O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Rudyard Kipling. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Rudyard Kipling. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Lendo George Orwell nos seus ensaios de política e literatura: Rudyard Kipling, Paulo Roberto de Almeida

 Sempre leio, ao acaso, um ou outro ensaio do grande jornalista britânico, socialista e anti-imperialista. Desta vez escolhi uma resenha sobre Rudyard Kipling, o poeta do imperialismo britânico, que Orwell escreveu em plena guerra, 1942, criticando o livro de T. S. Eliot, A Choice of Kipling's Verses (London: Faber & Faber).

A resenha está em: George Orwell: A collection of essays by George Orwell (New York: Harcourt Brace, 1953), pp. 116-132.

Mas o tema de Orwell é sempre político e ele critica o autor do livro e o próprio poeta na condição de político, não de poeta. Ele concorda com o autor, ao defender Kipling da acusação de "fascista", o que propriamente ridículo para um defensor do imperialismo no terço final do século XIX e no início do século XX. Kipling era um defensor do colonialismo britânico na Índia e na África, na Guerra dos Bôeres, por exemplo.

Mas também não concorda com a visão benigna sobre Kipling. Referindo-se ao seu próprio tempo, e à guerra iniciada por Hitler, Orwell diz: 

"No one, in our time, believes in any sanction greater than military power; no one believes that is possible to overcome force except by greater force. There is no 'law', there is only power. (...) Kipling's outlook is pre-Fascist. (...) Kipling belongs very definitely to the period 1885-1902. (...) He was the prophet of British Imperialism in its expansionista phase..." (p. 118)

"It is notable that Kipling does not seem to realise, any more than the average soldier or colonial administrator, that an empire is primarily a money-making concern. Imperialism as he [Kipling] sees it is a sort of forcible evangelising." (p. 119)

George estabelecer uma diferença entre o imperialismo britânico de Kipling e o totalitarismo de Hitler: 

"The modern totalitarians know what they are doing, and the nineteenth-century English did not know what they were doing." (p. 119)

Isso me parece um pouco enviesado, mas Orwell segue adiante: 

"Kipling's romantic ideas about England and the Empire might not have mattered if he could have held them without the class-prejudices which at that time went with them." (p. 122. 

"Kipling is the only English writer of our time who has added phrases to the language. The phrases and neologisms which we take over and use without remembering their origin do not always come from writers we admire. (...)

"East is East, and West is  West.

The white man's burden." (p. 126).

"One reason for Kipling's power as a good bad poet I have already suggested – his sense of responsibility, which made it possible for him to have a world-view, even though it happened to be a false one. Although he had no direct connection with any political party, Kipling was a Conservative, a thing that does not exist nowadays. (...) He identified himself with the ruling power and not with the opposition. (...) The ruling power is always faced with the question, 'In such and such circumstances, what would you do?', whereas the opposition is not obliged to take responsibility or make any real decisions. (...) Moreover, anyone who starts out with a pessimistic, reactionary view of life tends to be justified y events, for Utopia never arrives and 'the gods of the copybook headings,' as Kipling himself put it, always return. Kipling sold out to the British governing class, not financially but emotionally." (p. 131-32)

"He dealt largely in platitudes, and since we live in a world of platitudes, much of what he said sticks." (p. 132)


Um dos melhores ensaios deste volume é o conhecido "Politics and the English Language", trechos do qual eu já postei neste mesmo espaço de liberdade. Outro é "Inside the Whale", que é uma resenha de Tropic of Cancer, de Henry Miller, o romance semi-pornográfico do americano na Paris dos anos 1920 e 30.

"During the boom years, when dollars were plentiful and the exchange-value of the franc was low, Paris was invaded by such a swarm of artists, writers, students, dilettanti, sight-seers, debauchees, and plain idlers as the world has probably never seen. In some quarters of the town the so-called artists must actually have outnumbered the working population..." (p. 210).

Mas, os ensaios dos quais eu mais gosto é o primeiro, "Such, Such Were the Joys..." (1947), sobre seus tempos de internato inglês (ugt!), e, sobretudo, o último, "Why I Write" (1946), sobre sua infância, sobre sua decisão de se tornar escritor desde cedo, e sobre sua postura como escritor engajado.

Sobre este último, eu escrevi, não apenas um, mas dois textos, aos quais remeto aqui mesmo, pois eu me senti inteiramente contemplado por algumas das razões de George Orwell, não todas, pelas quais eu mesmo escrevo: 

2614. “Por que escrevo? (1)”, Hartford, 6 Junho 2014, 6 p. Ensaio inspirado no artigo de título similar “Why I Write”, de George Orwell, in: A Collection of Essays (New York: Harbrace Paperbound Library, 1953; p. 309-316). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/por-que-escrevo-1-paulo-roberto-de.html). Reproduzido novamente no Diplomatizzando em 2/01/2016 (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/01/por-que-escrevo-1-retomando-minhas.html).


2615. “Por que escrevo? (2)”, Hartford, 7 Junho 2014, 7 p. Ensaio inspirado no artigo de título similar “Why I Write”, de George Orwell, in: A Collection of Essays (New York: Harbrace Paperbound Library, 1953; p. 309-316). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/por-que-escrevo-2-paulo-roberto-de.html). Reproduzido novamente no Diplomatizzando em 2/01/2016 (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/01/por-que-escrevo-2-detalhando-as-razoes.html).

Convido meus 18 leitores a ler esse ensaio de George Orwell, que certamente deve estar disponível em algum clic do Google.

Enjoy, mas pensem...

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 29 de setembro de 2020.


sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Se, nouvelle maniere, na era da globalizacao - Paulo Roberto de Almeida (d'apres Rudyard Kipling)

Se, "nouvelle manière"
ou as qualidades do homem na globalização


Paulo Roberto de Almeida  

Se você for capaz de manter o seu sangue frio quando os C-bonds
e todos os seus derivativos estiverem despencando nas bolsas de valores,
Se você for capaz de confiar num especulador de Wall Street,
mesmo sabendo que ele foi condenado por "insider trading",
Se você não temer se aventurar em joint ventures
com pessoas tão honestas quanto um capitalista russo,
Se for capaz de arriscar o seu, o meu, o nosso dinheiro
em novos negócios, tendo como sócios a turma do Casseta e Planeta,
Se você não se importar em manter um caixa dois e de mandar um grana pela conta CC5
quando os juízes, os policiais federais e a própria Receita estão correndo atrás de você…
Se você puder sonhar com algum monopólio de software
e conseguir escapar dos organismos antitrust da Europa e dos Estados Unidos,
Se você puder poluir à vontade algum país do Terceiro Mundo
e não precisar enfrentar regras nacionais e internacionais de controle ambiental,
Se puder pensar em alguma boa reserva de mercado garantindo exclusividade longeva
e puder implementá-la com a ajuda decisiva do Estado receptor do seu investimento,
Se você conseguir enfrentar as taxas de juros extorsivas dos banqueiros domésticos
com um empréstimo generoso, a taxa negativa, de algum banco estatal,
Se você lograr extrair uma isenção fiscal válida por 99 anos
e ainda assim obter participação estatal no capital da nova empresa…

Se você mantêm sua frota de superpetroleiros
com bandeira liberiana e mão-de-obra haitiana,
Se você conseguiu pegar o fundo de pensão das velhinhas aposentadas
e investiu todo o dinheiro delas no mercado de futuros da Coréia do Norte,
Se conversa sem restrições e ao mesmo tempo com gente do FED e da Via Campesina
assegurando a ambos que a solução está num capitalismo social de mercado (regulado),
Se você consegue vender um acordo de livre-comércio aos sindicatos de metalúrgicos
e ainda assim garantiu a eles que eles têm tudo a ganhar com a liberalização de mercados,
Se você conseguir apostar impassível na desvalorização do iene
com a mesma segurança com que se arrisca na valorização do peso argentino,
Se você aprecia, intelectualmente, as virtudes da Tobin Tax
mas sabe que, na prática, vai precisar mesmo de algumas infusões de hot money,
Se você pensa que a eliminação do risco-Brasil vai resultar em tributação mais baixa
e que a reforma da Justiça vai finalmente tirar do limbo aquele seu caso dos anos 1950…
Se você conseguir freqüentar com a mesma desenvoltura
os foros de Davos e de Porto Alegre, a OTAN e o movimento não-alinhado,
Se você quer moeda única, fundos de compensação e parlamento eleito pelo voto direto
e ainda assim pretender preservar a soberania e a autonomia nacionais,
Se você contentar a galera condenando publicamente as políticas de recessão do FMI
mas assegurar, por outro lado, a preservação, e até o aumento, do superávit primário,
Se você acha que está na hora de dar um basta ao ecologismo exagerado
e conseguir o apoio do Bush num programa de "emissões cientificamente controladas",
Se tem vacas milionárias, galinhas com conta em banco e porcos com piscina coberta
e garantir no Conselho Europeu que nada muda na Política Agrícola Comum,
Se você conseguir explorar crianças indianas e bengalis nas suas fábricas de juta
e assinar sem pestanejar manifestos pela cláusula social e petições de direitos humanos…
Se você fizer do superlucro uma virtude, da agiotagem uma prática respeitada
e da exploração de mão-de-obra feminina e infantil uma regra de vida,
Se você conseguir ganhar o título de empresário do ano e entrar no "Fortune 500"
mesmo praticando fraudes contábeis e comprando suas próprias ações incógnito,
Se puder falar ao mesmo tempo na Assembléia da UNE e numa reunião da TFP
relatando, sem ficar corado, que a vida inteira foi revolucionário (ou conservador),
Se concordar com os primeiros que um outro mundo é possível, uma outra América idem,
mas garantir sua felicidade terrena antes que turma do MST entre em campo,
Se puder aplicar sem pudor o neoliberalismo e as regras do Consenso de Washington
garantindo a todo mundo que está fazendo políticas sociais avançadas,
Então, meu caro amigo, meus parabéns de verdade, pois tudo na terra lhe pertence:
pois você conseguiu encarnar todas as promessas da globalização assimétrica!

Com o empréstimo involuntário (e sem pagamento de copyright) do modelo do poema "If", do imperialista britânico de um século atrás, Rudyard Kipling.

sábado, 5 de novembro de 2011

O fardo do mulato inzoneiro...(estamos precisando de um Kipling tropical...)

A propósito deste meu post: 

O Brasil no NYTimes: imperialismo regional?




um leitor habitual relembrou-me o famoso poema de Rudyard Kipling, sobre as agruras do homem branco, tentando trazer um pouco de civilização aos bárbaros que os imperialistas britânicos colonizavam nos cafundós da África e nos buracos sujos da Ásia.
Nada de errado em postar aqui o poema completo, nem que fosse pelas virtudes propriamente literárias, esquecendo completamente suas perversões colonialistas e imperialistas, suas ilusões civilizatórias e sua carga de horrores tropicais para almas sensíveis europeias.
Mas a carga do "mulato inzoneiro", como diz meu correspondente, nem de perto passará pelas "savage wars of peace", que os nossos bravos soldados não estão aí para isso, mas podem sim enfrentar "The blame of those ye better" e "The hate of those ye guard", que para isso servem os ressentimentos de todos os coitadinhos em face dos mais bem sucedidos.
Pode-se relembrar, também, que o título do poema de Kipling também foi usado por William Easterly em seu livro - The White Man's Burden -- sobre a inanidade da ajuda ocidental aos povos ditos subdesenvolvidos, com o dinheiro da assistência indo parar em bancos ocidentais e toda a corrupção pervertendo o processo de cooperação ao desenvolvimento.
Eu até diria que o Brasil segue o caminho, e o fardo, do Homem Branco, ao tentar fazer bondades no Terceiro Mundo, colocando dinheiro em diversos projetos de desenvolvimento que, na verdade, representam uma gota d'agua no oceano das necessidades, fazendo em certos países o que por vezes se deixa de fazer aqui dentro.
Paulo Roberto de Almeida 


Rudyard Kipling:
The White Man's Burden
(ca.1899).



"Take up the White Man's burden--
Send forth the best ye breed--
Go bind your sons to exile
To serve your captives' need;
To wait in heavy harness,
On fluttered folk and wild--
Your new-caught, sullen peoples,
Half-devil and half child.

"Take up the White Man's burden--
In patience to abide,
To veil the threat of terror
And check the show of pride;
By open speech and simple,
An hundred times made plain
To seek another's gain.

"Take up the White man's burden--
The savage wars of peace--
Fill full the mouth of Famine
And bid the sickness cease;
And when your goal is nearest
The end for others sought,
Watch sloth and heathen Folly
Bring all your hopes to nought.

"Take up the White man's burden--
No tawdry rule of kings,
But toil of serf and sweeper--
The tale of common things.
The ports ye shall not enter,
The road ye shall no tread,
Go mark then with your living,
And mark them with your dead.

"Take up the White Man's burden--
And reap his old reward:
The blame of those ye better,
The hate of those ye guard--
The cry of hosts ye humour
(Ah, slowly!) toward the light:--
'Why brought he us from bondage,
Our loved Egyptian night?'.

"Take up the White Man's burden--
Ye dare not stoop to less--
Nor call too loud on Freedom
To cloke your weariness;
By all ye cry or whisper,
By all ye leave or do,
The silent, sullen peoples
Shall weigh your gods and you.

"Take up the White Man's burden--
Have done with childish days--
The lightly proferred laurel,
The easy, ungrudged praise.
Comes now, to search your manhood
Through all thankless years
Cold, edged with dear-bought wisdom,
The judgment of your peers!"