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quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Relatório (secreto) da visita do vice-presidente João Goulart à China de Mao, em agosto de 1961, quando o presidente se demitiu - J.A. Araújo Castro

Agreguei à minha página do Academia.edu, a cópia fotográfica do ofício secreto encaminhado a partir do Consulado do Brasil em Hong Kong, em 4 de setembro de 1961, pelo então ministro-conselheiro da embaixada do Brasil em Tóquio, João Augusto de Araújo Castro, a propósito da visita do vice-presidente reeleito João Goulart à República Popular da China, em agosto de 1961, quando o Brasil reconhecia apenas a República da China (Formosa), com considerações pessoais sobre a forma e a natureza dessa visita, no curso da qual, brasileiros e chineses foram surpreendidos com a notícia da renúncia do presidente Jânio Quadros.



Quando puder, farei a análise desse ofício secreto, contextualizando-o na conjuntura histórica daquele momento da diplomacia brasileira, entre os "apelos" (americanos) da Guerra Fria e os novos eflúvios da Política Externa Independente, do presidente Jânio Quadros e do chanceler Afonso Arinos de Melo Franco (que acabou saindo com a demissão inopinada do presidente que se acreditava com virtudes "gaullistas".
Jânio já havia "ordenado" a retomada de relações diplomáticas e comerciais com os países socialistas da órbita soviética, mas a China de Mao era uma coisa bem diferente, e não tenho certeza de que Jânio ou Goulart tivessem plena consciência do que isso significava na geopolítica mundial e nas relações exteriores do Brasil.
A decisão de enviar Goulart à China antecedeu, provavelmente, à decisão de Jânio de tentar o seu "golpe" contra o Congresso, mas pode-se argumentar que ele partia da suposição maquiavélica de que a apresentação da sua carta de demissão, no meio daquela viagem, induziriam tanto os congressistas, quanto os militares, a pressionarem pela sua manutenção como presidente. Não aconteceu nem uma coisa, nem outra, sobretudo depois que ele resolveu dar a Ordem do Cruzeiro do Sul ao Ché Guevara...
Gostaria, neste momento, de destacar o enorme auxílio que sempre tive enquanto estive como diretor do IPRI (e aproveitava o cargo para aventurar-me em outras esferas, sobretudo históricas, do Itamaraty) do meu amigo, historiador Rogério de Souza Farias, o garimpeiro dos arquivos da Secretaria de Estado.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/12/2021

domingo, 2 de maio de 2021

O Brasil e a frustrada invasão de Cuba em 1961 pelos exilados cubanos orquestrados pela CIA - André Duchiade, James Hershberg e Joseph Zelikow (National Security Archive)

Documentos indicam que João Goulart atuou como mediador secreto entre Kennedy e Fidel Castro

A pedido de Washington, governo brasileiro tomou medidas para evitar execuções de prisioneiros da fracassada invasão da Baía dos Porcos, revelam telegramas descobertos por historiador americano; independência da política externa da época qualificou o Brasil como intermediário

André Duchiade

O Globo, 29/04/2021 - 18:17 / Atualizado em 29/04/2021 - 22:16

https://oglobo.globo.com/mundo/documentos-indicam-que-joao-goulart-atuou-como-mediador-secreto-entre-kennedy-fidel-castro-1-24994882

Em abril de 1962, um ano depois da fracassada tentativa de invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos patrocinados pelos EUA, o então presidente brasileiro João Goulart atendeu a um pedido do seu homólogo americano John F. Kennedy e intercedeu junto ao líder cubano Fidel Castro para evitar as execuções dos 1.200 prisioneiros envolvidos na operação.

A descoberta foi revelada nesta quinta-feira pelo National Security Archive, instituição de pesquisa ligada à Universidade de George Washington, e tem como fontes documentos inéditos do Itamaraty, do Departamento de Estado americano e (minoritariamente) de Cuba. A pesquisa foi conduzida pelo historiador James Hershberg, da mesma universidade.

Os telegramas secretos, analisados em um artigo publicado no mês em que a tentativa de invasão completa 60 anos, permitem vislumbrar como o Brasil atuou sigilosamente como intermediário entre Washington e Havana em um momento de rompimento diplomático total entre as duas capitais. Também permitem entender como a posição de independência internacional do Brasil permitiu que o país exercesse influência frente aos dois governos, desempenhando importante papel para evitar um conflito.

O estudo se centra em um curto período, entre o final de março e o começo de abril de 1962, quando Havana se preparava para levar a um tribunal especial os 1.179 prisioneiros envolvidos na operação, que enfrentavam acusações de traição e poderiam ser condenados à morte. Kennedy, que herdara os planos da invasão de seu antecessor Dwight Eisenhower, tinha grande interesse na libertação dos detidos, e tentou interceder buscando canais com a então Tchecoslováquia, o Vaticano, o Chile e o México.

Segundo Hershberg, o “Brasil desempenhava um papel especial — não apenas por seu tamanho e importância na América do Sul, mas porque seu líder, o presidente João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de centro-esquerda, estava prestes a visitar os Estados Unidos para uma cúpula com presidente Kennedy no início de abril, e buscava obter ajuda econômica dos EUA — e, portanto, tinha um incentivo para fazer um favor a Washington”.

A pesquisa ressalta outro fator que punha o Brasil em posição privilegiada para mediar essa negociação: “Goulart e seu ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas, tinham preservado laços amigáveis com Havana ao resistir fortemente à pressão dos EUA por severas sanções anti-Cuba”, sobretudo na conferência de chanceleres da OEA no Uruguai em janeiro daquele ano. Na conferência, Cuba foi suspensa da organização, e o Brasil se absteve na votação.

O contato inicial com o governo brasileiro foi feito a partir de Roberto Campos, então embaixador em Washington, que foi contatado, no dia 23 de março, por José Miró, ex-primeiro-ministro cubano, líder da oposição no exílio a Fidel e colaborador da CIA. Naquela mesma noite, o Itamaraty ordenou ao embaixador em Cuba, Luiz Bastian Pinto, que comunicasse imediatamente ao governo de Havana que Brasília desejava o adiamento do julgamento por 30 dias — prazo necessário para Goulart empreender a sua viagem a Washington.

No dia 27 de março, o chanceler cubano Raúl Roa respondeu ao enviado brasileiro que adiar o julgamento não era uma opção, pois anularia uma decisão governamental “de grande gravidade”. Roa incluiu no entanto uma ressalva: “Cuba responderia afirmativamente se Goulart fizesse um apelo público de clemência”, no qual se referisse explicitamente à "magnanimidade ou generosidade" dos "vencedores". Havana, acrescentou, "não responderia a nenhum tipo de apelo feito por qualquer chefe de Estado que não o presidente Goulart".

O julgamento, conduzido em uma fortaleza colonial do século XVIII, começou dois dias depois, uma quinta-feira. Na sexta, o encarregado de negócios americano no Brasil, Niles Bond, que atuava como embaixador em exercício, tomou conhecimento, por meio de informantes no Itamaraty, das exigências cubanas. Em um telegrama a Washington, ele disse que Havana via a iniciativa brasileira com “simpatia”, mas impusera “uma pura chantagem” como condição para ceder. A resposta cubana, disse Bond, fora recebida “com profunda irritação” pelo governo brasileiro, “incluindo o próprio presidente”.

O avanço do julgamento, no entanto, reforçou a preocupação americana, que intensificou os contatos com Campos em Washington. Um comunicado do conselheiro de Kennedy Richard Goodwin transmitido à embaixada brasileira afirmava que “além dos motivos humanitários para evitar a execução de prisioneiros, o presidente Kennedy se preocupa [com] o efeito exacerbante que a execução pode ter na opinião pública americana, [que vinha] ficando mais tranquila e menos emocional em relação a Cuba". A mensagem foi recebida pelo governo brasileiro como um recado direto de Kennedy.

Segundo o estudo do National Security Archive, “apesar de aparentemente se ressentir das condições cubanas anteriores, Goulart, prestes a visitar Washington, dificilmente podia resistir ao apelo interpresidencial direto de Kennedy, transmitido por seu associado íntimo, do topo dos EUA”. A embaixada respondeu que o chanceler San Tiago Dantas estava redigindo um texto a ser assinado por Goulart com um pedido público por clemência.

A carta de Jango, destinada ao presidente cubano Osvaldo Dorticós e ao então premier Fidel, foi enviada no dia 2 de abril, mesmo dia em que ele embarcou rumo a Washington, sendo distribuída também a jornais brasileiros. Sem que os EUA soubessem, a missiva fora cuidadosamente redigida para atender às condições impostas por Havana, incluindo referências à "magnanimidade" e à “vitória” cubana:

“Movido por sentimentos de solidariedade humana que unem todos os povos americanos, tomo a liberdade de dirigir a vossas excelências um apelo de todo o povo brasileiro para que a magnanimidade seja fator decisivo na condenação de pessoas presas na praia de Girón por ocasião de invasão a Cuba”, dizia o texto. “Estou certo de que vossas excelências cuidarão desse assunto conduzido com a clemência que sempre caracteriza a atitude do vencedor para com o irmão derrotado”.

A resposta pública de Havana veio dois dias depois. Dizia que o país esperara por uma indenização americana em função da invasão, que não viera. Acrescentava que, embora o processo fosse avançar, o “apelo à magnanimidade da Cuba revolucionária, em nome do povo brasileiro, e no momento em que se prepara a nação soberana de Cuba para julgar os fatos, pesará muito na mente do povo e do tribunal que tem a decisão em suas mãos”.

A sentença veio no domingo seguinte, 8 de abril, enquanto Goulart viajava pelos Estados Unidos após se encontrar com Kennedy. Os invasores foram considerados culpados, mas escaparam da pena de morte: a sentença era de 30 anos de prisão, ou uma indenização de US$ 62 milhões. A ditadura cubana evitara matar os prisioneiros, deixando uma porta aberta para obter recursos importantes ao novo regime, que de fato viriam mais tarde: em dezembro, os prisioneiros seriam libertados em troca de US$ 53 milhões em comida, remédios e outros itens humanitários.

O estudo cita ainda uma outra informação não confirmada: no dia 12 de abril, os colunistas de Washington Robert Allen e Paul Scott publicaram no Miami News que Goulart havia enviado uma mensagem secreta a Fidel Castro, na qual teria citado “um apelo de emergência de Washington”. O texto acrescentava que Goulart teria dito a Fidel que, se as vidas dos prisioneiros fossem poupadas, “Kennedy continuaria a seguir uma política de 'não intervenção' estrita nos assuntos internos de Cuba". A previsão se provou falsa; ainda em março, Kennedy aprovou a operação Mongoose, com o objetivo de derrubar o regime cubano.

No final do artigo, o historiador Hershberg afirma que o episódio “ofereceu ao governo Kennedy um lembrete oportuno da utilidade potencial da Embaixada do Brasil em Havana — ao contrário dos desejos de alguns funcionários linha-dura dos EUA, que preferiam que o Brasil simplesmente cortasse relações diplomáticas com Cuba”.

Em outubro de 1962, Kennedy ainda buscaria intermediação diplomática do Brasil durante a crise dos mísseis nucleares. As relações entre as partes se deterioriam com o tempo, e, em 1963, Kennedy consideraria apoiar um golpe contra Jango, para evitar "o surgimento de uma nova Cuba no hemisfério". A utilidade do Brasil para negociar com Havana chegaria ao fim com o golpe de 1964, apoiado por Washington.

Segundo Hershberg, antes disso, contudo, o Brasil “pode ter desempenhado um papel importante na limitação do confronto entre EUA e Cuba em um momento perigoso, influenciando Fidel a salvaguardar e, eventualmente, libertar os prisioneiros da Baía dos Porcos (...) evitando assim um ato que poderia muito bem ter desencadeado uma crise e potencialmente uma intervenção militar dos EUA 

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Zelikow response to National Security Archive: Saving the Bay of Pigs Prisoners: Did JFK Send a Secret Warning to Fidel Castro – through Brazil?

by Philip Zelikow
H-Diplo, May 1, 2021

Jim Hershberg's useful documentary compilation adds important context to a critical, yet largely overlooked, episode in President John F. Kennedy's thinking about Fidel Castro and Cuba in March-April 1962. At this time Kennedy made it clear to the leader of the Cuban exiles that the U.S. would not invade Cuba to help them overthrow Castro's government. This news deflated hopes among the exiles, causing considerable anger. Hershberg's work adds a vital clue about why Kennedy took this stance at that time.

In the National Security Archive's new briefing book (#758, 29 April 2021), Hershberg posts documents explaining that, in late March 1962, Kennedy and his key Latin American aide, Dick Goodwin, were very concerned that Castro's government was about to execute a group of Cuban rebels that had been captured in the failed CIA-sponsored invasion of Cuba at the Bay of Pigs in April 1961. These executions would inflame American opinion against Castro. 

On March 16, Kennedy reviewed the guidelines for the CIA program against Castro, Operation Mongoose, He allowed contingency plans to proceed but "expressed skepticism that in so far as can now be foreseen circumstances will arise that would justify and make desirable the use of American forces for overt military action." [Ed. note, "Guidelines for Operation Mongoose," _FRUS_ 1961-1963, vol. 10, doc. 314]. 

On March 28 or 29, the head of the Cuban exiles and their Cuban Revolutionary Council, Jose Miro Cardona, met at the White House with Kennedy's national security adviser, McGeorge Bundy. Hershberg notes this meeting and their discussion about Castro's possible execution of the captives. Cardona and his colleagues pleaded for enough help to invade Cuba and overthrow Castro. Bundy pushed back. He told them that any such action had to be decisive and complete. That meant open involvement of U.S. armed forces. "This," he said, "would mean open war against Cuba which in the U.S. judgment was not advisable in the present international situation." Cardona did not like this answer. He regarded Bundy's stance as "polite but cold." [Memcon, 29 March 1962, _FRUS_ 1961-1963, vol. 10, doc. 317 (drafted on March 13, according to the _FRUS_ editors, but this seems unlikely; Cardona, the next year, dated the meeting as occurring on March 28); Cardona resignation letter, 9 April 1963, Wilson Center Digital Archive]. 

On March 29, there was a meeting of the overseers of the CIA Mongoose program. This was a disagreeable meeting in which it was agreed that the U.S. might arrange some deal to get release of the Cuban captives, offering U.S. supplies of food. This decision overrode the objections of the CIA director, John McCone, and the CIA's Mongoose manager, William Harvey. McCone was frustrated at this time, pushing for American military intervention in Cuba. [Memo for the Record, _FRUS_, vol. 10, doc. 318, also doc 319].

Enter Hershberg's findings. Hershberg explains that Dick Goodwin (whom the Cuban exiles disliked) was managing the issue of how to save the captives. The same day, March 29, Bundy and Goodwin agreed that Goodwin would approach Brazil's leader, who was about to visit the White House, and seek his help. Goodwin worked this through the Brazilian ambassador on March 30. In that meeting, Goodwin explained how the executions of the captives would inflame American opinion at a time when Kennedy felt American opinion was "getting more tranquil and less emotional in relation to Cuba." [Hershberg text accompanying note 27, referring to doc. 9 in his EBB].

On April 2, Brazil's president, Joao Goulart, publicly appealed to Castro to spare the captives. Hershberg notes that a pair of journalists for the _Miami News_ later disclosed that this public appeal was accompanied by a secret message from Brazil to Cuba, coming out of the Goodwin channel. In this secret message, the Brazilians reportedly relayed Goodwin's message that execution might cause a harsh U.S. reaction, while clemency might tilt Kennedy against intervention. [Hershberg text accompanying notes 34-37].

On April 8, Cuba announced the sentence -- the captives would be spared. What later ensued was a set of negotiations involving the U.S. lawyer James Donovan, working with Goodwin, that did eventually produce a deal that exchanged American goods for the release of the Cuban captives.

Hershberg speculates about the significance of this secret U.S. offer relayed through Brazil. But he does not comment on the immediate sequel, which certainly adds credence to his speculation.

Two other journalists at the _Miami News_ had arranged for the frustrated head of the Cuban exiles, Cardona, to meet with Robert Kennedy. He promised help on the captives. He arranged for Cardona and his colleagues to meet directly with President Kennedy, on April 10.

On April 10, Cardona met with JFK for an hour. Robert Kennedy and Goodwin were there. A year later, Cardona claimed that JFK had urged the Cubans to keep training their forces, that "your destiny is to suffer" but "do not waver." [Cardona resignation letter, April 1963]. Goodwin's record at the time is different. At this meeting, Kennedy specifically rebuffed Cardona's plea that the U.S. commit itself to intervene in support of another rebel invasion. [Goodwin to JFK, 14 April 1962, and Passavoy to Record, "Topics Discussed during Meeting of Dr. Miro Cardona with the President," 25 April 1962, both in NSF, box 45, Cuba: Subjects, Miro Cardona, Material sent to Palm Beach, JFK Library]. The _FRUS_ editors unfortunately did not include these documents, which record the only meeting in 1962 between JFK and the leader of the Cuban exiles. I published this information in 1999 [_Essence of Decision_, Pearson, revised edition, with Graham Allison, 84 and 132, n. 26) and 2000 ("American Policy in Cuba, 1961-1963," _Diplomatic History_, 24:2, 321)].

There is no question that Kennedy's deflating message to Cardona reinforced what the State Department's Cuban desk officer called the "deep sense of frustration and impatience" in the Cuban exile community "over what it considers 'inactivity' regarding the overthrow of the Castro regime." Cardona came under internal attack because he had "failed to convince the United States to embark on a military operations program." Cardona considered resigning. [Hurwitch to Martin, 19 April 1962, _FRUS_, doc. 329].

In sum, if Hershberg's findings are added to the wider context -- Kennedy's March-April 1962 rejection of both Cuban exile and CIA pleas for a more aggressive U.S. policy against Castro -- his hypothesis seems right. Kennedy, through Goodwin and with the help of the Brazilians, does appear to have communicated, accurately, that Castro's decision on whether to spare the captives was coming at a pivotal moment in U.S. policy, and could reinforce a growing trend against direct U.S. intervention.

It is also important to notice that Castro's intelligence service had penetrated the Cuban exile community and therefore was presumably well aware of their unease and frustration about U.S. plans. According to senior former Cuban intelligence officials, at this time, in April-May 1962, Cuban intelligence concluded that it did not fear a U.S. invasion of Cuba. And the Soviet leadership had already approved, on April 12, a strong defensive arms package for Cuba, despite Castro's actions against the pro-Soviet leader of Cuba's Communist Party. 

Thus, when Khrushchev decided more than a month later, at the end of May, to deploy a force of ballistic missiles to Cuba, Castro assumed that the Soviet leader was doing this for other, global, reasons. I have argued elsewhere that these had much to do with the final phase of the Berlin crisis. This background helps explain why the KGB resident in Havana thought Castro would say no to the Soviet missile request. But, in fact, Castro was willing to take the missiles out of a sense of socialist solidarity. [On the Cuban intelligence views, see Domingo Amuchastegui, "Cuban Intelligence and the October Crisis," in James Blight and David Welch, eds., _Intelligence and the Cuban Missile Crisis_ (Routledge, 1988); see generally the revised _Essence of Decision_, 84-88, including the cited recollections of Fidel Castro himself and other Cuban leaders compiled between 1989 and 1992]. 

Hershberg's findings about the U.S.-Brazilian diplomacy and Castro's well-judged decision to spare the Bay of Pigs captives thus add an important new layer of understanding to this fascinating story.

Philip Zelikow
University of Virginia


sábado, 9 de janeiro de 2021

11) Ano Merquior (11): Homenagem de seus amigos e colegas diplomatas, depois de sua morte (1991), brochura de 1993

Neste mesmo blog Diplomatizzando, ao início do ano (4/01), publiquei uma primeira versão de uma brochura preparada em 1992 pelos amigos e colegas de José Guilherme Merquior, em homenagem ao grande intelectual brasileiro, falecido um ano antes. 



A postagem foi efetuada sob o número 3 desta série: 

3) 2021, o ano Merquior (3): Homenagem de seus amigos e colegas diplomatas, depois de sua morte

Entretanto, quando fui conferir o arquivo que estava em meu computador, verifiquei que o mesmo estava incompleto, provavelmente pela enorme profusão de minhas demandas aos funcionários do IPRI, em termos de scannerização de antigas publicações que não possuem base digital consolidada, e ninguém havia se lembrado de fazer antes de mim.

Graças ao amigo historiador Rogério de Souza Farias obtive uma nova versão da mesma brochura, que agora ofereço em seu formato completo aos interessados.

Aqui a primeira página da brochura, e nem reproduzo a ficha catalográfica, pois ela sequer possui ISBN.


O índice é fiel ao conteúdo agora oferecido neste arquivo: numa primeira parte figuram os depoimentos em homenagem a Merquior, respectivamente de Celso Lafer, Rubens Ricupero (extremamente emotivo), Marcos Azambuja, Luiz Felipe de Seixas Corrêa e Gelson Fonseca Jr., este absolutamente pessoal.



 Numa segunda parte os ensaios do próprio Merquior, com destaque, em primeiro lugar, para o seu discurso de formatura, em nome de sua turma do Instituto Rio Branco, que vou reproduzir em outro arquivo, de forma destacada, como uma primeira obra de juventude, mas depois que ele já se tinha lançado com artigos e ensaios de literatura brasileira

Tenho três fotos do discurso de formatura, também obtidas graças ao zelo de garimpeiro da história por Rogério de Souza Farias, que concluem esta nova postagem em homenagem ao grande intelectual brasileiro. 

A nova brochura pode ser lida integralmente nesta nova postagem (9/01/2021) em minha página de Academia.edu:

 https://www.academia.edu/44871292/Jose_Guilherme_Merquior_Diplomata_Celso_Lafer_et_alii_1993_

Nas duas primeiras fotos, Merquior discursando na formatura de sua turma em 1963. Na última recebendo os cumprimentos do presidente João Goulart; ao fundo o ministro San Tiago Dantas aplaudindo.




sábado, 8 de outubro de 2016

João Goulart: a vida no exílio, pelo filho João Vicente (livro)



Babel
BLOG

Babel: Em livro, filho de Jango faz inventário afetivo da família e dos últimos anos do pai

Maria Fernanda Rodrigues
08 Outubro 2016 | 05h00
NÃO FICÇÃO:
 Filho de João Goulart lança livro sobre o exílio da família
Jango livro
Jango e João Vicente em Paris (Acervo pessoal/Divulgação)
Abril de 1964. João Vicente Goulart tinha 7 anos quando viu a vida de sua família – como a de milhões de brasileiros – virar de cabeça para baixo. O golpe militar depôs João Goulart e o então ex-presidente, seu pai, se exilou. Mais de 50 anos depois da ida da família ao Uruguai, viagem da qual Jango (1919-1976) nunca regressou ao Brasil, seu filho organizou um inventário afetivo em que mistura fatos históricos e registros pessoais. Previsto para o fim do mês pela Civilização Brasileira, Jango e Eu: Memórias de Um Exílio Sem Volta resgata as lembranças de um tempo de incerteza, da falta de notícias, do avanço dos governos totalitários nas Américas, da difícil adaptação ao cotidiano uruguaio e evoca inúmeros amigos, como Paulo Freire e Glauber Rocha.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Marcelo de Paiva Abreu sobre o Day-After: como deveria ser um governo Temer?

O leitor deste blog Vicente Formigli forneceu-me a versão html deste artigo do Prof. Marcelo de Paiva Abreu. Muito grato...
Comparto de todos os argumentos e recomendações dele, mas iria além.
Michel Temer precisaria desaparelhar completamente TODO o Estado, e dar ordens a seus auxiliares da Inquisição (se tiver algum) para sanear toda a máquina do Estado, eu disse toda, pois se trata de uma medida de profilaxia necessária, do contrário petistas, petralhas e assemelhados vão sabotar o seu governo.
Eu acho que ele precisaria ordenar perseguição criminal contra TODOS, sobretudo e principalmente contra o mafioso chefe, pois esses caras querem continuar roubando.
Não acho que ele vá fazer isso.
Em todo caso, numa próxima postagem, vou colocar minha lista de tarefas...
Paulo Roberto de Almeida

O dia seguinte

MARCELO DE PAIVA ABREU*
As controvérsias sobre o impeachment de Dilma Rousseff certamente ocuparão muitas décadas do debate público sobre os dias tormentosos que vive o País. Desde já, as tentativas de traçar paralelo entre a situação atual e a crise que precedeu a deposição de João Goulart se revelaram sem fundamento. Certamente há alguma diferença entre um golpe militar e a substituição de um presidente de acordo com o rito constitucional.
Levando tudo em conta, são dois os cenários básicos a analisar quanto ao dia seguinte à decisão sobre o impeachment pelo Congresso Nacional. Ou a presidente sobrevive ao impeachment ou é de fato afastada e sucedida por Michel Temer. Isso envolve deixar de lado a hipótese que tem sido aventada por segmentos mais inconformados do PT quanto a assegurar “na marra” a sobrevivência política da presidente. A última vez que se ouviram tais destemperos, os resultados não foram exatamente os esperados. Será excesso de otimismo pressupor que a crise política não resultará em tal convulsão política e social?
A eventual sobrevivência política da presidente com a derrota do impeachment resultaria em continuidade do atual quadro de desgoverno, que poderia, em princípio, durar até 2018. Evitar derrotas no Congresso não removeria, entretanto, a possibilidade de cassação da chapa Rousseff-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E, caso ocorresse essa improvável sucessão de vitórias do governo, é difícil de imaginar que a presidente possa reverter a atual débâcle política e econômica, embora não sejam nada claros os formatos que assumiriam as crises futuras.
Caso o impeachment seja aprovado, é essencial que Michel Temer seja capaz de mobilizar ampla frente suprapartidária, compondo um gabinete de “salvação nacional”. Isso é condição necessária, mas longe de suficiente, para que seja possível implementar programa econômico capaz de reverter a atual crise. A aguda crise política está ofuscando a percepção de quão grave é a crise econômica, com alta probabilidade de persistir até 2018 e, além disso, sinalizando um desempenho econômico medíocre em prazo mais longo.
A escolha de uma equipe econômica que explicite além-fronteiras o fim da insistência em expansionismo fiscal com o objetivo (frustrado) de assegurar o desenvolvimento é importante como ponto de partida. Mas a tarefa à frente é monumental. A reversão da crise obriga a sinalização de austeridade fiscal com resultados imediatos. Será inevitável o aumento da carga tributária, viabilizado pela maior legitimidade do novo governo, e corte na carne de despesas. O pacto político com base ampla deverá permitir, inclusive, o corte de despesas mandatórias. Como já se disse, o ambiente não está muito distante da situação grega no passado recente. A agravante é que, em contraste com a Grécia, que foi incentivada a retomar o caminho da prudência pelas disciplinas da União Europeia, no Brasil, a prudência deve ser gerada essencialmente por autodisciplina. No longo prazo, a reforma fiscal necessária inclui profunda reforma previdenciária, maior tributação de heranças, eliminação de regimes especiais na taxação de rendas, entre outras.
A composição de um governo baseado em nova coalizão terá de incluir segmentos dos partidos que apoiaram o governo Rousseff antes da sua desagregação. Se possível, até os quadros do PT que não escondem o seu agudo desapontamento com as práticas corruptas adotadas pelo partido e que comprometeram seu compromisso com a redistribuição de renda e de oportunidades.
Similarmente, a composição de uma nova coalizão deve repudiar a inclusão de forças antidemocráticas que têm explicitado seu radicalismo em manifestações recentes associando o impeachment ao golpe militar de 1964. O novo governo deve insistir no estrito respeito à legalidade, a despeito das incitações de radicais de direita e do esperneio do fisiologismo petista.

*DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE, É PROFESSOR TITULAR NO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO


sábado, 5 de abril de 2014

Ainda sobre 1964: um depoimento de fonte primaria sobre o presidente Goulart

Recebo, de um amigo mais velho, este depoimento pessoal, sobre um "despacho" de técnicos, sobre a "luta" contra a inflação, já na fase agônica do governo Goulart.
A Sunab, para quem não sabe, era a Superintendência de Abastecimento, um órgão criado na era Vargas para cuidar dos estoques de alimentos e, como soe acontecer no Brasil inflacionário, começou a também fixar preços, tanto para o produtor -- o que obviamente reduziu a oferta -- como para o distribuidor e varejista, tudo para não alimentar a inflação e beneficiar o consumidor. Como sempre ocorre, nesses casos, todos os controles de preços são irracionais e contraproducentes, pois acabam provocando aquilo mesmo que pretendiam evitar. Mas isto já é teoria econômica, vejamos o lado real da coisa.
Vale como testemunho histórico. Acrescento abaixo, minha resposta a este amigo.
Paulo Roberto de Almeida 

Um depoimento sobre sobre 1964

On Apr 5, 2014, at 11:26, Rxxxxx <rxxxxxx@uol.com.br> wrote:

Meu caro Paulo Roberto: 
Em 1964 eu tinha 27 anos e era assistente do superintendente da Sunab depois de brigar com o Celso Furtado no Min. Planejamento(isto fica para outro dia). 
A equipe da Sunab, inclusive seu superintendente era extraordinária, formada em sua maioria por gente do Banco do Brasil que nesta  época se constituía na nata do funcionalismo público, todos com larga experiência na área agrícola e de abastecimento. Eram todos absolutamente honestos, é bom que se diga. 
Pois muito bem um belo dia tivemos que viajar pra Brasilia para despachar com o Presidente da República. Jango já [estava] em pleno presidencialismo. 
Fomos recebidos por ele numa sala cheia de gente um barulho infernal. Todos dirigentes sindicais que denominávamos de "pelêgos". 
Jango, de perna esticada, nos recebeu neste gabinete aonde durante 20 minutos expusemos nossos planos de abastecimento. Tínhamos preparado uma exposição de uns 40 minutos.
Olhava pro chão e no final nos disse: "Os senhores façam aquilo que acharem melhor". 

E fomos embora. No avião eu olhava para o superintendente e ele pra mim, como que dizendo: "que merda". 
Nesse dia tudo o que aconteceu não me surpreendeu. (...) Jango estava enfadado e sabia que estava se suicidando politicamente. Queria sair à la Getulio Vargas [mas] sem suicídio. 
Brizola de um lado e os problemas do país de outro. Ele estava esmagado. Essa de falar que caiu por causa das reformas e, pior, por causa da intervenção americana, é papo furado de esquerdista delirante. O erro foi não haver uma transição para um governo cvil tampão que Castelo queria e que Costa e Silva e outros impediram.
Aí deu no que deu 
abs Rxxxxxx


Minha resposta a ele: 

Grato meu caro, por este depoimento de primeira mão, de fonte primária, como se diz. 
Isso apenas nos confirma a nulidade, a mediocridade, a pusilanimidade que era o Jango.
A questão seria saber se, em algum momento, ele acreditou que poderia conduzir as suas reformas de base -- para as quais era mais empurrado do que tomava iniciativa --, ou se já achava que tudo aquilo era um teatro, e estava apenas esperando para tudo acabar e voltar para a sua fazenda.
Ao que parece, ele ele provocou conscientemente aquela situação de impasse, para talvez ficar na história como um "sacrificado" pelas forças de oposição, mas sem suicídio, claro, pois nunca teve coragem para tanto...
O abraço do
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Paulo Roberto de Almeida

domingo, 23 de março de 2014

Brasil historia: queda de Goulart, 50 anos depois - Revista Veja

Especial

A queda de João Goulart, 50 anos depois

João Goulart foi deposto em março de 1964 pelos militares, que tiveram apoio popular, de intelectuais, artistas e da imprensa
João Goulart foi deposto em março de 1964 pelos militares, que tiveram apoio popular, de intelectuais, artistas e da imprensa (Getty Images)

Os personagens

João Goulart
Castello Branco
Ernesto Geisel
Olympio Mourão Filho
Amaury Kruel
Leonel Brizola
Magalhães Pinto
Lincoln Gordon
Assis Brasil
Maria Thereza Goulart
Cabo Anselmo
Darcy Ribeiro
José Serra
Golbery do Couto e Silva
Emílio Garrastazu Médici
Luiz Carlos Prestes
Clodesmidt Riani
Carlos Lacerda
Miguel Arraes
Juscelino Kubitschek
Adhemar de Barros
Ieda Maria Vargas
Brigitte Bardot
Tancredo Neves
Abelardo Jurema
Ranieri Mazzilli
Arthur da Costa e Silva
Francisco Julião
Carlos Heitor Cony
Celso Furtado
San Tiago Dantas
Em uma reportagem especial de 44 páginas, VEJA revisita os choques políticos que levaram à queda do governo de João Goulart, o Jango, em 31 de março de 1964, dia em que ele foi alijado do poder pelos militares com amplo apoio popular, dos intelectuais e da imprensa. Isso ocorreu há meio século, mas muitas das contradições daquele tempo ainda estão vivas no Brasil de hoje — com exceção do que diz respeito à intocabilidade dos valores democráticos e ao valor intrínseco da sanidade econômica.
Por feliz sugestão de Vilma Gryzinski, editora executiva e coordenadora do projeto, a reportagem de VEJA gira em torno das pessoas que foram os principais personagens, de um lado e do outro, daqueles eventos. Afinal, não existe história sem homens públicos, e mesmo estes são seres humanos de carne e osso, movidos por ambições, desejos e medos.
Homens públicos devem ser julgados por seu legado político, mesmo quando, no plano pessoal, sejam simpáticos, amem os animais e as mulheres, tratem bem os subordinados e se condoam das injustiças sociais. João Goulart, o presidente deposto no golpe de 1964, era assim. Presidente acidental, também era hesitante, demagógico e aplicado no mau hábito populista de dividir os brasileiros entre os bons e os maus, os que mereciam ter seus clamores atendidos e os que demandavam tratamento duro, se não a exclusão total. Introduzir a complexidade em assuntos que parecem cristalinamente simples foi um dos intuitos de VEJA na reportagem.
Ambiciosos ou inapetentes para o poder, racionais ou autodestrutivos, generosos ou cruéis, quando não uma mistura de tudo isso, todos os personagens de 1964 se viam como defensores da democracia — e quase todos a afrontaram. No governo Jango, comerciantes eram presos por especulação, sob aprovação popular, e o trecho mais aplaudido do discurso que ele fez no comício da Central do Brasil, quando pretendeu mudar as regras do jogo em assuntos vitais, tratava do congelamento dos aluguéis. Desde então, governantes e governados, entre tantos erros cometidos pelos governos militares e pelos civis que lhes sucederam, aprenderam a respeitar fundamentos básicos que garantem a todos o direito de defender suas opiniões e até lutar por elas, dentro do estado de direito, sem achar que os oponentes precisem ser esmagados, encarcerados ou exilados. Cinquenta anos depois da derrubada de Jango, 29 anos depois do fim da ditadura que se seguiu, o Brasil é um país muito melhor.
Ouça a leitura deste texto e, nas edições digitais de VEJA, de toda a reportagem especial

sábado, 15 de março de 2014

Joao Goulart: o historico discurso de 13 de marco de 1964 na Central do Brasil, Rio de Janeiro

Transcrevo abaixo o famoso discurso pronunciado pelo presidente João Goulart, no dia 13 de março de 1064, aquele que anunciou as "reformas de base", embora elas não estivessem todas formalizadas.
O discurso já se coloca num ambiente de confrontação, do presidente e das forças que o apoiavam (e ele cita basicamente os sindicatos de trabalhadores) contra os "reacionários", os representantes dos interesses estrangeiros, o latifúndio, os exploradores do povo, enfim, todos aqueles que tornavam a sua vida, no Congresso e junto a opinião pública de modo geral, mais difícil, pois sabia que não tinha o apoio do conjunto da nação para o que pretendia fazer.
A própria apresentação das reformas, na verdade, estava diluída entre medidas anunciadas e outras que ainda deveriam ser feitas. Procurei extrair o núcleo das reformas e explicar o que elas significavam e qual seria o seu impacto.
Os interessados em ver a minha elaboração sobre as reformas de base, podem ler aqui:

http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/03/13-de-marco-de-2014-50-anos-do-famoso.html

Vou fazer uma análise mais aprofundada desse discurso, que entrou para a história quando poucos o conhecem, na verdade.
Ele é um misto de demagogia e uma lista de promessas, com algumas medidas já tomadas, mas que careciam de maior efetividade, seja pela sua precária base legal, seja porque o governo se revelaria ineficiente na adoção de outras medidas. Aliás, grande parte dessas reformas seria conduzida pelos governos militares que sucederam ao período da República de 1946.

Segue o discurso de Jango:

Devo agradecer em primeiro lugar às organizações promotoras deste comício, ao povo em geral e ao bravo povo carioca em particular, a realização, em praça pública, de tão entusiasta e calorosa manifestação. Agradeço aos sindicatos que mobilizaram os seus associados, dirigindo minha saudação a todos os brasileiros que, neste instante, mobilizados nos mais longínquos recantos deste país, me ouvem pela televisão e pelo rádio.
 

Dirijo-me a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.
 
Presidente de 80 milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios.
 
Vou falar em linguagem que pode ser rude, mas é sincera sem subterfúgios, mas é também uma linguagem de esperança de quem quer inspirar confiança no futuro e tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade do presente.
 
Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e lideranças populares deste país.
 
Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das ruas. Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas.
 
Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reinvindicações.
 
A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.
 
A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.
 
Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo de milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está ameaçando o regime democrático neste País não é o povo nas praças, não são os trabalhadores reunidos pacificamente para dizer de suas aspirações ou de sua solidariedade às grandes causas nacionais. Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de perigo à segurança das instituições.
 
Democracia é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do seu dever, não só para interpretar os anseios populares, mas também conquistá-los pelos caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social.
 
Não há ameaça mais séria à democracia do que desconhecer os direitos do povo; não há ameaça mais séria à democracia do que tentar estrangular a voz do povo e de seus legítimos líderes, fazendo calar as suas mais sentidas reinvindicações.
 
Estaríamos, sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que de norte a sul, de leste a oeste levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria.
 
Ameaça à democracia não é vir confraternizar com o povo na rua. Ameaça à democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos cristãos, mistificação de uma indústria do anticomunismo, pois tentar levar o povo a se insurgir contra os grandes e luminosos ensinamentos dos últimos Papas que informam notáveis pronunciamentos das mais expressivas figuras do episcopado brasileiro.
 
O inolvidável Papa João XXIII é quem nos ensina que a dignidade da pessoa humana exige normalmente como fundamento natural para a vida, o direito ao uso dos bens da terra, ao qual corresponde a obrigação fundamental de conceder uma propriedade privada a todos.
 
É dentro desta autêntica doutrina cristã que o governo brasileiro vem procurando situar a sua política social, particularmente a que diz respeito à nossa realidade agrária.
 
O cristianismo nunca foi o escudo para os privilégios condenados pelos Santos Padres. Nem os rosários podem ser erguidos como armas contra os que reclamam a disseminação da propriedade privada da terra, ainda em mãos de uns poucos afortunados.
 
Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranquilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social.
 
Perdem seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais; como perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste governo uma ação repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus preços.
 
Ainda ontem, trabalhadores e povo carioca, dentro da associações de cúpula de classes conservadoras, levanta-se a voz contra o Presidente pelo crime de defender o povo contra aqueles que o exploram nas ruas, em seus lares, movidos pela ganância.
 
Não tiram o sono as manifestações de protesto dos gananciosos, mascarados de frases patrióticas, mas que, na realidade, traduzem suas esperanças e seus propósitos de restabelecer a impunidade para suas atividades antissociais.
Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar, e tenho proclamado e continuarei a proclamando em todos os recantos da Pátria – a necessidade da revisão da Constituição, que não atende mais aos anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação.
 
Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura socioeconômica já superada, injusta e desumana; o povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas.
 
Todos têm o direito à liberdade de opinião e de manifestar também sem temor o seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do homem, contido na Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a todos os brasileiros.
 
Está nisso o sentido profundo desta grande e incalculável multidão que presta, neste instante, manifestação ao Presidente que, por sua vez, também presta conta ao povo dos seus problemas, de suas atitudes e das providências que vem adotando na luta contra forças poderosas, mas que confia sempre na unidade do povo, das classes trabalhadoras, para encurtar o caminho da nossa emancipação.
 
É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados à realidade nacional.
 
São certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão, com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis perante a História pelo sangue brasileiro que possa vir a ser derramado, ao pretenderem levantar obstáculos ao progresso do Brasil e à felicidade de seu povo brasileiro.
 
De minha parte, à frente do Poder Executivo, tudo continuarei fazendo para que o processo democrático siga um caminho pacífico, para que sejam derrubadas as barreiras que impedem a conquista de novas etapas do progresso.
 
E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos o governo e o povo – operários , camponeses, militares, estudantes, intelectuais e patrões brasileiros, que colocam os interesses da Pátria acima de seus interesses, haveremos de prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da emancipação econômica e social deste país.
 
O nosso lema, trabalhadores do Brasil, é “progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade”.
 
A maioria dos brasileiros já não se conforma com uma ordem social imperfeita, injusta e desumana. Os milhões que nada têm impacientam-se com a demora, já agora quase insuportável, em receber os dividendos de um progresso tão duramente construído, mas construído também pelos mais humildes.
 
Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implantação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; mas sabemos que nada disso terá sentido se o homem não for assegurado o direito sagrado ao trabalho e uma justa participação nos frutos deste desenvolvimento.
 
Não, trabalhadores; sabemos muito bem que de nada vale ordenar a miséria, dar-lhe aquela aparência bem comportada com que alguns pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das reformas de estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já sabemos que não é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional para milhões de brasileiros que da portentosa civilização industrial conhecem apenas a vida cara, os sofrimentos e as ilusões passadas.
 
O caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos.
 
Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da SUPRA com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos.
 
Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido.
 
Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado.
 
Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.
 
O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.
Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, que se apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.
 
Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos de dívida pública e a longo prazo.
 
Reforma agrária com pagamento prévio do latifúndio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da SUPRA não é a reforma agrária.
 
Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.
 
Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a SUPRA, graças a essa colaboração, meus patrícios espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reinvindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalham para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer reforma sem mexer a fundo na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprimido do texto constitucional parte que obriga a desapropriação por interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.
 
No Japão de pós-guerra, há quase 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de subversivo ou extremista?
 
Na Itália, ocidental e democrática, foram distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos, 150 mil famílias foram beneficiadas.
 
No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram distribuídos trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.
 
Na Índia foram promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras para os camponeses.
 
Essas leis abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da Índia. Todas as nações do mundo, independentemente de seus regimes políticos, lutam contra a praga do latifúndio improdutivo.
 
Nações capitalistas, nações socialistas, nações do Ocidente, ou do Oriente, chegaram à conclusão de que não é possível progredir e conviver com o latifúndio.
 
A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reinvindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.
 
A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.
 
Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não tem dinheiro para comprar.
 
Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.
 
Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo.
 
Como garantir o direito de propriedade autêntico, quando dos quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?
 
O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos conquistar e que haveremos de conquistar.
 
Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária será conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo da produção, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50 por cento da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranquilidade social. No meu Estado, por exemplo, o Estado do deputado Leonel Brizola, 65% da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras para plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabalhou para o proprietário. Esse inquilinato rural desumano é medieval é o grande responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para as classes populares em nosso país.
 
A reforma agrária só prejudica a uma minoria de insensíveis, que deseja manter o povo escravo e a Nação submetida a um miserável padrão de vida.
 
E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente aproveitáveis. E é claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para atender aos anseios do povo, nos Estados do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.
 
Governo nenhum, trabalhadores, povo nenhum, por maior que seja seu esforço, e até mesmo o seu sacrifício, poderá enfrentar o monstro inflacionário que devora os salários, que inquieta o povo assalariado, se não foram efetuadas as reformas de estrutura de base exigidas pelo povo e reclamadas pela Nação.
 
Tenho autoridade para lutar pela reforma da atual Constituição, porque esta reforma é indispensável e porque seu objetivo único e exclusivo é abrir o caminho para a solução harmônica dos problemas que afligem o nosso povo.
 
Não me animam, trabalhadores – e é bom que a nação me ouça – quaisquer propósitos de ordem pessoal. Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a História nos legou. Dentro de 48 horas, vou entregar à consideração do Congresso Nacional a mensagem presidencial deste ano.
 
Nela, estão claramente expressas as intenções e os objetivos deste governo. Espero que os senhores congressistas, em seu patriotismo, compreendam o sentido social da ação governamental, que tem por finalidade acelerar o progresso deste país e assegurar aos brasileiros melhores condições de vida e trabalho, pelo caminho da paz e do entendimento, isto é pelo caminho reformista.
 
Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas destes país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.
 
A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.
 
Procurei, trabalhadores, depois de estudos cuidadosos elaborados por órgãos técnicos, depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao espírito da Lei n. 2.004, lei que foi inspirada nos ideais patrióticos e imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa alma e nosso espírito.
 
Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio Vargas.
 
O imortal e grande patriota Getúlio Vargas tombou, mas o povo continua a caminhada, guiado pelos seus ideais. E eu, particularmente, vivo hoje momento de profunda emoção ao poder dizer que, com este ato, soube interpretar o sentimento do povo brasileiro.
 
Alegra-me ver, também, o povo reunido para prestigiar medidas como esta, da maior significação para o desenvolvimento do país e que habilita o Brasil a aproveitar melhor as suas riquezas minerais, especialmente as riquezas criadas pelo monopólio do petróleo. O povo estará sempre presente nas ruas e nas praças públicas, para prestigiar um governo que pratica atos como estes, e também para mostrar às forças reacionárias que há de continuar a sua caminhada, no rumo da emancipação nacional.
 
Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.
 
Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares nacionalistas.
 
Ao lado dessas medidas e desses decretos, o governo continua examinando outras providências de fundamental importância para a defesa do povo, especialmente das classes populares.
 
Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares. Apartamento no Brasil só pode e só deve ser alugado em cruzeiros, que é dinheiro do povo e a moeda deste país. Estejam tranquilos que dentro em breve esse decreto será uma realidade.
 
E realidade há de ser também a rigorosa e implacável fiscalização para seja cumprido. O governo, apesar dos ataques que tem sofrido, apesar dos insultos, não recuará um centímetro sequer na fiscalização que vem exercendo contra a exploração do povo. E faço um apelo ao povo para que ajude o governo na fiscalização dos exploradores do povo, que são também exploradores do Brasil. Aqueles que desrespeitarem a lei, explorando o povo – não interessa o tamanho de sua fortuna, nem o tamanho de seu poder, esteja ele em Olaria ou na Rua do Acre – hão de responder, perante a lei, pelo seu crime.
 
Aos servidores públicos da Nação, aos médicos, aos engenheiros do serviço público, que também não me têm faltado com seu apoio e o calor de sua solidariedade, posso afirmar que suas reinvindicações justas estão sendo objeto de estudo final e que em breve serão atendidas. Atendidas porque o governo deseja cumprir o seu dever com aqueles que permanentemente cumprem o seu para com o país.
 
Ao encerrar, trabalhadores, quero dizer que me sinto reconfortado e retemperado para enfrentar a luta que tanto maior será contra nós quanto mais perto estivermos do cumprimento de nosso dever. À medida que esta luta apertar, sei que o povo também apertará sua vontade contra aqueles que não reconhecem os direitos populares, contra aqueles que exploram o povo e a Nação.
 
Sei das reações que nos esperam, mas estou tranquilo, acima de tudo porque sei que o povo brasileiro já está amadurecido, já tem consciência da sua força e da sua unidade, e não faltará com seu apoio às medidas de sentido popular e nacionalista.
 
Quero agradecer, mais uma vez, esta extraordinária manifestação, em que os nossos mais significativos líderes populares vieram dialogar com o povo brasileiro, especialmente com o bravo povo carioca, a respeito dos problemas que preocupam a Nação e afligem todos os nossos patrícios. Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue a assegurar absoluta liberdade ao povo brasileiro. E, para isto, podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e gloriosas Forças Armadas da Nação.
 
Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.