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sexta-feira, 29 de maio de 2015

A caixa preta do BNDES e os "juizes de Berlim" - Mauricio David, PRAlmeida e Valor Econômico

Meu amigo Maurício David me manda esta matéria do Valor Econômico, precedida de uma bela historieta, que já é bastante conhecida, a tal dos "juízes em Berlim", ou seja, uma fábula moral contra o arbítrio dos governantes e a existência -- algumas vezes -- de juízes que simplesmente cumprem a lei, o que nem sempre é o caso no Brasil.
Transcrevo primeiro seus comentários, acrescento meus comentários logo em seguida, e finalmente transcrevo a matéria do Valor.
Paulo Roberto de Almeida

Ainda há Juízes em Berlim !
Maurício Dias David, 29/05/2015

Nas minhas andanças pelo exílio, tocou-me viver um tempo em Potsdam, na então Alemanha Oriental. Em Potsdam fica o castelo de Sans-Souci, residência de verão dos então Kaisers  da Alemanha imperial. Magníficos jardins cercam o belo palácio... Uma coisa curiosa : a época, Potsdam e Berlim (que são cidades contíguas, quase geminadas) estava separada de Berlim pelo incrível muro. Como resultado, para chegar a Berlim estávamos obrigados a tomar o trem em Potsdam, dar a volta em torno de toda Berlim (o lado ocidental da cidade estava ao lado de Potsdam, o lado oriental estava do outro lado da cidade) e, depois de uma longa viagem, chegávamos ao centro da capital da chamada República Democrática Alemã ( que de "democrática" só tinha o nome...). Era assim com todas as linhas de trem ( o famoso DB - Deutsche Bahn alemão) e também com as linhas de metrô...
Mas porque estou contando isso, amigo leitor ? Porque veio-me à cabeça a história que me contaram quando visitei o Castelo de Sans Souci. É uma história bonita, por isto a repito aqui...
Certo poderoso imperador alemão, que adorava os jardins do seu palácio, resolveu um belo dia expandi-los. Mas ao lado estavam as terras de um pequeno agricultor, que não se inclinou ante a pressão do todo-poderoso Kaiser... Houve ameaças, mas o camponio ficou firme e recorreu aos tribunais de Berlim. Para surpresa geral, os juízes deram ganho de causa ao camponio que, ao saber do resultado do julgamento, deu uma declaração que ficou célebre : "Ainda há Juízes em Berlim"... Ao Kaiser nada mais restou que senão inclinar-se ante a decisão dos juízes berlinenses...

Ao tomar ciência das recentes decisões dos juízes do Supremo Tribunal Federal determinando aos tecnocratas autocratas que dirigem o BNDES que abram os dados referentes aos empréstimos questionáveis com que tem irrigado os cofre das "empresas amigas" - ditas "as campeãs nacionais do prof. Coutinho"..., parece interessante comentar como o camponês de Potsdam : " Ainda há Juízes em Brasília !"...

Maurício David
Enviado do meu iPad


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 Comentário em resposta (PRA):

 Um pouco tarde e apenas parcialmente.
    Eu diria assim: sob pressão da sociedade, e em face de constantes, continuadas, incontáveis denuncias de inacreditáveis malversações com o seu, o meu, o nosso dinheiro entregue ilegal e abusicamente pelo Tesouro a essa Caixa Preta que também responde pelo nome de BNDES, juizes encomendados, e apenas e tão somente pressionados pela opinião pública, resolvem, finalmente, e depois de anos de tergiversaçõdoes e enrolações, finalmente, decidir liberar parcialmente (e não sabemos quanto das falcatruas será realmente liberado), alguns poucos dados relativos a uma única empresa da selva de contratos suspeitos e operações obscuras do malfadado banco, que deveria ser simplesmente colocado sob gestão independente, e ter diminuídas todas as suas operações que não correspondem estritamente a seus objetivos estaturários.
    Acho que assim fica mais fiel ao que ocorreu, de verdade (e ainda não temos garantia de que o dinheiro entregue a ditaduras criminosas e a capitalistas promíscuos será realmente revelado).
    O abraço do
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Paulo Roberto de Almeida
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Planalto teme avanço do TCU sobre BNDES
Por Murillo Camarotto | De Brasília
Valor Econômico, 28 de maio de 2015

A resistência do governo em detalhar as operações entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o grupo frigorífico JBS esconde o receio de que o Tribunal de Contas da União (TCU) use essa abertura para avançar sobre outros negócios polêmicos da instituição de fomento, como o financiamento de obras de empreiteiras brasileiras no exterior.
De acordo com ministros do TCU ouvidos pelo Valor, a auditoria sobre o BNDES não vai se limitar aos R$ 7,5 bilhões despejados no JBS, que foi o principal doador de campanha nas eleições do ano passado. "O governo sabe que depois disso vêm o Porto de Mariel [em Cuba] e os negócios feitos na África e na América Latina", disse um ministro, que pediu para não ter seu nome publicado.
Anteontem, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o BNDES é obrigado a fornecer as informações para o TCU. A decisão foi celebrada por vários integrantes da Corte de contas presentes à sessão plenária de ontem. Muitos questionaram os argumentos do BNDES, que vinha insistindo que o teor dos contratos com o gigante frigorífico estaria sujeito a sigilo bancário.
"Recursos públicos não estão sujeitos a sigilo e devem estar à disposição desta Casa", disse o relator do processo no TCU, o ministro-substituto Augusto Sherman. "O sigilo é uma garantia do cidadão frente ao Estado, e não do Estado junto ao Estado", afirmou o ministro Bruno Dantas, referindo-se à troca de informações entre TCU e BNDES. "Não cabe sigilo bancário para financiamento com recursos subsidiados no âmbito de uma política pública", ratificou o ministro Raimundo Carreiro.
Relator das contas do governo referentes a 2014, o ministro Augusto Nardes também comemorou a decisão. Segundo ele, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se favoravelmente à posição do TCU. "Foi uma soma de esforços e quem vence é a república", disse Nardes.
Sherman lamentou a judicialização do caso, mas acredita que a decisão do Supremo irá ajudar o TCU "em outras auditorias no BNDES". No caso específico do JBS, há suspeita de que a empresa não estaria enquadrada nos critérios do banco para algumas operações que foram realizadas, motivo pelo qual foram solicitadas informações como o rating de crédito, o saldo devedor das operações e a situação cadastral do frigorífico. O tribunal, no entanto, também pode avançar sobre os financiamentos concedidos para projetos feitos por empresas brasileiras na África e na América Latina, como portos, estradas, aeroportos e hidrelétricas, entre outros.
No plenário, o ministro Benjamin Zymler afirmou ter sido procurado pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que se disse "aliviado" com o fim do imbróglio em torno do tema e se comprometeu a "fazer chegar" aos gabinetes do TCU todas as informações solicitadas assim que o acórdão do STF for publicado. "Para ele, como ser humano, foi um grande alívio", disse Zymler.
Relator do caso no STF, o ministro Luiz Fux entendeu que o BNDES é obrigado a entregar todos os documentos ao TCU. "Por mais que se diga que o segredo seja a alma do negócio, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a divulgação for necessária para o controle do gasto dos recursos públicos", declarou em seu voto. "A recusa do fornecimento das informações é inadmissível, pois imprescindível para o conhecimento sobre o uso dos recursos", acrescentou.
A celeuma em torno dessas operações levou quase dois anos, com o banco sempre demonstrando maior preocupação do que o frigorífico com a possibilidade de o teor das operações vir a público. O caso chegou ao STF em março, quando o TCU rejeitou os recursos do BNDES e determinou prazo para o fornecimento de todos os dados requeridos. Até então, Coutinho sustentava a tese de que havia uma intenção de "devassar o coração do sigilo bancário e a intimidade das empresas". Já os empresários, quando questionados, não demonstravam grande preocupação. "Quer abrir, abre", disse em novembro de 2014 o presidente do JBS, Wesley Batista.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Pausa para... uma historia de papagaio - Mauricio David

Recebido do meu amigo Mauricio David, uma historieta que não tem nenhum sentido econômico, político, moral ou literário.
Serve apenas para divertir...
E tomar um pouco do nosso tempo com coisas mais amenas...
Paulo Roberto de Almeida

Versão 2015 do filme "Rio" : em Copacabana, última semana de janeiro, um calor senegalês, o meu papagaio Martin (vulgo Perroquet) fugiu, provocando grande tumulto e a atrapalhando o trânsito, deixando um rastro de desolação e tristeza

Peça em sete atos

Ato 1, domingo à noite :
Visitas em casa, o general U. e o sueco Torsten, o Martin (vulgo "perroquet" ou "o pássaro"), dez anos de convivência, alegria dos netos e conversador inveterado ( "Bom dia, louro", "vai dormir, lourinho", "cadê o João", "cadê a Isabela", e cantador de musiquinhas tais como "Atirei o pau no gato, to- tô...") se solta da corrente mas termina por voltar para sua casa, para dormir... A Beatriz, que há dez anos o cuida como mãe postiça, deixa para colocar a corrente no dia seguinte porque o lourinho tem o temperamento da Dilma e está inquieto no jardim de inverno, querendo ir dormir.

Ato 2, segunda-feira :
Pela manhã chega o nordestino Silva, o faz-tudo a quem o Martin respeita e a única pessoa com quem se comporta docilmente ( o Silva é uma espécie de Lula, o único que consegue enquadrar a Dilma), mas o perroquet dá um jeito de escapulir e pela primeira vez, em dez anos de vida, alça vôo e vai pousar nas copas das árvores da rua Viveiros de Castro. Martin é cabeça dura - como a presidente - e resiste aos apelos para que desça da árvore. Todas as tentativas são em vão, desde os apelos da multidão que se aglomera na rua até a tentativa de atraí-lo com guloseimas e suas frutas prediletas...
A multidão vai aumentando no curso da manhã, alguém diz "tem que chamar os bombeiros", mas os bombeiros estão apagando incendio não sei onde, virão mais tarde. Aventureiros tentam subir nas árvores onde se refugia Martin (vulgo "Perroquet"), mas tudo em vão... A molecada de hoje em dia não sabe mais subir em árvores...
Chegam os bombeiros, fecham a rua e tentam com a escada Magirus chegar até o pouso do Martin... A rua em polvorosa, janelas cheias, calçadas regorgitando de palpiteiros, todas as tentativas dos bombeiros se frustram.
Os bombeiros se vão, porque começou um incendio não sei donde, mas prometem voltar mais tarde. Os palpiteiros continuam dando seus pitacos, os bombeiros voltam mais tarde, e nada... O Martin continua impecável e inamovível na copa dá árvore, parece até a Graça Foster na presidência da Petrobrás.
Chegam as rádios e televisões, a Bandeirantes transmitindo em direto, até a Marilene - a assessora do lar e cuidadora do Martin - é entrevistada ao vivo, a rua está em comoção.

Ato 3, terça-feira :
O Martin continua indiferente ao que se passa abaixo, no máximo repetindo os seus gritos de "dá o pé, louro" e "bom-dia, louro"...
Voltam os bombeiros e novas tentativas de resgate, em vão. Crescem as rodas de palpiteiros, alguém sugere contatar o batalhão de alpinistas do Exército, alguns mais afoitos tentam escalar as árvores para ver se capturam o lourinho. No final da tarde desci para dar uma caminhada no Saara (desculpe !, na praia de Copacabana) e fui cercado por gente na rua, perguntando se era a verdade que havia uma grande recompensa para quem recuperasse o lourinho. Alguém me diz que ouviu dizer que a recompensa seria de 15.000 reais, assustado corri antes que alguém ( ignorando que o BNDES não deu reajuste salarial este ano que passou aos seus funcionários) viesse com um papagaio na mão me cobrar.
Chovem telefonemas (até de outros municípios) de gente se oferecendo, a troco de uma "módica recompensa", para escalar a árvore e recuperar o Martin. Telefona um bombeiro, se oferecendo para "no seu dia de folga", capturar o a esta altura rebelde papagaio. Deixa o seu telefone, mas pede que não se fale com o seus comandante na corporação, apenas "diretamente com ele".

Ato 4, quarta-feira:
Passados dois dias e duas noites do Martin encarapintado na copa da árvore (desta vez já em uma diferente, vizinha da primeira), o Martin virou personagem da rua : vem gente fotografá-lo, as rodinhas continuam se formando, os boatos crescendo... Que a Ana Maria Braga queria levá-lo ao seu programa na TV, que o Boechat queria vir fazer uma entrevista ao vivo com ele... Tenho que comunicar aos netos do desaparecimento do Martin, Beatriz começa a se consolar com o inevitável, mas mantenho firme a esperança de que a ave, afinal !, premida pela fome e sede, terminará por descer da árvore  voltar ao doce recesso do lar, onde é tratada diariamente com substitutos do caviar e da champagne.

Ato 5, quinta-feira pela manhã :
Eis senão quando toca o interfone hoje pela manhã : alguém achou o Martin caminhando tranquilamente pela Avenida Copacabana, como se fosse um velho aposentado do do BNDES ou da Petrobrás... O trânsito parou, até que alguém teve a idéia de pegar um saco e capturar o bichinho, trazendo-o para a portaria do meu (seu) prédio.

Ato 6, quinta-feira à tarde :
Restabelecida a paz e pago o resgate, aqui está o Martin gozando da parte que lhe toca da previdência complementar do meu fundo de pensão, livre dos ataques dos gaviões (que soube abundam em Copacabana, e eu que pensava que só estavam em Brasília...), comendo a sua goiabinha e aguardando a hora do " boa-noite, lourinho", "vai dormir, lourinho" que o Senhor reserva para os justos. E vou tratar de mandar pela rede para os netos a fotografia do Martin já restabelecido nos seus domínios, para que eles possam, por sua vez, dormir tranquilos...que amanhã tem neve nas ruas de Washington e frio e vento nas de Paris...

Ato 7, sexta-feira à tarde  :
Equipe de televisão da TV Bandeirantes, que veio "entrevistar" o peralta no contexto de uma reportagem sobre o louro fujão...

Moral da história 1 : Mais vale uma gaiola social-democrata com casa, comida e roupa-lavada, que escapadas aventureiras nestes ceus controlados pelo Joaquim Levy e pela Dilma em sua fase neoliberal...

Moral da história 2 : Mas acho mesmo é que o meu papagaio é muito politizado e fugiu porque não estava aguentando este governo Dilma...Ou seria o calor ? Ou o governo Dilma 2 combinado com o calor senegalês?

Por Zeus !

Mauricio David

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

San Tiago Dantas: um brasileiro incomum - Pedro Dutra (biografia)

Em setembro de 1964 faleceu precocemente um dos mais importantes intelectuais do Brasil contemporâneo - o professor San Tiago Dantas. Pergunte a qualquer estudante universitário brasileiro hoje quem foi San Tiago Dantas e talvez dois ou três saberão dizer quem foi este homem extraordinário. Talvez só tenha tido um par na história intelectual recente do Brasil - o economista Celso Furtado ( Celso e San Tiago foram os autores do Plano Trienal, tentativa frustrada de salvar o Governo Jango já em sua fase pré-agônica). Como se sabe, o Plano Trienal frustrou-se graças à incompreensão de jovens como José Serra e Betinho - então líderes da AP (Ação Popular) no comando da UNE, conjugada com lideranças sindicais e políticas fora de sintonia com a realidade - Brizola, Arraes e tantos outros. San Tiago chamou-os de "esquerda negativa", em contraposição à "esquerda positiva" de Celso Furtado e do próprio San Tiago.
Este é o primeiro volume da biografia preparada por Pedro Dutra (o segundo volume deve sair posteriormente).
Há anos ouço falar do trabalho de preparação desta biografia do grande brasileiro. O primeiro de quem ouvi falar sobre esta obra foi o meu amigo Hélio Jaguaribe, hoje na Academia Brasileira de Letras, grande amigo e admirador do San Tiago, que também aguardava ansiosamente que este trabalho fosse concluído. Do Hélio escutei o relato de um episódio que retrata magnificamente a biografia do chanceler que idealizou e pós em execução a Política Externa Independente. Certa vez o professor San Tiago foi homenageado pela Universidade de Cracóvia, na Polonia, com o título de Doutor Honoris Causa. Na cerimônia de recebimento do título, era e é usual um discurso do homenageado. Ao chegar para a cerimônia - e minutos antes que ela começasse- San Tiago foi comunicado (para sua total surpresa) que a tradição era de que o homenageado teria obrigatoriamente que ler a sua oração. Esta era a regra inflexível. San Tiago pediu alguns minutos e trancou-se na Sala da Congregação. Ao sair, tinha um molho de papéis em mãos (supostamente o texto que leria). Passando uma a uma as folhas do maço de papéis, o professor San Tiago deu prosseguimento à cerimônia, proferindo uma das mais brilhantes conferencias de toda a secular tradição da Universidade de Cracóvia. Ao final, foi aplaudido de pé. E prometeu que enviaria posteriormente o texto corrigido da sua Aula Magna.
Por suposto, os papéis que manuseara durante a Aula Magna estavam em branco, eis que o ilustre professor havia pronunciado de improviso a sua conferencia, apenas fingindo que estava lendo um texto anteriormente preparado. Que figura intelectual extraordinária !
Em um país em que temos que conviver com Paulo Coelhos, Guido Mantegas e Dilma Roussefs, que esperança no futuro me dá que nos anos 50/60, em um Brasil pré-industrializado, pudesse ter brotado do nosso solo universitário inteligência tão singular quanto a de San Tiago Dantas...

Mauricio David

 SAN TIAGO DANTAS - a razão vencida
Autor :Pedro Dutra
Páginas: 768
Editora Singular
ISBN: 978-85-86626-71-5
Ano: 2014

APRESENTAÇÃO
O homem, que muitos dizem ser o mais inteligente do Brasil, tem pressa.
Assim uma reportagem na revista O Cruzeiro, a maior do País, se referia a San Tiago Dantas em 1960. Mas quem foi, ou melhor, quem é San Tiago Dantas?
Brilhante e precoce, sem dúvida. Líder estudantil aos dezessete anos, aos vinte editor de jornal e teórico fascista, um ano depois professor de Direito, a seguir prócer integralista e crítico do nazismo; catedrático aos vinte e cinco, fundador de duas faculdades e titular de três cátedras antes dos trinta anos e ainda diretor da Faculdade de Filosofia, no Rio de Janeiro. Um ano depois, em 1942, repudia publicamente o Integralismo, defende a declaração de guerra ao Eixo, propõe a união nacional das forças políticas, reunindo os comunistas inclusive, para afirmação de um regime democrático, e em 1945 elabora parecer firmado por seus colegas professores que nega fundamento jurídico à proposta continuísta do ditador Getúlio Vargas. E, explicitamente, defende substituir a propriedade privada pelo trabalho como núcleo de uma ampla reforma social.
A acusação de oportunista não demorou a lhe ser lançada, e será renovada e ampliada dez anos depois. Então, o alvo será o jovem jurisconsulto procurado por grandes empresas nacionais e estrangeiras convertido em banqueiro, que se alia aos trabalhadores ao ingressar no partido que Getúlio criara para abrigá-los; e, no início da década de 1960, ministro do Exterior, recusa-se a sancionar o novo regime cubano e reata relações diplomáticas com a União Soviética. No começo de 1964, depois de no ano anterior tentar controlar, sem êxito, a espiral inflacionária à frente do Ministério da Fazenda, já mortalmente doente, e agônica a República de 1946, tenta sensibilizar as forças partidárias e articulá-las em uma frente ampla de apoio às reformas democráticas para resgatá-las da polarização que já engolfara a política nacional. Em vão: a direita o vê como um trânsfuga, os conservadores como um ingênuo, e a esquerda desacredita os seus propósitos.
E quase todos o veem como o manipulador, senão o malversador de seus dotes intelectuais, que, diziam seus críticos, derramavam uma luz fria, que iluminava mas não aquecia, e justificavam todas as capitulações necessárias a satisfazer a sua premente ambição política. Entre essas capitulações, servir o seu talento à causa populista de líderes sindicais cevados nos cofres públicos e a um vice-presidente, depois presidente da República, cuja inépcia e tolerância com a agitação promovida pelo seu próprio partido teriam precipitado o País no descalabro administrativo e na convulsão política que teriam fermentado o golpe militar de abril de 1964.
Mas a trajetória política de San Tiago, que ele confundiu com a sua vida, autoriza ou desmente essa afirmação? Não teria ele senão buscado imprimir racionalidade e consistência ideológica ao debate político de seu tempo, nele intervindo e empenhando desassombradamente o vigor de sua inteligência, dos dezoito anos até a véspera da sua morte, há exatos cinquenta anos?
A resposta a essa questão está na história de sua vida, encerrada, precocemente também, aos cinquenta e três anos incompletos, em plena maturidade intelectual, quando já descera, em abril daquele ano de 1964, uma vez mais, a noite das liberdades públicas no País.
Este primeiro volume da biografia de Francisco Clementino de San Tiago Dantas, nascido no Rio de Janeiro em 1911, estende-se até 1945, um ano divisor em sua trajetória e também no curto século XX. Então, o jovem ideólogo da direita radical, nutrido pela reação ao legado da Revolução Francesa acrescido pela Igreja Católica e reafirmada pelo fascismo italiano, cedera lugar ao defensor de uma social-democracia nascida da dramática experiência da Segunda Guerra Mundial. O “catedrático menino” tornara-se o mestre consumado que desprezava os títulos professorais e amava os alunos e era por eles amado. E o jurisconsulto notável, que via na ciência jurídica nativa o maior entrave à realização do Direito entre nós, já encontrara na advocacia a retribuição material ao seu tenaz aprendizado, em medida raramente alcançada
entre os seus pares.
Saber, ter e poder. Dessa tríade que San Tiago tomou para si como metro de sua trajetória, apenas o último elemento – o poder político – ele não alcançaria plenamente. Mas nesses primeiros trinta e quatro anos de vida ele se habilitou, como poucos antes ou depois, a buscar o fugidio poder político que o fascinara já ao pisar no pátio da Faculdade de Direito, aos dezesseis anos.
O aprendizado que lhe permitisse formular um projeto político consistente de reformas estruturais para o País – o saber; e o ter – a conquista dos meios que lhe possibilitassem cursar uma carreira política desembaraçada de sujeições materiais: reviver para o leitor de hoje essa saga invulgar na história da inteligência brasileira é o propósito e o desafio desta biografia que o Autor procura cumprir, com o lançamento deste primeiro de seus dois volumes.

San Tiago Dantas – A RAZÃO VENCIDA
Dar voz a San Tiago inscrevendo seus textos elegantes e precisos na narrative e situando-o em seu contexto histórico mostrou-se o método indicado a descrever, com a fidelidade possível, a sua espantosa atividade intelectual.
Nesse sentido, o recuo no tempo se impôs para identificar as suas origens familiares, cujo exemplo ele exaltava, e para mapear as matrizes ideológicas que cedo San Tiago se esforçou por dominar e o inspiraram a primeiro defender a “moderna obra da reação”: a Revolução Francesa e a reação às suas conquistas; o surgimento da nova direita no começo do século XX, precedendo as revoluções bolchevista, fascista e nazista; e, no rastro sangrento da Primeira Guerra Mundial, o embate ideológico que levaria à Segunda em 1939.
Ao jovem ideólogo somou-se o “catedrático menino” que não frequentou regularmente o ginásio e pouco frequentou a Faculdade de Direito, porém desde cedo acumulou espantosos e sucessivos “tempos de estudo” mais tarde desdobrados inclusive em aulas célebres transcritas em apostilas e ainda hoje, oito décadas depois, editadas em livro.
E sobre essas qualidades inegáveis, sobre a admiração e as controvérsias que se acenderam à sua trajetória, esse homem naturalmente grave e professoral difundia um afeto generoso e franco pela família, vendo nos sobrinhos, sempre próximos, os filhos que não pôde ter, e tendo nos amigos da escola os companheiros inseparáveis de toda a vida.
“De muitos, um”, dizia o sinete que San Tiago estampava em seus livros.
Essa síntese ele procurou retirar das ideias e viveu plenamente essa busca, aprendendo para ensinar, ensinando para esclarecer, esclarecendo para transformar.
E, no entanto, o poder político não foi alcançado. Mas San Tiago deixou a sua saga intelectual a crédito da história de seu País.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O Bolsismo: uma enfermidade estrutural dos companheiros, na verdade um curral eleitoral...

Mauricio David me envia este artigo publicado hoje no Estadão, com seus comentários iniciais, que não me eximo de comentar, ao final de sua introdução, mas concordando inteiramente com a visão sobre os efeitos nefastos das bolsas governamentais. De fato, eu considero esses programas -- sempre considerei, desde o seu início -- como um gigantesco curral eleitoral, uma armadilha que a oposição nunca conseguiu desmontar, e que, ao contrário, promete mais, ainda mais, quer congelar, estatizar, ampliar e constitucionalizar essa vergonha nacional.
Paulo Roberto de Almeida

Entre os mitos do Brasil de hoje, poucos há como o milagre contemporâneo do fenômeno bíblico da multiplicação dos pães - ou seja, a chamada bolsa-família. Sinto-me à vontade para criticar a maneira como o bolsa família está sendo implementado no Brasil, até porque fui um dos pioneiros na análise e defesa deste tipo de política de  combate à pobreza, tema central da minha tese de doutorado elaborada a fins dos anos 90 e defendida na Universidade de Paris XIII em 2001 (quando as políticas que passavam pela cabeça do Lula e do PT ainda eram o rudimentar Programa Fome Zero, cuja tentativa de implementação Lula quis fazer ser o carro-chefe do seu governo e logo abandonou ao constatar que era pura "masturbação sociológica" dos seus assessores José Graziano e Frei Betto, prontamente colocados para escanteio no governo).  Mas ainda hoje recebo frequentes perguntas de amigos do exterior, que acreditam nas maravilhas do programa que foi rebatizado como "Bolsa Família" e tornou-se a principal ferramenta de política social do ciclo Lula-Dilma.

O artigo que reproduzo abaixo é de um dos melhores especialistas brasileiros em agricultura e movimentos sociais, o sociólogo gaúcho Zander Navarro. Zander é uma referencia nacional e internacional, respeitado nos fóruns especializados como um profundo conhecedor do tema. As questões que Zander levanta merecem uma reflexão profunda. Destaco três pontos em seu artigo : (1) a questão fundamental de uma cultura "bolsista", hipótese grave cujo impacto futuro no desenho da sociedade que vamos construir (ou estamos construindo) ainda está por ser estudado em sua plenitude,; (2) as ilustrações objetivas que Zander trás sobre o impacto do Bolsa Família em diferentes comunidades, espelho do que possivelmente está transcorrendo em larga escala; e (3) a importância de trazer novamente à baila as observações feitas a mais de um século atrás por Alexander Chayanov, economista agrícola russo pouco conhecido ou estudado no Brasil mas referencia clássica nos estudos de economia agrícola.

Uma contribuição fundamental a que trás Zander Navarro à análise das políticas redistributivas, que vieram para ficar, para o bem e para o mal...
E eis aqui um excelente tema para ser aprofundado em uma (ou várias) teses doutorais. A nossa pós-graduação anda meio perdida na análise de modelos teóricos pouco ancorados em nossa realidade. Quantos Celsos Furtados não estão perdidos por aí, aguardando a possibilidade de emergir e florescer a partir de estudos concretos de nossa realidade concreta ?

Mauricio Dias David, um professor que ainda  acredita que o melhor de Celso Furtado eram a sua metodologia e o seu compromisso com o estudo estrutural dos problemas da nossa economia...

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Comentário PRA: 
Não reconheço em Celso Furtado uma sumidade em economia do desenvolvimento, sequer como economista teórico. Ele não passava de um keynesiano com conhecimento de história do Brasil. Sua tentativa de explicar o subdesenvolvimento por mecanismos outros que os da economia neoclássica, ou até da síntese neokeynesiana, não leva a nada, a não ser a uma justificativa da inflação como mecanismo redistributivo em favor dos ricos, sob pretexto de investimento. Suas recomendações de política econômica promoveram a persistência do inflacionismo entre os economistas brasileiros e de uma versão ainda mais ingênua, rústica, pouco elaborada do cepalianismo, ou seja, do prebischianismo, com muitos equívocos teóricos e sobretudo práticos.
Paulo Roberto de Almeida 

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As entranhas do bolsismo
Zander Navarro
O Estado de S.Paulo, 25/12/2013

Em viagem de pesquisa visitei áreas rurais na divisa do Maranhão com o Pará. Muitos pequenos povoados com centenas de motos cruzando as estradas da região. Inúmeros sinais de continuidade do atraso histórico, mas iguais evidências, ainda embrionárias, de algum dinamismo social.

Em sua casa de barro, conversei com um jovem agricultor. Recém-casado e com um filho de 6 meses, ele cultiva uma pequena roça com mandioca, praticando a "agricultura no toco", que significa o desmate de uma área de mata original e o plantio após a queimada dos remanescentes florestais. Só vende a farinha se precisar de dinheiro, pois recebe uma bolsa do programa Mais Educação. E o que faz? "Sou professor de agroecologia", diz com certo orgulho. Ele explica que se trata de ensinar a preparação de "canteiros sustentáveis, plantar horta sem venenos", adiantando, contudo, que não foi treinado e, por isso, não sabe "ainda o que é agroecologia". Trabalha um dia por semana na escola da comunidade e recebe R$ 600 mensais.

Em outra comunidade rural, o líder que organizou o levantamento dos interessados locais no programa Minha Casa, Minha Vida afirma que serão oferecidos empréstimos de R$ 35 mil, mas cada família pagará apenas R$ 1 mil, divididos em quatro anos, indicando um subsídio de 97% nas futuras moradias. A dele é uma modesta casa de chão batido e seus olhos brilham ante a perspectiva de mudança. Fazia pouco tempo que esse agricultor assistira a uma conferência em Belém, destinada a representantes comunitários do programa, durante a qual foi escolhido para participar da conferência nacional, em Brasília. Não conhece nada além do Pará e a chance da viagem também alegra o líder da comunidade.

Já em Salvador, uma candidata a empregada doméstica foi entrevistada na casa da senhora contratante. Acertados o salário e os horários de trabalho, ela impôs uma inesperada exigência: não queria ter a Carteira de Trabalho assinada. Diante da surpresa, explicou que se for assim perderá o "auxílio-pesca" que recebe há quase dez anos. "Mas você é pescadora?" Ela riu e disse que nunca fez isso, mas em seu município de origem todos recebem o benefício federal, mesmo não sendo pescadores. Mora com o marido na capital, mas mantém o endereço anterior para continuar beneficiária. Pretendem se mudar para a cidade de Conde, pois lá ofereceriam adicionalmente uma cesta básica por mês.

No outro lado do País, diversos resultados de estudos realizados nas reservas extrativistas do Acre demonstram processos sociais similares, notavelmente adaptados ao sistema de bolsas e auxílios oferecidos pelo governo federal desde 2003. Na famosa Reserva Extrativista Chico Mendes, a principal atividade atualmente não é o extrativismo, mas a pecuária de corte, de fato proibida pelas normas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Nem por isso, no entanto, muitos deixam de receber a Bolsa Verde. Aliás, por essa razão, em outra reserva, no Alto Juruá, o líder da comunidade afirma: "O que mais se produz aqui é menino, pois é o que rende mais" - em referência ao recebimento de Bolsa Família e outros benefícios, como a bolsa que a mãe poderá pleitear do Programa Brasil Carinhoso.

Finalmente, fruto de pesquisas em diversas regiões, é iluminada a preocupante associação entre a multiplicação das bolsas e a redução da atividade agrícola. Repete-se, em alguma medida, o que foi verificado na década de 1990, quando a disseminação das aposentadorias rurais após a regulamentação da Constituição permitiu a inúmeras famílias rurais pobres trocar parcialmente a incerteza da produção pelo recebimento monetário certo e mensal desse direito. Em consequência, diminuiu a oferta de produtos agrícolas, sobretudo nas regiões rurais mais empobrecidas.

São ilustrações do bolsismo. Quais os seus reais impactos na sociedade brasileira, além da simplória propaganda governamental? É um debate sinuoso e desafiador, pois facilmente polariza, de um lado, a defesa intransigente e usualmente irrefletida, quase sempre partidarizada, e, de outro lado, as opostas posições, até reacionárias, que não aceitam sequer a compaixão social pelos mais pobres. Mas é preciso aprofundar a discussão, escapando desse diálogo de surdos e examinando com mais ciência e distanciamento analítico o gigantesco sistema de auxílios, bolsas e benefícios criado e as suas implicações mais variadas.

Esgotada a meta inicial do bolsismo, que era o aumento da renda dos menos favorecidos, qual será o passo seguinte? No caso das famílias rurais pobres, por exemplo, o conservadorismo do imaginário social poderá acentuar o que julga ser a inata indolência desses grupos sociais, visão já consagrada por alguns escritores no passado. Raramente se observa, contudo, que as escolhas das famílias rurais refletem um sábio cálculo econômico que pondera a exaustão da atividade e os recursos disponíveis, uma equação que um economista agrícola russo, Alexander Chayanov, desvendou quase cem anos atrás em diversos trabalhos.

Não são aceitáveis a superficialidade e as frases de falastrões, ao chegarmos aos dez anos do Programa Bolsa Família. Também é inconcebível tudo ser feito apenas para manter a estreita correlação entre a distribuição das bolsas e o apoio político ao partido no poder. Precisamos ultrapassar esse rebaixamento de cunho eleitoreiro e analisar o sistema de proteção social brasileiro com mais transparência, refinamento e visão de nação. Trata-se de uma vasta estrutura de assistência a que quase ninguém mais se opõe, mas precisa ser aperfeiçoada e transformada numa alavanca pública para promover a prosperidade geral. Manter o sistema de bolsas, que apenas se amplia, sem nenhuma estratégia, especialmente para garantir votos, desqualifica nossos esforços para construir a emancipação cidadã e estimular o desenvolvimento social do País.

Sociólogo, é professor aposentado da UFRGS


Fonte: O Estado de S. Paulo, 25dez2013