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sábado, 6 de abril de 2024

Brasil evita se indispor com parceiros comerciais ao não apoiar investigações contra Irã e Rússia - Luiz Henrique Gomes (O Estado de S. Paulo)

 Brasil evita se indispor com parceiros comerciais ao não apoiar investigações contra Irã e Rússia

País se absteve de duas resoluções no Conselho de Direitos Humanos da ONU que investigam violações no Irã e na invasão russa da Ucrânia; analista diz que posição expressa perda de protagonismo da ONU

Luiz Henrique Gomes 

O Estado de S. Paulo, 05/04/2024 


A decisão do Brasil de se abster em duas resoluções do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas que investigam violações no Irã e na invasão russa da Ucrânia demonstra a prioridade do País em não se indispor com dois parceiros comerciais importantes, avalia o pesquisador e professor de relações internacionais Roberto Uebel. Segundo eles, a posição da diplomacia brasileira também expressa uma perda de protagonismo da ONU como espaço para se resolver questões internacionais.

Aprovadas por maioria de votos, as resoluções estendem duas investigações da ONU de violações de direitos humanos causadas pelos governos de Teerã e Moscou, parceiros comerciais do Brasil no Brics. Outros membros do bloco, como aÁfrica do Sul, Índia e Emirados Árabes Unidos (no caso do Irã) também se abstiveram. A China foi mais enfática e votou contra os dois documentos.

Para Roberto Uebel, pesquisador e professor de relações internacionais da ESPM, a posição do Brasil nas duas questões demonstra uma tentativa do País construir um pragmatismo na relação às duas nações. “Mostra que o País não quer se indispor, para não causar um distanciamento de dois parceiros comerciais importantes”, disse.

No caso do Irã, o CDH investiga violações cometidas contra mulheres, crianças e minorias étnicas e religiosas depois da morte da jovem Mahsa Amini em 2022. O embaixador brasileiro na ONU, Tovar da Silva Nunes, reconheceu e criticou as violações, mas expressou confiança de que Teerã vai “fortalecer os esforços para melhorar a situação” e se absteve com base “no diálogo construtivo”.

“Encorajamos o Irã a seguir aumentando seu envolvimento com mecanismos de direitos humanos num espírito de cooperação e abertura”, declarou Nunes.

De acordo com Uebel, o discurso do embaixador brasileiro expressa um “apoio crítico”, mas mal calculado. “A fala do representante brasileiro enfatiza que o Brasil condena qualquer violação de direitos de mulheres, mas o País prefere a abstenção por acreditar que o Irã vai cooperar nessa matéria. É um cálculo político que eu avalio como equivocado. O Irã dificilmente irá repensar essas práticas”, afirmou.

Com relação à resolução que investiga as práticas da Rússia na Ucrânia, o representante brasileiro em Genebra também reconheceu a existência de violações, mas classificou o texto de “desequilibrado” e disse que poderia impedir o diálogo entre os dois lados em guerra.

“Permanecemos descontentes com o texto diante de nós. A resolução é desequilibrada e coloca o fardo das violações dos direitos humanos apenas em um lado do conflito, não deixando espaço suficiente para o diálogo que poderia criar condições para prevenir violações de direitos humanos e construir uma paz duradoura na região”, afirmou o chefe da missão brasileira em Genebra.

Uebel avalia que neste caso o posicionamento brasileiro expressa tanto o pragmatismo com a Rússia quanto envia uma mensagem crítica à Kiev. “É um recado para que a Ucrânia também dialogue para a guerra chegar ao fim”, disse. “Neste caso, o Brasil está esgotado com essa questão. Desde o início, a diplomacia brasileira preza pelo diálogo, e inclusive já se colocou à disposição para mediar, mas hoje entende que a Ucrânia precisa estar disposta a esse diálogo, e ela não está por suas questões territoriais”, avaliou.


Perda de protagonismo da ONU

As abstenções no CDH também exprimem uma perda do protagonismo da ONU como fórum multilateral, afirma o analista. Com o surgimento do Brics e do G-20, por exemplo, o Brasil passa a acreditar – como externou o embaixador brasileiro na resolução do Irã – no diálogo em outras instâncias além das Nações Unidas.

A ONU tem sido ineficaz para a resolução de conflitos, a exemplo da Ucrânia e da guerra de Israel contra o Hamas, o que também contribui para esse movimento.

Segundo Uebel, o descumprimento de resoluções da ONU externam um enfraquecimento dos Estados no papel das relações internacionais. “Você tem outros atores, que são empresas, bancos internacionais, sociedade civil, que estão discutindo e podem ter peso nestas questões”, disse. “Se você quer construir uma relação internacional forte, é preciso ter reformas e o engajamento maior desses outros atores em questões relativas aos direitos humanos, por exemplo.”

 

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Amigos, amigos, criminosos à parte: Editorial sobre um criminoso, mas amigo de Lula (O Estado de S. Paulo)

 Amigos, amigos, criminosos à parte

O Estado de S. Paulo (editorial 04 abr 2024)

Lula tenta burlar a Constituição para bajular o companheiro Putin, apertando um pouco mais o torniquete que mantém o Itamaraty refém da política externa ativista e pusilânime do PT

O governo do presidente Lula da Silva está tentando burlar tratados de Estado para bajular Vladimir Putin. O tirano russo é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra na Ucrânia, entre eles a deportação forçada de crianças. O Brasil é membro do Tribunal, e se Putin puser os pés em solo nacional, tem de ser imediatamente detido. O País é signatário do documento fundador do TPI, o Estatuto de Roma, que, portanto, está incorporado à Constituição. Mas para Lula esse é só um detalhe inconveniente. Ele já disse que “o conceito de democracia é relativo”, donde se conclui que sua base de sustentação, o Estado de Direito, também deve ser.

O cortejo a Putin não é de hoje. No ano passado, Lula afirmou que, “se eu for presidente do Brasil, e se ele vier ao Brasil, não tem como ele ser preso”. Advertido por algum assessor de que ele não tinha essa discricionariedade, refugou e reconheceu que a decisão caberia à Justiça. Mas aproveitou para tripudiar do TPI: “Eu nem sabia da existência desse tribunal”, acrescentando que iria rever a participação do Brasil.

Sem a carta da ignorância na manga, restou a da má-fé. Em um documento enviado à ONU coalhado de casuísmos, o governo tenta emplacar a tese da imunidade para chefes de Estado. Lula adora se queixar da inoperância da ONU para impor a “paz”, mas quando um órgão com jurisdição ratificada pelo Brasil faz a sua parte, sua reação é acusá-lo de tendências ao exercício “abusivo, arbitrário e politicamente motivado” da jurisdição penal contra representantes de Estado, e propor como remédio a imunidade – quer dizer, a impunidade.

Não é a primeira tramoia para salvaguardar criminosos companheiros. Em 2010, valendo-se de uma decisão esdrúxula do Supremo Tribunal Federal que lavou as mãos ante sua obrigação de extraditar o terrorista Cesare Battisti, condenado pela Justiça italiana por quatro assassinatos, Lula declarou que Battisti era “perseguido político” e lhe conferiu refúgio.

O que rebaixa ainda mais a política externa brasileira nesse tour de force para forjar um salvo-conduto para Putin é que provavelmente o ditador russo nem sequer o usaria. Desde a invasão da Ucrânia, Putin está enfurnado em Moscou. Com exceção de seus suseranos na China e um punhado de ditaduras amigas, não fez mais visitas internacionais. Ele faltou às cúpulas do G-20 na Indonésia e na Índia e foi gentilmente desconvidado a ir à cúpula dos Brics na África do Sul, precisamente porque o país também é membro do TPI.

Se é difícil compreender qual seria o ganho para o Brasil nesse garantismo ad hoc, é porque não há nenhum. É só mais uma manobra da cruzada de Lula contra o “Ocidente”, o “Norte”, o “Grande Capital” ou seja lá como ele chame os “opressores” do “Sul Global”. É só essa doutrina de grêmio estudantil que explica, por exemplo, as contemporizações das atrocidades cometidas por ditaduras esquerdistas na América Latina, ou o endosso ao projeto chinês de transformar o Brics num clube de autocracias antiocidentais, ou o papel que Lula vem protagonizando de uma espécie de porta-voz do Hamas.

O PT chancelou e comemorou a eleição fajuta de Putin. Pouco antes, celebrou um acordo de cooperação com o Partido Comunista chinês e, pouco depois, com o Partido Comunista de Cuba. Pouco importa que Putin seja um ídolo da direita reacionária global, basta que atue como um porrete contra o “imperialismo estadunidense”. Foi o que Lula disse com todas as letras ao canal russo RT, em 2019: “Uma coisa que me deixa orgulhoso é o papel desempenhado por Putin na história mundial, o que significa que o mundo não pode ser tomado como refém pela política dos EUA”.

Para satisfazer o orgulho de Lula, o Itamaraty se tornou refém da política petista ativista e subserviente a potentados autoritários, que nem todo palavrório sobre uma diplomacia “ativa e altiva” consegue disfarçar. Mas sabujice tem limites. Até onde se sabe, ainda há juízes no Brasil. Se Lula insistir em estender o tapete vermelho a mais um déspota criminoso, cabe a eles conduzi-lo à sua cela.


terça-feira, 26 de março de 2024

Projeto Mejuruá: desenvolvimento sustentável, preservação da floresta amazônica - Rubens Barbosa O Estado de S. Paulo

Projeto Mejuruá 

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 26/03/2024

Segundo alguns levantamentos há cerca de 60 projetos de preservação de florestas, dos quais18% localizados na região amazônica. A mudança da política brasileira em relação à Amazonia, combatendo os ilícitos nas queimadas, no desmatamento e no garimpo ilegal, de um lado e, de outro, procurando dar assistência às comunidades de povos originários, favorece iniciativas de bioeconomia para trazer o desenvolvimento econômico e social a toda região.  

Muito se tem discutido sobre a responsabilidade das empresas na sustentabilidade ambiental e na preservação do meio ambiente. Poucos são os projetos realmente inovadores. Ainda menor é o número de projetos importantes que combinam a conservação da floresta amazônica, com a preocupação social, ao levar em conta os interesses das comunidades da região.

Um dos projetos mais inovadores anunciados publicamente é o projeto Mejuruá de conservação florestal, localizado nos municípios de Carauari, Juruá e Jutaí, no coração da região centro oeste do Estado do Amazonas. A cidade de Carauari, com cerca de 30.000 habitantes é contígua a área conhecida como Fazenda Gleba Santa Rosa de Tenquê. A área é privada, estendendo-se por mais de 903.000 hectares de floresta tropical amazônica, riquíssima em biodiversidade. O manejo sustentável da floresta será efetivado em 160.000 hectares, cerca de 18% da propriedade, a ser operado ao longo dos próximos 30 anos. Concebido no contexto da iniciativa REDD+, o projeto, nestes 30 anos, deverá evitar a emissão de perto de 82 milhões de toneladas de COequivalente.

 A principal característica do projeto é a combinação entre a conservação da floresta, a preservação da biodiversidade e as iniciativas sociais em favor das comunidades locais, contribuindo para reduzir o desafio da mudança do clima, conter o aquecimento global reduzindo as emissões de gás de efeito estufa e apoiar atividades econômicas que possibilitem a melhoria do nível de vida na região.

O plano de ação que está sendo implementado apresenta três vertentes: proteção da natureza, apoio às comunidades locais, inclusive indígenas, e desenvolvimento socioeconômico, sempre respeitando a ecologia. A parceria com as comunidades locais será efetivada para melhorar a infraestrutura e o uso de tecnologia, ênfase na educação, na geração de emprego e no estímulo à vida comunitária. Estão previstos investimentos da ordem de algumas dezenas de milhões de dólares, apenas na área social.

            Assim, o fortalecimento da proteção e o monitoramento da área visam a manter a floresta em pé, promover a economia verde baseada em produtos da biodiversidade e do trabalho local tradicional. Com o desenvolvimento, a potencial parceria econômica com as comunidades locais e o valor ambiental da floresta amazônica, gerarão benefícios para os habitantes locais e serão aproveitados por todas as comunidades ribeirinhas e vizinhas nas áreas protegidas e seu entorno, com a criação de empregos, geração de energia verde e a proteção à biodiversidade na fauna e na flora. O plano social está sendo implementado com a construção ou melhoria das habitações, educação, água potável, assistência à saúde, energia elétrica e acesso à internet. A criação de empregos será decorrência do manejo florestal sustentável e do desenvolvimento industrial para beneficiamento da madeira e planta de energia de biomassa, além de  outras atividades econômicas (bens e serviços). Entre diretos e indiretos, serão criados de 2.000 a 3.000 novos empregos no local, com diferentes níveis de qualificação.

            O projeto deverá também contribuir com o Estado para a implementação de políticas de desenvolvimento econômico na região, por meio de convênios de colaboração firmados nas esferas estadual e municipal, apoiando a sua implementação e definindo atividades a serem tocadas a quatro mãos, entre governo e iniciativa privada. Não menos importante tem sido o engajamento com entidades não-governamentais, inclusive as locais.


Do ponto de vista econômico, o projeto gera recursos com a criação na área de instalações industriais para o processamento da madeira originária do manejo sustentável da floresta e do extrativismo explorado diretamente pelos ribeirinhos, principalmente a pesca, além do aproveitamento dos recursos da biodiversidade, como o açaí, cuja cadeia de valor será apoiada pelo projeto em benefício das famílias dedicadas à sua coleta e processamento. A preservação da floresta possibilitará a utilização de créditos de carbono gerados pela redução da emissão de gás de efeito estufa. No seu conjunto, o projeto apresenta um perfil econômico autossustentável.


Para alcançar a proteção ambiental e outros objetivos da agenda ESG, o projeto adotou padrões internacionais e está se qualificando para várias certificações, inclusive da VERRA e da PEFC.

            O projeto foi concebido e está sendo implementado pela BR ARBO Gestão Florestal, companhia brasileira especializada na gestão de sustentabilidade florestal, com presença e cooperação das comunidades locais. Conta com o apoio estratégico e econômico de um grupo investidor europeu, sob a liderança do empresário Gaetano Buglisi.

            Um paradigma a ser replicado na Amazônia e em outras regiões.


Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e Membro da Academia Paulista de Letras.

segunda-feira, 25 de março de 2024

Ideologia do PT tem se sobreposto à política externa do Estado, critica presidente de comissão de relações exteriores da CD - Entrevista a Roseann Kennedy O Estado de S. Paulo

Ideologia do PT tem se sobreposto à política externa do Estado, critica presidente de comissão

Roseann Kennedy

O Estado de S. Paulo, 25/03/2024

https://www.estadao.com.br/politica/coluna-do-estadao/politica-do-pt-se-sobrepoe-a-do-brasil-critica-novo-presidente-da-comissao-de-relacoes-exteriores/

 

Recém empossado presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara (CREDN), o deputado Lucas Redecker (PSDB-RS) avalia que o pensamento do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se sobreposto à política externa de Estado. Ele reclama que a ideologia petista inviabiliza o reposicionamento do Brasil como mediador de conflitos internacionais e cobra mudanças. O parlamentar critica as “declarações desastradas” de Lula sobre Israel e o flerte com o regime autoritário de Nicolás Maduro, na Venezuela.

“Nos preocupa que, muitas vezes, a política externa de um partido se sobreponha à política externa do País. Se o Brasil quiser realmente sentar-se à mesa das grandes decisões mundiais e cobrar as reformas que se fazem necessárias há alguns anos, como do Conselho de Segurança da ONU, a nossa política externa terá de ser ajustada”, afirmou Lucas Redecker, em entrevista à Coluna do Estadão.

Para Redecker, o Mercosul sofre um dos reflexos dessa interferência. “Nós observamos uma grande movimentação em termos de política externa, com uma agenda internacional intensa, muitos eventos e a presidência do Brasil no G20. No entanto, precisamos nos deter nos resultados objetivos. O acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo, parece ter sido sepultado de vez”, observou.

O deputado gaúcho defende a prerrogativa do Parlamento de fiscalizar as ações do Poder Executivo, incluindo a política externa. Seu tom deixa claro que o perfil oposicionista da Comissão de Relações Exteriores continua. Apesar do embate ideológico, ele diz que seu objetivo é votar todas as matérias sobre acordos internacionais no colegiado.


Onde o governo Lula acertou em questões de política externa?

Nós observamos uma grande movimentação em termos de política externa, com uma agenda internacional intensa, muitos eventos e a presidência do Brasil no G20. No entanto, precisamos nos deter nos resultados objetivos. O acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo, parece ter sido sepultado de vez.

No âmbito regional, o ressurgimento da Unasul e da Celac, enfraquecem o Mercosul que cobra modernização e profundidade. Nos preocupa que, muitas vezes, a política externa de um partido se sobreponha à política externa do País. Se o Brasil quiser realmente sentar-se à mesa das grandes decisões mundiais e cobrar as reformas que se fazem necessárias há alguns anos, como do Conselho de Segurança da ONU, a nossa Política Externa terá de ser ajustada.


A comissão continua sob comando do PSDB. Qual deve ser o papel do colegiado?

O PSDB sempre teve compromisso com uma Política Externa equilibrada, baseada nas melhores tradições da nossa diplomacia, na solução pacífica dos conflitos e sustentada no diálogo franco e aberto. Fui indicado pelo meu partido para contribuir com o fortalecimento dessa política. Além disso, é prerrogativa do Parlamento, fiscalizar todas as ações do Poder Executivo, incluindo a Política Externa que implementa.

Como ressaltei em minha posse, a forma como o Brasil se insere no mundo, as parcerias que firma e os alinhamentos que adota no tabuleiro geopolítico produz consequências políticas e econômico-comerciais para o nosso País. É, portanto, nossa obrigação, trabalhar em sintonia com os interesses nacionais e os impactos que as nossas escolhas venham a produzir no cenário internacional. Procuraremos sempre, de forma transparente, construir as melhores pautas para o Brasil.


Como o senhor encara as declarações do presidente Lula sobre Israel, lembrando o episódio do Holocausto?

Foram declarações desastradas que em nada contribuem com a busca de uma solução para o conflito. A forma como o presidente se expressou afasta o Brasil do centro de gravidade das grandes decisões mundiais, além de nos inviabilizar como ator capaz de promover e mediar uma paz duradoura naquela região.

O Hamas é uma organização terrorista que invadiu um país soberano para cometer crimes horrendos contra uma população civil inocente e desarmada. Lamentavelmente, o Brasil não respondeu à altura e o atual governo tem sido frequentemente elogiado pela organização palestina.

 

Nos preocupa que declarações como estas possam, no médio e longo prazos, provocar prejuízos ao nosso País, sejam políticos ou econômicos. Obviamente, todos devemos exigir que a resposta de Israel, esteja dentro da legalidade, poupe civis e minimize ao máximo a tragédia humanitária. Esta é uma guerra de Israel contra uma organização terrorista, não contra os palestinos.


O presidente Lula recentemente deu novas declarações em apoio a Nicolás Maduro na Venezuela, minimizando a perseguição à oposição. O posicionamento é correto?

De forma alguma. O Brasil, no caso específico da Venezuela, flerta com um regime autoritário que persegue, prende, tortura e assassina, opositores. A crise venezuelana transbordou as fronteiras do país convertendo-se em uma séria ameaça à segurança regional. Lamentavelmente, o Brasil mostra-se alinhado com esse regime, incapaz de exercer pressão para que se respeitem os direitos humanos (eleições livres) na Venezuela. Observamos o Brasil assistir, inerte à sucessão de violações cometidas naquele país.


Quais projetos o senhor avalia que são imprescindíveis para a comissão analisar neste ano?

A nossa meta é discutirmos e votarmos todos os acordos internacionais que se encontram tramitando e aqueles que ainda devem ser enviados para a comissão. Por exemplo, temos vários acordos para pôr fim à dupla tributação com diferentes países, instrumento que produz impacto direto nas nossas relações econômicas e comerciais. Além disso, temos vários acordos de cooperação em matéria de Defesa, Serviços Aéreos, Ciência e Tecnologia e Facilitação de Comércio, que iremos pautar logo que possível. O meu objetivo principal é fazer a pauta andar para termos produtividade.


Como o senhor avalia o desempenho do ministro da Defesa, José Múcio?

Logo que assumi, apresentei requerimentos para que os ministros da Defesa e das Relações Exteriores venham à CREDN expor as prioridades de suas pastas para este ano. Pretendo, antes, conversar com ambos sobre o estado atual das nossas políticas externa e de defesa, para avaliarmos como a comissão poderá contribuir com as duas áreas. O ministro José Múcio é um ex-parlamentar com muita vivência na política, uma pessoa séria e que tem trabalhado para desenvolver as capacidades das nossas Forças Armadas.


terça-feira, 12 de março de 2024

Itamaraty não improvisa - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

Itamaraty não improvisa
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo | Espaço Aberto

12 de março de 2024 

Tornou-se um lugarcomum o comentário de nossos hermanos latino-americanos sobre a ação diplomática do Ministério das Relações ExterioresItamaraty no improvisa. Essa frase refletia a percepção de que o Itamaraty, com um quadro altamente qualificado de servidores, sabia manter a continuidade da política externa e renová-la com o passar do tempo, fazendo os necessários ajustes para a defesa dos interesses nacionais.

Nos últimos 20 anos, a formulação e a execução da política externa têm passado por um processo disfuncional em que os interesses nacionais são confundidos com interesses setoriais e políticos. Gradualmente, a política externa passou a sofrer interferências ideológicas e partidárias que a afastam dos interesses do Estado brasileiro. Um recente ministro do exterior aceitou que o Brasil fosse considerado um pária internacional por defender posições políticas vigentes no governo.

Itamaraty é o principal assessor do presidente da República para a formulação e execução da política externa e sempre foi o órgão que coordena a participação do Brasil, tanto no âmbito bilateral quanto nos organismos multilaterais. Com alternância de governos, é normal haver mudanças de ênfases e prioridades na política externa.

O problema hoje é que, com as mudanças internas na política brasileira, o Itamaraty vem sofrendo um continuado processo de esvaziamento.

Ao longo dos últimos cinco anos, o Itamaraty perdeu espaço em temas como comércio exterior (mesmo no Mercosul), meio ambiente e mudança do clima, agenda de costumes, direitos humanos, entre outros.

No governo atual, o Itamaraty começou perdendo a Apex e enfrentou, com limitado sucesso, o desafio de tentar coordenar as ações externas das pastas de Meio Ambiente, Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial e povos indígenas. Além disso, quando ocorre uma duplicidade de influência na formulação e execução da política externa, o desempenho diplomático fica afetado, como ocorreu no governo Bolsonaro e está ocorrendo no atual governo.

A situação tem-se agravado pelas ações e pronunciamentos improvisados dos presidentes Bolsonaro e Lula no tratamento de delicadas questões externas, com claros objetivos de política interna (convocação de embaixadores para ouvirem críticas às urnas eletrônicas e o tratamento dado a regimes autoritários na região, em especial a Venezuela). Sem preocupação com a repercussão internacional, as declarações mostram inconsistências da política externa, põem em risco sua credibilidade e prejudicam a ação diplomática na defesa do interesse nacional.

A projeção internacional do Brasil é, em grande parte, resultado da atuação diplomática tanto bilateral como, sobretudo, multilateral. Num mundo em grande e rápida transformação e com as polarizações internas, as prioridades definidas pelo governo Lula são corretas e representam o que se espera da nona economia do mundo. Ter voz no cenário internacional, influir nas discussões sobre meio ambiente e mudança do clima e ter uma política afirmativa na América do Sul são políticas que interessam ao País, e o Itamaraty continua a executar um trabalho sério e competente, como instituição.

A questão que se coloca é como ajustar o soft power brasileiro nas áreas em que se reconhece sua influência (meio ambiente, segurança alimentar, transição energética) e suas limitações pela ausência de excedente de poder (o Brasil não é uma potência militar). A ausência de resultados na pretensão de criar um grupo para acelerar a busca da paz na guerra da Ucrânia, na proposta para o cessar-fogo em Gaza durante a presidência brasileira no Conselho de Segurança da ONU, em ser uma ponte entre os países desenvolvidos e o Sul Global ou influir na modificação da governança global (composição do Conselho de Segurança da ONU) mostra os limites da influência do Brasil no cenário internacional. Em algumas dessas ações, a chancelaria não foi ouvida ou, se foi, a instituição deve ter-se colocado contra, mas a decisão foi tomada sem o conselho do Itamaraty.

A nova economia (menos liberalismo e mais protecionismo) e a nova ordem internacional em constante mutação pelo impacto das guerras na Europa e no Oriente Médio, pela competição entre as duas maiores potências globais, pela rápida evolução tecnológica, com reflexos na geopolítica, estão forçando todos os países a se ajustar às novas demandas e novas realidades. O fator externo hoje não pode mais ser ignorado na definição das políticas econômica, financeira, de defesa e, para países como o Brasil, da política externa. A experiência do Itamaraty, reconhecida internacionalmente e agora percebida com baixa credibilidade por sua reduzida influência, não pode ser deixada de lado. A tradicional política definida pelo Itamaraty de equilíbrio e equidistância, sem tomar partido nas questões que dividem os países e na defesa do interesse brasileiro, deveria voltar a ser seguida e reforçada, acima de considerações ideológicas e partidárias.

Itamaraty deve fazer valer sua competência e seu espírito público para enfrentar o desafio de recuperar o papel central de coordenação em temas que impactem a projeção do Brasil no mundo. Os governos de turno não podem improvisar na política externa. 

domingo, 3 de março de 2024

Lições da Ásia para acelerar o crescimento econômico - O Estado de S. Paulo

Lições da Ásia para acelerar o crescimento econômico 

O Estado de S. Paulo, 3/03/2024

https://www.estadao.com.br/economia/as-licoes-da-asia-para-o-brasil-reduzir-a-miseria-em-5-graficos/




Nas últimas décadas, os países asiáticos alcançaram um resultado extraordinário na redução da pobreza extrema, com impacto profundo em todo o mundo. Como mostrou a série de reportagens Os caminhos da prosperidade, publicada pelo Estadão, a Ásia tirou mais de um bilhão de pessoas da miséria em apenas vinte anos, de acordo com o Banco Mundial.

A queda no número de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema – que engloba quem tem renda per capita inferior a US$ 2,15 (R$ 10,75) por dia em valores de 2017, pela paridade do poder de compra (PPP) – foi a maior, no menor prazo, em todos os tempos. E o mais impressionante é que isso aconteceu num período em que o número de habitantes da região teve um aumento de 46,9%, de 3,2 bilhões para 4,7 bilhões.

Em 30 anos, a renda per capita ajustada pelo poder de compra deu um salto. Nos países da Ásia Meridional, ela se multiplicou por seis, de US$ 1.249, em média, em 1990, para US$ 7.824, em 2022, em valores correntes. Na Ásia Oriental e na região do Pacífico, a renda per capita cresceu quase sete vezes, de US$ 3.250 para US$ 22.422. Enquanto isso, no Brasil, o crescimento foi de 2,7 vezes, de US$ 6.440 para US$ 17.270 – menos até do que o aumento ocorrido na média mundial, de 3,7 vezes, no mesmo período.

Afinal, qual o segredo da Ásia para ter reduzido de forma notável a miséria num prazo tão curto? O que os países asiáticos fizeram de diferente para chegar lá? Que lições o Brasil – cuja taxa de pobreza extrema aumentou de 3,3% para 5,8% da população entre 2014 e 2021, conforme o Banco Mundial, atingindo 12,5 milhões de pessoas – pode tirar do sucesso alcançado pela região na diminuição da miséria?

Para responder a estas perguntas, o Estadão produziu cinco gráficos que permitem a visualização imediata de alguns dos fatores que levaram a Ásia – mais especificamente os países localizados na Ásia Meridional e Oriental e na chamada região do Pacífico, onde a evolução foi mais acentuada – a reduzir a pobreza extrema em quase 90% desde 1990.

Embora não exista, segundo os analistas, o que se poderia chamar de um “modelo asiático” para explicar a diminuição da miséria na Ásia nas últimas décadas, é possível apontar alguns caminhos trilhados por países da região – que, em maior ou menor grau, conforme o caso, levaram a este resultado fenomenal. Confira a seguir quais são eles e como o Brasil se coloca em relação a cada ponto.


1. Crescimento econômico acelerado

O economista Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, não deixa margem para dúvidas ao falar sobre o impacto do crescimento na redução da miséria. “Nada funciona mais que o crescimento econômico para as sociedades melhorarem as condições de vida de seus integrantes, incluindo os mais desfavorecidos”, afirma Rodrik, no livro Uma economia, muitas receitas: globalização, instituições e crescimento econômico.

Considerando o que ele diz, os países asiáticos têm sido imbatíveis. Entre 1960 e 2020, a Ásia foi a região que teve o maior crescimento médio por ano do mundo, como mostra o gráfico acima – bem superior ao do Brasil, em especial nas últimas décadas, justamente o período em que os países asiáticos mais cresceram.

Enquanto os países da Ásia Meridional cresceram, em média, 5,6% ao ano entre 1960 e 2021, e os da Ásia Oriental e da Região do Pacífico, 4,9%, o Brasil teve um crescimento anual de 3,9%. Na média, o crescimento do País nos últimos 60 anos até foi superior ao de outras regiões do mundo, graças principalmente ao resultado obtido entre os anos 1960 e 1980. Mas, de 1981 a 2010, a economia perdeu tração e a média foi de apenas 2,1% ao ano. E, de 2011 a 2021, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) foi de apenas 0,7%, em média, ao ano.

Resumindo: sem turbinar o crescimento econômico, o Brasil dificilmente conseguirá reduzir a miséria e melhorar a qualidade de vida da população, em especial dos mais vulneráveis, como a Ásia conseguiu.


2. Liberdade econômica 

Nas últimas décadas, quando o crescimento ganhou velocidade na região, a maioria dos países asiáticos melhorou sua colocação no principal ranking global de liberdade econômica, produzido pela Heritage Foundation, dos Estados Unidos, favorecendo o desenvolvimento e a redução da miséria.

O Vietnã, por exemplo, que era um país fechado aos investimentos estrangeiros e adotava o sistema de planejamento centralizado até meados dos anos 1980, conforme a orientação do Partido Comunista, aderiu à economia de mercado.

Com isso, o Vietnã, que andava de lado ou até de marcha à ré até então, cresceu uma média de 6,7% ao ano de 1990 a 2022, conforme dados do Banco Mundial, e deu um salto em sua posição na lista dos países com maior liberdade econômica. Nos últimos dez anos, o Vietnã subiu 89 posições no ranking, saindo da 148ª colocação para a 59ª, entre 176 países. Só na lista de 2024, divulgada recentemente, o país subiu 13 posições em relação ao ano passado.

A Indonésia, que também liberalizou de forma considerável sua economia, ganhou 52 posições na lista no mesmo período, passando de 105ª colocada no ranking para 53ª. Embora ainda mantenha o protagonismo do Estado em certas atividades, o país teve um crescimento do PIB um pouco mais baixo que o do Vietnã, de 4,7% ao ano, em média, entre 1990 e 2022 – mas ainda ficou bem acima da media mundial, de 2,9%.

O Brasil, enquanto isso, continuou como um país majoritariamente não livre, ocupando uma posição vexatória na lista. De 2015 até 2024, o País caiu seis posições no ranking, do 118º lugar para o 124º, ficando bem abaixo do Vietnã, da Indonésia e de outros países emergentes de alto crescimento na Ásia, como Bangladesh e Cambodja. O crescimento médio do Brasil entre 1990 e 2022 foi de apenas 2,1% ao ano, três vezes menor que o do Vietnã e duas vezes menor que o da Indonésia.

A China é a exceção que confirma a regra. Mesmo tendo liberalizado sua economia no fim dos anos 1970 e crescido 9% ao ano, em média, desde 1990, um recorde mundial, a China ocupa apenas a 151º colocação no ranking dos países mais livres na economia, perdendo 12 posições de 2023 para 2024.

Apesar da liberdade existente no comércio internacional e na área monetária, além da relativa liberdade que há nos negócios e na área tributária, de acordo com o levantamento, a China é considerada como uma economia reprimida no direito de propriedade, na liberdade de investimento, na saúde fiscal e na efetividade da Justiça, entre outras áreas, o que acaba afetando sua avaliação final.

“A liderança do Partido Comunista da China detém o controle direto da atividade econômica”, diz o relatório de 2024 da pesquisa da Heritage Foundation. “O quadro regulatório permanece complexo e desigual. As regras arbitrárias e frequentemente revisadas para os negócios e a legislação trabalhista submetem o setor privado aos caprichos do governo comunista.”

Em geral, porém, a liberdade econômica tem uma relação direta com o crescimento e leva à redução da miséria e à melhoria da qualidade de vida da população. A tendência normalmente é de os países com a economia mais reprimida terem menor probabilidade de obter sucesso na redução da pobreza.

“As economias (asiáticas) começaram a crescer mais rápido quando deixaram de lado as políticas de intervenção do Estado e focaram no mercado, enquanto os governos continuaram a desempenhar um papel proativo”, afirma Takehiko Nakao, ex-presidente executivo e do Desenvolvimento da Ásia (ADB, na sigla em inglês), no prefácio do livro A viagem da Ásia para a prosperidade, publicado pela instituição em 2020.

Segundo Nakao, a política de substituição de importações, ancorada no protecionismo, na falta de concorrência e em taxas de câmbio sobrevalorizadas, que foi largamente adotada por países em desenvolvimento no pós-guerra – inclusive no Brasil, onde está sendo ressuscitada –, levou a “sérias ineficiências” e a crises na balança de pagamentos, especialmente na América Latina.


3. Abertura comercial e integração na economia global

Para crescer em progressão geométrica, gerando milhões de empregos e melhorando a renda dos mais pobres, os países asiáticos – muitos deles fechados ao exterior até três ou quatro décadas atrás – deram uma guinada radical e procuraram se integrar à economia global.

Apesar de alguns terem crescido em ritmo acelerado mesmo com a manutenção de certas restrições às importações, como Indonésia e Bangladesh, os que obtiveram os melhores resultados foram aqueles que abriram para valer o comércio exterior, como Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e, numa segunda onda, a China, e mais recentemente o Vietnã.

Ao se abrirem para o mundo, promovendo uma redução substancial nas tarifas incidentes sobre as importações e multiplicando as exportações, especialmente de manufaturados e de serviços de alta tecnologia, eles alavancaram o crescimento econômico. A participação de muitos países asiáticos em acordos de livre comércio também deu uma grande contribuição para dinamizar as economias locais.

O Brasil, ao contrário, continua a ser um país relativamente fechado, cuja participação em acordos de livre comércio resume-se ao Mercosul – e, mesmo assim, com diversas restrições nas trocas entre os países do bloco. O acordo do Mercosul com a União Europeia, que estava bem encaminhado, acabou “fazendo água” porque o governo Lula queria, entre outras reivindicações, restringir a participação das empresas estrangeiras nas compras governamentais.

Em nome da proteção à indústria nacional, o Brasil ainda mantém elevadas tarifas sobre importações, encarecendo a modernização da produção, que permitiria ganhos de eficiência e produtividade, e restringindo a concorrência com os produtos importados, em prejuízo dos consumidores – sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.

Na média, as importações dos países da Ásia Oriental e da Região do Pacífico representam hoje 28,8% do PIB, de acordo com o Banco Mundial. Na Ásia Meridional, as importações chegam a 25,9% do PIB. Em ambos os casos, ainda é um volume inferior à média global, de 30,5% do PIB, mas as duas regiões já estão quase chegando lá.

No Brasil, apesar de as importações terem crescido de 7% para 19,3% do PIB entre 2000 e 2022, continuam bem abaixo das médias asiáticas e internacional, dificultando o desenvolvimento do País e a redução da pobreza.

As exportações brasileiras até ganharam corpo nas últimas décadas e hoje estão mais ou menos no nível da Ásia Meridional, na faixa de 20% do PIB. No entanto, isso ocorreu principalmente em razão da explosão das vendas de commodities agrícolas e minerais ao exterior e não pela integração do País na cadeia global de suprimentos ou pela venda de produtos manufaturados e de maior valor agregado.

Agora, mesmo com o crescimento verificado nos últimos 20 anos, o volume de exportações do Brasil ainda está bem abaixo da média mundial e dos volumes negociados pela Ásia Oriental, o que mostra o enorme espaço ainda existente para o País ampliar sua fatia no comércio exterior e sua integração na economia mundial, com efeitos positivos no desenvolvimento e na diminuição da miséria.


4. Atração de investimentos estrangeiros 

Nos últimos 30 anos, o ingresso de investimentos estrangeiros contribuiu de forma decisiva para alavancar o crescimento econômico da Ásia, gerando emprego e renda, principalmente nos países que alcançaram a maior redução na pobreza. Embora demonizados como uma forma de “imperialismo” por partidos e militantes anticapitalistas, os investimentos estrangeiros se tornaram fundamentais para dinamizar a economia até em países comunistas como o Vietnã e a própria China.

Apesar de classificada como um país reprimido na atração de investimentos pela Heritage Foundation, a China conseguiu atrair um volume espetacular de dólares desde a liberalização da economia, nos anos 1970. Segundo os números da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), o estoque de investimentos estrangeiros no país passou de 5,24% do PIB em 1990 para 21,2% em 2022.

Em termos absolutos, o estoque aumentou de US$ 249 bilhões em valores correntes para US$ 3,8 trilhões, 15 vezes mais, e o fluxo continua forte. Só em 2022, ingressaram US$ 189,1 bilhões em aportes externos na China – 2,5 vezes mais do que no Brasil, mesmo com as empresas estrangeiras buscando novos pontos de produção nos últimos anos, para diversificar suas bases por um número maior de países.

A Ásia Meridional, que só mais recentemente mudou de atitude em relação ao capital estrangeiro, ainda tem um estoque relativamente baixo de investimentos externos, equivalente a 13,1% do PIB, enquanto no Sudeste Asiático como um todo o estoque chega a 99,3% do PIB, segundo a Unctad, e a 98,2% no mundo.

No Brasil, embora o estoque de investimentos estrangeiros, de 43,6% do PIB, seja bem maior do que o da Ásia Meridional, ainda representa mais ou menos a metade do volume do Sudeste Asiático e do estoque mundial. Além disso, o aumento do estoque de capital externo no País ficou em 107,6% desde 2000, bem abaixo dos 211,9% da Ásia Meridional, dos 158,8% da Ásia Oriental e dos 142,2% do Sudeste Asiático, de acordo com a Unctad – o que ajuda a explicar o crescimento mais acelerado dos países da Ásia, que criou condições para a redução da miséria na região.


5. Investimento em infraestrutura e máquinas

Além da liberalização da economia, da abertura comercial e do ingresso de capital estrangeiro em grande escala, os investimentos em infraestrutura, na construção civil e em máquinas e equipamentos puxaram o crescimento econômico asiático. O alto volume de investimentos na região também deu uma contribuição relevante para o aumento da produtividade, a modernização da produção e a melhora nas condições de vida da população, com avanços nos transportes, no acesso a energia e no saneamento básico, entre outras áreas.

Na Ásia Oriental e na Região do Pacífico, que inclui a China, onde os investimentos em obras de infraestrutura e na modernização da produção foram gigantescos nas últimas décadas, a taxa de investimento chegou a 35% do PIB em 2022, quase dez pontos acima da média mundial, de 26% do PIB. Na Ásia Meridional, a taxa alcançou 28% do PIB, também acima da média mundial.

No Brasil, onde os economistas costumam dizer que seria preciso uma taxa de investimento de pelo menos 25% do PIB ao ano para o País melhorar sua infraestrutura e modernizar sua produção, com ganhos de produtividade e eficiência, a taxa não passou de 19% em 2022 – e, ainda assim, foi a maior desde 2014. Em 2023, no primeiro ano do governo Lula 3, o volume de investimentos voltou a cair, para 16,5% do PIB. Isso explica, em boa medida, o baixo crescimento do Brasil nos últimos anos.

Em alguns países asiáticos, como a China, a Indonésia e Bangladesh, o Estado ainda responde por boa parte dos investimentos em infraestrutura. Tal estratégia contribui para gerar emprego e renda e turbinar o crescimento econômico, mas quase sempre leva a uma deterioração significativa nas contas públicas e acaba tendo impacto negativo na economia mais adiante.

E é este o caminho que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer seguir mais uma vez no Brasil, com o lançamento de uma nova versão PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), adotado em gestões anteriores do PT, fortemente ancorado em investimentos de empresas estatais, financiamentos subsidiados de bancos públicos e em obras realizadas diretamente pelo governo federal.

Não dá para minimizar, porém, o papel dos investimentos privados nos resultados alcançados pela Ásia. A maioria dos estudos sobre o desenvolvimento econômico e a redução da miséria (na região) se concentra nas políticas macroeconômicas”, afirma o pesquisador Scott Paul Hipsher, na publicação O papel do setor privado na redução da pobreza na Ásia. “Mas eles dependem tanto das decisões microeconômicas tomadas pelas empresas privadas quanto das decisões macroeconômicas tomadas pelos governos.”

No Brasil, os dados mostram o quanto o protagonismo do setor privado é relevante para alavancar os investimentos, apesar de o debate sobre o tema se concentrar nos aportes governamentais. Em 2022, o crescimento na taxa de investimento se deu exatamente quando as operações do governo federal atingiram um dos menores níveis em todos os tempos, de 0,78% do PIB, incluindo os aportes das estatais, em razão do espaço reduzido existente no Orçamento e da necessidade de manter as contas públicas sob controle.

Considerando só os investimentos diretos do governo, a taxa foi de apenas 0,26%, patamar semelhante ao de 2021, o menor em 17 anos. Mas, graças ao aumento dos investimentos privados, estimulados pela manutenção das regras do jogo no mundo dos negócios e a redução das alíquotas de importação e dos impostos, que agora estão sendo revertidas, a taxa chegou aos 19% mencionados acima, voltando ao nível de oito anos antes.


quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Os primeiros 400 dias de Lula III - Pedro Malan (O Estado de S. Paulo)

Os primeiros 400 dias de Lula III 

 Pedro Malan* 

O Estado de S. Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2024


Neste domingo de carnaval, vale lembrar a marchinha ‘Recordar é viver’ (1955), a propósito do programa Nova Indústria Brasil


O Brasil foi descoberto no dia 21 de abril, “dois meses depois do carnaval”, dizia a marchinha que encantou foliões no carnaval de 1934. Tudo, metaforicamente, ficaria para depois da grande festa nacional. Mas não foi assim este ano, em que ações da Polícia Federal ocuparam as primeiras páginas dos jornais, iluminando a importância de elucidar os eventos que levaram ao surreal 8 de janeiro de 2023. As rodas da economia e da política tampouco deixaram de girar com Executivo e Congresso em estado de alta tensão por causa da disputa sobre fatias do Orçamento.

Foi numa virada de fevereiro para março, logo após o carnaval de exatos 30 anos atrás, que o governo de então lançou a Unidade Real de Valor (URV). Essa unidade de conta era o embrião da nova moeda, que chegaria quatro meses mais tarde sob o nome de real e que viria a consolidar-se – esperemos – como a definitiva moeda nacional.

Neste início de fevereiro, o governo Lula completou seus primeiros 400 dias. Pode parecer pouco, mas o tempo da política não é igual ao tempo cronológico. Na política, como na guerra, dias podem valer semanas; semanas, meses; meses, anos. Foi também de 400 dias, por exemplo, o período decorrido entre o momento em que o presidente Itamar Franco nomeou FHC seu (quarto) ministro da Fazenda e o lançamento do Real. Aqueles 400 dias valeram por anos.

O governo Lula parece apostar que os efeitos dos seus primeiros 400 dias também se projetarão por anos à frente e contribuirão para seu (legítimo) projeto de permanecer no poder, vencendo as eleições de 2026. Como estamos em pleno domingo de carnaval, vale lembrar outra marchinha dos carnavais de outrora, Recordar é viver (1955), a propósito do programa Nova Indústria Brasil, anunciado ao final de janeiro.

O programa evoca três lembranças. A primeira é uma declaração da então presidente Dilma Rousseff, dez anos atrás, a poucos meses das eleições. “Só em 2014 estão em construção ou contratados para serem construídos aqui, no Brasil, 18 plataformas, 28 sondas de perfuração e 43 navios tanque (...) Graças à política de compras da Petrobras (...), renasceu uma indústria naval dinâmica e competitiva, que irá disputar o mercado com as maiores indústrias navais do mundo.” Quem é minimamente informado sabe no que deu.

A segunda lembrança é uma imperdível entrevista concedida a este jornal (2/1/2013) por Bernardo Figueiredo, por muitos anos braço direito de Dilma Rousseff para assuntos de infraestrutura. “Se a gente pegar os planos nacionais de logística de transporte e de logística portuária e outros estudos do governo, teremos de investir perto de R$ 400 bilhões em cinco anos. Vamos dizer que tenho de investir outros R$ 20 bilhões por ano para não gerar novo passivo e ser preventivo. Então, a necessidade de investimento seria de R$ 100 bilhões por ano. Resolvendo isso, posso dizer que em cinco anos não teríamos mais problemas de infraestrutura.”

A terceira lembrança é também de uma entrevista – ainda mais imperdível, porque reveladora do pensamento de Lula sobre a arte de governar (Valor Econômico, 17/9/2009). “Tenho cobrado sistematicamente da Vale a construção de siderúrgicas no País. A Vale não pode se dar ao luxo de exportar apenas minério de ferro.” “Convoquei o Conselho da Petrobras para dizer: olha, este é um momento em que não se pode recuar. Que a Petrobras construa refinarias, estimule a construção de estaleiros (...). Este é o papel do governo.” “Não conheço ninguém que tenha a capacidade gerencial da Dilma.”

A julgar pelos primeiros 400 dias de Lula III, o pensamento de 15 anos atrás perdura. “Se der superávit zero, ótimo, se não der, ótimo também” (8/2/2024). O País está sendo informado de que haverá simultaneamente um plano trienal de ação (2024-2026) e um Plano de Aceleração do Crescimento (novo PAC). Em ambos há referências a metas aspiracionais cujo horizonte estende-se até um ponto não especificado nos anos 30.

Quando, como é nosso caso, o Estado já se sobrecarregou de obrigações que testam os limites de sua capacidade – de tributar, de gastar, de se endividar, de reformar, de gerir e de investir –, a realidade impõe, pelo lado da oferta doméstica, restrições a ambiciosos processos de expansão. E exige claras definições de prioridades. Porque, ao dispersar demais suas atividades, o Estado fica mais suscetível a ceder a interesses isolados, a persistir em promessas que não pode cumprir. A assumir metas e objetivos inalcançáveis, que redundam em dívidas por equacionar. Principalmente quando receitas não recorrentes são utilizadas para financiar gastos que se tornam permanentes – e crescentes –, como vimos em experiências recentes.

Ao longo dos próximos três anos será fundamental, de maneira clara e crível, sinalizar para agentes econômicos que existe um sistema de regras de responsabilidade fiscal que represente compromisso firme em assegurar a sustentabilidade da trajetória de finanças públicas do País. Como temos nos regimes monetário e cambial e como ainda nos falta na área fiscal, a despeito dos esforços do ministro Fernando Haddad, contra intenso fogo amigo. Porque uma política fiscal insustentável pode impedir o desenvolvimento econômico e social sustentado no longo prazo. 

*Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC

 

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou - MARCELO GODOY (O Estado de S. Paulo)

Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou

MARCELO GODOY 

O Estado de S. Paulo, 08 FEVEREIRO 2024 

A tentativa de desacreditar o Alto Comando do Exército (ACE) era parte fundamental da conspiração nascida dentro do Palácio do Planalto para dividir a corporação, colocar a tropa contra os comandantes que resistiam à ideia, e consumar o golpe de Estado tramado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros militares como expôs a operação realizada pela Polícia Federal.

Após a ação dos policiais nesta quinta-feira, 8, a coluna apurou que generais e coronéis concordaram que houve “traição” e “deslealdade” na atuação da cúpula bolsonarista, formada pelos ex-ministros militares Walter Braga Netto e Augusto Heleno, e do general Estevam Theóphilo, que segundo a PF seria o responsável por operacionalizar o golpe.

Ressaltam, no entanto, que a tentativa de divisão do Exército fracassou e que a instituição não se corrompeu, embora admitam que autoridades importantes foram seduzidas pelo “canto da sereia golpista”.

Dos 16 integrantes do ACE, 11 eram contrários ao golpe e de quatro a cinco, entre eles Theóphilo, tido como o mais bolsonarista dos generais da ativa, eram favoráveis. Dois outros generais que ainda estão na ativa expressaram opiniões favoráveis ao golpe, mas não agiram para que ele se concretizasse.

Sem a adesão do Alto Comando, a conspiração golpista seguiu para o plano B, a “festa da Selma”, como os bolsonaristas chamavam o ato que depois se tornou o 8 de Janeiro: assim como no ocorreu no Sri Lanka, a ideia passou a ser colocar a população na rua, mais especificamente em frente aos quartéis, para incitar uma rebelião nas fileiras do Exército e fazer com que a tropa passasse por cima dos generais.

Uma das frentes dessa estratégia era desacreditar os comandantes os acusando, por meio do gabinete do ódio nas redes sociais de serem “melancias”, verdes e patriotas por fora, mas vermelhos e comunistas por dentro. A investigação da Polícia Federal expôs o bastidor deste processo de fritura ao encontrar mensagens nas quais Braga Netto relata que o então comandante do Exército, Freire Gomes, estava omisso e indeciso sobre o golpe

“Então vamos continuar na pressão e se isso se confirmar vamos oferecer a cabeça dele aos leões”, respondeu o capitão reformado Ailton Barros, que depois foi preso na investigação sobre as fraudes nos cartões de vacina. “Oferece a cabeça dele. Cagão”, determinou Braga Netto em seguida.

Também não passou despercebida a pressão sobre as famílias dos militares. Em dezembro do ano passado, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, então comandante da  Marinha, procurou interlocutores para dizer que não iria trair os valores militares.

Nas conversas, ele fazia coro ao cientista político Samuel Huntington no livro O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação”, diz a conclusão da obra.

A coluna apurou que foi Baptista Júnior o responsável por vazar a informação que os comandantes das Forças Armadas pretendiam entregar os cargos antes do fim do governo Bolsonaro para não se submeterem, ainda que brevemente, ao governo Lula. O vazamento acabou frustrando a iniciativa.

“Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias, negociando favores. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu Braga Netto em uma mensagem obtida pela Polícia Federal.

O descrédito do Alto Comando permitiria o passo seguinte: a quebra de hierarquia tão cara aos militares para consumar o golpe. Então chefe do Comando de Operações Terrestres, o terceiro escalão da corporação, o general Theóphilo passou por cima do comandante do Exército e do ministro da Defesa ao se reunir diretamente com Jair Bolsonaro.

De acordo com a investigação, ele prometeu ao presidente mobilizar seus comandados, conhecidos como “kids pretos”, para prender o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira integra uma das famílias mais tradicionais do Exército brasileiro, responsável por produzir quatro generais. Entre eles, César Cals, governador do Ceará durante a ditadura, no início dos anos 70, e depois ministro de Minas e Energia no governo de João Figueiredo.

Já Guilherme Teóphilo, irmão de Estevam, chefiou o Comando Militar da Amazônia, se candidatou ao governo do Ceará pelo PSDB em 2018 e depois atuou como secretário nacional de Segurança Pública no governo Bolsonaro.

Estevam Theóphilo foi responsável por causar rusgas entre o governo Lula e o Exército mesmo após o 8 de Janeiro. Após ouvir de Mauro Cid que ele temia ser preso nas primeiras semanas de 2023, o general disse que conversaria com o então comandante do Exército, Júlio César de Arruda. O comandante insistiu em manter Cid na chefia de um batalhão de Operações Especiais após os atos golpistas, o que foi a gota d’água para Lula demiti-lo.

Theóphilo também foi um dos defensores da venda de 450 viaturas do blindado Guarani para a Ucrânia utilizar na guerra contra a Rússia. A negociação opôs o poder civil, por meio do Itamaraty, que defendia a neutralidade no conflito, e os militares, já que o Exército ficaria com parte do valor da venda. Ao fim, a operação foi vetada.

Também no início do ano passado, o Coter, então comandado pelo general Theóphilo, promoveu o 1.º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro para o qual foram convidados EUA, Alemanha, Reino Unido, França, além de outros países da Otan, dos Brics e do Mercosul. Duas ausências, entretanto, eram notáveis: a Rússia e a China.

Novamente, a diplomacia militar se aproximava do polo liderado pelos EUA, na contramão da neutralidade pregada pelo Itamaraty e pelo assessor especial da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, que se queixou diretamente com Lula sobre a atuação dos militares na política externa.