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segunda-feira, 6 de março de 2017

Dez desafios da politica externa brasileira: livro do Cebri-Konrad Adenauer

Já postado anteriormente aqui, posto novamente com pequenas correções de digitação.


Dez desafios da politica externa brasileira - CEBRI

Resumo de livro por:
Paulo Roberto de Almeida

Spektor, Matias (editor executivo):
10 Desafios da Política Externa Brasileira
(Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Relações Internacionais; Fundação Konrad Adenauer, 2016, 144p.; ISBN: 978-85-89534-11-6)

O Cebri possui diferentes grupos de trabalho para pesquisar e debater assuntos relevantes da política internacional e das relações internacionais do Brasil. Um deles é especificamente voltado para a política externa e a diplomacia brasileira, coordenado pelo historiador Matias Spektor. Ele foi o editor executivo desta publicação, que reuniu colaborações de diferentes grupos de trabalho, reunidos sob o conceito que empresta seu título à publicação: desafios à política externa brasileira, que eles limitaram a dez (mas num sentido amplo).
Em sua “carta de Editor Executivo”, Spektor acredita que a política externa assume um papel central na recuperação econômica brasileira: “Se há uma tese central a unir os capítulos que seguem é esta: a política externa é um instrumento essencial para a recuperação do crescimento econômico com justiça social, pois o sistema internacional afeta em cheio a capacidade que as autoridades nacionais tem para conduzir políticas efetivas.”
A seguir uma apresentação sumária de seu conteúdo.

1. Por uma nova doutrina de política externa brasileira, Matias Spektor
            Spektor abre o volume com uma análise sobre as ideias e conceitos que guiam a política externa brasileira. Ele argumenta que a doutrina herdada dos 20 anos de condomínio entre PT e PSDB caducou, e tenta conceber uma nova doutrina. FHC teria aderido às teses da globalização, ao passo que Lula teria tentado aproveitar as brechas do sistema para projetar o Brasil. A nova doutrina precisaria emergir de um consenso suprapartidário, sem estar concentrada num ministério ou grupo particular. Para tal se necessitam estudos empiricamente embasados e debates em todos os setores da opinião pública, levando-se em conta os impactos redistributivos da política externa, dadas as enormes carências da sociedade brasileira.

2. Uma política externa para a atração de investimentos estrangeiros, Carlos Góes
            Analisa as reformas necessárias para que o Brasil possa atrair mais investimentos, sendo que o fator crucial é o aumento da produtividade do trabalhador brasileiro. A governança global dos investimentos é indissociável da regulação sobre o comércio internacional, e os fluxos globais de IED para países em desenvolvimento aumentam muito com sua participação em tratados de livre comércio, assim como com a qualidade de suas instituições. “Nesse aspecto, a política exterior brasileira parece estar defasada” (p. 33). O Brasil nunca aderiu, por exemplo, à Convenção 87, da OIT, e jamais considerou ingressar no ICSID.

3. O problema do comércio exterior, Diego Bonomo
            O Brasil é a economia mais fechada do G20, e os seus dirigentes impuseram ao país um fechamento incompatível com as necessidades de sua inserção global. O “custo Brasil” é um entrave a um maior crescimento econômico no país. A política comercial, por sua vez, padece de conflitos de competência entre diferentes órgãos nacionais. A recente onda de corrupção, evidenciada pela Operação Lava Jato também refreou a expansão dos interesses econômicos brasileiros no exterior. O Brasil precisar desonerar completamente suas exportações e melhorar as condições de logística e de infraestrutura. A burocracia e a legislação laboral também constituem grandes entraves a progressos nessa área. A prevalência do multilateralismo na diplomacia comercial também tornou mais lenta a negociação de acordos bilaterais de comércio.

4. Diplomacia anticorrupção, Marcos Tourinho
Por ter importantes componentes transnacionais, o combate à corrupção, ao desvio de recursos e à evasão fiscal é âmbito onde a política externa tem o potencial de oferecer contribuição concreta para o desenvolvimento e a democracia no país. Recomenda-se: 1) atuação concertada do Itamaraty com Ministérios da Fazenda, da Justiça, Polícia Federal, Judiciário e Ministério Público; 2) elaboração de guia de conduta de autoridades na promoção e proteção de interesses de empresas brasileiras no exterior; 3) recuperação da imagem de empresas brasileiras envolvidas em corrupção por meio de adesão a mecanismos como o Pacto Global da ONU; 4) adesão a mecanismos internacionais existentes e liderança na criação de novos regimes; 5) celebração de acordos bilaterais de combate à corrupção.

5. Segurança e defesa, Érico Esteves Duarte
            Depois de dez anos de ter elaborado uma estratégia nacional de defesa, é preciso revisar a estrutura atual do setor, com base em crédito público à indústria nacional, mas também com base nas novas ameaças emergentes. O mais grave problema é o tráfico internacional de cocaína. A articulação entre o MD e o MRE é insuficiente. “Recomenda-se que a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) ganhe um corpo mais efetivo e estruturado no âmbito da Casa Civil” (p. 83). Ela deveria amparar e subsidiar um Conselho de Planejamento Nacional, incluindo um setor de inovação, incorporando quadros do Itamaraty e das FFAA.

6. Política externa brasileira e a nova geopolítica da energia, João Augusto de Castro Neves
            A diplomacia energética mudou bastante na era Lula, passando da tentativa de transformar o etanol e commodity global até a reversão para os combustíveis fósseis no pré-sal e novas incursões na energia nuclear, ambas iniciativas tingidas por forte corrupção. Está em curso uma reestruturação do setor elétrico que pode aumentar a participação do capital estrangeiro na provisão de energia. A decisão de alterar o marco regulatório no petróleo causou uma virtual paralisia no setor, a que se soma o protecionismo exacerbado, que diminuiu o fluxo de investimentos. A diplomacia brasileira pode atuar de forma relevante na captação de recursos para investimentos em energia no país.

7. Bens públicos, grupos de interesse e política externa, Eduardo Mello
            De que forma as opções de diplomacia acarretam ganhos e perdas para diferentes grupos sociais no Brasil? O autor sugere mensurar os efeitos domésticos das opções externas adotadas pelos diferentes governos.

8. Diplomacia da saúde global, Umberto Mignozzetti
            As epidemias do subdesenvolvimento colocaram novamente o Brasil no centro do debate internacional sobre doenças globais. As práticas nacionais podem dificultar a aplicação de normas internacionais de combate a essas epidemias. Seria preciso aumentar a cooperação regional para melhor combater epidemias.

9. Promoção da democracia e dos direitos humanos, Oliver Stuenkel
            Novas dúvidas surgiram sobre a resiliência da democracia na região, a partir de um aparente esgotamento do ciclo da esquerda nas políticas da região. A proteção dos direitos humanos apresenta implicações para as questões da não-intervenção e da soberania nacional. Mas o silêncio brasileiro em relação às crescentes violações à democracia e aos direitos humanos na Venezuela “criou uma fissura na imagem do Brasil como líder regional” (p. 125). Empréstimos do BNDES deveriam levar em conta esses aspectos na concessão de créditos subsidiados.

10. Análise estratégica para as relações internacionais do Brasil, Matias Spektor
            Qual seria o papel da análise estratégica em política externa? “Não existe hoje uma instância com poderes delegados da presidência da República para coordenar o trabalho de reflexão prospectiva dos numerosos órgãos governamentais que conduzem algum tipo de atividade internacional. Ou seja, não há uma estrutura análoga ao National Security Council (Estados Unidos), ao Prime Minister’s Strategy Unit (Reino Unido) ou aos conselhos mais ou menos informais que alimentam com análises estratégicas o processo decisório dos chefes de governo em países como Rússia, Índia e China” (p. 135). Ou seja, o trabalho de análise estratégica é pulverizado em diversas agências.
            “A cultura diplomática é rica e fonte de enorme vantagem comparativa para o Brasil no sistema internacional. No entanto, cinco de suas principais características distintivas dificultam o nascimento de uma cultura arraigada em análise estratégica” (p. 136). 1) valoriza a ação prática em detrimento do trabalho analítico; 2) existe um culto das gerações mais antigas e pouca interação com instituições de fora do país; 3) existe aversão ao dissenso e adesão ao pensamento grupal; 4) existe mais burocracia administrativa do que reflexão estratégica no dia a dia do diplomata; 5) a hierarquia estrita traz coerência mas também enormes custos: “Existem barreiras tácitas e explícitas à cultura de questionamento e criatividade que é essencial a qualquer trabalho sério de análise estratégica” (p. 137).
  
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de fevereiro de 2017

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Turquia: entre a preeminencia islamica e a heranca laica - Stratfor


Turkey's Violent Protests in Context

Stratfor Analysis
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Turkey's Violent Protests in Context
Turkish protesters gather in Taksim Square in Istanbul on June 1. (BULENT KILIC/AFP/Getty Images)

Summary

The rapid escalation of anti-government protests in Turkey in recent days has exposed a number of long-dormant fault lines in the country's complex political landscape. But even as the appeal of Prime Minister Recep Tayyip Erdogan's ruling Justice and Development Party (also known by its Turkish acronym, AKP) is beginning to erode, it will remain a powerful force in Turkish politics for some time to come, with its still-significant base of support throughout the country and the lack of a credible political alternative in the next elections.

Analysis

The foundation for the current unrest was laid May 28, when a small group of mostly young environmentalists gathered in Istanbul's Taksim Square for a sit-in to protest a planned demolition of walls, uprooting of trees and the perceived desecration of historical sites in the square's Gezi Park. The initially peaceful demonstration turned violent the night of May 30, when police tried to break up what had grown to more than 100 protesters.
The environmental protesters were joined the next day by high-level representatives of the Justice and Development Party's main opposition, the secular Republican People's Party (known as CHP). The message of the protests soon evolved from saving Gezi Park's trees to condemning Erdogan and his party for a litany of complaints. Anti-government chants included "Down with the dictator," "Tayyip, resign," and "Unite against fascism."
The protests grew rapidly when the weekend began, with more than 10,000 people gathering in Taksim Square on June 1. Many of these made their way to the square from the district of Kadikoy, a Republican People's Party stronghold on the Asian side of Istanbul, by walking across the Bosphorus Bridge banging pots and pans in defiance of laws against pedestrian use of the bridge. Some reportedly threw Molotov cocktails, fireworks and stones at police, prompting the use of tear gas and water cannons on the protesters. However, this quickly drew condemnation, leading the government to temporarily withdraw police at the cost of allowing more protesters to gather.
Spread of Protests in Turkey: May 31-June 2, 2013
Erdogan's response was defiant. While admitting excessive force by the police and ordering an investigation of the matter, he said that he would not give in to "wild extremists" who belong to an "ideological" as opposed to "environmental" movement and that he would bring out a million supporters from his party for every 100,000 protesters. The same night, riots broke out and some 5,000 protesters threw stones at the prime minister's office in the Besiktas neighborhood in Istanbul.
On the morning of June 2, heavy rains kept protesters away from Taksim Square save for a few dozen who huddled around bonfires. More protesters made their way back to the square in the afternoon while Erdogan made another defiant speech blaming the Republican People's Party for the unrest and vowing to proceed with the development plans. Clashes between police and protesters have resumed, and close to 1,000 people have been detained and dozens injured.

Erdogan's Limits

The size and scope of the protests must be kept in perspective. By the end of June 1, protests had reportedly spread to Izmir, Eskisehir, Mugla, Yalova, Antalya, Bolu, Adana, Ankara, Kayseri and Konya. Many of the areas where protests were reported are also areas where the Republican People's Party would be expected to bring out a large number of supporters. Konya, Kayseri and Ankara, strong sources of support for the Justice and Development Party, were notable exceptions. The largest protests, in Istanbul and Izmir, brought out predominantly young protesters in the tens of thousands. The protests would be highly significant if they grow to the hundreds of thousands, include a wider demographic and geographically extend to areas with traditionally strong support for the ruling party.
The protests so far do not indicate that Erdogan's party is at serious or imminent risk of losing its grip on power, but they do reveal limits to the prime minister's political ambitions. Erdogan is attempting to extract votes from a slow-moving and highly fragile peace process with the Kurdistan Workers' Party to help him get enough support for a constitutional referendum. The referendum would transform Turkey from a parliamentary system to a presidential system and thus enable Erdogan, whose term as prime minister expires in 2015, to continue leading Turkey as president beyond 2014, when presidential elections are scheduled. The sight of protesters from the pro-Kurdish Peace and Democracy Party (known as the BDP) joining Republican People's Party supporters for the June 1 protests does not bode well for Erdogan's plan to rely on those votes in the constitutional referendum. Though the Justice and Development Party, which remains highly popular with Turkey's more conservative populace in the Anatolian interior, so far does not face a credible political contender for the October local elections or 2015 parliamentary elections, Erdogan's political maneuvering to become president will face more resistance.
The ruling party's main secular opposition is alarmed at Erdogan's policies that compromise the core founding principles of the state as defined by Kemal Ataturk. From social measures that ban the sale of alcohol after 10 p.m. to foreign policy measures that have Turkey trying to mold and influence Islamist rebel groups in Syria, these are policies that directly undermine the Ataturkian mandate that Turkey must remain secular and avoid overextending itself beyond the republic's borders. But the growing dissent against the party is not a simple Islamist-secular divide, either. A perception has developed among a growing number of Turks that the party is pursuing an aggressive form of capitalism that defies environmental considerations as well as Islamic values. Within business circles, frustration is building over the number of concessions handed out to Erdogan's closest allies.

Rising Dissent

The polarization of the state could be plainly seen in the reporting of the Gezi Park protests. The protests appear to have emboldened once critical newspapers such as Hurriyet to reassume an anti-ruling party stance unseen in the recent years of Erdogan's media taming. Hurriyet has broadcast Erdogan's "defeat" with headlines such as "Erdogan no longer almighty." On the other end of the political spectrum, the state-funded news agency Anatolia is reporting the protests as a "brawl" between police and firework-throwing youth extremists, while stressing a democratic message that the government permitted the Republican People's Party to demonstrate in Taksim.
Far more interesting is reporting from the Justice and Development Party's traditional sources of support. Yeni Safak, a newspaper close to the ruling party, has condemned the park project and sympathized with the protesters. The same was seen in Zaman newspaper, run by followers of the moderate Islamist Gulen movement. The Gulenists form a crucial component of the ruling party's broader support base but also keep their distance from the ruling party. The movement has been increasingly critical of Erdogan, strongly suggesting that he and his party have become too powerful. Editorials from the newspaper admonished Erdogan for his "excessive" behavior and sided with the protesters.
Though dissent is rising, Erdogan and the Justice and Development Party still have a substantial support base, and the opposition continues to lack a credible political alternative (local elections scheduled for October likely will indicate how much support for the party has waned). At the same time, Turkey is pursuing a highly ambitious agenda abroad, from negotiating peace with Kurdish militants and developing oil pipelines in Iraqi Kurdistan to trying to fend off Syrian-backed militant attacks. Turkey was already highly constrained in pursuing these foreign policy goals, but they will take second place to Turkey's growing political distractions at home as Erdogan prioritizes the growing domestic challenges and as foreign adversaries such as Syria try to take advantage of preoccupied Turkish security forces to try to sponsor more attacks inside Turkey.


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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Os problemas do "made in Brazil" sao made in Brazil: portanto...

... a solução só pode vir do próprio Brasil. Qualquer solução protecionista - de mais tarifas e maior isolamento da competição externa -- ou simplesmente cambial -- como uma desvalorizaçnao artificial da moeda brasileira -- são falsas soluções e só podem redundar em perdas para a sociedade e para a economia.
Enfrentar nossas mazelas é tarefa para a póxima presidente: veremos se ele está à altura dos desafios.
Paulo Roberto de Almeida

Pressões pelo protecionismo

Editorial O Estado de S.Paulo
21 de dezembro de 2010 | 23h 27

Aumentar o poder de competição da economia nacional será uma das principais tarefas do novo governo, se a presidente Dilma Rousseff quiser manter a produção e o emprego em crescimento. A invasão de produtos importados, o saldo comercial minguante e o crescente buraco na conta corrente do balanço de pagamentos não permitem muita hesitação. Se demorar a agir, o governo ficará perigosamente exposto a pressões de empresários e sindicalistas e terá dificuldade para evitar uma recaída do Brasil no protecionismo.
A movimentação de sindicalistas em favor de uma ação oficial contra as importações já é ostensiva, como indicou reportagem publicada segunda-feira no Estado. A presença crescente de produtos importados no mercado brasileiro é apontada como ameaça ao emprego. O risco pode ser pouco perceptível para a maioria das pessoas, neste momento, mas tende a crescer e é preciso levá-lo em conta.
Dirigentes de entidades empresariais também têm pedido socorro e tendem a articular-se com os sindicalistas na cobrança de medidas defensivas e de benefícios tributários aos produtores brasileiros.
Articulações desse tipo são perigosas. Induzem os governos a produzir respostas políticas para atender os grupos mais articulados, em vez de tomar providências mais eficazes para fortalecer a economia nacional. Protecionismo e subsídios são bons para alguns setores empresariais e para algumas categorias de trabalhadores, mas custam muito para o consumidor, para os trabalhadores de outras áreas e para os contribuintes em geral.
Para responder ao desafio, o novo governo terá de enfrentar com urgência tarefas prometidas e jamais cumpridas de forma satisfatória pelas autoridades nos últimos anos. O País dispõe oficialmente de uma Política de Desenvolvimento Produtivo, mas a ação oficial nunca foi muito além das palavras e da formulação de esquemas ambiciosos. O crescimento econômico dos últimos oito anos foi muito mais uma consequência da ação dos empresários do que das iniciativas governamentais. O ambiente internacional favorável até 2008 também ajudou muito.
Em vez de esperar pressões de sindicalistas e de empresários, a equipe do novo governo deveria examinar as deficiências da economia brasileira e pensar em como combatê-las. Pode-se encontrar um bom inventário dos problemas no estudo comparativo de competitividade publicado na sexta-feira passada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Nesse estudo, o Brasil aparece em 36.º lugar numa lista de 43 países. Esse conjunto corresponde a cerca de 90% do produto bruto global. O País subiu um degrau nessa classificação, desde o levantamento anterior, mas continuou no grupo dos países de baixa competitividade (nos outros grupos estão os de competitividade alta, satisfatória e média).
A posição brasileira seria provavelmente melhor, se a classificação fosse baseada só nos atributos das empresas. Mas o poder de competição do setor produtivo é determinado por numerosos fatores, como a carga tributária, a qualidade das finanças públicas, as condições de financiamento, a qualidade e a extensão da infraestrutura, a taxa de poupança e a oferta da mão de obra adequada. Em todos esses itens o Brasil perde para as economias desenvolvidas e para a maior parte das emergentes.
O Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, tem hoje mais influência do que há oito ou dez anos. Mas isso não lhe assegura vantagem permanente no confronto com os competidores. Os dados são muito claros: o produtor nacional vem perdendo a corrida tanto no mercado externo quanto no interno. Sem as boas condições de preços dos produtos básicos, a receita de exportações teria crescido bem menos neste ano e as perspectivas seriam piores em 2011.
Há poucos dias o ministro da Fazenda anunciou estímulos ao financiamento de longo prazo. A medida é oportuna, mas o programa é limitado e não produzirá efeitos imediatos. Além disso, é preciso agir numa frente muito mais ampla. Se for rápido, o novo governo poderá desenvolver uma política racional e eficaz. Se for lento, ficará exposto a pressões perigosas.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Lula = Mao; FHC = Deng - Carlos Alberto Sardenberg

Lula é o nosso Mao; FHC, o nosso Deng
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Estado de S.Paulo, 19 de dezembro de 2010

Quando um governante tem ampla aprovação popular, decorre daí que está fazendo a coisa certa? Depende do que se entende pela coisa certa, é claro, mas a relação não é direta. É possível que um líder tenha prestígio enquanto faz uma administração absolutamente desastrosa, e isso vale tanto para os eleitos quanto para os ditadores.

O exemplo mais evidente é o de Mao. Até hoje a China reverencia o "grande líder", que, entretanto, conduziu o País a grandes desastres: fome matando milhões, economia arrasada, assassinatos em massa, torturas. Já a potência econômica de hoje foi fundada por Deng Xiao Ping, aliás, ele próprio prisioneiro durante a revolução cultural maoista. Mas é a imagem de Mao que se vê por toda parte.

Agitação e propaganda são boa parte da explicação. Governantes bem-sucedidos na admiração popular têm isso em comum, a capacidade de falar diretamente às pessoas e vender gato por lebre. Criam slogans simples e de imediata compreensão, lançam um plano atrás do outro, não importa se o primeiro foi simplesmente abandonado. Tudo apoiado pelos instrumentos da propaganda.

Nas ditaduras é mais fácil. Como disse Lula no lançamento de seu balanço, no mundo todo os jornais não falam bem do governo, exceto na China e em Cuba. Verdade. O problema é que Lula fez esse comentário em tom de reclamação, como se, na democracia, com imprensa livre, tivesse que gastar muita energia e dinheiro (pagando publicidade na mídia) para passar a sua verdade.

Mas o fato é que Lula foi muito bem nesse quesito. Passou seu governo inteiro no palanque, anunciando planos e mais planos, metas e mais metas, inaugurando várias vezes a mesma obra. Uma parte da imprensa simplesmente aderiu ou foi obrigada a isso pelo volume das verbas oficiais de publicidade. A imprensa livre e independente, apesar das reclamações do presidente, sempre cobriu essas atividades, o que ampliou os palanques.

A Ferrovia Transnordestina é um caso exemplar: foi lançada e "inaugurada" cinco vezes, sempre apresentada pelo presidente como sua obra especial. Prometida para este final de ano, tem menos de 100 km prontos, para um projeto de quase 3 mil. Nada disso impediu que a obra aparecesse como resultado de sucesso na prestação de contas de Lula, aquela registrada em cartório. Claro que o texto não diz que a obra está pronta, mas, sim, em execução, que foi viabilizada "pela primeira vez", sem nenhuma referência aos atrasos e problemas que ainda enfrenta.

Ou seja, não é prestação de contas, mas pura propaganda. Lula não perde a oportunidade de alardear sua elevada popularidade, suas virtudes de operário-presidente. Sua turma também. É o maior presidente de todos os tempos, disse uma vez Dilma Rousseff. E, quando criticado por esses excessos, Lula joga na cara dos críticos: o País nunca cresceu tanto, a renda aumentou, a pobreza diminuiu e o mundo respeita o Brasil. Por que ele não pode se vangloriar desses feitos?

Eis a quase-verdade (ou, claro, quase-mentira). É verdade que o País está de novo num bom momento. Mas não é verdadeira a conclusão que Lula tira disso: que isso tudo só está acontecendo porque ele é o presidente.

Basta olhar em volta. Os países emergentes em geral descreveram trajetória igual à brasileira: estabilidade macroeconômica construída nos anos 90 e, especialmente no período 2003/08, os benefícios de uma onda de prosperidade mundial que elevou espetacularmente os preços de nossos produtos de exportação, trazendo abundância de dólares. Na crise do final de 2008/09, o mesmo desempenho: dois ou três meses de recessão, seguidos de forte recuperação, situação atual.

No conjunto, todos os emergentes cresceram forte, acumularam reservas internacionais e têm hoje o mesmo problema da moeda local valorizada (exceto a China, que mantém sua moeda desvalorizada, um caso à parte). Mas reparem: nos anos dourados, 2003/08, o País cresceu menos que os emergentes em geral e menos que a média latino-americana.

Todos reduziram a pobreza e em todos se formaram novas classes médias. E grande parte dos países tem programas sociais tipo Bolsa-Família. O Chile Solidário, por exemplo, para ficar na América Latina.

Mas por que o Brasil se tornou tão festejado no mundo? Ora, porque o Brasil, estável, é um enorme país, de amplas oportunidades econômicas. Isso já aconteceu antes na história deste país.

Isso é o lulismo: estabilidade macroeconômica ortodoxa, uma onda mundial favorável, um setor privado (agronegócio e mineração) capaz de atender à demanda global e dinheiro público para gastar com as diversas clientelas, dos mais pobres até as grandes empreiteiras. Um bom momento inflado pelo presidente no palanque.

O problema é que esse tipo de propaganda esconde os problemas. No que o Brasil é diferente dos demais emergentes importantes? É pelo pior: o País continua consumindo mais do que produz, investe menos que a média emergente (sim, com PAC e tudo, continua investindo menos de 20% do PIB), cobra impostos demais de suas empresas e pessoas, tem ainda a taxa de juros mais alta do mundo, um gasto público exagerado e ineficiente, uma bomba-relógio na Previdência.

O governo Lula simplesmente empurrou esses problemas para a frente. Vão cobrar um preço quando o mundo parar de ajudar. Aí surgirá uma nova interpretação da era Lula, assim como da era FHC, um período de reformas que se mostram duradouras.

Lula, claro, não é igual a Mao. Longe, muito longe disso. Há um oceano entre um ditador e um presidente eleito e reeleito. Mas o que têm em comum é a enorme capacidade de formar a opinião pública. Mao, transformando desastre em avanço heroico. Lula, herdando um bom momento, para multiplicá-lo e assumir pessoalmente todos os méritos.

E o presidente Fernando Henrique Cardoso certamente é o nosso Deng.

JORNALISTA E-MAIL: SARDENBERG@CBN.COM.BR SITE: http://www.sardenberg.com.br/