O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Mario Sabino. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Mario Sabino. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 30 de março de 2022

O império da sem-vergonhice: corruptos da Lava-Jato processados nos EUA, perdoados no Brasil - Mario Sabino (Antagonista)

O império da sem-vergonhice

Enquanto os Estados Unidos caçam quem recebeu propina do petrolão, aqui vão livrar a cara das empresas corruptoras que assinaram acordos de leniência 

Uma notícia muito ilustrativa passou meio despercebida ontem, salvo neste site. Como informamos, “o Departamento de Justiça dos EUA e o FBI estão oferecendo recompensa de até US$ 5 milhões (cerca de R$ 24 milhões) a quem fornecer informações que levem à identificação de destinatários de propinas da Odebrecht e da Braskem” (foto). Não é uma iniciativa excepcional, que visa apenas a essas empresas brasileiras que estavam no âmago do escândalo de corrupção na Petrobras revelado pela Lava Jato. Ela integra o “Programa de Recompensas de Recuperação de Ativos da Cleptocracia”, aprovado pelo Congresso, no compromisso do governo americano de combater a corrupção de governos estrangeiros, como também esclarecemos. O programa está no âmbito do Gabinete de Terrorismo e Inteligência Financeira do Departamento do Tesouro e seu objetivo é “identificar e recuperar ativos roubados, confiscar os lucros da corrupção e, quando apropriado e viável, devolver esses bens roubados ou valores ao país prejudicado pelos atos de corrupção”.

Enquanto isso, no Brasil, os suspeitos de sempre em Brasília querem dar uma tremenda colher de chá a empresas que firmaram acordos de leniência com a Lava Jato, como mostra uma reportagem publicada pela Crusoé na semana passada (clique aqui para ler a íntegra aberta para não assinantes). Os acordos de leniência possibilitaram que elas escapassem de punições ou tivessem sanções menos pesadas, em troca da entrega de provas dos esquemas dos quais participaram na roubalheira perpetrada contra a Petrobras e da devolução do dinheiro surrupiado. No total, 17 empresas firmaram tais acordos, comprometendo-se a restituir 15,4 bilhões de reais aos cofres públicos. Dessa forma, ganhou-se velocidade nos processos e as empresas puderam voltar a fazer contratos com o estado. Mas, com a destruição da Lava Jato promovida por políticos e magistrados, agora querem dar um jeito para que essas empresas burlem o que foi pactuado.

A realidade nua e sem temperos, porém, é que, nos Estados Unidoshá o império da lei, como mostra a iniciativa de recompensar as pessoas que informarem os destinatários de propinas da Odebrecht e da Braskem (e todos sabemos muito bem quem são). Aqui, o império é mesmo o da sem-vergonhice, como deixa evidente a malandragem de livrar a cara de quem pagou propina.


quarta-feira, 23 de março de 2022

A derrota da China na guerra da Ucrânia - Mario Sabino (Antagonista)

Mario Sabino, excelente jornalista,  embora não sinologista ao que se saiba, faz uma excelente matéria sobre como fica a situação da China, e de Xi Jinping, a partir do atoleiro de Putin na Ucrânia.

A derrota da China na guerra da Ucrânia

Ao aliar-se a Vladimir Putin, Xi Jinping demoliu a estratégia de "multilateralismo" e o conflito na Europa deverá causar danos à economia chinesa, caso se prolongue

China também perdeu a guerra na Ucrânia. O acordo de “parceria privilegiada” que Xi Jinping assinou com Vladimir Putin (foto), no início de fevereiro, ultrapassa o aspecto comercial, como ficou evidente depois da agressão de Moscou Kiev. É um pacto com entrelinhas militares. A China apoia a Rússia nas suas pretensões territoriais no leste da Europa; a Rússia apoia a China numa eventual invasão de Taiwan. Tudo sob o manto do “multilateralismo”, que é como Xi Jinping e Vladimir Putin chamam o objetivo de enfraquecer a influência dos Estados Unidos e expandir os seus tentáculos no mundo.

Vladimir Putin vendeu a Xi Jinping a ideia de que a invasão da Ucrânia seria um passeio. Que ele ocuparia rapidamente o país vizinho, por meio de uma blitzkrieg, e que, em certas regiões ucranianas, as suas tropas seriam até mesmo recebidas como “libertadoras” de um povo oprimido por um regime “nazista”, cujo presidente, Volodymyr Zelensky, contava com baixíssima popularidade. Vladimir Putin mostraria a Xi Jinping, principalmente, que, assim como ocorreu em 2014, com a invasão da Crimeia, o Ocidente esbravejaria um pouco, mas não abriria mão dos seus interesses comerciais para defender a Ucrânia — e que, da mesma forma, permaneceria inerte se a China se arriscasse em Taiwan. O erro de cálculo foi gigantesco. O exército russo se revela incompetente para avançar sobre as linhas adversárias, a resistência da Ucrânia é não menos do que heróica, além de estrategicamente brilhante, e mesmo entre os ucranianos de língua russa, os invasores estão sendo vistos como o que realmente são: um bando de criminosos fardados que aterroriza a população civil. Quanto a Volodymyr Zelenskygraças à sua coragem e à sua capacidade de comunicação, para além da sua esperteza, ele tem hoje a admiração e a confiança de praticamente a unanimidade dos seus compatriotas e se tornou referência internacional. Por último, o Ocidente, que demorou a mostrar os dentes para Vladimir Putin, já demonstrou que não se comportará como em 2014.

A política da China para aumentar a sua influência planetária vinha sendo feita por meio de investimentos de infraestrutura no Terceiro Mundo, em especial na África, e pelo estreitamento de parcerias comerciais com os países democráticos da Europa, por meio do estabelecimento da chamada “rota da seda”. Tais iniciativas, sim, vinham incomodando os Estados Unidos, porque diversos países, independentemente do regime, começaram a ver na China, a outra superpotência econômica, dona de um mercado consumidor infinito, um polo de atração que contrabalançaria a dependência dos americanos. Em razão das vantagens oferecidas pelos chineses, esses mesmos países fecharam os olhos para os abusos do totalitarismo chinês, considerado uma peculiaridade impossível de ser exportada.

guerra na Ucrânia mudou tudo. Como confiar numa potência que firmou um pacto com a Rússia, para chancelar uma agressão militar de contornos imperialistas, e que ajuda a difundir fake news vergonhosas, como a de que os Estados Unidos se associaram à Ucrânia para desenvolver armas biológicas? E isso, enfatize-se, depois de toda a falta de transparência de Pequim na investigação promovida pela OMS, para tentar descobrir a origem do vírus da Covid-19. Como lembrou o francês Phillipe Le Corre, especialista em China e Hong Kong, o então secretário de estado adjunto americano Robert Zoellick lançou a seguinte interrogação, em 2005: “A China poderia se tornar um ator responsável na cena mundial?” A julgar pela atuação na guerra da Ucrânia, a resposta é não.

A irresponsabilidade da China demoliu o seu “multilateralismo” e, no plano imediato, deverá causar prejuízos à sua economia, se a agressão à Ucrânia se prolongar. A alta do preço do petróleo e a escassez de alimentos que se avizinha, frutos diretos do conflito, têm o potencial de afetar duramente muitos países que importam produtos chineses. Tudo bastante inteligente, como se vê, inclusive a parceria privilegiada comercial com a Rússia, em detrimento do estreitamento dos laços que estreitava com a União Europeia. Xi Jinping hoje morde e assopra quando o assunto é a guerra na Ucrânia, porque não sabe o que fazer. Perdeu, juntamente com Vladimir Putin.


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O povo brasileiro é idiota? - Mario Sabino, Carlos Pozzobon, Paulo Roberto de Almeida

 Mario Sabino disse aquilo que muitos intelectuais, de esquerda e direita, muitos jornalistas e personalidades “de bem”, pensam, mas não ousam proclamar abertamente: a maioria do povo, os brasileiros em geral, sobretudo as chamadas “classes subalternas” são IDIOTAS , ou otários, e se deixam enganar pelos piores demagogos, de todas as tendências, sobretudo os mais desonestos, como são Lula e Bozo, este um idiota e ignorante boçal ele mesmo, só inteligente para roubo do baixo clero.

Paulo Roberto de Almeida 

===========

Antigamente se dizia que a nossa estupidez era originada da escravidão. A escravidão se foi e a estupidez continua. Na minha opinião, a questão vai além de tudo o que se conhece pela pena dos sociólogos do Brasil. O assunto é tão vasto que só podemos aplicar o remédio em gotas diárias, como muita gente boa vem fazendo aqui.

Carlos Pozzobon

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


Somos uma nação de gente estúpida

Mario Sabino 

Uma pesquisa telefônica do Centro Integrado de Pesquisa e Comunicação (Cipec), feita na semana passada, perguntou aos entrevistados quem era o mais honesto: se Lula, Jair Bolsonaro ou Sergio Moro (foto). Quase 50% dos entrevistados (49,4%) responderam que era Lula; 26,4% disseram que era Jair Bolsonaro; 24,2% afirmaram que era Sergio Moro. Uma pesquisa divulgada dias antes pela Qaest chegou ao mesmo ranqueamento, ao indagar quem era o melhor candidato para combater a corrupção. Entre os três possíveis candidatos para 2022, o petista é apontado como o mais adequado por 28% dos entrevistados e Jair Bolsonaro por 24%. Sergio Moro vem em último lugar, com 14%.

Analistas de pesquisas são obrigados a tentar encontrar alguma lógica em respostas ilógicas. No caso da pesquisa do Cipec, a explicação foi que o resultado espelha a intenção de voto em Lula e Jair Bolsonaro nos cenários de primeiro turno e que os 24,2% de Moro “refletem, em certa medida, o espaço mínimo no cenário atual para uma candidatura nem Lula nem Bolsonaro”. Também é possível pensar que duas mentiras sobre Sergio Moro colaram: a de que ele foi parcial ao condenar Lula, o injustiçado que encontrou a redenção no Supremo Tribunal Federal, e a de que “traiu” Jair Bolsonaro, ao sair do governo por causa da politização da Polícia Federal. Afinal de contas, as máquinas petista e bolsonarista de propaganda são poderosas e sem freios.

Não vou, porém, tentar achar lógica em respostas ilógicas. Como tenho o estranho hábito de dizer o que penso, apresento o meu resumo da ópera-bufa: boa parte dos brasileiros é simplesmente otária. Seja por ignorância, miséria material, crenças sebastianistas ou qualquer outra explicação sociológica, o fato é este — somos uma nação de gente estúpida, que cai em qualquer conversa de qualquer malandro.

Só a estupidez explica que tamanha quantidade de gente possa achar que Lula e Jair Bolsonaro são mais honestos do que Sergio Moro. A organização comandada pelo primeiro saqueou a Petrobras e adjacências, em bilhões de reais, depois de protagonizar a vergonha do mensalão, no qual dinheiro público era usado pelo governo do PT, essa coisa linda, para comprar votos no parlamento. A família do segundo foi financiada por rachadinhas em gabinetes legislativos e, agora, dedica-se a explorar outras possibilidades rastaqueras. Quanto a Sergio Moro, até onde se sabe, o seu patrimônio é compatível com os salários que recebeu como juiz e ministro. Hoje, muito possivelmente, ele tem rendimentos maiores, como sócio-diretor de uma empresa de compliance, baseada nos Estados Unidos. Compliance: ou seja, o seu papel é ajudar a colocar empresas privadas nos trilhos, para que não cometam más práticas e possam ser acusadas de desonestas. Continua a trabalhar, portanto, em prol da transparência, assim como fez quando era magistrado e integrante do governo. Ninguém precisa ser apoiador de Sergio Moro para constatar o fato.

Os brasileiros achamos que somos muito espertos, mas, na verdade, somos terrivelmente idiotas — idiotia atávica e cultivada com meticulosidade por governos, escolas, artistas, intelectuais, igrejas, emissoras e jornais, e é por esse motivo que estamos entregues a essa malta política. De vez em quando, somos assaltados pela lucidez, mas ela não demora a sumir no nosso nevoeiro mental. O que gostamos mesmo é de chorar na televisão, e certamente a resiliência na revolta e nas cobranças por justiça (a verdadeira, não a da jurisprudência de ocasião) não está entre as nossas qualidades, se é que temos alguma. É falso que abolimos o escândalo, como anda sendo dito, diante da nossa passividade. Nunca nos indignamos realmente com nada. Estúpidos.

Lula e Bolsonaro são mais honestos do que Sergio Moro: francamente, é de perder as estribeiras.

Mario Sabino


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Toffoli: o novo "engavetador geral da República"? - Mario Sabino (Crusoé)

Dias Toffoli faz história

Mario Sabino
Crusoé, 22/08/2019

Nestes tempos tão pródigos em acontecimentos empolgantes, como a aprovação da lei de abuso de autoridade que salvará o país da sua própria Justiça, elejo uma frase proferida por Dias Toffoli, em palestra em São Paulo, como o melhor resumo de tudo o que está ocorrendo: “O Brasil ficou travado em quatro anos num moralismo enfrentando questões de ordem e esquecendo o progresso. Você nunca vai ter progresso se tiver que ter ordem como uma premissa.”
Sim, caso você tenha perdido, o presidente do Supremo Tribunal Federal, chefe do Poder Judiciário, disse exatamente isso, segundo o G1, numa inversão do lema da Bandeira Nacional.
Posso estar errado, mas acho que Dias Toffoli criticou a maior operação anticorrupção da história brasileira e quiçá mundial. A minha dedução parte da constatação de que faz quatro anos que a Lava Jato começou a mandar para a cadeia os peixes graúdos do espetacular assalto à Petrobras e adjacências. As palavras de Dias Toffoli levam a crer que ele também compartilharia da opinião pitoresca de que a Lava Jato é a grande culpada pela recessão e estagnação da economia brasileira, ao pulverizar as empreiteiras e outras campeãs nacionais que viviam de pagar propinas milionárias ao governo, em troca de contratos superfaturados. A crise teria pouco a ver com a irresponsabilidade fiscal de Dilma Rousseff e, antes dela, o endividamento geral dos cidadãos promovido por Lula, para além da própria dinheirama desviada do Erário.
Avançando na interpretação de texto, a Lava Jato travou o progresso porque teria deixado em segundo plano o desenvolvimento do país. O que move os procuradores e juízes seria apenas moralismo — aquela afecção da moral que tende a priorizar exacerbadamente valores éticos e mesmo religiosos, em detrimento do contexto. Arrisco um exemplo: Jesus Cristo no momento em que expulsa os mercadores do templo. Ele simplesmente ignorou a teia econômica da Jerusalém de dois mil anos atrás. Contra-exemplo: os robber baronsamericanos do século XIX. Talvez Dias Toffoli ache que, se não fosse a Lava Jato, Marcelo Odebrecht poderia ter-se tornado o nosso Cornelius Vanderbilt. Ou o nosso Jay Gould — modelo mais apropriado, por ter elevado à categoria de arte a distribuição de propinas a políticos e juízes.
Sigo para o corolário toffoliano: “Você nunca vai ter progresso se tiver que ter ordem como uma premissa”. A afirmação significaria, portanto, que barões ladrões que desafiam a ordem são toleráveis, assim como nos Estados Unidos do passado, visto que inevitáveis para impulsionar a economia neste ponto da nossa infância histórica. Ou seja, só daqui a 150 anos não seria moralismo pôr na cadeia os ladrões poderosos que criam departamentos de operações estruturadas, para meter a mão no dinheiro público e comprar facilidades nos poderes constituídos. No futuro, com uma nação plenamente desenvolvida, os barões ladrões, que tanto ajudaram a destravar o caminho, não seriam mais necessários. Se a minha interpretação é correta, Toffoli tem uma visão evolucionista do processo histórico, que iria adiante por meio de fases e mutações sempre positivas. É uma espécie de Giambattista Vico em ondas tropicais.
Como a opinião categórica do presidente do Supremo Tribunal Federal tende a prevalecer no próximo século e meio, deixando em suspenso o imperativo categórico da moralidade, só resta aos cidadãos variar nos sinônimos de ladrão. Vou contribuir para o progresso brasileiro com o roubo de 35 expressões do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo: 
“Ladrão, camafonge, pichelingue, unhante, lapim, meliante, rato, milhafre, rabaz, empalmador, abafador, rapinante, harpia, quadrilheiro, alfaneque, lascarino, pente-fino, sacomão, filhos da noite (atualíssimo), captor, corsário, fraudador, marraxo, embusteiro, miquelete, forrageiro, peculatário, estelionatário (há os digitais patriotas), concussor, mensaleiro (está no livro, não é contrabando meu), corrupto, escroque, corruptor, propinado aliciante, extorsor.”
Ninguém tem moral para julgar Dias Toffoli. Ele está fazendo história.

sábado, 20 de abril de 2019

Dois juizes inconstitucionais e um bravo jornalista - Mario Sabino

Os dois juízes não são apenas inconstitucionais. Eles são anti-constitucionais, e deveriam ser sancionados não apenas pelo próprio STF – que provavelmente vai se acovardar e não fazer nada – como também pelo Senado, que pode chamá-los a se explicar e até destituí-los, se tiver coragem e respeito pela Constituição.
O presidente atual do STF, um completo despreparado, ex-advogado do PT, uma organização criminosa, como todos sabem, cometeu calúnia contra o Antagonista e a revista Crusoé, e deveria ser processado por isso. Proponho um pedido inicial de R$ 200.000,00 como reparação.
Acho também que, tendo contribuído para aumentar a audiência e provavelmente as assinaturas da revista Crusoé, os editores poderiam lhe oferecer um ano de assinatura gratuita, como prêmio pelo serviço involuntário de ajuda no marketing (e um prêmio Darwin, pela estupidez demonstrada).
Abaixo, o artigo de Mário Sabino na Crusoé desta memorável semana.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de abril de 2019

E lá fui eu parar na PF outra vez

Mario Sabino, revista Crusoé, 19/04/2019

Na última terça-feira, dia 16 de abril, apenas 24 horas depois de ser intimado pelo ministro Alexandre de Moraes, eu me apresentei ao delegado da Polícia Federal escolhido para conduzir o inquérito sigiloso e inconstitucional aberto para intimidar a imprensa (a história de que serve para apurar fake news e ameaças ao STF nas redes sociais é conversa para boi dormir. Pegaram uns coitados ao acaso). Foi a quarta vez na minha carreira profissional que me vi convocado a comparecer diante de um delegado pelo fato de ser jornalista. Na primeira, em 2008, fui à mesma Superintendência da PF em São Paulo, como redator-chefe da Veja, para sair de lá como o único indiciado no caso do dossiê dos aloprados. Contei essa história aqui, há menos de um mês. Em 2016, Lula também quis me levar para uma delegacia, sob a acusação de que O Antagonista era uma associação criminosa. Nossos advogados conseguiram evitar essa ignomínia. Em 2017, Wagner Freitas, presidente da CUT, foi outro a querer que um delegado me interrogasse. A tentativa foi novamente abortada.
É perturbador que um jornalista, pelo fato de exercer a sua profissão, seja intimado a ir quatro vezes à polícia, na vigência de um regime democrático. Tendo a crer que sou um recordista no Brasil. O delegado designado para conduzir o inquérito inconstitucional saído da cachola de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes não soube dizer aos meus advogados em qual condição eu estava ali: se de investigado, testemunha ou, sei lá, colaborador. Ele afirmou ainda que, por ser sigiloso, desconhecia o teor exato do inquérito a meu respeito. Sim, você leu certo: o delegado designado para conduzir o inquérito inconstitucional saído da cachola de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes disse não ter ideia sobre o que estava sendo investigado sobre mim. Se é que eu era investigado, claro.
Eu, no entanto, sei que não há objeto de investigação nenhum. Apenas quiseram calar a boca dos jornalistas da Crusoé e de O Antagonista que ousaram fazer reportagens sobre ministros do Supremo Tribunal Federal. Como não conseguiram – e nem conseguirão, se o Brasil realmente for uma democracia digna de tal nome –, o inquérito teratológico ampliou a sua ousadia autoritária, com Alexandre de Moraes prestando-se ao papel vexaminoso de censor da Crusoé e de O Antagonista.
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes nutrem a ilusão de que irão destruir a Crusoé e O Antagonista, acusando-me de estar à frente de sites que não são jornalísticos, mas destinados a produzir notícias falsas contra o Supremo Tribunal Federal, em conluio com procuradores da Lava Jato e militares golpistas – ambos os veículos financiados por gente escusa do mercado financeiro. A ideia agora, pelo que depreendo, é tentar provar que não sou jornalista, embora tenha 35 anos de carreira e seja sócio-fundador de O Antagonista, que tem 15 milhões de leitores únicos por mês, e da Crusoé, a primeira revista inteiramente digital do país, que conta hoje com 72 mil assinantes.
Dias Toffoli mostrou que seguirá o caminho de tentar nos desqualificar e criminalizar, em entrevista ao Valor. Ele disse que orquestramos narrativas inverídicas para constranger o Supremo às vésperas de uma decisão sobre a prisão de condenados em segunda instância, o que seria obstrução de administração da Justiça. Respondi que o único constrangimento causado ao Supremo se dá pelo comportamento abusivo de Dias Toffoli, que está abolindo o devido processo legal, com o seu inquérito inconstitucional.
No dia seguinte, a Crusoé publicou que Dias Toffoli simplesmente mentiu ao Valor. Porque a reportagem foi publicada na quinta-feira, dia 11, “o julgamento estava marcado para o dia 10, um dia antes de ela ser publicada, mas já havia sido adiado seis dias antes, no dia 4, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil. E nem sequer havia sido marcada uma nova data. Alem disso, o documento da Odebrecht em que se baseou a reportagem foi anexado nos autos da Lava Jato no dia 9 de abril — após o julgamento ter sido adiado, portanto”. Pergunto-me se Dias Toffoli mentiria assim diante do delegado da Polícia Federal que tomou o meu depoimento.
O presidente do Supremo Tribunal Federal também disse que a Crusoé e O Antagonista não são imprensa livre, mas “imprensa comprada”. Respondi que não recebemos mesada e que Dias Toffoli não está imune a processo por calúnia.
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes imaginavam que nós nos acovardaríamos porque teríamos rabo preso. Nós não nos acovardamos porque não temos o rabo preso. Eles imaginavam que não teríamos apoio dos grandes jornais e emissoras de rádio e TV. Nós tivemos o apoio dos grandes jornais e emissoras de rádio e TV. Todos perceberam que a ameaça não era apenas contra nós, mas contra a liberdade de imprensa. Eles imaginavam que nós mentíamos sobre a nossa imensa base de leitores. Nós temos uma imensa base de leitores, que podem não concordar com todas as nossas opiniões, mas sabem que somos honestos e transparentes. Os nossos ganhos são financiados por publicidade, jamais estatal, e assinaturas. Em 2018, finalmente consegui recuperar o dinheiro que gastei das minhas economias, enquanto procurávamos viabilizar comercialmente O Antagonista. Eles imaginavam que não contaríamos com o apoio de juristas e entidades de classe. Nós tivemos o apoio de juristas e entidades de classe.

A censura foi levantada, mas não sei até que ponto os demais ministros do Supremo Tribunal Federal deixarão essa alopragem correr solta. Sugiro modestamente que contenham Dias Toffoli e Alexandre de Moraes (o despacho que levantou a censura que não era censura, por exemplo, tem pegadinhas). A pretexto de salvaguardar o Supremo, a dupla só fez afundar ainda mais a imagem do tribunal como guardião da Constituição. São eles, portanto, que ameaçam a corte. Sem o Supremo Tribunal Federal, não há democracia. Assim como não há democracia sem liberdade de imprensa, o que significa o direito de criticar e fiscalizar todas as instituições, inclusive o STF. E, não canso de repetir, a liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a exercemos. Se tiver de voltar à PF, direi isso ao delegado.

domingo, 31 de março de 2019

Para ler os militares, em 1964 e em 2019 - Paulo Roberto de Almeida e Mario Sabino


Sobre as intervenções de militares na política brasileira

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentar Ordem do Dia das FFAA; finalidade: expressar minha posição]


Analiso e comento a relação dos militares com a política no Brasil, por ocasião da divulgação da Ordem do Dia das FFAA sobre o significado de 31 de março de 1964, tal como determinou o presidente da República, poucos dias atrás, mas aproveitando, provavelmente sob a influência do general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército e atual assessor do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, essa oportunidade para contextualizar os eventos históricos que levaram a 1964, e refletindo sobre o significado especial dessa intervenção tal como vista na presente conjuntura e no âmbito da missão constitucional das FFAA. Aproveito para expor e explicar minha “tese” sobre as intervenções das FFAA e de militares na política brasileira. Não confundir com o vídeo horrível da PR sobre esse dia, que só pode ter sido obra de bolsonaristas radicais, ignorantes e medíocres.

O jornalista Mario Sabino, editor de Crusoé, da qual sou assinante, e um dos animadores do blog político O Antagonista, que sempre leio, escreve sobre, e interpreta, a Ordem do Dia dos militares sobre 1964, obedecendo portanto, ao presidente da República, que pretendia "comemorar" da data de 31 de março, mas que são plenamente conscientes do que a sociedade brasileira realmente deseja, distanciando-se, portanto, ao mesmo tempo, das franjas bolsonaristas mais radicais, que estão sempre pensando em vingar-se daqueles derrotados em 1964, e que governaram o país de 2003 a 2016.
Minha tese sobre as intervenções militares é a de que 1964, diferentemente do que se prega habitualmente, não foi um golpe militar dado pelas FFAA, a exemplo de outras intervenções dos militares na política, no Brasil ou nos demais países da América Latina, mas sim foi uma crise político-militar, resolvido com a intervenção de militares na política, sem que houvesse, inicialmente, a intenção explícita de tomar o poder para nele se perpetuar, o que foi consequência da dinâmica criada pelo movimento que se desenvolveu nos primeiros dias de abril de 1964.
Explico essa minha "tese", para que isso fique muito claro.
Só reconheço TRÊS oportunidades nas quais as FFAA tomaram o poder no Brasil, e nem 1889, nem 1964 pertencem a esses três únicos exemplos ou se enquadram no contexto geral das intervenções militares na política dos países latino-americanos. Quando eu escrevo FFAA, com maiúsculas, estou referindo-me às Forças Armadas enquanto corpo constituído do Estado brasileiro, ou seja, os comandantes militares atuando em conjunto, e com o consenso do conjunto das tropas, por ocasião de algum evento político com significado maior para a história do país. Distingo esse acrônimo, as FFAA, das intervenções de militares na política, muito mais numerosas, pois que situadas no contextos de graves crises políticas nas quais os militares também foram envolvidos, individualmente ou como setores das FFAA, ou que se envolveram a título político por julgarem que era de seu dever, ou sua vontade, participar de eventos, fatos e processos que também tocavam gravemente nos destinos do país. Quais foram, pois essas três únicas oportunidades, no quadro das muitas intervenções de militares na política, que aliás começam no próprio Império e passam notadamente na proclamação da República, que NÃO é, segundo essa minha tese, uma intervenção das FFAA na política, e sim o envolvimento de militares com a política. 1889 é um movimento político, com grande envolvimento de militares republicanos, vários “jacobinos”, que conseguem a própria participação do chefe do Exército (apenas do Exército e não da Marinha) na deposição do gabinete de Ouro Preto (tal como concebia esse movimento o próprio marechal Deodoro da Fonseca, tomado de surpresa, ou enganado, pelos oficiais republicanos). A República é um movimento político com expressiva participação de militares, não um mero golpe militar, ao estilo das quarteladas de caudilhos latinos.
A primeira intervenção das FFAA (e apenas dos comandantes do Exército e da Marinha) na política, depois de todas as agitações de tenentes e outras patentes em episódios da política brasileira nos primeiros 30 anos da República, se dá exatamente em outubro de 1930, quando essa junta de dois comandantes militares (a Aeronáutica ainda não existia enquanto Força) depõe o presidente Washington Luis, o mantém detido por poucos dias, até que as forças do líder revoltoso Getúlio Vargas chega ao Rio de Janeiro e toma posse de um governo provisório, tal como ocorreu com Deodoro em 1889. Ou seja, as FFAA efetuaram essa intervenção para evitar um possível sangrento embate entre forças legalistas e forças revoltosas, que poderia ocorrer nos limites entre os estados de S. Paulo e Paraná, a famosa “batalha de Itararé”, que não ocorreu, e deu margem a que Aparício Torelly, famoso humorista da época, se autoproclamasse “Barão de Itararé”, e assim passasse a assinar suas saborosas crônicas que vão, justamente, até o golpe de 1964 (atenção: eu disse golpe, e não revolução).
A segunda intervenção das FFAA na política brasileira se deu exatamente 15 anos depois, em outubro de 1945, quando elas depõem o ditador Getúlio Vargas, que fazia ensaios continuístas no poder, depois que as FFAA, seus soldados e oficiais participaram da defesa da democracia nos campos de batalha da Segunda Guerra. Não o fizeram exatamente por amor à democracia, mas o ditador estava recebendo o apoio do Partido Comunista e do seu líder, Luis Carlos Prestes, os mesmos que tinham intentado tomar o poder pela força, comandados pela III Internacional e pelo Partido Comunista da União Soviética, em novembro de 1935, ocasião na qual vários soldados e oficiais foram mortos pelos revoltosos comunistas. A partir de então, o Brasil e as FFAA se tornaram oficialmente anticomunistas, e assim permanecerão até hoje, inclusive em 1964, quando militares se envolveram na política novamente, depois de vários outros exemplos ao longo dessas décadas. Assim como 1889, 1937 não é um golpe militar, e sim um golpe de líderes políticos, com participação e apoio de militares, até de sua alta cúpula, mas não um movimento planejado e implementado pelas FFAA para ser o início de um regime militar, com um plano de governo para a ocasião.
Venho ao meu terceiro episódio de intervenção das FFAA na política brasileira, que não é 1964, sequer 1961, e menos ainda as diversas revoltas e ações militares, ou de militares, em 1954 (suicídio de Getúlio, para evitar uma possível intervenção das FFAA na política), em 1955 (garantia pelo general Lott à posse de JK, eleito minoritariamente) e outros episódios menores (revoltas locais de militares). Em 1961 ocorreu, sim, uma reação das FFAA e dos militares na política, mas de forma improvisada e desorganizada em função da crise aberta com a renúncia de Jânio Quadros, um processo que se arrastou por mais de duas semanas, até que se chegasse, no âmbito do Congresso, ao remendo do parlamentarismo também improvisado (e removido um ano depois). Tampouco 1964 se encaixa na “teoria” do golpe militar, e não constitui, em minha visão, em uma intervenção das FFAA na política, que poderia, sim, ocorrer, caso o presidente ousasse uma ruptura democrática (fechar o Congresso, por exemplo), de acordo com a visão do chefe do Estado Maior à época, general Castello Branco, um grande democrata e um dos raros intelectuais (com Golbery) do Exército. 1964 foi um movimento civil-militar, empurrado por governadores ambiciosos, e pela ansiedade das classes médias ante o descalabro inflacionário e político do inepto João Goulart, que patrocinou diversos episódios de quebra de hierarquia nas FFAA (sargentos em setembro de 1963 em Brasília, cabos e marinheiros em 1964, arroubos irresponsáveis sobre um “dispositivo militar” e outro “sindical” no grande caos que foi o seu governo) e ensejou a reação das FFAA e dos militares a partir do gesto ousado de um único general, Olympio Mourão Filho, ao mobilizar tropas e tanques em Juiz de Fora para, irrealisticamente, “depor” Goulart no Rio de Janeiro. Deu no que deu, ao precipitar o movimento, e a direita militar fez o resto, mas nisso Castello Branco não teve parte.
A terceira, e única, intervenção das FFAA, e não de “simples” militares, na política, se refere, não ao Ato Institucional n. 5, em dezembro de 1968, uma reação autoritária ainda comandada pelo presidente, enquanto chefe das FFAA, mas sobretudo enquanto chefe de Estado, e sim ao impedimento do vice-presidente Pedro Aleixo de assumir o poder, em agosto de 1969, quando as FFAA se constituem em Junta Militar e emitem a Emenda Constitucional n. 1 (à Constituição de 1967), e ficam no poder até a eleição, pelo Congresso, do general Emílio Médici, como novo presidente do Brasil, da mesma forma como tinha sido o Congresso que havia “eleito” o general Castello Branco como “presidente” do Brasil, em princípio até 1965, data de nova eleição presidencial no quadro da Constituição de 1946.
Esta é a minha visão das intervenções das FFAA, de um lado, e de militares, de outro, na política brasileira ao longo do século e meio republicano. Atualmente, no governo confuso do presidente Bolsonaro, com militares eleitos e outros escolhidos para participar no governo, em diversos níveis, o que temos é o mais próximo possível de uma intervenção de militares e das FFAA na política, sem o ser, pois não há uma crise declarada, não há um movimento em curso, não existe um programa de governo das FFAA, ou de militares, para conduzir o país, como talvez surgiu bem depois de março-abril de 1964 (o assunto “governo militar” foi finalmente decidido entre o final de 1964 e o início de 1965, dando início a um regime não previsto inicialmente, e que tampouco estava planejado para durar tanto tempo; foi durando por inépcia da esquerda, que foram as verdadeiras responsáveis pela ditadura que finalmente se estabeleceu, e que teve vários ciclos, como demonstrou Elio Gaspari, Marco Antonio Villa e diversos outros historiadores ao longo do tempo, inclusive brasilianistas, como Tom Skidmore).
Resumindo, o que temos hoje é uma espécie de “maçonaria militar” – como já houve outros episódios em nossa história, a independência, a própria República e outras coisas que seria preciso identificar). Eu digo “maçonaria” num sentido lato, e não estrito, pois nem sei se os militares que “mandam” no governo Bolsonaro – que tem uma outra metade, a “kakistocracia”, comandada por uma família medíocre – são ou foram, ou integram de fato, uma das maçonarias existentes no Brasil. Pode ser que sim ou pode ser que não, o que não tem a menor importância. O que é importante é que os militares atualmente “no poder” já estão organizados nesse sentido desde 2013, e mais formalmente entre 2016 e 2017, quando aceitaram conviver com um “cavalo pangaré” no comando da República, pois era o único que tinha restado da grande mixórdia da política brasileira, tingida pela megacorrupção dos companheiros e dos tucanos, e pela mediocridade da classe política de forma geral. Eles, os militares – e não ainda as FFAA – sabem o que NÃO querem, mas não sabem ainda (ou não podem) o que querem, ainda que alguns deles saibam exatamente o que é preciso fazer.
Feitas estas longas digressões sobre as relações das FFAA e dos militares – aprendam a distinguir entre um conceito e outro – passo agora ao texto de Mario Sabino sobre a Ordem do Dia de 31 de março de 2019, que não tem NADA A VER com 1964, a não ser como mera nota de rodapé na bibliografia da história. Quem redigiu a nota, e eu imagino quem seja, sabe exatamente o que é história, o que é atualidade, o que é o governo atual, e quais são as condições, existentes ou não, para uma nova intervenção DE militares na política brasileira (e não das FFAA). Eles estão atentos, vigilantes, são controladores, até o limite da intervenção soft, ou seja, não declarada.
Ouso dizer que é o de que precisamos, no momento, até que a coisa se deteriore eventualmente, em função da mediocridade geral da política e das elites brasileiras. Se e quando isso ocorrer, os militares, e não as FFAA, estarão prontos para exercer o seu “poder moderador”, que deveria ser – se acreditou num determinado momento – o da Suprema Corte, mas que não foi, pela mediocridade da maior parte de seus integrantes.
Estamos numa situação delicada, e as ÚNICAS forças democráticas do país são exatamente as FFAA e os militares (eles mereceriam também maiúsculas, mas também tenho dúvidas sobre alguns de seus integrantes), e cabe a eles conduzir o Brasil a bom porto até 2022, quando teremos mais uma oportunidade de verdadeiramente transformar o país, uma vez que 2018 foi uma nova oportunidade perdida. Termino com Roberto Campos, para quem o Brasil é um país “que não perde oportunidade de perder oportunidades”. Por enquanto ainda estamos nisso, mas espero que estejamos melhor preparados chegando a 2022. Esta é uma das razões pelas quais eu gostaria de fazer do vice-presidente atual o coordenador de uma comissão supraministerial em torno dos preparativos para o Bicentenário da Independência, em 2022. Espero que ele aceite.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 31 de março de 2019

================

Segue a postagem que eu pretendia colocar em primeiro lugar, mas que ficou como anexo à minha longa digressão sobre as FFAA e os militares na política.




Para ler o recado dos militares sobre 64

Mario Sabino
Revista Crusoé, n. 48, 31 de março de 2019

Em 31 de março de 1964, eu estava a uma semana de completar 2 anos de idade  (...); em 1968, ano em que os generais linha-dura derrotaram os generais moderados, eu tinha 6 anos de idade – a professora da primeira série mandou que todos ficássemos debaixo da carteira, enquanto o pau comia na rua entre estudantes e soldados. As mães foram buscar os filhos mais cedo na escola e, enquanto voltávamos para casa, vi caminhões do Exército carregados de moços presos, numa rua com lojas fechadas e pedras, muitas pedras no meio-fio, os restos do conflito que se travara havia pouco. Dias antes do Natal, a família se reuniu e as crianças ouviram que deveríamos tomar cuidado para “não falar mal do governo na frente de estranhos, porque o vovô poderia ser preso”. O regime militar havia baixado o AI-5. Meu avô italiano, socialista, havia sido perseguido por Getúlio Vargas, em conluio com os fascistas, e agora receava ter de enfrentar tudo de novo. Não enfrentou. Morreu menos de dois anos depois, de enfisema pulmonar.
As minhas memórias dos acontecimentos políticos de 1964 e 1968 não se comparam com as dos filhos das vítimas de ambos os lados, mas certamente são semelhantes em insignificância às das dezenas de milhões de cidadãos que hoje têm mais de 55 anos. A maioria dos brasileiros nem era nascida nessa época. Mas 1964 voltou a ser assunto politico, quando deveria ser apenas histórico, por causa da insistência de Jair Bolsonaro.
Meses atrás, eu disse aqui na Crusoé que discutir 1964 a esta altura é como se, em 1964, o tema dos debates fosse a presidência de Hermes da Fonseca, que governou o país de 1910 a 1914. Outra ideia fora de lugar. Mas Jair Bolsonaro ordenou que as Forças Armadas comemorassem – ou rememorassem, vá lá — a data, obnubilado pela tal guerra cultural que os seus ideólogos teimam em trazer para o palco, como se dela dependesse a permanência da direita no poder conquistado nas urnas. Não depende. A direita só continuará no poder se for capaz de tirar o Brasil do buraco, por meio da reforma da Previdência, e proporcionar emprego, educação, saúde, segurança e transporte dignos desses nomes à massa dos eleitores. O resto é conversa mole.
Os militares não queriam saber de 1964, mas se viram obrigados a obedecer à determinação do presidente da República. Bolsonaro é o chefe supremo das Forças Armadas. Se ele manda, está mandado. Os militares queriam deixar isso para lá, porque tudo o que eles não desejam, agora que estão presentes no primeiro escalão da República, é ver ressuscitadas as acusações de que exilaram, prenderam, mataram e torturaram um monte de gente – que, por sua vez, também sequestrou, roubou e matou um monte de gente antípoda. Mas não teve jeito: a imprensa voltou a bater em 1964, porque Bolsonaro encasquetou de reverter a decisão de Dilma de proibir manifestações de militares a respeito da data.
A Ordem do Dia sobre 1964 que o Ministério da Defesa divulgou, a ser lida nos quartéis de Exército, Marinha e Aeronáutica, foi escrita a muitas mãos. Aposto que o General Eduardo Villas Bôas revisou a versão final. Os jornais já disseram, claro, que as Forças Armadas não fizeram autocrítica, mas ninguém ouviu também José Dirceu e Dilma Rousseff declarando-se culpados pelos crimes que cometeram em organizações esquerdistas que queriam implantar outra ditadura no Brasil, a pretexto de lutar pela democracia. Todo mundo acha que fez certo – e será assim até o final dos tempos. A História não é feita de inteiras verdades, porque lhes falta abundância. A História é um edifício alicerçado ao mesmo tempo nas versões de vitoriosos e derrotados. Sob a cúpula dourada que domina a Esplanada dos Inválidos, em Paris, jaz a tumba majestosa de um homem que, em Londres, teria sido enforcado e enterrado numa cova destinada a criminosos da pior estirpe. O próprio Napoleão Bonaparte, com toda a sua vaidade, tinha a dimensão de que “há somente um degrau entre o sublime e o ridículo”. Ele disse a frase ao embaixador polonês depois do fracasso da invasão da  Rússia, em 1812. Não raro, sublime e ridículo, verdade e mentira, terror e terror convivem no mesmo plano, sem degrau que os separe.
Na minha opinião, a Ordem do Dia deste 31 de março é um primor de diplomacia. Obviamente, as Forças Armadas não abrem mão da sua versão, dando uma ajustadinha nos fatos iniciais, mas é altamente significativo que os militares evitem falar em “Revolução de 1964”.
Vou interpretar o texto:
As Forças Armadas participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações. O 31 de Março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação, dando ensejo ao cumprimento da Constituição Federal de 1946, quando o Congresso Nacional, em 2 de abril, declarou a vacância do cargo de Presidente da República e realizou, no dia 11, a eleição indireta do Presidente Castello Branco, que tomou posse no dia 15.

A ajustadinha foi que a vacância em 2 de abril foi motivada pelo movimento dos quartéis no dia 31. João Goulart não saiu porque quis, mas porque foi apeado pelas Forças Armadas — e a Constituição de 1946 não previa general eleito indiretamente para a presidência da República. “Dar ensejo” é um eufemismo. Segue a Ordem do Dia:

Enxergar o Brasil daquela época em perspectiva histórica nos oferece a oportunidade de constatar a verdade e, principalmente, de exercitar o maior ativo humano – a capacidade de aprender. 
Desde o início da formação da nacionalidade, ainda no período colonial, passando pelos processos de independência, de afirmação da soberania e de consolidação territorial, até a adoção do modelo republicano, o País vivenciou, com maior ou menor nível de conflitos, evolução civilizatória que o trouxe até o alvorecer do Século XX. 
O início do século passado representou para a sociedade brasileira o despertar para os fenômenos da industrialização, da urbanização e da modernização, que haviam produzido desequilíbrios de poder, notadamente no continente europeu. 
Como resultado do impacto político, econômico e social, a humanidade se viu envolvida na Primeira Guerra Mundial e assistiu ao avanço de ideologias totalitárias, em ambos os extremos do espectro ideológico. Como faces de uma mesma moeda, tanto o comunismo quanto o nazifascismo passaram a constituir as principais ameaças à liberdade e à democracia.

A contextualização histórica é correta e, ao afirmar que o século XX assistiu ao avanço de ideologias totalitárias em ambos os extremos do espectro ideológico, e que comunismo e nazifascismo são faces da mesma moeda, os autores mandam um recado principalmente para as franjas bolsonaristas que continuam a sonhar com um golpe direitista. O recado é que os militares não participarão dessa aventura irresponsável. Tiveram a capacidade de aprender. O parágrafo seguinte enfatiza o combate das Forças Armadas contra os totalitarismos e, assim, reforça o recado:

Contra esses radicalismos, o povo brasileiro teve que defender a democracia com seus cidadãos fardados. Em 1935, foram desarticulados os amotinados da Intentona Comunista. Na Segunda Guerra Mundial, foram derrotadas as forças do Eixo, com a participação da Marinha do Brasil, no patrulhamento do Atlântico Sul e Caribe; do Exército Brasileiro, com a Força Expedicionária Brasileira, nos campos de batalha da Itália; e da Força Aérea Brasileira, nos céus europeus.

A Ordem do Dia fornece uma moldura para o que ocorreu em 1964, inserindo o 31 de março no âmbito da Guerra Fria e como consequência dela:

A geração que empreendeu essa defesa dos ideais de liberdade, com o sacrifício de muitos brasileiros, voltaria a ser testada no pós-guerra. A polarização provocada pela Guerra Fria, entre as democracias e o bloco comunista, afetou todas as regiões do globo, provocando conflitos de natureza revolucionária no continente americano, a partir da década de 1950.
O 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no País. 

Está certo, mas houve também conflitos de natureza revolucionária na Europa Ocidental, centro nevrálgico da Guerra Fria, e nem por isso países como França, Itália e Alemanha Ocidental, sacudidos por atentados terroristas, deixaram de ser democráticos. Na sequência, o texto aborda características próprias daquele momento brasileiro:  

 As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo. 

A ampla maioria da classe média realmente clamava pela intervenção militar, diante dos desatinos de João Goulart, aliado a esquerdistas desmiolados. É fato. A grande imprensa brasileira também foi bulir com os granadeiros nos bivaques. O Globo, O Estado de S.PauloFolha de S.Paulo e Jornal do Brasil (que tinha Alberto Dines como editor-chefe) eram favoráreis a que os militares assumissem o controle da situação. A “estabilização” era para ser provisória, mas se perpetuou por 21 anos.
O texto, então, dá um salto de mais de uma década, para evitar falar do endurecimento do regime a partir de 1968. O aspecto salutar é que, se omite,  não o justifica. Vamos ao trecho:

Em 1979, um pacto de pacificação foi configurado na Lei da Anistia e viabilizou a transição para uma democracia que se estabeleceu definitiva e enriquecida com os aprendizados daqueles tempos difíceis. As lições aprendidas com a História foram transformadas em ensinamentos para as novas gerações. Como todo processo histórico, o período que se seguiu experimentou avanços. 
As Forças Armadas, como instituições brasileiras, acompanharam essas mudanças. Em estrita observância ao regramento democrático, vêm mantendo o foco na sua missão constitucional e subordinadas ao poder constitucional, com o propósito de manter a paz e a estabilidade, para que as pessoas possam construir suas vidas. 
Cinquenta e cinco anos passados, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica reconhecem o papel desempenhado por aqueles que, ao se depararem com os desafios próprios da época, agiram conforme os anseios da Nação Brasileira. Mais que isso, reafirmam o compromisso com a liberdade e a democracia, pelas quais têm lutado ao longo da História.

Ao dizer que a lei de anistia de 1979 viabilizou a transição para uma democracia definitiva – definitiva, frise-se –, as Forças Armadas voltam a dar um recado, desta vez para ambos os extremos do espectro ideológico: não há mais lugar para golpes de qualquer espécie no Brasil. Os militares avançaram, porque igualmente aprenderam com a história. O verbo “aprender” é relevante nessa Ordem do Dia. E, embora reconheçam o papel dos responsáveis por 1964 (será assim até o final dos tempos, repito), eles reafirmam mais que isso o compromisso com a liberdade e democracia. O “mais que isso” não é muleta conectiva. É conteúdo fundamental.
Para ler os militares, é preciso prestar atenção aos detalhes. As Forças Armadas estão em 2019 (não é à toa que ressaltam os 55 anos do 31 de março), ao contrário de Bolsonaro e as suas franjas, que não saem de 1964, para a alegria da esquerda que usa o passado para arruinar o presente.

Mario Sabino