congregando, recrutando e atraindo pessoas já naturalmente dotadas de educação acima da média, com conhecimentos igualmente mais elevados e diversificados do que o padrão normal dos burocratas estatais. Essa atividade, ou profissão, também exige, impulsiona e estimula, naturalmente, a arte da boa escrita, as virtudes da síntese, da análise precisa, do equilíbrio de julgamento, da amplitude de visões sobre as mais diversas nações do planeta, sobre a diversidade cultural e as riquezas linguísticas que são dotações exibidas por praticamente todas as sociedades organizadas do planeta.
Isso não quer dizer que todo diplomata será um escritor, literário ou em outras áreas, mas significa que ele saberá pelo menos escrever bem, o que já é meio caminho na direção de uma atividade literária ou de análise de fatos e processos políticos e sociais. Tampouco creio que essa convivência entre a cultura e uma instituição estatal como a diplomacia seja mais distinguida nas sociedades ibero-americanas do que em quaisquer outras sociedades civilizadas da contemporaneidade. Talvez os diplomatas e outros membros do Serviço Exterior, sejam, nessas sociedades, mais do que em outras, os representantes de uma elite ainda mais reduzida do que o próprio conceito de elite, dadas as grandes distâncias culturais e a desigualdade social mais acentuada nessas sociedades. Em todo caso, a corporação diplomática, de certa forma, sempre faz parte de uma elite cultural, mesmo se seus membros, em países de maior igualdade social sejam típicos representantes da classe média, e não membros de uma reduzida elite social como pode ser o caso de algumas das sociedades ibero-americanas. No Brasil, creio que o perfil da corporação diplomática tendeu a se “democratizar” nas últimas décadas – ou seja, a ampliar seu recrutamento em camadas típicas da classe média –, mas ainda assim, seus membros pertencem quase que naturalmente a uma elite cultural, uma vez que os requerimentos de ingresso na carreira são “anormalmente” elevados, o que tende a selecionar pessoas já potencialmente “escritoras”, ou futuros membros prováveis dessa confraria, se por acaso possuírem a vocação ou a vontade para tal.

2.   Como vê o antigo axioma de que o diplomata e os demais servidores do Serviço Exterior são especialistas em generalidades? Estas generalidades tirariam do foco os escritores se esses se entusiasmassem por outros caminhos? O caminho do escritor é diverso do caminho do diplomata?

PRA: De fato, na tradição diplomática profissional brasileira não existem, a priori, especialidades, ou seja, o funcionário não é treinado para, e não se espera que fique em, “nichos eternos”, podendo servir em diversas áreas do Serviço Exterior ao longo da carreira. Isso não impede que alguns, motivados por suas próprias “afinidades eletivas”, procurem, ou se dediquem, a certas áreas de suas preferências pessoais: econômico, multilateralismo, bilateral, administração, consular, etc. Mas, na maior parte das vezes, os diplomatas e outros servidores são mesmo especialistas em generalidades, ou seja, podem servir em áreas muito distintas entre si, no curto, no médio e no longo prazo. Isso poderia, teoricamente, obstar a uma carreira de “escritor” em uma determinada área, mas a literatura, tomada no sentido estrito, independe de áreas de trabalho, pois sua inspiração é a experiência humana, em todas as suas dimensões, o que pode ser feito em qualquer lugar em qualquer época.
Cabe no entanto observar que os caminhos e as ocupações do escritor e do diplomata são necessariamente diversos. Este último, tomado em sua dimensão própria, é um perfeito burocrata, preparando telegramas e outros expedientes estritamente dentro de suas atribuições funcionais, nas quais se concede, em princípio, pouco espaço para alguma atividade literária adicional. O escritor, por sua vez, se também diplomata, o é, geralmente, nas horas vagas, no recesso do lar, ou nos intervalos de trabalho, num universo que pode até tomar a diplomacia como inspiração, mas que não deve a ela a motivação principal para a escrita, que é sempre interior, não ditada por autoridades burocráticas acima do “escritor diplomata”. Raramente um diplomata será promovido ou a ele serão concedidos benefícios adicionais, ou de alguma forma compensatórios, apenas por que se trata, supostamente, de um “escritor”. A diplomacia profissional não espera e não exige que seus servidores se tornem quaisquer outras coisas fora do ambiente próprio de trabalho, e não deveria recompensar por “artes externas” quaisquer de seus membros e servidores, pois não foi para isso que eles se prepararam, fizeram concurso e foram contratados expressamente para o desempenho eficiente na burocracia do Estado. Isso basta ao Serviço: qualquer outra atividade paralela corre por “conta e risco” do servidor, não lhe sendo facultado valer-se dela, ou tomá-la como suporte e alavanca para qualquer impulso na carreira e demanda por postos e funções.

3.   Há na Literatura felicidade? Escreve-se melhor quando se está feliz? A chave da Literatura é a experiência ou a ficção se faz presente com maior relevo na sua literatura?

PRA: Difícil responder, pois essa questão é essencialmente subjetiva. Quem escreve literatura, nos moldes tradicionais, sendo diplomata, o faz necessariamente por alguma necessidade interior, não por compulsão ou obrigação de trabalho. Se supõe, então, que esse diplomata-escritor seja feliz ao ser realizar como escritor, não para se distinguir como diplomata, onde essa dimensão pode passar completamente ignorada.
A experiência vivida, ou ressentida interiormente, sempre está na base da ficção, pois mesmo os temas mais bizarros, sem qualquer conexão com a vida real, são sempre inspirados por determinadas leituras, por obras de arte, por trabalhos de outros autores, por elementos diversos que vão formando, como pequenos tijolos conceituais, a “matéria prima” da escrita. Literatura, na maior parte das vezes, é sempre uma arte ficcional, do contrário seria relato histórico, ou sociologia da relações humanas. Se supõe que a felicidade que decorre do prazer da escrita, mas parece que também existem os escritores que se entregam a essa arte, ou atividade, por alguma angústia qualquer,

4.   Quando começou a escrever, quais eram as suas expectativas e com que idade começou?

PRA: Escrevi desde sempre, desde que comecei a tomar notas a propósito dos livros que lia na biblioteca pública infantil, que frequentei desde muito cedo. Não tinha outra expectativa, nessa fase precoce, senão aprender, ou seja, os resumos de leituras eram notas para releitura e aprendizado mais fixo do que a memória passageira. Devo dizer que as bibliotecas, sobretudo as da primeira infância, tiveram um papel fundamental em minha formação intelectual, pois que vindo de uma família sem formação educacional completa, e de um lar praticamente sem livros, só me elevei na vida profissional, e nas atividades acadêmicas, que pratico paralelamente, em função das leituras em biblioteca desde que aprendi a ler na “tardia” idade de sete anos: desde então nunca mais parei.
Assim, comecei a aproveitar essas notas de leituras, e de forma não surpreendente, meus primeiros escritos, alguns publicados ainda adolescente, foram resenhas de livros, o que sempre fiz em toda a minha vida. Depois, já universitário (entre os 18 e 25 anos, portanto), comecei a escrever ensaios sociológicos e pequenos artigos de atualidade política, vários publicados, inclusive sob pseudônimo durante o regime militar. Não tinha outra expectativa senão a de participar do debate e de trabalhar em favor de um projeto de país mais desenvolvido, mais igualitário, o que nessa época, queria dizer socialista. Mais tarde, ao viajar para, e conhecer, os socialismos reais, tornei-me simplesmente reformista, mais recentemente até liberal e, num certo sentido, libertário.
Meus escritos da fase madura não são literatura, e sim aborrecidamente sociológicos, ou seja, ensaios nas áreas de humanidades e de ciências sociais, com uma inclinação mais forte, nas fases ulteriores, para as relações econômicas internacionais e a história diplomática.  Todos os meus trabalhos – originais e publicados, ou seja, artigos, ensaios, entrevistas, e sobretudo livros e capítulos de livros – estão listados cronologicamente em meu site (www.pralmeida.org, em listas de publicados e originais), e grande parte encontra-se disponível no próprio site, em meu blog (diplomatizzando.blogspot.com) e em plataformas acadêmicas das quais sou membro, com destaque para Academia.edu (https://uniceub.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida) e para Research Gate (https://www.researchgate.net/profile/Paulo_Almeida2).

5.   Qual foi, de início, o seu tema favorito? Por quê?

PRA: Sempre foi o Brasil, que é o meu tema exclusivo, predominante, essencial, permanente, em todas as suas dimensões, sobretudo econômica e política. A razão é muito simples: desde o início, minhas leituras foram dedicadas à história, depois à política, e finalmente à economia, com um grande foco voltado para o próprio Brasil. Ou seja, meus escritos não estão voltados para qualquer tema literário, e confesso ter lido pouca literatura em minha vida. As obras caracterizadamente “literárias” que pude percorrer o foram numa fase precoce, geralmente na etapa adolescente e na primeira juventude. Depois, na fase adulta, na carreira diplomática e na vida acadêmica, minhas leituras e escritos sempre foram em torno de temas relacionados às questões e a problemas nas áreas apontadas, com ênfase no desenvolvimento econômico do Brasil.

6.   De que modo um encontro anual de escritores seria algo interessante para os escritores da Casa de Rio Branco? Você tem alguma ideia para enriquecer o evento?

PRA: Creio que seria algo muito bem vindo, uma espécie de Pen Club dos diplomatas e servidores do Itamaraty, embora eu mesmo não me inclua nesse clube. Como já disse em minha introdução, não me considero escritor; sou apenas um escrevinhador de coisas chatas, aborrecidas, que são os problemas que o Brasil enfrenta para tornar-se verdadeiramente desenvolvido, com uma democracia de qualidade, uma economia “normal” (pois considero a nossa totalmente esquizofrênica), uma sociedade menos desigual (mas não igualitária, pois isso é impossível e até indesejável).
Acredito, porém, que os verdadeiros escritores do Itamaraty seriam muito poucos, ou seja, aqueles que escrevem de fato por alguma compulsão interna, não por mandato externo. A atividade de escritor não é compatível com a de redator de memorandos. Dizendo isso, excluo da categoria de escritores a enorme maioria, na verdade a quase totalidade, daqueles que exibem em seu currículo uma única obra (geralmente publicada pela própria Casa, ou seja, a Funag), pois se trata de um trabalho obrigatório, feito no Instituto Rio Branco ou para cumprir os requerimentos do Curso de Altos Estudos para fins de promoção funcional.
Esses não são escritores, mas apenas burocratas que se desempenham de uma obrigação, embora muitos exibam uma qualidade de escrita comparável à de qualquer escritor mediano. Escritores são unicamente aqueles que escrevem e publicam textos, em diversas categorias – romance, poesia, história, ensaios de crítica, contos, ou mesmo crônicas dos eventos correntes – que resultam de um desejo interno, pessoal, não motivado por qualquer preocupação funcional, ou mesmo comercial, aqueles que fazem da escrita um prazer, não uma obrigação. Não sei dizer quanto seriam, no Itamaraty, mas creio que sejam proporcionalmente muito poucos.

7.   Como a vida de viajante e exilado contribuiu para a sua literatura? Crê que se não lhe fosse dada a ventura de “correr campos”, sua literatura não seria tão rica?

PRA: Como publico textos em diversos campos das ciências sociais, e não literatura estrito senso, a vida de nômade e de “exilado” (primeiro a real, sob a ditadura militar, depois a funcional, na vida diplomática), o “correr campos” foi absolutamente essencial na tarefa de ver o Brasil inserido na região e no mundo, comparar nossos problemas com os de outros países, examinar e conhecer outros itinerários de desenvolvimento econômico, outras formas de organização social, sistemas diversos de ordenamento político. Nunca teria escrito tanto, e creio que de forma tão pertinente, se não tivesse sido exposto, desde muito cedo, e muito tempo antes de ingressar na diplomacia, a essas experiências de viagens, o que aliás faço constantemente, nos intervalos das atividades diplomáticas, em quaisquer tempos e lugares, em todas as circunstâncias. Tampouco nunca teria me dedicado tão intensamente à produção de artigos e livros se não fosse pelo gosto do material histórico, ou seja, os fundamentos passados dos problemas da atualidade, e se não fosse igualmente pelo gosto da atividade docente.
O nomadismo, diplomático ou não, sempre foi uma característica da família, antes de tudo um traço pessoal de caráter de minha mulher, Carmen Lícia Palazzo. Em quaisquer lugar onde residimos, em todos os postos onde fui designado, tanto em nossas estadas no Brasil quanto nas viagens de férias, nunca deixamos de estar constantemente na estrada, em geral de carro, mas por quaisquer outros meios igualmente. Nos países setentrionais, onde as facilidades de transportes e acomodações são maiores e melhores, quase todo fim de semana saímos para conhecer novos lugares, num tipo de turismo basicamente cultural e intelectual, com menos natureza, a não ser a passageira, de uma cidade a outra. No hemisfério sul, onde as distâncias e as dificuldades são maiores, as viagens são planejadas, mas também realizadas. Tudo isso também é matéria prima, não necessariamente para escritos literários, mas para exercícios comparativos com a situação e os problemas do próprio Brasil, e, portanto, material para algum texto novo.

8.   Um jornalista norte-americano afirmou, certa vez, que todos os escritores criativos são boas pessoas. Você concorda com essa ideia? Ele chegou a intitular o seu ensaio: “Seja sensato se não for escritor”. No mesmo ensaio, ele diz que o escritor não aquilata realmente o que faz e que desconhece a relevância de seu labor. O que pensa sobre isso?

PRA: Não havia pensado nisso, mas acredito que ele tenha razão: todo ser dotado da compulsão para a escrita, literária ou de outra dimensão, é necessariamente um ser reflexivo, pensativo, leitor, observador, anotador. Geralmente é uma pessoa de paz, com a qual se pode conversar animadamente e sempre aprender alguma coisa nova: ela sempre terá uma observação inteligente a fazer sobre qualquer questão da vida humana. Escritores são por natureza pessoas dotadas de vida interior, mesmo que alguns sejam mais introspectivos, ou calados, do que outros.
Não creio, por outro lado, que o escritor desconheça a relevância de seu trabalho e por isso não concordo com o argumento do jornalista: todos os que escrevem, ou quase todos, desejam ser lidos, e apreciados, o que significa, ipso facto, uma atribuição de significância ao seu trabalho de escritor, ou de escrevinhador, como é o meu caso. Todos nós, que escrevemos por prazer, não por obrigação, ainda assim queremos mostrar ao mundo o que produzimos. Seria frustrante escrever e engavetar, ainda que grande parte do que escrevemos, escritores e escrevinhadores, permaneça mesmo no recesso do lar, sem qualquer possibilidade de vir a público. A vida é assim.
Um traço essencial do escritor é que ele está sempre pensando no que vai escrever, planejando seu próximo livro, seu ensaio já concebido mentalmente, um conto que surgiu por inspiração de um lampejo qualquer. Para isso, o verdadeiro escritor sempre carrega consigo algum objeto de escrita, para anotar ideias, curiosidades, por vezes trechos inteiros de textos que ele quer desenvolver uma vez sentado em sua mesa, com a pluma ou o computador. Eu, por exemplo, que como disse não me considero escritor, carrego sempre comigo, invariavelmente, uma caneta e um caderninho, tipo Moleskine, aliás dois, quando estou vestido formalmente, um de bolso de camisa, tamanho reduzido, e um médio, de bolso de paletó. Tenho dezenas desses cadernos, cheios de anotações, por vezes trabalhos inteiros, outras vezes um simples endereço, ou nome de algum livro que pretendo buscar e ler. Todo escritor faz, ou deve fazer algo do gênero, mesmo quando apenas acumula mentalmente os textos que ele ainda vai escrever.

9.   Quais são as suas três maiores influências literárias e de que forma marcaram a sua literatura?

PRA: Antes de tudo e de todos, Monteiro Lobato, que li todo, ou suponho que quase todo, primeiro a obra infantil, depois a obra adulta, com destaque, na primeira fase, para a obra História do mundo para as crianças, que realmente determinou o que sou, o que eu me tornei. Depois, algumas grandes obras da literatura, entre as quais eu destacaria Dom Quixote, de Cervantes. Mas, de resto, basicamente livros de história, de economia, de política sobre o Brasil, o que não é propriamente uma influência literária, mas constitui o lado mais relevante de minha carreira como “escrevinhador” nessas mesmas áreas: todos os grandes nomes das ciências sociais do Brasil, e todos os livros de pesquisa nessas mesmas áreas.
Na verdade, não posso realmente dizer que eu tenha preferências literárias, ou autores aos quais eu seja devotado, pois leio a todos, na maior parte do tempo com objetivos diretamente operacionais – os livros de humanidades e ciências sociais – ou para fins apenas de prazer, e aqui vale tudo, desde que seja de boa qualidade: novelas policiais, romances históricos, livros de viagem, biografias, história virtual.

10.           Lembra-se do primeiro livro que leu? Tornou a lê-lo depois? Costuma ler mais de uma vez o mesmo livro?

PRA: Não me lembro de qual tenha sido: como eu frequentava a biblioteca infantil antes mesmo de aprender a ler, a leitura inicial foi provavelmente feita em algum livro infantil da primeira alfabetização. Depois que aprendi a ler, não mais parei: li, não uma, mas diversas vezes, o História do mundo para as crianças, na versão Monteiro Lobato de um livro americano. Sim, costumo ler mais de uma vez os mesmos livros, inclusive porque faço pesquisas sobre as obras de minha área de estudos, e faço anotações e resumos, ou resenhas e transcrições desses livros. Sempre volto a certos livros para fins de pesquisa ou detalhamento de algum assunto tratado em algum texto meu.

11.           Você tem algum método de trabalho permanente, periódico ou não se preocupa com isso?

PRA: Meu método é muito simples: ler tudo o que é humanamente possível de ler nas minhas áreas de interesse, o que significa pouca literatura e excessivamente ciências sociais em geral. Depois de ler, e simultaneamente, anotar, registrar, transcrever, e fazer a partir daí uma base para os meus próprios escritos, eu construo mentalmente meu próximo projeto, faço um esquema escrito, e depois me coloco ao trabalho. É preciso registrar que, no meu tipo de atividade, que não é puramente literária – ou seja, obras que se sustentam apenas em ideias, ou argumentos virtuais – os textos elaborados com objetivos didáticos são sempre escritos sobre outros escritos, ou ideias sobre ideias de outras pessoas, pesquisadores de algum problema real, mais do que escritores literários.

12.           Dentre os seus autores preferidos, cite três que mais lhe agradam.

PRA: Na literatura, Dom Quixote, mas também gosto de policiais, do tipo Sherlock Holmes, ou mais especificamente apócrifos de Sherlock, ou seja, obras com o famoso detetive que não sejam de Conan Doyle, mas de imitadores, ou “plagiadores”. Há porém esse traço especial que é o fato de buscar apócrifos misturando Sherlock Holmes com personagens reais: já li dois com Karl Marx, um com Freud, outro com Einstein, um outro com Oscar Wilde; eu mesmo tentei escrever um Sherlock Holmes Contra Floriano Peixoto, mas nunca terminei a história, provavelmente por falta de qualidades literárias ou de imaginação. Sou, como disse, um escrevinhador de coisas chatas, economia, política e por aí vai. Dos meus economistas historiadores, que leio intensamente, tenho predileção por Niall Ferguson e David Landes, ou mesmo Charles Kindleberger.

13.           Há muita diferença entre o início de sua carreira como escritor e a sua literatura atual?

PRA: Praticamente nenhuma, pois 95% dos meus escritos são nesses terrenos chatos que eu já mencionei, temas sem grande charme literário, ou quase nenhum. Mas mesmo nessa atividade puramente “realista”, tenho uma inclinação por um tipo de escrita que se aproxima um pouco da literatura, que é a de reler escritores clássicos com os olhos no presente, isto é, “reviver” alguns grandes analistas do passado, para ver como eles, se vivos fossem, refletiriam e escreveriam sobre os problemas de nossa época. Já fiz isso com Marx e Engels, reescrevendo o Manifesto Comunista (adaptado para os tempos de globalização), com Maquiavel, reescrevendo fielmente o Príncipe (mas colocando o indivíduo no lugar do Estado), com Tocqueville, mandando-o visitar recentemente o Brasil e a América do Sul, para refletir nossa a nossa “democracia”, e tenho vários outros no pipeline, sempre com essa intenção de reler grandes obras do passado com os olhos postos no presente. Mas, de resto, meus textos iniciais em minhas áreas de concentração são basicamente similares aos de agora, apenas que, décadas depois, posso fazê-lo com muito mais conhecimento e pesquisa, do que no início, e numa visão certamente bem mais liberal ou libertária do que aquela socialista do começo.

14.           O que mais influenciou a sua obra? Lê mais do que escreve?

PRA: Minhas “preocupações” de escrevinhador sempre foram as mesmas: tentar conhecer as origens e fundamentos dos problemas humanos e sociais, a miséria, a  pobreza, a desigualdade, as dificuldades para se ter um sistema político “ideal”. Para conhecer é preciso ler, de tudo, e sobretudo manter os olhos bem abertos, para observar tudo, sem viseiras mentais ou ideológicas, conhecer o mundo como ele é, não como gostaríamos que fosse (que, aliás, é a concepção de Maquiavel). Por isso mesmo, estou sempre lendo muito mais do que escrevo: em primeiro lugar, informações, de todos os tipos, das mais diversas fontes; depois material de pesquisa, ou seja, obras de outros cientistas sociais ou historiadores e economistas, que são sempre interpretações sobre fatos, sobre a matéria prima dos indicadores objetivos.

15.           Está escrevendo neste momento? Sobre o que está escrevendo?

PRA: Estou terminando o segundo volume de uma trilogia sobre a diplomacia econômica no Brasil – da qual uma primeira já foi publicada, aliás em duas edições, sobre a Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (Senac-SP, 2001 e 2005) – e já preparando o terceiro volume, para o qual tenho muita coisa escrita ou pesquisada. Também estou compondo um livro sobre os clássicos revisitados, juntando tudo o que fiz nessa área e acrescentando mais alguns. No mais, tenho vários livros de ensaios já preparados, que preciso revisar e publicar. Minha lista de obras em preparação é muito mais extensa do que os livros publicados, e pretendo continuar nessa atividade até onde a vista alcança, ou até quando minhas forças o permitirem.

16.           De que maneira acha que poderia contribuir para o Encontro Anual de Escritores sugerido nessa monografia da qual esta entrevista faz parte?

PRA: Posso oferecer um depoimento sobre meus métodos de escrevinhador e de pesquisador, e também sobre como é importante que diplomatas aproveitem sua experiência de nômades profissionais, de pessoas dotadas em princípio de uma boa escrita, para publicarem suas observações sobre outros países, para tornar o Brasil um país menos introspectivo, ou voltado para si mesmo.

17.           Durante as suas missões no exterior travou relações ou conhecimentos com escritores locais?

PRA: Não tanto com escritores, no sentido clássico da palavra, quanto com pesquisadores de minhas áreas de trabalho, pois estou sempre em contato com acadêmicos ou pesquisadores independentes. Já dei palestras e aulas em muitas universidades da Europa e das Américas.

18.           A carreira diplomática ou outra qualquer do Serviço Exterior é estimulante para o processo criativo de um escritor?

PRA: Certamente: ela já é feita, mais de 50% do tempo, de escrita, ainda que de aborrecidos papéis burocráticos, mas que serão melhor lidos e apreciados se escritos numa linguagem elegante e bonita, ainda que concisa, objetiva ou            quase telegráfica. Por outro lado, a vivência, a exposição e o contato direto com outros mundos e sociedades nos abre os olhos para a rica diversidade de experiências humanas, o que deveria incitar todos aqueles que vivem com livros, nos livros, para os livros (como eu, por exemplo).

19.           De que maneira, a seu ver, poderia se dar o encontro literário ora em projeto?

PRA: Talvez a Funag, ou mesmo a ADB, pudesse tomar a iniciativa de convocar um pequeno grupo de trabalho para planejar um primeiro encontro exploratório, e depois, se possível, um verdadeiro seminário de escritores e “escrevinhadores” (não aqueles que fizeram trabalhos por obrigação), para a partir daí criar algo como eu sugeri, uma espécie de Pen Club Diplomático, aberto inclusive aos estrangeiros vivendo no Brasil. Se houver intenção nesse sentido, posso colaborar voluntariamente com a iniciativa.

20.           De que necessita um escritor?

PRA: Os puramente literários apenas de imaginação, e também alguma força de vontade, para passar horas e horas, que poderiam ser de um lazer mais agradável, na dura labuta da escrita. Não precisa escrever muito a cada vez, mas deve-se escrever bem. Graciliano Ramos dizia que a arte de escrever é a de cortar palavras, de reescrever, de corrigir e de escrever novamente.
Já aqueles que, como eu, são “escrevinhadores”, precisam de muita pesquisa, muita compilação de dados, muito trabalho acadêmico sério, para poder colocar no papel alguma contribuição significativa em áreas que são imediatamente submetidas à crítica dos pares. Na literatura, a crítica se prende bem mais ao estilo, à narrativa, ao enredo, do que à “verdade” dos fatos, que é essencial no trabalho acadêmico.
Em resumo, um escritor precisa de vocação, seja num terreno ou noutro, e vocação não é apenas algo inato, próprio da personalidade, também pode ser adquirida com a persistência, com a teimosia, com a insistência de escrever, e de escrever bem, de forma clara, numa linguagem formalmente correta, ou mesmo inovadora, mas elegante e atraente. Ele precisa ser honesto, consigo mesmo, no caso dos literários, e com os fatos, no caso dos “escrevinhadores” de temas sociais e políticos.
Um escritor é, antes de tudo, um ser que pensa, e que depois coloca no papel suas ideias de forma mais ou menos organizada.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de abril de 2016.
Revisto em 30/04/2016.