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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Diplomacia lulopetista: a imagem do desastre - Editorial Gazeta do Povo

editorial Gazeta do Povo, 27/09/2017

A imagem do desastre

A diplomacia do PT destruiu uma tradição de equilíbrio, bom senso e excelência, perseguiu diplomatas não alinhados, abandonou interesses nacionais e apoiou regimes ditatoriais

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/a-imagem-do-desastre-8y9imwbxdmy5jup8isxg59ea1

 
O embaixador Rubens Ricupero, um dos mais destacados diplomatas brasileiros, que ademais já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda nos anos 1990, está lançando um novo livro, que se soma a seu prolífico legado como historiador e ensaísta. Na obra A diplomacia na construção do Brasil – 1750-2016, Ricupero analisa o papel da diplomacia brasileira na consolidação das fronteiras nacionais e na identidade da nação. Em entrevista à Folha de São Paulo, nesta terça-feira (26), o diplomata deu um diagnóstico certeiro sobre a atual imagem do país lá fora: “Ninguém quer sair na foto com o Brasil”. Esse derretimento da imagem brasileira no exterior, à semelhança da mais grave crise econômica da nossa história, é outra das heranças malditas do governo do Partido dos Trabalhadores.

O embaixador Ricupero até tenta contemporizar, bem no tom do diplomata experiente que é, elogiando algumas iniciativas do ex-presidente Lula e do ex-chanceler Celso Amorim, que esteve à frente do Itamaraty entre 2003 e 2010. Mas a verdade é que a diplomacia petista obliterou o Ministério das Relações Exteriores e fez terra arrasada de uma tradição de dois séculos de equilíbrio, bom senso e excelência, perseguindo diplomatas não alinhados, aparelhando descaradamente a máquina ministerial, abandonando interesses nacionais óbvios e apoiando financeiramente regimes ditatoriais. O Itamaraty, que sempre se orgulhara de fazer política de Estado, e não de governo, foi praticamente posto de joelhos pela sanha ideológica de uma diplomacia rasteira e nitidamente enviesada, estranha à vocação universalista do Brasil.
O Itamaraty foi posto de joelhos pela sanha ideológica de uma diplomacia rasteira e nitidamente enviesada
Ainda mais, o avanço da operação Lava Jato e de suas ramificações nos Judiciários estrangeiros está revelando que muito desse processo se deveu não só à cegueira ideológica e ao autoritarismo tacanho, mas deu-se às custas da mais desbragada corrupção. Aqui como lá os companheiros só faziam lambuzar-se nos recursos sofridos do contribuinte brasileiro, notadamente pelo financiamento do BNDES a obras de interesse duvidoso no exterior. Isso só foi possível por uma operação de marketing pedestre, que contou com a vista grossa de muitos formadores de opinião e observadores desaviados: “Esse é o cara!”, declarava o ex-presidente Barack Obama sobre Lula em 2009, para a jactância dos petistas que, à época, convenientemente se esqueceram do seu antiamericanismo atávico.
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Para ficar só no exemplo mais notável do completo naufrágio da diplomacia petista, a criação de 44 novas embaixadas entre 2003 e 2010 e a expansão dos quadros do Itamaraty sempre foram justificados pela necessidade de fazer comércio e estreitar laços com parceiros de grande potencial econômico, bem como para fortalecer a campanha pelo assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Ilusão de ótica: o país continua alijado do centro do poder geopolítico e com a pauta comercial concentrada nos poucos parceiros tradicionais (China, Estados Unidos, Europa, Mercosul e Japão).
Leia também: Diplomacia que se apequena (editorial de 27 de julho de 2014)
Que grande campanha publicitária foi essa, que não deixa nada a dever às maquinações do marqueteiro João Santana? Da mesma forma que o desempenho econômico brasileiro nos anos 2000 era vendido como mérito exclusivo do PT, enquanto se menosprezavam a bonança internacional do período e o legado positivo da estabilização econômica dos anos 1990, o protagonismo externo era creditado exclusivamente ao messianismo do “lulo-amorismo”, desconsiderando a inserção delicada e bem-sucedida do Brasil na ordem internacional, com a adesão a uma série de regimes, como o de não proliferação nuclear e os de direitos humanos, além do início de uma integração responsável com a América do Sul. Plantou-se a mentira estratégica, colheu-se a desmoralização quase completa.
Ricupero cita a importância do Brasil em matéria agrícola e ambiental. Mas nenhuma das posições em que a diplomacia brasileira ainda tem relevo é mérito dos delírios de grandeza da diplomacia “altiva e ativa” de Amorim. A imprescindibilidade do Brasil nas negociações comerciais agrícolas, por exemplo, é fruto do dinamismo e da eficiência do setor agrário, que remonta pelo menos à criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, em 1973. A centralidade nas discussões ambientais, por outro lado, deve-se ao fato de o país possuir a maior biodiversidade do mundo e uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, escolha política que antecede em muito o petismo. Mesmo as conquistas na proteção ao patrimônio natural da floresta Amazônica, que tanto se alardeia estarem em risco sob o governo de Michel Temer, começaram a degringolar ainda na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.
O alto custo dessa trama macabra dos petistas no Itamaraty ainda será contabilizado por muito tempo. As dimensões do desastre são muitas e o próprio Ricupero reconheceu que “ninguém pode imaginar que o Itamaraty alavancará o Brasil se o país não acaba com a corrupção, não volta a crescer [e] não combate a miséria”. Mas não é só. Além de reformas de que o país precisa para retomar a estrada do crescimento sustentável e de punição exemplar, na forma da lei, para todos os corruptos que estenderam seus tentáculos sobre o Brasil desde 2003, será necessário garantir que nossa diplomacia seja resgatada – e ainda há diplomatas capacitados para tanto – e permaneça sempre como uma diplomacia de Estado. Não de governo, e muito menos dos companheiros.

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/a-imagem-do-desastre-8y9imwbxdmy5jup8isxg59ea1?utm_source=gazeta-do-povo&utm_medium=box-lista&utm_campaign=mais-quente-dia

 

 

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Em nota, Planalto ataca Ricupero e o chama de 'desantenado' - Nota do Planalto


Em nota, Planalto ataca Ricupero e o chama de 'desantenado'

Marlene Bergamo/Folhapress



O ex-ministro Rubens Ricupero concede entrevista à Folha em seu apartamento em São Paulo
DE BRASÍLIA, 26/09/2017 15h50
O governo do presidente Michel Temer atacou nesta terça-feira (26) o embaixador Rubens Ricupero e disse que ele está "desantenado" e fazendo "autopropaganda".
Em nota, o Palácio do Planalto criticou declaração feita pelo diplomata, em entrevista à Folha, de que deve ter pouca gente que queira atualmente sair ao lado do presidente em fotografias.
Segundo o embaixador, o oposto ocorria com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que durante seus dois mandatos era um "vitorioso".
"Ricupero parece saudoso de uma atuação espalhafatosa, que chamava muita atenção e não rendia frutos concretos. Ricupero se mostra desantenado, escondendo fatos e propagandeando falsidades para justificar suas afinidades eletivas", criticou o governo.
No documento, o Palácio do Planalto afirma que autoridades internacionais pediram audiências ao presidente em viagem aos Estados Unidos e que o diplomata "esconde o que é ruim e mostra o que é bom à sua autopropaganda".
*
Leia a íntegra da nota:
O ex-embaixador Rubens Ricupero continua fiel à própria lei: esconde o que é ruim e mostra o que é bom à sua autopropaganda. Ele espalha que ninguém quer aparecer na fotografia com o presidente Michel Temer.
Aos fatos: em recente viagem a Nova Iorque, foram várias as audiências pedidas por chefes de Estado, inclusive o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a quem Ricupero afirma não ter procurado o chefe de governo do Brasil.
Consulta ao site da Presidência da República mostrará reunião entre o israelense e o presidente Temer na semana passada. E mais imagens com Narendra Modi (Índia), Donald Trump (EUA), Xi Jinping (China), Shinzo Abe (Japão), Angela Merkel (Alemanha), Wladimir Putin (Rússia) entre outros.
Foram várias as visitas de Estado a convite ou pedidos de reunião bilateral ao presidente Temer. O Brasil hoje exerce a liderança do processo de negociação do Mercosul com a União Européia e com a Aliança do Pacífico. É integrante ativo e relevante do Brics, preside a CPLP.
A diplomacia do governo brasileiro prevaleceu em relação a situação da Venezuela, seguindo a tradição do diálogo e do respeito aos fundamentos da Declaração dos Direitos Humanos.
Ricupero parece saudoso de uma atuação espalhafatosa, que chamava muita atenção e não rendia frutos concretos. Ricupero se mostra desantenado, escondendo fatos e propagandeando falsidades para justificar suas afinidades eletivas.

Ricupero: "Ninguem quer sair na foto com o Brasil" - FSP entrevista

"Ninguém quer sair na foto com o Brasil"

Entrevista / Rubens Ricupero

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Folha de S. Paulo, 26 de setembro 2017


Diplomacia não faz milagre. Hoje em dia, a imagem que o Brasil tem no exterior corresponde à realidade: um país com uma corrupção terrível, um presidente com uma segunda denúncia e a crise mais grave da história.
"Ninguém quer sair na foto com o Brasil", diz o embaixador Rubens Ricupero, 80, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, que lança na semana que vem "A diplomacia na construção do Brasil - 1750-2016", uma abrangente história da política externa brasileira.


Na obra, Ricupero, que foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), retrata como a diplomacia, e não o poder militar ou econômico, asseguraram ao Brasil suas fronteiras atuais.
Ele analisa a influência dos EUA na política externa brasileira —"Eles não executaram (o golpe militar), mas foram os mandantes". Reserva críticas para a política externa "ideologizada" do PT, mas também faz elogios.
"Por que todo mundo queria estar com o Lula? O Lula era um vitorioso. Além do sucesso econômico e político, ele tinha o êxito moral, o combate à miséria e à injustiça. Hoje, deve ter muito pouca gente querendo sair na foto com o Temer. Ninguém pode imaginar que o Itamaraty vai alavancar o Brasil se o país não acabar com a corrupção, voltar a crescer e combater a miséria."
Abaixo, trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.
*
Folha - O senhor testemunhou vários momentos importantes da história brasileira, relatados no seu livro. Pode contar algum?
Rubens Ricupero - Tem o encontro do Robert Kennedy com o ex-presidente João Goulart, em 1962. Era 17 de dezembro e eu era terceiro-secretário, um cargo bem baixo no Itamaraty. Brasília estava vazia e eu era o único diplomata respondendo pelo Itamaraty. O Robert Kennedy ia chegar e pediram para recebê-lo, em nome do governo brasileiro.
Podia parecer até uma ofensa, o terceiro secretário recebendo, e eu expliquei ao Lincoln Gordon (embaixador dos EUA na época) que eu era o único ali. Eu apertei a mão do Robert Kennedy.
No dia seguinte, às 11h, ele foi recebido pelo Goulart, no Alvorada. Eu fui, mas não entrei. Na sala estavam apenas Goulart, um intérprete do departamento de Estado, Kennedy e Lincoln Gordon.
Goulart não quis testemunhas porque provavelmente antecipava que ia ser uma conversa muito forte e não queria que ninguém ouvisse o que ele ia dizer.
Em 2014, foi revelado um memorando sobre o encontro, escrito por Gordon. Kennedy teria dito a Goulart: "Não temos problemas com independência na política brasileira, mas de fato objetamos a que essa independência se torne sistematicamente antiamericana, opondo-se a políticas e interesses americanos de modo regular".
Mais assombroso ainda, na primeira conversa que John Kennedy gravou no Salão Oval da Casa Branca, em julho de 1962, Goulart só estava no poder há 9 meses e os americanos já estavam convencidos de que era preciso levar os militares a dar um golpe no Brasil.
Eles reconheciam que os militares não queriam fazer isso, tanto que Gordon diz ser preciso "reforçar a espinha dorsal dos militares". Ainda falta escrever o livro sobre o papel dos americanos no golpe.
Não acho que eles deram o golpe, mas não tenho dúvida de que eles induziram e foram os primeiros a organizar. É como num homicídio, que tem o mandante e o executante. Os americanos não executaram (o golpe), mas foram os mandantes. Mesmo assim, estou convencido de que o Goulart caiu por culpa dele, quando ele recuperou os poderes e apostou na radicalização. Não havia ambiente para isso.

Por que?
Ele radicalizou em um momento de aguda Guerra Fria em que isso era inconcebível. Do Jacobo Arbenz em 54, na Guatemala, até o Salvador Allende em 73, no Chile, nenhum governo de esquerda na América Latina sobreviveu. O Lula só chegou ao poder porque a Guerra Fria tinha terminado.

Hoje em dia qual é o tom do relacionamento entre Brasil e EUA?
Os EUA, depois do fim da Guerra Fria e após os ataques de 11 de setembro de 2001, passaram a ter uma agenda internacional em que não há mais espaço para América Latina.
A pauta americana é dominada hoje por grandes temas de superpotência, como problemas no mar do sul da China e rivalidade estratégica com a Rússia, ou pela islamização da agenda internacional, por conflitos vinculados à radicalização de um de islamismo extremista.
Uma vez que desapareceu a ameaça comunista, para os americanos, o que se passa aqui pode incomodar um pouco, mas não muito. Até mesmo a Venezuela —eles prefeririam que fosse um país a favor dos EUA, mas podem conviver com isso perfeitamente.
Hoje em dia, na grande estratégia americana, não há espaço para o Brasil. O Trump até hoje não fez um tuíte especificamente sobre o Brasil —essa é a maior prova da insignificância do Brasil para o governo americano. Aliás, ainda bem, porque em geral, quando Trump põe alguém no Twitter, é para dar uma porrada.

Hoje nossa política externa para os EUA está mais para política externa independente, dos anos Jânio-João Goulart, ou alinhamento automático?
Hoje temos uma política independente. No discurso do Temer na ONU, que é o do Itamaraty, há defesa do Acordo de Paris e do multilateralismo, dois temas a que Trump se opõe. O Brasil tem o que dizer nessas duas questões.
O Brasil não é potência nuclear, nem militar convencional, nem econômico-comercial. A única área em que o país é potência é no meio ambiente, porque tem a maior floresta tropical do mundo, se o Temer e a bancada ruralista não destruírem.
Também na área de negociação agrícola comercial não se pode chegar a um acordo sem o Brasil. A última vez em que quase se chegou a um acordo, em 2008, foi um grande trabalho do (então chanceler) Celso Amorim, com apoio do Lula, um entendimento entre Brasil e UE para resolver um impasse. Mas aí os americanos e indianos torpedearam o acordo.

O Brasil nessas áreas é incontornável, mas com o Trump, como você pode ter um diálogo sobre o acordo de Paris, sobre a retomada da negociação multilateral de comércio agrícola, que é o que interessa ao Brasil?
Um dos momentos em que a política externa brasileira esteve mais em evidência foi em 2010, quando o Brasil, ao lado da Turquia, propôs um acordo resolver a questão nuclear do Irã...
Eu nunca fui um crítico do esforço que o Lula e o Celso (Amorim) fizeram. Há derrotas que honram mais que certas vitórias, essa é uma delas. Foi uma iniciativa inédita para um país latino-americano tentar chegar a um acordo numa área em que normalmente é privativa das grandes potências.
Quando se falava em multipolarismo, acreditava-se que as grandes potências nucleares e militares tinham finalmente aceitado que havia espaço para países intermediários como o Brasil, a Turquia, o México, a Índia.
Que esses países poderiam tentar solucionar um caso como o do Irã. Equivaleria hoje em dia ao caso da Coreia do Norte, se nós tivéssemos alguma influência sobre o governo de lá. O próprio Obama chegou a encorajar o esforço brasileiro por cartas.
Mas a Hillary (então secretária de Estado Hillary Clinton) era contrária e tanto o Brasil como a Turquia sobrestimaram sua influência sobre os iranianos. Conseguiram que os iranianos mostrassem alguma flexibilidade, mas não o bastante para permitir acordo naquele momento. E os Brics decepcionaram.
Se é verdade que os Brics constituem um agrupamento importante, como é que se explica que a Rússia e a China tenham se aliado aos americanos votando sanções adicionais ao Irã e arrancando o tapete debaixo dos pés do Brasil e da Turquia.
Meu livro mostra bem que era prematura essa percepção de que havia espaço para o multipolarismo. Na hora em que houve a prova de fogo, viu-se que as grandes potências não delegavam para ninguém.
Foi uma tentativa meritória, audaciosa, que longe de desonrar, deu prestígio para o país, que foi aplaudido no mundo inteiro. Perceba que eu não sou sectário. Discordo da política externa dessa época para América Latina, a política paralela do PT, feita por inspiração da ideologia, não pelos interesses do Brasil.

O senhor critica a ideologização do Itamaraty durante o comando de Celso Amorim, e o fato de ele e o então secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães terem se filiado ao PT...
Sim, eu sou uma espécie em extinção, da época em que o diplomata era um servidor que deveria servir imparcialmente o Estado. Fui treinado dessa maneira, hoje o pessoal novo não concorda.

Será que agora não está em curso uma ideologização, só que do lado oposto, contra a ideologia do PT?
Eu espero que não, me dizem que não houve expurgos. O embaixador do Brasil em Paris, Paulo Cesar de Oliveira Campos, foi indicado pelo Lula e não mexeram nele.
Eles, ao contrário, perseguiram muita gente, embaixadores de grande valor como o Marcos Caramuru, maior expert que tínhamos na China, o Gelson Fonseca Jr, intelectual mais brilhante do Itamaraty, foi embaixador na ONU e terminou a carreira como cônsul-geral no Porto. Como se explica isso, a não ser como perseguição ideológica?

O Brasil deveria romper com a tradição diplomática brasileira e impor sanções econômicas contra a Venezuela?
Eu não sou favorável às sanções, porque elas normalmente atingem o povo mais sofredor. O que o Brasil deveria fazer, e não está, é ser modelar no acolhimento dos refugiados venezuelanos. Deveria ser um exemplo para o mundo, e está sendo o contrário, os venezuelanos estão aí abandonados, e tem gente propondo que não deem refúgio. A melhor forma de o Brasil atuar seria dar acolhimento a esses refugiados.

O Brasil pode ser uma potência com relevância internacional?
A política externa é indissociável daquilo que nós somos em política interna e em economia. Tivemos nosso momento mais alto de prestígio na época do Lula, 2009, quando o Brasil conquistou o grau de investimento, a Copa do Mundo e os Jogos Ol
No entanto, houve uma percepção externa de que aquilo era irreversível. O próprio Lula semeou a destruição de suas conquistas, ao começar a arruinar as contas públicas, ao aceitar a corrupção —ele não a inventou, mas aceitou e levou a extremos. Ele e a Dilma, no fundo, foram autores de suas próprias ruínas e carregaram o Brasil junto.

Qual é a imagem do Brasil no exterior hoje?
Hoje a imagem do Brasil não é nem pessimista, nem otimista, corresponde à realidade: trata-se de um país com uma corrupção terrível, um presidente com uma segunda denúncia, ministros sendo investigados, uma crise que é a mais grave da história.
As pessoas dizem —por que a diplomacia brasileira não faz isso ou aquilo? Mas como, ninguém quer sair na foto com o Brasil. (Binyamin) Netanyahu veio para região e não se encontrou com o Temer, o vice-presidente americano, Mike Pence, também.
Por que todo mundo queria estar com o Lula? O Lula era um vitorioso. Além do sucesso econômico e político, ele tinha o êxito moral, o combate à miséria e à injustiça. Quem não queria ficar ao lado do Mandela? Hoje, deve ter muito pouca gente querendo sair na foto com o Temer. Ninguém pode imaginar que o Itamaraty vai alavancar o Brasil se o país não acabar com a corrupção, não voltar a crescer, não combater a miséria.

A certa altura do livro, o senhor diz que a "Dilma escondia debaixo da autossuficiência e da aspereza no trato com os diplomatas, insegurança nascida da falta de sensibilidade para relacionamento interpessoal."
Ela não tinha autoconfiança. Eu fiquei 10 anos na ONU. Em 2012, na reunião do G8 em Evian, o (então secretário-geral da ONU) Kofi Annan me levou como seu principal auxiliar. Nessa reunião, o (então presidente francês Jacques) Chirac tinha convidado o Lula, o líder chinês e o indiano, mas para uma reunião à parte.
Eu estava lá quando o Lula chegou, e pensei comigo: acho que o Lula vai ficar muito intimidado. Estavam presentes o Chirac, o (ex-presidente americano) George W. Bush, primeiro-ministro inglês Tony Blair, o (ex-chanceler alemão) Gerhard Schroder, (o ex-primeiro ministro italiano Silvio) Berlusconi e (o presidente russo Vladimir) Putin. Todos os grandes do mundo.
Houve uma sessão em que estavam falando sobre o problema da fome, e o Bush, que é evangélico, fez uma intervenção dizendo que tinha muito a ver com a Bíblia. O Chirac, com aquela arrogância francesa, disse: não tem nada a ver com religião ou a Bíblia.
Aí o Lula assumiu a defesa do Bush, disse —não senhor, tem tudo a ver, porque a Bíblia isso e aquilo. Ele estava com aquela cara de bravo, falando alto, e todo mundo afinou. Aí eu percebi: para o Lula, aquele pessoal eram os patrões da Fiesp, o líder metalúrgico não pode se intimidar com os patrões da Fiesp. A Dilma não é assim.

O senhor diz no livro que Dilma foi uma das piores presidentes em termos de vocação para política externa.
Eu não conheço nenhum outro que tenha deixado 40 embaixadores esperando, sem apresentar credenciais. São coisas elementares. Ela não tinha interesse, não valorizava, não se sentia bem. E tinha uma mentalidade de tecnocrata no sentido limitado, a ideia de que as únicas coisas que fazem diferença são as concretas.
Então tudo o que o Itamaraty fazia, ela mandava rasgar aqueles papéis. O Itamaraty, a não ser que você esteja negociando o fim de uma guerra ou uma fronteira, só lida com o longuíssimo prazo. Por que que o (ex-chanceler José) Serra saiu? Ele é engenheiro, gosta de fazer coisas.
No Itamaraty, você lida com conceitos. O Lula, que é muito inteligente, percebeu que a política externa era uma tremenda alavanca, inclusive interna, e usou muito. Ela não soube usar. Diplomacia e política são a mesma coisa, Lula era um grande diplomata.

Como o senhor avalia a política externa hoje?
Estamos em um momento de gradual recuperação, tanto da política e da economia, quanto a política externa. Só vamos ter algo mais determinado depois das eleições. Isto é, se a eleição não "der ruim". Se tivermos um Bolsonaro da vida, é hora de fechar a butique mesmo.

Há muita tensão entre o ditador norte-coreano Kim Jong Un e o presidente americano, Donald Trump. O mundo pode estar próximo de uma guerra nuclear?
Não. Nós estamos há 72 anos sem uma guerra nuclear, em parte por conta do poder destrutivo das armas nucleares, que atua como deterrence, mas em parte porque a ONU, com todos os defeitos, mostrou que era maleável o bastante para acomodar grandes mudanças.
O norte-coreano não é louco. Ele conduz uma política muito lógica e racional, pois viu o que aconteceu com o (ex-ditador iraquiano) Saddam Hussein e o (ex-presidente líbio) Muammar Gaddafi, que não tinham armas nucleares. E ele não vai acreditar nos americanos, no que ele tem absoluta razão.

Mas mesmo se considerarmos que o Kim Jong-un não é maluco, está desenvolvendo instrumento de dissuasão, do outro lado há um ator não necessariamente racional, o Donald Trump...
Trump é autor de "The Art of the Deal", diz que é preciso desestabilizar o adversário e nunca deixar o oponente saber o que a pessoa vai fazer. Os dois são negociadores se ameaçando mutuamente. Não vai acontecer nada.
O planeta não vai acabar com um apocalipse nuclear, mas pode acabar como diz o verso do TS Eliot "not with a bang, with a whimper" (não com um estrondo, com um suspiro). O maior perigo que nós enfrentamos hoje é o aquecimento global. Mas as pessoas não percebem, porque a explosão nuclear é um perigo imediato, enquanto o aquecimento leva 30, 40 anos. Mas já está chegando.

O senhor conta no livro que, ao ser convidado para o ministério, disse ao presidente Itamar Franco não ser a pessoa mais adequada...
Eu disse a ele: não sou economista profissional, conheço muito pouco do plano, apenas o que a imprensa publicou. Disse que ele deveria convidar alguém que conhecesse profundamente o plano, até sugeri dois nomes, Edmar Bacha e Pedro Malan.
Ele me respondeu: nós já examinamos todas as opções e o senhor é a única alternativa. Embora a frase fosse um pouco críptica, uma frase em mineirês, eu entendi. Eu trabalhei a vida toda com mineiros, com Afonso Arinos, San Tiago Dantas, Tancredo Neves. O Tancredo dizia que eu era o mais mineiro dos paulistas. Percebi que o Itamar queria dizer que ele queria alguém fora da equipe, que devesse o cargo a ele, e não ao FHC.
O Itamar costumava dizer muito que eu era o sacerdote do real, em parte porque eu cumpria a função de pregar, na televisão, em parte era para chatear o Fernando Henrique, que ficou mais glorificado pelo real. Não deram muito crédito para o Itamar e ele deveria ter recebido, sem ele, o real não teria existido. Eu disse que era funcionário público, e aceitava.

 Livro é testemunho vívido do 'consigliere' diplomático do Brasil

CRÍTICA / MATIAS SPEKTOR
COLUNISTA DA FOLHA

Folha de S. Paulo, 26 de setembro de 2017




"Quem é o Rubens Ricupero da nova geração?", perguntou-me outro dia um brasilianista. Resposta satisfatória não há, pois Ricupero talhou para si um lugar na vida pública brasileira que continua sendo único.
Ele é o consigliere diplomático por excelência. Quando Bobby Kennedy pousou em Brasília para dar um ultimato a João Goulart, antes do golpe, Ricupero estava lá. Quando Tancredo Neves montou um périplo internacional para legitimar a presidência indireta, Ricupero estava lá. Quando José Sarney avisou aos argentinos (antes do mundo) que o Brasil enriquecia urânio, foi ele o portador do recado presidencial. Quando Fernando Collor precisou de um elo com a Casa Branca, lá foi o embaixador.
Foi Ricupero quem assumiu a Fazenda para FHC poder sair candidato no governo Itamar. Foi com ele que a candidatura de Marina Silva definiu parte de seu tom. E foi nele que o comando do Itamaraty encontrou sua principal referência no governo Temer. A classe política pede seu conselho uma e outra vez.
Só que este consigliere tem um estilo todo pessoal. Impaciente com o conforto dos gabinetes, Ricupero gosta de embate. Escreveu uma dúzia de livros, assinou por décadas uma coluna nesta Folha, e abraçou a causa do ambientalismo com a energia do mais aguerrido ativista.
Muitas vezes exercitou o ofício de historiador. Leitor voraz e dono de uma memória implausível, tem um domínio do passado que assombra qualquer interlocutor.
Seus inimigos disputaram-lhe as ideias, mas nunca lhe questionaram a integridade e honra pessoal. Discutir com ele foi, e continua sendo, um grande prazer da boa batalha intelectual. Não há no Brasil de hoje personagem igual.
Este livro é seu mais completo testamento. Na superfície, é uma história ambiciosa da diplomacia brasileira — com começo em 1640 e fim em 2016 — contada a partir das tradições do Itamaraty, com todas as vantagens e problemas que isso acarreta.
Trata-se, no entanto, de algo bem mais complexo e fascinante porque, na prática, há dois livros em um.
O primeiro sintetiza os dramas nacionais e internacionais de cada governo brasileiro. Dos imbróglios da Regência aos dilemas de Ernesto Geisel, há detalhes curiosos, passagens deliciosas e humor mordaz. Como em trabalhos anteriores, a idolatria por Rio Branco e San Tiago Dantas dá o tom.
O segundo livro embutido nesta obra é mais ambicioso e agressivo. Ricupero volta à história das batalhas diplomáticas do Brasil no Prata para desfechar seu golpe contra a política externa do PT, em pleno século 21.
Em sua narrativa, o grande acervo diplomático do Brasil está na prudência, na rejeição aos voluntarismos, na temperança e na desconfiança profunda da busca de prestígio de chefes de governo e chanceleres. Há nisso uma certa idealização do passado, haja vista os avanços da historiografia sobre o período.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

CNI convida para o lancamento do livro de Ricupero: A Diplomacia na Construcao da Nacao, 10/10, 17h30

Ricupero: livro A Diplomacia na Construcao do Brasil, 1750-2016, disponivel para compra

Finalmente, acabo de receber o anúncio da Editora Versal: 










http://versaleditores.us3.list-manage.com/track/click?u=4cfd1ebdb06d2e3351475969f&id=31d4a5e2dd&e=85ed661b7f


Rubens Ricupero lança:
“A diplomacia na construção do Brasil – 1750-2016”
(Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017)

Em edição de capa dura e ilustrada, obra única sobre a história das relações do Brasil com o mundo terá lançamentos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, a partir do dia 3 de outubro

Poucos países devem à diplomacia tanto como o Brasil. Além da expansão do território, em muitas das principais etapas da evolução histórica brasileira, as relações exteriores desempenharam papel decisivo. Com seus acertos e erros, a diplomacia marcou profundamente a abertura dos portos, a independência, o fim do tráfico de escravos, a inserção no mundo por meio do regime de comércio, os fluxos migratórios, voluntários ou não, que constituíram a população, a consolidação da unidade ameaçada pela instabilidade na região platina, a industrialização e o desenvolvimento econômico.

Até recentemente, a história das relações diplomáticas do Brasil se refugiava quase em notas ao pé da página ou, no melhor dos casos, em parágrafos esparsos dissociados do eixo central da grande narrativa. Com uma carreira dedicada ao serviço público, especialmente ao Itamaraty e à ONU, o diplomata e professor Rubens Ricupero enfrentou o desafio de “inserir o fio da diplomacia na teia sem costura da vida nacional, da qual é indissociável”. Aos 80 anos,  lança obra que é fruto de uma vida de ensino da história da política exterior brasileira: A diplomacia na construção do Brasil (Versal Editores).

As primeiras de uma série de palestras seguidas de sessões de autógrafos pelo país serão realizadas nos dias 3/10 no CIEE,  4/10 na FAAP e em 7/10 na JAPAN HOUSE, São Paulo  nos dias 9 e 10/10, em diferentes lugares, em Brasília, e nos dias 18 e 20/10, no Rio de Janeiro, respectivamente na Livraria Argumento do Leblon e no Itamaraty.

Com capa dura, 784 páginas e ilustrado com mapas, desenhos cartográficos e 80 imagens da história e da diplomacia, o livro analisa a diplomacia como causa e consequência da política interna e da economia do período colonial até os dias de hoje, incluindo a atual crise brasileira. Mostra, ao mesmo tempo, como a política externa contribuiu para a definição dos valores e ideais da identidade do país, de como os brasileiros se veem a si mesmos e sua relação com o mundo.

 Com documentos originais dos arquivos norte-americanos, o livro traz revelações novas sobre episódios como a intervenção militar de 1964 nos seus aspectos externos. Recorre a perspectivas comparativas com países latino-americanos e os Estados Unidos e renova a maneira de examinar a diplomacia em estreita ligação com os fatos políticos e as condições econômicas. “A ambição da obra é dialogar com os estudantes e também com aqueles que se interessam pela história do Brasil e sentem curiosidade pela forma como o país se relacionou com o mundo exterior e foi por ele influenciado”, explica o autor.

A DIPLOMACIA NA CONSTRUÇÃO DO BRASIL
Autor: Rubens Ricupero
Editora: Versal Editores
Formato:  17,5 x 24 cm
Páginas: 784
Preço: R$ 89,90

EVENTOS DE LANÇAMENTO

3 de outubro – São Paulo
Horário: 19:00 h
Onde: CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola
Rua Tabapuã, 540 Itaim Bibi

4 de outubro - SÃO PAULO
Horário: 18:30h
Onde: FAAP, Centro de Convenções,
Rua Alagoas, 903 Higienópolis

7 de outubro- SÃO PAULO
Horário: 10:30h
Onde: JAPAN HOUSE São Paulo, na Avenida Paulista, 52


9 de outubro – BRASÍLIA
Horário: 17:00h
Onde: Palácio Itamaraty, Brasília

10 de outubro – BRASÍLIA
Horário: 10:00h
Onde: Sessão Especial na Comissão de Relações Exteriores da CD
Presidida pela Deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), presidente da CRE-CD

Horário: 14:30h
Onde: Auditório do Instituto de Relações Internacionais da UnB
Natureza: Apresentação-debate com a participação do professor Estevão Chaves de Rezende Martins, do diplomata Paulo Roberto de Almeida, sob coordenação do prof. Antonio Carlos Lessa

Horário: 17:30h
Onde: CNI: Confederação Nacional da Indústria, SBN Quadra 1, Bloco C, Ed. Roberto Simonsen
Natureza: Talk-Show, com José Augusto Coelho Fernandes


18 de outubro - RIO DE JANEIRO
Horário: 19:00h
Onde: Livraria Argumento Leblon

20 de outubro – RIO DE JANEIRO
Horário: 10:00h
Onde: Palácio do Itamaraty
Debate com a participação de Rubens Ricupero, Marcos Azambuja e Gelson Fonseca (e, possivelmente, Celso Lafer, ainda não confirmado)

SOBRE O AUTOR
Nascido em São Paulo em 1937, Rubens Ricupero ingressou no Instituto Rio Branco em 1958 e iniciou a carreira diplomática em 1961.

Embaixador do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, Suíça, nos Estados Unidos e na Itália, foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, ministro da Fazenda durante a implantação do Real, subchefe da Casa Civil e assessor especial do presidente José Sarney. Atuou como assessor de política externa de Tancredo Neves na campanha para a Presidência da República, em 1984/5, e registrou a experiência no livro Diário de bordo: a viagem presidencial de Tancredo Neves (2010). Entre 1995 e 2004, dirigiu como Secretário Geral a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), em Genebra.

Diretor, mais tarde Decano, da Faculdade de Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), professor do Instituto Rio Branco e da Universidade de Brasília, colaborador dos mais influentes órgãos de imprensa do país e de publicações especializadas nacionais e estrangeiras, Ricupero é autor de nove livros sobre história diplomática, política, comércio e economia internacional, entre os quais se destacam Rio Branco: o Brasil no mundo (2000), O Brasil e o dilema da globalização (2001), Esperança e Ação A ONU e a busca de desenvolvimento mais justo (2002). A diplomacia na construção do Brasil é sua mais recente obra.


 

Rubens Ricupero e a construcao do Brasil por sua diplomacia: apresentacao-debate de livro: 10/10, 14h30, UnB




iREL promove mesa redonda sobre “A diplomacia na construção do Brasil – 1750 – 2016” – novo livro de Rubens Ricupero


O Centro de Estudos sobre as Relações Internacionais do Brasil Contemporâneo, laboratório do programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília, convida para a Mesa Redonda “A diplomacia na construção do Brasil – 1750 – 2016”, a propósito do lançamento do livro de autoria do Embaixador Rubens Ricupero.

Programa, DIA 10 DE OUTUBRO, Terça-feira

14h 30 min – Abertura
  • Prof. José Flávio Sombra Saraiva, diretor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília
14h 40 min – Mesa Redonda
  • Embaixador Rubens Ricupero – A diplomacia na construção do Brasil (1750 – 2016)
  • Prof. Estevão Chaves de Rezende Martins, professor titular do Departamento de História da Universidade de Brasília – Debatedor
  • Ministro Paulo Roberto de Almeida, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão (Ministério das Relações Exteriores).
Moderador
  • Prof. Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto  de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
Sessão de autógrafos do livro A diplomacia na construção do Brasil (1750 – 2016)
O evento terá lugar no Auditório do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (Campus Universitário Darcy Ribeiro – Asa Norte – Brasília – DF), no dia 10/10/2017, das 14h 30 min às 16h 40 min.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

A diplomacia na construcao do Brasil – uma entrevista com Rubens Ricupero

A diplomacia na construção do Brasil – uma entrevista com Rubens Ricupero, por Paulo Roberto de Almeida 


1 – Por que o sr. escreveu A diplomacia na construção do Brasil?
Porque não consegui encontrar nas livrarias o livro que procurava quando comecei a dar aulas de história das relações internacionais do Brasil, quarenta anos atrás. Precisava de um texto que me ajudasse a ensinar como a política externa era um fio inseparável da trama da história nacional, uma parte integral de tudo o que acontecia naquele momento, ligada, não separada da sociedade como um todo.
2 – Não havia nenhuma obra que tratasse desse tema?
Na época, as obras gerais sobre história do Brasil quase não falavam da política externa, no máximo alguns parágrafos ou notas ao pé da página. O mundo exterior não existia, era como se a história de um país constituísse um todo suficiente, fechado em si mesmo. Já as histórias diplomáticas cometiam o erro oposto: só tratavam da diplomacia, sem mencionar a política interna e a economia, como se a política externa funcionasse dentro de um vácuo. Uma das originalidades desta obra é que ela tenta não separar diplomacia, política e economia interna. Sobretudo nos capítulos sobre os períodos mais recentes, a atenção dedicada à economia e à política é quase igual ao espaço da diplomacia.
3 – Qual a linha mestra do livro?
Além de narrar uma história, a da política externa, procurei mostrar como a diplomacia ajudou a dar forma à história e à identidade do Brasil, como vieram da diplomacia alguns dos valores e ideais básicos da imagem que os brasileiros fazem de si próprios. Por exemplo, o pacifismo, a tendência de resolver conflitos pela conciliação, a negociação, a transação, a repulsa à violência, ao militarismo, à conquista pela força, a opressão de outros povos. Ainda que essa imagem seja interesseira, que não corresponda inteiramente à realidade, a própria escolha desses valores é melhor do que se imaginar como povo conquistador, predestinado a impor a democracia ao mundo, com direito a anexar território dos vizinhos, ideologias frequentes em muitos países.
4 – A que tipo de leitor se destina a obra?
O livro se dirige não apenas aos professores, estudantes de relações internacionais, ciências sociais, diplomatas, internacionalistas, mas aos leitores que se interessam pela história do Brasil e querem compreender como o país se relacionou com o mundo exterior e foi influenciado por acontecimentos e tendências externas. Mesmo aqueles que tentam entender porque o Brasil mergulhou na profunda crise atual talvez encontrem no texto algumas reflexões úteis. Evitei o tom apologético das histórias antigas, para as quais o governo brasileiro sempre tinha razão. Há um esforço de compreender e valorizar as perspectivas do outro, de nossos vizinhos, às vezes adversários, e a disposição de assumir que em alguns casos, tivemos uma parcela de culpa nos conflitos e guerras na região do Rio da Prata.
5 – Qual o papel da diplomacia brasileira para a conformação de nosso atual território?
Se não fosse o êxito da diplomacia brasileira, o Brasil teria hoje um território de apenas um terço do atual e não seria um país continental capaz de fazer parte dos BRICS. A aceitação pacífica e a legalização da expansão territorial foram o produto da perseverança com que a diplomacia se dedicou à questão até 1910 mais ou menos. Atribui-se ao barão do Rio Branco a frase “território é poder”. É óbvio que território apenas, sem desenvolvimento, não representa grande coisa. O território, porém, é a condição que torna possível não só o poder, mas a soberania. Definir o território constitui o ato inaugural do relacionamento do país com o mundo. Sua importância é fundamental: a maioria das guerras teve origem em disputas territoriais. Consolidar o território pela diplomacia, sem guerra, faz uma diferença enorme no destino histórico de qualquer nação.
6 – O sr. enaltece no livro a chamada “diplomacia do conhecimento”. Por que?
Entre as histórias que conto no livro, uma ilustra bem como nossa diplomacia se baseou sempre no conhecimento. Uma vez, o médico de Rio Branco chegou de manhã ao Itamaraty e o encontrou de roupa amassada. Constrangido, o Barão apontou para um enorme mapa desdobrado no chão e confessou que tinha querido examinar detalhes do mapa e adormecera em cima dele. Esse episódio verídico explica o êxito da diplomacia na negociação dos limites do Brasil. As vitórias nas negociações e nas arbitragens foram preparadas por anos de busca e estudo de velhos mapas e documentos em arquivos e bibliotecas.
Foi graças a essa “diplomacia do conhecimento” e a métodos de “poder suave” como a negociação que o Brasil, país sem grande poder militar ou econômico, conquistou um território de vastidão continental e imensas riquezas naturais. Jamais teríamos chegado perto desse patrimônio se tivéssemos recorrido a meios militares.
 7 – Qual o balanço que o sr. faz de nossa diplomacia de 1750 até os dias de hoje?
Com seus acertos e erros, a diplomacia marcou profundamente cada uma das etapas definidoras de nossa história: a abertura dos portos, a independência, o fim do tráfico de escravos, a inserção no mundo pelo comércio, os fluxos migratórios, voluntários ou não, base da população, a consolidação da unidade nacional ameaçada pela instabilidade na região platina, a modernização, a industrialização e o desenvolvimento econômico.
 8 – A maior parte dos problemas enfrentados por nossos diplomatas durante o século XIX foi com os nossos vizinhos sul-americanos. Como o sr. avalia essa relação?
O que distingue o caráter internacional do Brasil é o grande número de vizinhos, dez, comparados aos Estados Unidos (dois), ao Canadá (um), à Austrália (nenhum). Além de muitos, esses vizinhos são heterogêneos, vão da Guiana Francesa ao Uruguai, do Suriname à Bolívia, do Peru à Guiana ex-inglesa. Conseguir estabelecer limites com todos por meio de negociação, transação, arbitragem, sem guerra de conquista, não é tarefa menor a ser subestimada. Basta comparar a experiência brasileira com a de outros países com numerosos vizinhos (Rússia, China, por exemplo). Em março de 2020, aniversário do fim da Guerra do Paraguai, o Brasil completará 150 anos sem nenhuma guerra com um vizinho. Quantos países poderão dizer o mesmo?
9 – E como o sr. explica esse êxito da política de fronteiras?
Pela opção não violenta da delimitação, a preparação cuidadosa, a continuidade na defesa de uma linha coerente de ação diplomática, a perseverança. A definição pacífica poupou ao Brasil a condição de refém de litígios fronteiriços que teriam paralisado boa parte da nossa capacidade de iniciativa diplomática. Também o senso de oportunidade de resolver relativamente cedo todas as questões pendentes criou condições para desenvolver diplomacia voltada não para resolver conflitos, mas para dar ao relacionamento com os vizinhos conteúdo concreto de cooperação e de comércio. A diplomacia precisa, para isso, saber captar a realidade exterior, interpretar corretamente o mundo e suas oportunidades. Em sentido inverso, necessita igualmente explicar o país ao mundo, torná-lo admirado, digno de atrair apoio político, de receber capitais, imigrantes, tecnologia.
10 – Apesar do caráter pacífico de nossa diplomacia, o Brasil interveio em territórios vizinhos.
É verdade, mas as intervenções se concentraram em período relativamente curto, entre 1850 e 1870. Com razão ou sem ela, os estadistas da monarquia se resignaram a intervir no Uruguai e, de modo mais limitado, na Argentina de Rosas, devido à percepção defensiva de que as guerras civis na fronteira do Rio Grande do Sul e dentro daquela província ameaçavam a unidade do Império. Havia o temor de que a hegemonia de Rosas conduzisse à anexação do Uruguai e do Paraguai pela Argentina, impedisse o acesso fluvial a Mato Grosso e atraísse a adesão de revolucionários gaúchos. Fora esses exemplos, prevaleceu na prática diplomática brasileira obediência ao princípio de não intervenção. Só em época muito recente, a afinidade ideológica e partidária motivou afastamentos quase sempre controvertidos da posição tradicional.
11 – E a Guerra do Paraguai? Não foi uma intervenção?
Nesse caso, a iniciativa da guerra partiu de Assunção. Não se registrou nenhum ataque ou ameaça direta ao Paraguai da parte do Brasil. A intervenção brasileira no Uruguai (1864) foi utilizada pelo ditador paraguaio Solano López como motivo sincero ou pretexto para um ataque surpresa ao Brasil, que estava totalmente despreparado. Não há dúvida de que Solano López assumiu a responsabilidade de desencadear a guerra que custaria a vida a milhares de pessoas, inclusive a dele próprio. Dos 140 mil brasileiros que participaram da guerra, 50 mil – mais de um terço – morreram. As informações sobre as perdas paraguaias são precárias. Estimativas indicam o máximo de 279 mil vidas. Nada que se aproxime do número fantasioso de um milhão de mortos, às vezes citado, mais que o dobro da população do país no início da guerra.
12 – Juntamente com a Inglaterra e a Argentina, os Estados Unidos são o outro ator decisivo na história da diplomacia brasileira. No livro o sr. trata das diferenças diplomáticas entre o Brasil e os EUA. Quais são elas?
A experiência diplomática do Brasil contrasta com a dos Estados Unidos primeiro em relação à expansão territorial. Tanto o Brasil como os EUA começaram com uma estreita margem de terras ao longo da costa leste que foi sendo expandida para o oeste. A semelhança, porém, termina nesse ponto. A expansão dos EUA começa com a independência, em 1776, enquanto a nossa estava praticamente encerrada no momento em que nos separamos de Portugal. Se não fosse a incorporação do Acre (1903), o território do Brasil seria hoje menor do que na época da independência, em 1822, quando incluía a Província Cisplatina, o Uruguai de nossos dias, que se separou em 1828. Quando se fala em “expansionismo brasileiro”, é bom precisar que o expansionismo foi mais português que brasileiro. Outra diferença foi o método. A expansão norte-americana se deu muito mais por compras de territórios e de guerras seguidas de anexação, sobretudo contra o México, ao passo que a nossa resultou de negociações e arbitramentos.
13 – Que outras diferenças podem ser apontadas entre a diplomacia norte-americana e a nossa?
A principal é a atitude em relação ao poder. Desde o começo, os norte-americanos tiveram uma experiência frequente com guerras internacionais. Um historiador da política externa dos EUA escreveu que cada geração norte-americana desde a Independência teve sua própria guerra e existe mesmo um livro sobre os Estados Unidos intitulado “Um país feito pela guerra” (“A country made by war”). O sucesso nos conflitos com o México, na Guerra contra Espanha, com a enorme expansão territorial resultante, fortaleceu nos norte-americanos uma propensão ao uso do chamado “poder duro”, isto é, ao recurso a métodos militares ou de pressão econômica para resolver conflitos. Em contraste, o Brasil foi em quase toda sua história país de recursos militares e econômicos muito modestos e limitados. O insucesso na Guerra da Cisplatina, as dificuldades nas intervenções no Rio da Prata, os penosos sacrifícios da Guerra do Paraguai alimentaram na consciência brasileira aversão à guerra e relutância em recorrer à diplomacia da força. A política exterior do Brasil se edificou sobre a base do Direito Internacional, das doutrinas jurídicas a respeito do nosso direito às fronteiras, à busca de consenso, de compromissos, de soluções por negociações e arbitragens. O Brasil construiu sua diplomacia com argumentos intelectuais, jurídicos, históricos, com o “poder suave” dos métodos de persuasão.
14 – Por que o sr. inicia o livro em 1750?
A maioria das histórias diplomáticas de nações das Américas começa pela independência, uma vez que, na era colonial, as decisões podem às vezes ser tomadas no país, mas não pertencem ao país, como escreveu o diplomata e historiador Paulo Roberto de Almeida. No caso do Brasil, existe uma especificidade diferente dos outros países. A expansão do território até aos limites atuais já se encontrava praticamente concluída e mais ou menos aceita no momento da assinatura do Tratado de Madri (1750), muito antes do fim do regime colonial. É preciso, portanto, recuar várias décadas prévias à independência para entender como se definiu o território. A narrativa se inicia por isso nos primórdios da ocupação e ampliação do território e toma como exemplo simbólico da diplomacia de outrora a preparação e as consequências do Tratado de Madri (1750), mais de setenta anos antes da independência formal.
15 – No livro o sr. opina que o barão do Rio Branco foi o fundador da política externa do Brasil na era republicana ao definir o primeiro conceito abrangente para a diplomacia. Em que consistia esse conceito?
O barão do Rio Branco é, de fato, o fundador da política externa do moderno Brasil. Deve-se a ele não somente a resolução sistemática de todas as questões fronteiriças ainda pendentes no começo do século XX, a “construção do mapa do Brasil”. Também foi ele que criou a primeira fórmula abrangente da política externa brasileira articulando as relações com os EUA, a América Latina e as grandes potências europeias. Rio Branco era pragmático, sabia da fraqueza do Brasil, das ameaças potenciais de nossa vizinhança com três potências europeias, duas das quais a Inglaterra e a França, as maiores da época. Tinha também consciência do antagonismo latente dos vizinhos hispano-americanos com os quais tínhamos problemas fronteiriços. Concebeu uma política pela qual o Brasil se aproximou dos Estados Unidos, a potência mundial em ascensão, pela qual apoiava as posições norte-americanas no hemisfério em troca de apoio americano em relação aos europeus, o que se denominou às vezes de uma “aliança não escrita”. Esperava também que, nas disputas fronteiriças com os vizinhos, os norte-americanos veriam com simpatia nossa posição ou ao menos ficariam neutros, não sustentariam nossos rivais. Com isso, definiu o que se poderia chamar de primeiro “paradigma abrangente da política exterior”, que duraria até o começo da década de 1960.
16 – Qual foi o destino desse paradigma?
O extraordinário sucesso do Barão, que triunfou em praticamente todas as questões muitas vezes perigosas e delicadas que enfrentou por mais de nove anos (1902-1912) tornou sua herança algo de intocável. Assim como ele foi o Chanceler de todos os governos que se sucederam enquanto viveu, da mesma forma sua política foi rigorosamente seguida pelos sucessores, nem sempre com o mesmo pragmatismo e inteligência. O ponto mais alto e positivo dessa herança se deu durante a Segunda Guerra Mundial, quando Getúlio Vargas e seu ministro do Exterior Oswaldo Aranha fizeram o Brasil se aliar política e militarmente aos Estados Unidos. O país saiu do conflito muito mais forte militarmente, aumentou seu prestígio internacional, recebeu ajuda econômica para construir a usina siderúrgica de Volta Redonda, início da indústria pesada. Após a guerra, contudo, o Brasil deixou de receber o apoio econômico que esperava em decorrência de sua participação no conflito. Apesar do desapontamento com a falta do auxílio a que se julgava com direito para seu desenvolvimento, o governo continuou alinhado à política norte-americana em razão do anticomunismo na época da Guerra Fria.
17 – Como se deu a ruptura com a política de estreita colaboração política com os Estados Unidos?
A ruptura vai ocorrer com a Política Externa Independente do presidente Jânio Quadros (1961), continuada pelos chanceleres do governo João Goulart, principalmente San Thiago Dantas e Araújo Castro (1961-1964). A nova política recusava o alinhamento automático às posições dos EUA na ONU, na OEA e em relação a Cuba. Deixou de enxergar o mundo através do prisma ideológico da Guerra Fria. Por exemplo, as revoltas contra o colonialismo na Argélia, em Angola, Moçambique, em outros países da África e da Ásia, não eram mais vistas apenas como conflito entre movimentos apoiados pelos comunistas e pela URSS contra países colonizadores aliados dos EUA. Além disso, o Brasil restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e outros países comunistas, começou a se aproximar da China, esforçou-se em evitar o isolamento do regime de Fidel Castro. O golpe militar de 1964 abandonou essa orientação e retornou ao alinhamento e colaboração com os EUA até que no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), o chanceler Azeredo da Silveira retomou o espírito da Política Independente. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola sob o governo de movimento então considerado alinhado a Moscou, o MPLA. O governo estabeleceu relações diplomáticas com a China, iniciou aproximação com os países árabes. Desde então, a linha de afirmação da autonomia diplomática brasileira passou a constituir o novo paradigma da política externa do Brasil, que se manteve após o fim do regime militar. Com inovações e expansões, sobretudo nos governos FHC e Lula, mas sem rupturas essenciais, tal paradigma constitui até nossos dias a base da diplomacia brasileira.
 18 – Como o sr. vê o Brasil neste momento?
Para o Brasil, vale neste momento a exortação dirigida pelo poeta italiano Giacomo Leopardi: “Se queremos algum dia despertar e retomar o espírito de nação, nossa primeira atitude deve ser não a soberba nem a estima das coisas presentes, mas a vergonha”. Também em nosso caso, a primeira atitude terá de ser a vergonha das coisas presentes como condição para despertar o espírito da nação. Reformar e purificar as instituições políticas, reaprender a crescer para poder suprimir a miséria e reduzir a desigualdade e a injustiça, integrar os excluídos, humanizar a vida social.
19 – Qual o papel da diplomacia neste momento?
Em todo este livro, procurei não separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. Durante 200 anos, a diplomacia em geral fez sua parte e até deu ao país contribuição maior que a de muitos outros setores. No entanto, a crise política, econômica e moral a que se chegou é de tal gravidade que não é mais possível a um setor isolado como a diplomacia ou algumas outras poucas “ilhas de excelência” continuarem a construir, se o sistema político e partidário agrava a desmoralização e enfraquecimento das instituições. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil vai depender da capacidade do Executivo, do Congresso, do Judiciário, das instituições públicas, de adotarem as reformas indispensáveis à sobrevivência do sistema. A diplomacia terá muito a contribuir nessa reforma profunda das instituições, mas o esforço terá de ser universal, sem exceções.
 20 – Com que sentimentos o sr. escreveu este livro?
Concluí o texto do livro pouco depois do impeachment de Dilma Rousseff. Escrevi o fecho definitivo durante a sucessão de crises que ameaçavam (e ainda ameaçam) engolir Michel Temer. Durante esse pesadelo de meses, escrever a cada dia um pedacinho da relação do Brasil com o mundo me forneceu o antídoto de que precisava contra a desesperança. Tentei narrar como um país fraco e pobre, colônia de uma quase colônia, construído sobre o trabalho dos escravos e o sofrimento dos humildes, gradualmente aprendeu a afirmar um espaço crescente de autonomia na busca de seus interesses.
Antonio Candido comentava que “comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos, ninguém o fará por nós”. Esse pensamento ilumina também o caminho para lidar com o que a nossa história tem de sombras: a escravidão, a exclusão, a injustiça, a corrupção, a falta de acesso à educação. Ninguém por nós poderá superar a herança madrasta de nossa história e criar em nosso lugar uma sociedade justa e fraterna. Justificativa, destino e meta de quem nasceu ou escolheu ser brasileiro, o sonho perene da construção do Brasil é que torna a existência humana digna de ser vivida em nossa terra.
21 – E qual o caminho para essa sociedade justa e fraterna?
O Brasil só conseguirá enfrentar a complexidade social contemporânea com um grande contingente de pessoas formadas com educação de qualidade e a superação das carências e dos desequilíbrios econômicos. Estamos longe disso. Mas se levarmos em conta que no início do século passado éramos 17 milhões de brasileiros, dos quais 84% analfabetos, com expectativa de vida pouco inferior aos 30 anos, é razoável pensar que estamos mais afastados do país da escravidão e mais próximos da nação próspera e justa que sonhamos alcançar um dia.

Sobre os autores

Rubens Ricupero é embaixador aposentado e autor do livro “A diplomacia na construção do Brasil – 1750-2016” (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017).
Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais – IPRI-MRE.

Como citar este artigo

Mundorama. "A diplomacia na construção do Brasil – uma entrevista com Rubens Ricupero, por Paulo Roberto de Almeida". Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais,. [Acessado em 18/09/2017]. Disponível em: <http://www.mundorama.net/?p=23942>.