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segunda-feira, 24 de abril de 2017

Ricardo Bergamini sobre as reformas economicas dos anos 1960

Brasil: País das reformas.

Ricardo Bergamini


Em princípios da década de 1960 o quadro institucional brasileiro era francamente desfavorável ao desenvolvimento econômico. Fora os problemas da desordem política, da inflação descontrolada e dos déficits externos, o país se ressentia da falta de leis e instituições adequadas ao seu processo de crescimento. A ideia de que o Brasil reclamava “Reformas de Bases” urgentes transformou-se em slogan demagógico no governo Goulart sem que, no entanto, surgisse qualquer proposição pragmática capaz de ajudar o desenvolvimento.

Na época, da mesma forma que a partir da Constituição de 1988 - facilitou a criação de mais de 2.000 municípios, sem fonte de receita própria -, a desordem tributária manifestava-se em pelo menos três pontos:

- Na incidência de impostos indiretos em cascatas, tais como os atuais: COFINS, PIS/PASEP, dentre outros, representando 80% da arrecadação.

- Na proliferação de impostos destituídos de funcionalidade econômica. Não havia nenhuma ligação entre os tributos arrecadados com compromissos com o desenvolvimento. Havia um caixa único onde levava quem obedecesse ao “governante de plantão”.

- E finalmente na descoordenação entre uma relação racional entre impostos da União, dos Estados e Municípios. Todos os poderes cobravam seus tributos de forma livre e autônoma. A carga tributária crescia sem limites.

Até 1958 o imposto de consumo (posteriormente substituído pelo imposto sobre produtos industrializados) incidia em cascata, e até 1966 a principal fonte de receita estadual, o imposto sobre vendas e consignação, obedecia ao mesmo sistema de incidência. A substituição deste último imposto, a partir de 1967, pelo atual Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), com muito maior grau de coordenação interestadual do que o seu antecessor representou um dos passos mais importantes para a melhoria da funcionalidade do sistema fiscal brasileiro.

Além dos impostos injustos e os incidentes em cascata, havia os destituídos de funcionalidade econômica. Deles o mais importante era o “imposto de selo”, o qual não incidia sobre rendas, mercadorias ou serviços, mas sobre contratos. “A Constituição de 1967” aboliu esse tributo, substituindo-o parcialmente pelo imposto sobre operações financeiras (IOF).

Por último, a descoordenação fiscal. “A Constituição de 1946” delimitara as órbitas de tributação federal, estadual e municipal como feudos independentes. O resultado era um sistema de superposições tributárias sem sentido de conjunto e as frequentes guerras fiscais entre Estados e entre Municípios, cada qual procurando atrair para si, com ofertas de isenções, novas empresas industriais e comerciais. “A Constituição de 1967” determinando que as regras básicas dos impostos Estaduais e Municipais seriam estabelecidas por leis complementares, e que o Senado Federal fixaria as alíquotas máximas para cada um desses tributos melhorou consideravelmente o grau de coordenação entre os impostos da União, Estados e Municípios.

Cabe ressalvar que qualquer semelhança com o manicômio tributário brasileiro atual não é mera coincidência. Mas sim a constatação da vitória dos estúpidos e imbecis, de todas as correntes ideológicas e partidárias, sobre os racionais, os quais são patrulhados e vigiados, diuturnamente, sendo impedidos de assumirem até mesmo cargo de síndico de edifícios. 

Para finalizar, cabe ressaltar que se houvesse sinceridade nas propostas de reforma tributária, bastaria reeditar o “Capítulo da Ordem Econômica da Constituição de 1967”. Seria a vitória da razão e da técnica sobre a estupidez e a imbecilidade generalizadas, tão enaltecidas e aclamadas nas últimas décadas.

Ricardo Bergamini
Membro do Grupo Pensar+ www.pontocritico.com

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Ricardo Bergamini relembra um dos melhores textos de Roberto Campos: 100 anos hoje

Prezados Senhores

Em homenagem aos 100 anos de vida do imortal Roberto Campos, leiam com atenção seus ensinamentos para o grave momento atual do Brasil. Creio que o título do artigo já diz tudo.

Repetindo o óbvio (09/01/2000)

126417*Roberto de Oliveira Campos
 

Aceito o risco de parecer repetitivo. Diante das grandes questões que preocupam mais no nosso país, a originalidade do articulista fica em segundo lugar. Estamos atravessando dias pesados, um ambiente de insatisfações e sombras. Os mais jovens sentem-se angustiados diante das incertezas do futuro, da ameaça de desemprego, de falta de horizontes. Os mais velhos tentam lembrar-se daqueles períodos em que o Brasil não atravessava um estado de crise permanente. Salvo alguns breves anos do começo do Plano Real, parte da Era Kubitschek e o otimismo do "milagre econômico" do fim dos anos 60 - que, no entanto, foi tisnado pela situação política de exceção -, todo o resto de nossa História contemporânea é um confuso mosaico de problemas e condições institucionais instáveis.


Não chegamos felizmente ao extremo dos gulags, campos de extermínio, "limpezas étnicas" e coisas que tais. Nossos chamados "anos de chumbo", comparados às experiências de outras nações (e certamente aos "anos de aço" dos regimes comunistas), pareceriam antes de papel de cigarro metalizado. Se afundamos numa situação crítica injustificável, é por nossa própria culpa, por falta coletiva de bom senso e de responsabilidade.

O público exprime sua perplexidade naquela conhecida anedota de como Deus, tendo presenteado nossa geografia com uma abundância de vantagens materiais, colocou no Brasil, como contrapeso, um "povinho ruim". Essa autodepreciação está errada. O trabalhador brasileiro, ainda que subinstruído, é diligente e flexível, como as empresas estrangeiras são as primeiras a reconhecer. Os engenheiros e gerentes especializados têm em alguns casos nível bastante alto. Somos a oitava economia do mundo e temos conseguido adaptar-nos a mudanças tecnológicas complexas. Falta-nos reduzir os excessivos contrastes em matéria de educação, informação e saúde - demanda social justa, mas não um impedimento real ao nosso desenvolvimento tecnológico ou industrial.

A verdade é que nosso grave subdesenvolvimento não é só econômico ou tecnológico. É político. Somos um gigante preso por caguinchas dentro de estruturas disfuncionais. A máquina político-administrativa que rege hoje nossos destinos é uma fábrica de absurdas distorções cumulativas. O regime presidencialista e o voto puramente proporcional, cada um dos quais, já de si, dificilmente funcionam bem, transformam-se, quando combinados, numa crise quase ininterrupta. O presidencialismo americano, que nos serviu de modelo, é conjugado ao voto distrital, e a federação é autêntica, porque foram os Estados que a criaram, enquanto que no Brasil estes resultaram do desfazimento do império unitário.

Não é que os políticos só pensem em si ou sejam "corruptos" de nascença. Essa é uma visão popular deformada. A maioria é dedicada e séria. Mas o deputado, o senador, o prefeito, o governador e, obviamente, o presidente têm de ser eleitos, ponto de partida do qual não há escapatória. Nas eleições proporcionais de hoje, os deputados são obrigados a catar votos por todo o Estado, garimpando aqui e ali - um processo caro e tremendamente incerto, porque eleitor em geral não sabe como discriminar entre dezenas de representantes eleitos. Como é que o eleitor médio vai se lembrar de quem propôs medidas ou leis, para poder avaliar quem merece o seu voto? Um americano ou um inglês pode falar no "seu" deputado: sabe exatamente quem ele elegeu e tem como cobrar respostas ao representante do "seu" distrito. O alemão, com um sistema misto, tem o "seu" deputado distrital e também o da lista do seu partido. E, como o regime é parlamentarista, pode cobrar de ambos.

No Brasil, cobrar o quê? De quem? Mal acaba de ser eleito por um partido, o deputado ou senador se sente à vontade para mudar de partido. Não existe sanção. A eleição presidencial então é sempre um trauma violento, agravado pela percepção de que o vencedor passará a controlar a máquina pública, os mecanismos de dar ou negar favores. Gerir a coisa pública é, entre nós, um contínuo varejo. Dá para estranhar que, desde o início da República, raros tenham sido os governos que não se envolveram em conflitos com o Congresso, com riscos de descontinuidade institucional? Contra um sistema tão ruim, tanto faz se os políticos são santos ou bandidos. Num ônibus sem freios, o perigo de desastre é o mesmo para todos. Há perto de três séculos e meio, Colbert, o famoso ministro protecionista da França monárquica, assim se lamentava na Carta de Luís XIV aos funcionários e ao povo de Marselha (26 de agosto de 1764):

"Como desde a morte de Henrique IV temos tido só exemplos de carências e necessidades, precisamos determinar como aconteceu que, durante tão longo tempo, não tenhamos tido, se não abundância, pelo menos uma renda toleravelmente satisfatória..." Colbert põe a culpa no sistema fiscal e afirma que piores do que os muitos corruptos foram aqueles altos funcionários "cuja incompetência prejudicou mais o Estado e o povo do que os roubos pessoais". Entre os vícios da burocracia fiscal da época, Colbert lista os seguintes: "Consumir com despesas correntes as receitas ordinárias e extraordinárias dos dois próximos anos..." e "negligenciar as receitas gerais ordinárias afazendadas, dedicando-se ativamente à busca de fontes de renda extraordinárias..."

Colbert se revelou um reformista e desenvolvimentista avant la lettre. Mas a França já estava politicamente entalada, e ele não conseguiu realizar sua "reforma fiscal". O mundo está cansado de esperar pelas "reformas" brasileiras. E de ouvir lamentações sobre a nossa pobreza. Há muito, exceto em regiões desérticas da África ou gravemente sobrepovoadas da Ásia, a pobreza deixou de ser uma fatalidade. É um acidente histórico de povos que preferem externalizar a culpa em vez de fabricar seu próprio destino.

*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

Ricardo Bergamini

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Ricardo Bergamini analisa o atual impasse politico em torno da crise brasileira

O impasse institucional será inevitável

Ricardo Bergamini

Os obstáculos institucionais a um planejamento integrado e abrangente são:
A existência de subdivisões políticas autônomas.
A inadequação do mecanismo de implementação. 

Ainda que os planos sejam concebidos por técnicos, têm de ser implementados através da máquina burocrática, que no Brasil partilha de natureza de burocracia “prismática”, preocupada mais em alcançar “status” que com exibir “desempenho”, e que não se ajusta facilmente aos objetivos nacionais da chamada burocracia “Weberiana”, dos países desenvolvidos, com seu enfoque racional e estruturas especializadas.

Falta de um mecanismo político de formação de consenso
Impregnados de facciosismo e personalismo, os partidos tradicionais provaram-se incapazes do esforço de formação de consenso necessário ao estabelecimento de um compromisso político com determinados objetivos de planejamento, e posteriormente com a continuidade de implementação das metas.

A instabilidade política
Em vista da ausência de um mecanismo de formação de consenso político, representando os planos, portanto, pouco mais que um comprometimento pessoal do chefe do executivo, a instabilidade de liderança tem efeito devastador sobre o esforço de planejamento. Donde nosso ceticismo sobre a relevância de esforços de planejamento num contexto político instável, no máximo existirá enfoques mais modestos, construídos sobre “ilhas de racionalidade”.
Nas democracias políticas – e isso também se aplica aos regimes autoritários onde existe um vigoroso setor privado – mesmo os planos nacionais mais abrangentes são meramente indicativos no tocante ao setor privado, e muito mais coordenativo do que compulsórios em relação a estados e subdivisões políticas.
Isto é verdadeiro ainda que o mecanismo de implantação burocrática permaneça patentemente inadequado, enquanto que a possibilidade de obter consenso político é habitualmente confinada a objetivos gerais, sem implicar um comprometimento operacional válido dos partidos políticos.

Convirá a esta altura considerar os obstáculos maiores que se antepõem a uma formulação e implementação eficaz de planos de desenvolvimento. 
Esses obstáculos são de tríplice natureza: ideológicos, técnicos e institucionais. 
Basta um simples comentário sobre possível mudança, e já surgem defesas intransigentes de grupos de poder na luta por seus imorais privilégios. Raramente havendo espaço para o debate técnico, normalmente desqualificado por esses grupos de poderes vitalícios no Brasil. 

Ricardo Bergamini

(recebido em 13/04/2017)

domingo, 9 de abril de 2017

Banco Central: Ricardo Bergamini novamente apresenta a realidade dos números

Prezados Senhores
O saldo das operações de crédito do sistema financeiro atingiu R$ 3.070,0 bilhões em fevereiro de 2017.
A carteira com recursos livres totalizou R$ 1.530,0 bilhões com custo médio de 53,2% ao ano.
Nas operações com recursos direcionados, o saldo alcançou R$ 1.540,0 bilhões com custo médio 9,9% ao ano.
- O mestre Roberto Campos nos ensina ser uma aberração econômica manter juros subsidiado dos bancos oficiais (Caixa, BNDES, BB) destinados aos amigos e aliados do governante de plantão, ou via propina, cujos juros foram em fevereiro de 2017, em média, 9,9% ao ano. Enquanto aos empresários, não amigos ou aliados do governante de plantão, ou sem propina, custaram em média 53,2% ao ano, ou seja: 437,37% maior.
- Outra abordagem do mestre é a perversão institucional do open Market que passou a financiar déficit de governo, gerando um ralo incontrolável que em fevereiro de 2017 era de R$ 1.595,8 bilhões (25,30% do PIB). Nesse campo chegamos ao nível atual de ter como projeto de governo geração de déficit. Inimaginável. 
Para que as pessoas entendam a excrescência, imaginem uma empresa privada projetar um déficit em seu fluxo de caixa: iria à falência. No Brasil o governo projeta, e ainda é homenageado e aclamado como sendo o máximo, e que em breve, num passo de mágica, levará o Brasil ao paraíso. E muitos babacas acreditam.
Ricardo Bergamini
Autonomia do Banco Central do Brasil
Roberto Campos
Quando propusemos em, 1965 - o professor Bulhões e eu -, a criação do Banco Central, como controlador e guardião da moeda, jamais imaginávamos que ele se transformaria em um grande banco rural, cúmplice ao invés de disciplinador da expansão monetária. Teve suas funções ampliadas e sua independência reduzidas. É preciso retorná-la à sua concepção original.
Outro exemplo de perversão institucional é o open market. Concebido originalmente como instrumento de controle monetário, tornou-se um grande acelerador da velocidade de circulação de vários tipos de quase-moeda. A regulação da base monetária perdeu eficácia, porque pouco adianta controlar o estoque de meios de pagamento sem controlar a velocidade do fluxo de quase–moeda. Com o open market conseguimos o feito singular de criar um mercado secundário sem um mercado primário!
Já que estamos neste tema, que dizer das excruciantes taxas de juros no segmento livre do mercado, que afligem nossas empresas? Ab initio, descartemos duas soluções que nada solucionam:
- O tabelamento dos juros; e
- A nacionalização dos bancos privados.
A primeira causa dos juros altos é a “expectativa” de inflação e de desvalorização cambial, que alimenta a inflação e dela se realimenta. Em segundo lugar a bizarra coexistência de taxas negativas para dois terço dos empréstimos e taxas explosivas para o terço restante, pois que a isso se limita o segmento livre de mercado. Este mercado não é caldeira; é a válvula de escape da excessiva pressão da procura. 
Eliminando o crédito subvencionado, descobriríamos o milagre aritmético da média: os juros tenderiam a baixar pela diminuição da procura e pela mudança de expectativa! E o mercado bancário se tornaria mais competitivo, pois os bancos não mais precisariam ser racionados, dado que o governo poderia melhor controlar a base monetária, e cessaria de pressionar o mercado financeiro que reflete fielmente o excesso de demanda de recursos por parte do setor público, quer federal quer estadual.
Nota: Apesar de ter sido escrito na década de 1980 se ajusta perfeitamente aos dias atuais.