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sexta-feira, 1 de julho de 2022

Richard Morse: um americano intranquilo - Fernando José Coscioni resenha livro de Ana Claudia Veiga de Castro

 Sem ter conhecido pessoalmente Richard Morse, quando organizei encontros e uma obra sobre a tribo brasilianista enquanto estive em Washington— publiquei O Brasil dos Brasilianistas, 1945-2000 —, pois que Morse vivia no Haiti, ainda assim estive na missa post-mortem organizada em sua homenagem na catedral da Catholic University of America, pouco depois de sua morte. O livro está disponível em minha página de Academia.edu.

Paulo Roberto de Almeida 



O HISTORIADOR GRINGO FISSURADO PELA PAULICÉIA 

Fernando José Coscioni

Livro esplêndido, especialmente para quem gosta de história intelectual com abordagens comparadas entre países distintos. Fala sobre a trajetória de Richard Morse (1922-2001), importante historiador norte-americano, especialista em América Latina, que lecionou por décadas em Yale. 

A autora, Ana Claudia Veiga de Castro (professora da USP), elucida, com enorme riqueza de detalhes e rigor primoroso de pesquisa, as condições de produção, as influências intelectuais e a recepção da obra "Da comunidade à metrópole: biografia de São Paulo", que foi publicada, com suporte do aparato cultural da prefeitura, por Morse em 1954, na ocasião das comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo. 

O livro do historiador americano, que é, na realidade, uma adaptação da sua tese de doutorado defendida na Universidade de Columbia em 1952, até hoje é considerado uma espécie de marco inaugural da historiografia urbana da maior cidade brasileira. 

Morse fez, posteriormente, algumas modificações pontuais na obra e, à luz de considerações sobre o desenvolvimento do debate envolvendo a questão da especificidade da urbanização latino-americana, republicou o trabalho em 1970, na famosa coleção "Corpo e Alma do Brasil", com o título de Formação Histórica de São Paulo: de comunidade a metrópole".  

O ponto mais rico da obra de Ana Claudia é a reconstrução das redes de sociabilidade e das influências de Morse. 

A autora enfatiza a relação do norte-americano com o paradigma de pesquisa "ecológico" da Escola de Chicago (especialmente com Robert Park e Louis Wirth), com a sensibilidade etnográfica de seu orientador, o antropólogo Frank Tannenbaum (latino-americanista de mão cheia e grande estudioso da história mexicana), com as discussões da teoria da modernização, que vinham da sociologia do início do século (Simmel e Tönnies principalmente) e da obra de Robert Redfield (debates que, como sabemos, estavam centrados na reflexão sobre o impacto "desorganizador" e "anômico" que a urbanização trazia, ao fragilizar os vínculos "comunitários" e impor a impessoalidade e a aceleração de uma ordem social baseada nas operações "matemáticas" impessoais de uma economia monetária), com a preocupação com a "cultura" urbana e a personalidade das cidades, problemática herdada dos estudos seminais do polímata Lewis Mumford, e, sobretudo, com o meio intelectual e artístico paulistano dos anos 1940 e 1950, especialmente a partir de seu contato com o grupo uspiano formado por Antonio Candido, Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes, e também com artistas modernistas e arquitetos. 

Morse construiu sua interpretação da evolução histórica paulistana a partir de uma preocupação com a delimitação do "ethos" que teria prevalecido na cidade nos momentos históricos que compreendem o período que vai do pós Independência política do Brasil até o meio do século XX. 

Para isso, em parte por influência de Antonio Candido (que falou em "momentos decisivos" e na "formação" da literatura brasileira), o historiador tomou como referência uma abordagem culturalista do desenvolvimento de São Paulo, que partia das análises das obras de Álvares de Azevedo e Mário de Andrade com o objetivo de enxergar nelas um retrato do "ethos" que teria marcado a cidade no início e no meio do século XIX, no caso de Azevedo, o "romântico", e no início do século XX, no caso de Andrade, o "modernista". 

Sem abrir mão da descrição dos aspectos sociais, econômicos e geográficos do desenvolvimento histórico da Paulicéia, Morse incorpora, segundo a autora, a oposição binária entre "romantismo" e "modernismo" como o principal polo organizador de sua leitura da evolução da metrópole. 

Um grande destaque dessa pesquisa é a maneira intrincada através da qual a autora articula uma série de movimentos da história intelectual brasileira e norte-americana com o contexto global do pós II Guerra, momento em que os EUA começavam a realizar, em grande medida por razões geopolíticas, uma série de investimentos em pesquisas acadêmicas e em redes de colaboração intelectual para compreender melhor a América Latina, dos quais o historiador se beneficiou amplamente para viabilizar a sua empreitada. 

A enorme região do continente americano exercia, nos anos 1940 e 1950, grande atração sobre jovens intelectuais como Morse, que queriam descobrir a "outra América", aquela não protestante, de matriz ibérica e católica, que gerou uma cultura híbrida e mestiça, e que, no entendimento do historiador, representava, à época, uma espécie de evidência da possibilidade de que haveria uma outra maneira de ser moderno, que combinasse modernidade e capitalismo com formas mais "flexíveis" de sociabilidade e de organização institucional que não fossem tão rígidas quanto as formas sociais modernas engendradas pelo desenvolvimento histórico dos países centrais (aqui, o historiador oferece claramente um contraponto à tese do déficit de modernidade do Brasil como um problema a ser superado, que marca a argumentação de Sérgio Buarque em "Raízes do Brasil"). 

Por fim, em meio a todo esse rico contexto histórico e intelectual de Brasil e EUA nas décadas de 1940 e 1950, São Paulo, no bojo do espírito de redescoberta do país e do lugar dos paulistas na história nacional, fomentado pelo modernismo (já não mais em sua fase pioneira, é verdade), vivia um período importantíssimo da sua história, caracterizado, entre outras coisas, pela sua consolidação definitiva como a cidade mais importante do Brasil, que culminou no febril ano de 1954, no qual ocorreram intensas comemorações do IV Centenário e foi inaugurado, junto com todo o complexo do Ibirapuera, o Monumento às Bandeiras, de Brecheret, que havia começado a ser construído décadas antes.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Cultura e história alemã serão assuntos no Goethe-Institut São Paulo em agosto (Estadão)

 Cultura e história alemã serão assuntos no Goethe-Institut São Paulo em agosto


CONTEÚDO ESTADÃO
da Redação

O Goethe-Institut São Paulo, órgão cultural do governo da Alemanha, oferecerá, a partir de agosto, uma imersão na história, nos costumes e na política alemã.

A instituição irá oferecer cursos especiais que vão abordar desde a biografia de irmãos muito conhecidos como Jacob e Wilhelm Grimm, Alexander e Wilhelm von Humboldt e Fanny e Felix Mendelssohn, passando pelo Romantismo, até a presença de partidos políticos alemães no Brasil, suas fundações e ideologias.

Além do ensino do idioma, o Goethe-Institut São Paulo oferece esses cursos especiais para pessoas que já têm conhecimento básico da língua, com uma proposta de unir o ensino do alemão com aspectos culturais e históricos da Alemanha.

Por causa da pandemia de covid-19, os cursos estão sendo ministrados em plataforma online. O instituto também oferece cursos de alemão direcionados a profissionais de direito, de saúde e tradutores, além dos preparatórios para exames de proficiência.

Para participar, basta entrar em contato com o Goethe-Institut para mais informações. Confira a programação.

CURSOS ESPECIAIS GOETHE-INSTITUT EM AGOSTO:

Resistência ao nacional-socialismo: biografias, cartas e diários dos combatentes da resistência

A história do Nacional-Socialismo a partir da perspectiva de grupos de resistência e pessoas que se opõem ao sistema e trabalhavam pela paz e justiça, como Sophie Scholl, Helmuth James Graf von Moltke e Dietrich Bonhoeffer.

Quando: De 5/8 a 10/8, das 18h45 às 22h

Biografias de irmãos - parte 1

As histórias de vida dos irmãos muitas vezes refletem a situação histórica de todo um século. A relação entre assuntos sociopolíticos e privados como um influenciado o outro mutuamente será analisada a partir de três biografias de diferentes épocas: Jacob e Wilhelm Grimm, Alexander e Wilhelm von Humboldt e Fanny e Felix Mendelssohn.

Quando: De 16/8 a 4/10, das 20h30 às 22h

A época do Romantismo e seus temas centrais

"Romântico": conceito este conceito compreende o sinistro, o fantástico, o assunto, trata das personagens aventureiras e apaixonadas. O Romantismo Negro, em particular, manifestou o fascínio por ocorrências estranhas e malignas. ETA Hoffmann, com as suas histórias de Sandmann e da Casa Vazia, é um exemplo paradigmático do narrador irônico e pouco confiável desta época. Neste curso texto explicativo e ocasionalmente adaptações cinematográficas e musicais para entender aspectos específicos da época do Romantismo.

Quando: De 26/8 a 9/12, das 18h45 às 20h15

Os partidos políticos alemães no Brasil - suas fundações e ideologias

Os partidos políticos alemães estão ativamente presentes no Brasil há muitos anos através de suas fundações, que oferecem bolsas de estudo e programas diferentes. Neste curso, vamos explorar as ideias e os políticos por trás dessas fundações. Um panorama compacto de 1950 até hoje, incluindo retratos dos três candidatos ao cargo de Chanceler Federal após 16 anos de Angela Merkel: Olaf Scholz, Armin Laschet e Annalena Baerbock.

Quando: 16/8 a 13/12, das 18h45 às 20h15

SERVIÇO:
Cursos especiais Goethe-Institut
Quando: a partir de agosto
Onde: Online pela plataforma Zoom
Contactos : cursos-saopaulo@goethe.de ou pelo telefone (11) 3296-7000, das 9h às 18h

(Com Agência Estado)

https://www.hnt.com.br/brasil/cultura-e-historia-alema-serao-assuntos-no-goethe-institut-sao-paulo-em-agosto/233525

sábado, 28 de novembro de 2020

Brasil-Japão: 125 anos do Tratado de Amizade: exposições e guias culturais da Japan House de SP

 

O importante Tratado de Amizade Brasil-Japão completa 125 anos em 2020 e, para marcar a integração da comunidade japonesa que imigrou para o Brasil, a Japan House São Paulo promove a ação “Caminhos Brasil | Japão” no dia 06/dez, domingo, a partir das 10h.

Com duração de cerca de 1h30, a caminhada contará com 6 diferentes percursos pela cidade de São Paulo que celebram os temas ArtesAtualidades, Cultura, Esportes,Gastronomia e Memórias Brasil e Japão


*O evento será transmitido ao vivo no site da JHSP e o público, de casa, poderá escolher qual caminho quer acompanhar de maneira online.
Conheça os personagens e os convidados de cada trajeto:

Rota Artes:

Mauro Sousa, filho do cartunista Mauricio de Sousa e diretor da Mauricio de Sousa Produções, será o personagem do trajeto Artes e será acompanhado pelos artistas ZezãoGabriel Ribeiro (Gabs) e Catarina Gushiken

Partindo do Pavilhão Japonês no Parque do Ibirapuera, passam pelo Monumento em Homenagem aos Pioneiros da Imigração Japonesa, local que representa a história da imigração, do começo com a agricultura e o café consolidando a grande parceria e amizade dos dois países, pelo Hotel Unique, com a exuberante arquitetura de Ruy Ohtake, com design incapaz de passar despercebido e pela Galeria Joh Mabe, onde serão recebidos por Yugo Mabe Junior e chegarão à JHSP 5,3km depois.

Rota Esportes:

O percurso esportivo tem início no Jardim Japonês localizado no Parque da Aclimação. Ao longo de 4,2 km, o nosso guia é Pedro Henrique Gonçalves da Silva, mais conhecido como Pepê Gonçalves, canoísta olímpico de slalom, um dos atletas de maior destaque do Brasil, classificado para representar o país nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Para conversar sobre a contribuição da imigração japonesa para o esporte brasileiro, juntam-se a Pepê o jornalista Marcelo Duarte e os atletas Fernando KurodaThais MakinoRogério Saito e Patricia Hamamoto. O trajeto em direção à JHSP passa pelo Instituto Fukuda, onde o grupo encontra Ricardo Fukuda, coordenador artístico da instituição, e a Associação Kumamoto Kenjin do Brasil, que promove a cultura da província de Kumamoto em nosso país.

Rota Atualidades:

O jornalista Ricardo Cruz é o personagem do trajeto Atualidades e encontra pelo caminho Rafael Gushiken, com quem conversa sobre diferentes temas atuais do Japão. Partindo do Fundação Mokiti Okada, onde conversam com o presidente da instituição, Marco Antonio Baptista Resende, e o especialista em cultura japonesa, Erisson Thompson. Em seguida, rumam para a Associação Hokkaido, passando pela Escola de Educação Infantil Multicultural Brasil Japão Mutsumi Youtien, que ensina japonês desde o berçário, e encontram as anfitriãs Saniy Onishi e Yuka Shimizu. Antes de alcançar a JHSP, eles realizam uma última parada na Associação Ishikawa-Ken, dedicada à promoção da cultura da província de Ishikawa, completando o percurso de 4 km.

Rota Gastronomia:

Em celebração à riqueza e à diversidade da gastronomia japonesa, este trajeto de 4,2 km é encabeçado por Telma Shiraishi, chef do restaurante Aizomê, e Hideki Uehara, fundador do GoHanGo e cozinheiro do Tamashii Ramen. Telma e Hideki iniciam o caminho na Rua Conde de Sarzedas – conhecida também como Rua dos Japoneses – como forma de celebrar o local que desde 1912, quando passou a ser ocupada por novos moradores vindos do Japão, significa esperança por dias melhores para os imigrantes. A primeira parada do trajeto será na Associação Okinawa Kenjin do Brasil e, de lá, Telma e Hideki seguem para a feira da Praça da Liberdade, onde conversam sobre a história da relação entre Brasil e Japão pelo ponto de vista das comidas e bebidas, sobre pastelarias, izakayas, mercados e restaurantes. Ao longo do caminho rumo à JHSP, eles encontram personalidades do universo gastrônomico, como Yoshi Higuchi, do izakaya Kintaro, Cesar Yukio, chef pâtissier e referência em confeitaria contemporânea japonesa, conhecida como Yogashi, e o chef e sumotori Taka Higuchi.

Rota Cultura:

Eric Klug, presidente da Japan House São Paulo, é o nosso guia no trajeto que celebra a contribuição cultural da imigração japonesa e os 129 anos da Avenida Paulista, principal corredor cultural da cidade de São Paulo. Ele inicia sua caminhada no Instituto Moreira Salles, onde é recebido pelo superintendente-executivo Marcelo Araújo, passando em seguida pelo Hotel Blue Tree, onde encontra a presidente do grupo, Chieko Aoki, e pelo Museu de Arte de São Paulo, o MASP. No caminho, Eric encontra Toshio Ichikawa, presidente do Kenren, a Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil, que o acompanha em parte do trajeto, em direção ao Centro Cultural Fiesp/Sesi. O caminho inclui ainda a escultura Tomie Ohtake, momento em que conversam com Akira Kusunoki, cônsul geral adjunto do Consulado Geral do Japão em São Paulo, além do Itaú Cultural e do SESC Avenida Paulista, onde encontram-se com Aurea Leszczynski Vieira Gonçalves, gerente de relações internacional da instituição. Eric passa ainda pela Casa das Rosas, antes de completar o percurso de 2,6 km até a JHSP.

Rota Memórias Brasil e Japão:

O nosso guia na caminhada de 3,7 km que tem início no bairro da Liberdade, berço da Imigração Japonesa no Brasil, é Claudio Kurita, diretor de operações, eventos e institucional da JHSP. Na Liberdade, Kurita parte da sede do Jornal Nikkey Shimbun, importante veículo de comunicação da comunidade nipo-brasileira. Ao longo de seis paradas, Kurita revisita suas memórias familiares e recebe como convidados Hayao HirataPedro Yuri Tani Souza e Seiko Tani. O caminho, então, continua pelo Largo da Pólvora, pelo Nikkey Palace, pela sede do Bunkyo (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social), onde o grupo é recebido por Renato Ishikawa, presidente da instituição, seguindo pelo Templo SotoZen, pelo Yamaguchi Kenjin e pelo Hiroshima Kenjinkai do Brasil, até a chegada à JHSP.

Ao todo, as 6 rotas somam 24 quilômetros de importantes histórias, memórias e celebrações, que permanecerão como legado para a cidade de São Paulo e disponíveis, posteriormente, para todos que tiverem interesse em percorrer os roteiros e aprender ainda mais sobre a centenária união nipo-brasileira. 

Quando: 06/dez, domingo, a partir de 10h
Onde: assista, ao vivo, aqui

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domingo, 3 de novembro de 2019

Perguntas em palestra na Liberty Conference - Paulo Roberto de Almeida


Perguntas em palestra na Liberty Conference


Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: responder a questões; finalidade: atender demandas da audiência]


Tendo sido convidado, pelo grupo liberal Students for Liberty, para fazer uma palestra sobre um tema escolhido por eles, que acolhi sem contestação, compareci, no último sábado 2 de novembro, ao local da conferência, onde deveria abrir um dos painéis. O tema era este: “Um diplomata liberal em face dos extremismos políticos”. Comecei por dizer que antes de ser liberal, e antes de ser diplomata, eu era um marxista, a coisa mais normal do mundo no ambiente de Guerra Fria e de estudos universitários no Brasil de meados dos anos 1960; depois fui evoluindo, com estudos, viagens, experiências, leituras, reflexões.
Numa breve introdução, para deixar mais tempo aos debates e perguntas e respostas, discorri, em primeiro lugar, sobre a distinção que caberia fazer entre políticas públicas, no plano interno, e posições diplomáticas do país no contexto internacional. O que vale no ambiente doméstico não necessariamente vale no plano da política externa. As posturas assumidas nesse âmbito devem ser avaliadas em sua dimensão própria, em função do interesse nacional, não porque sejam de direita ou de esquerda. Exemplifiquei com o caso da China, um país perfeitamente autocrático no plano interno, ainda que não mais totalitário como no passado, mas que não pretende impor a nenhum outro país seu modelo político, não pretende exportar autocracia, e cuja administração apenas pretende elevar o nível de bem-estar de seu povo, mediante comércio, investimentos, interações as mais diversas, enfim, ações perfeitamente compatíveis com o sistema multilateral de comércio, ainda que a China faça um uso malicioso de suas regras.
Como expliquei em seguida, apenas porque o tema sugerido da palestra prendia-se à minha condição pessoal, que eu era um antigo observador das posturas em política externa de todos os partidos políticos, e que desde muito antes da ascensão ao poder do PT eu já havia identificado perfeitamente as características específicas desse partido na configuração doutrinal dos partidos brasileiros: um típico partido esquerdista latino-americano, com todas as deformações que poderíamos esperar dessa tomada de posição: um terceiro-mundismo anacrônico, um anti-imperialismo infantil, um antiamericanismo démodé, receitas ultrapassadas em matéria de política econômica, enfim, o que se poderia esperar de um partido de esquerda congelado no tempo. Minha oposição à política externa do PT, e às suas políticas públicas em geral, que me valeram um longo período de ostracismo no Itamaraty, não derivaram em nada do fato de ser o PT um partido de esquerda, e sim o fato de que ele era inepto no plano administrativo e tremendamente corrupto, em contradição com sua mentirosa mensagem de campanha, na qual prometia “ética na política”.
Justamente, no plano externo, as opções do governo do PT no sentido de adotar o terceiro-mundismo anacrônico, o anti-imperialismo infantil, suas alianças ideológicas com países supostamente anti-hegemônicos e antiocidentais me pareciam ridículas e totalmente inconsistentes com os interesses nacionais do Brasil. Assim, em lugar de assumir a direção do programa de mestrado do Instituto Rio Branco, fiquei sem qualquer designação na Secretaria de Estado durante todo o longo período dos governos do PT, passando a maior parte do tempo na Biblioteca do Itamaraty. Numa fase inicial, até trabalhei para o governo, no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, embora nunca tivesse abandonado meu espírito crítico à muitas das propostas de políticas formuladas pelo PT e seus funcionários. Nunca hesitei em expressar minha opinião, dentro e fora do governo, dentro e fora do Itamaraty.’
Meu percurso do marxismo juvenil a um liberalismo bem temperado, no campo doutrinal, acompanhou a evolução de meus estudos, leituras e reflexões; no terreno da prática, fui observando todos os experimentos de políticas públicas, em todos os países que visitei ou nos quais vivi, sem qualquer catalogação primária do tipo esquerda-direita, apenas com a preocupação principal na eficácia do combate à pobreza. Deixei o registro dessa evolução em alguns textos que ainda se encontram disponíveis em meu blog Diplomatizzando, em especial nos textos “Sete Pecados da Esquerda” e “Contra a Anti-Globalização”, que resumem um pouco dessa experiência adquirida em viagens e estudos, com muita reflexão sobre as políticas mais eficazes, independentemente de sua coloração ideológica ou caráter mais privatista ou mercadista, ou estatal-dirigista.
Com isso encerrei a exposição inicial e dediquei-me a responder às primeiras perguntas, que tocaram nos temas mais esperados: antiglobalismo – que não hesitei em classificar como uma idiotice completa –, os desafios do Mercosul na sequência da derrota de Macri – que eu disse não ter muita relação com o futuro do bloco, e sim a inadimplência constante dos dois membros principais em cumprir os termos do Tratado de Assunção –, a questão da China – sempre presente em 100% das palestras e seminários que ocorrem desde vários anos – algumas questões que demandei que chegassem por escrito já antecipando que não teríamos tempo para responder a todas elas no tempo alocado para a palestra. De fato, recebe uma dúzia ou mais de questões que vou transcrever neste textos, sem que eu possa assegurar, neste momento, que terei tempo de responder a todas elas no tempo exíguo que me resta depois de uma extenuante jornada de palestras, conferências, encontros e conversas com algumas dezenas de colegas, amigos, estudantes, novos e velhos conhecidos de eventos similares a este a que assisti ou de que participei nos anos recentes. Tínhamos de interromper o nosso evento, uma vez que a mesma sala sediaria um outro encontro, e eu mesmo tinha de participar de um painel sobre o “Brasil no mundo”, mediado pelo professor de Relações Internacionais da USP, Leandro Piquet, com a participação da economista Sandra Polónio Rios e o deputado (e diplomata) Marcelo Calero.
Eu tinha tomado algumas notas preliminares para esse evento em forma de painel, como sempre faço, ainda que nunca leio o que escrevi, num hábito que apenas serve para organizar as ideias e deixar registro, justamente, desse tipo de evento, para o benefício daqueles que não podem estar presentes. As notas que fiz, imediatamente postadas em meu blog Diplomatizzando na madrugada anterior, receberam este registro:
3529. “Debate sobre o Brasil no mundo: questões de política externa”, São Paulo, 2 de novembro de 2019, 5 p. Notas para debate em conferência Liberty, São Paulo. Postado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/11/debate-sobre-o-brasil-no-mundo-politica.html).
Procedo agora à transcrição das perguntas manuscritas enviadas à mesa, retendo para mim eventuais endereços de correio eletrônico para envio posterior de minhas respostas, o que também vou fazer de forma genérica, postando minhas respostas e comentários adicionais no meu blog, para que todos possam acessar de forma independente.

1) Por que o discurso de Bolsonaro é tão atrativo?
2) Como e quando surgiu a atuação/pensamento Sul-Sul no Brasil e qual seria a inclinação diplomática no atual período?
3) O Brasil, como membro “extra-Otan”, faria o país ter algumas obrigações com a organização, como fazer parte de coalizões em guerra?
4) O Sr. acha que com uma possível abertura do mercado externo brasileiro irá (?) desgastar as ideias e sandices ditas por pessoas como o Felipe G. Martins, Ernesto Araújo, etc.?
5) Gostaria de saber se o Sr. vê o mundo político-discursivo em cinco ou dez anos como moderado; se o Sr. enxerga uma superação dos discursos e das políticas extremistas (principalmente na extrema-direita) que vemos no mundo de hoje.
6) Estou ajudando Relações Internacionais em uma faculdade de ideias majoritariamente coletivistas. Qual a sua perspectiva para a entrada de estudantes de RI, que defendem a liberdade na diplomacia do futuro?
7) Em minha universidade, os docentes têm uma visão desenvolvimentista nacionalista, inclusive muitos denominam-se anti-imperialistas. Segundo ele, o Brasil ser um país agroexportador é um erro, portanto devemos incentivar a nossa indústria, como no passado. É realmente necessário forçar nossa industrialização? Temos alguma vantagem diplomática graças à agroexportação?
8) Numa recente entrevista, Celso Amorim falou que não há nada errado com o empréstimo do BNDES dos governos petistas; queria que você comentasse sobre isso e se pudesse sobre a questão dos calotes.
9) O Sr. acha realmente necessária a “tortura” (?) de acordos bilaterais com outros países para estabelecer comércio? Se eu fosse o presidente, eu simplesmente abriria as portas do Brasil. Teria algum efeito negativo?
10) Conforme seu [meu] livro, como a inteligência da diplomacia brasileira se tornou miserável? E como isso pode ser revertido?

Todas perguntas altamente interessantes, como se vê, para cujas respostas eu vou pedir a leniência dos seus autores para responder nos próximos dias, dado o adiantado da hora nesta madrugada do domingo 3 de novembro e uma longa viagem de volta a Brasília, contando ainda com aula, banca de mestrado e outras obrigações acadêmicas e profissionais a partir desta segunda-feira 4/11/2019. Voltarei às questões tão pronto possível.
Grato pelo prestígio, pelo interesse, e pelas questões interessantes, que me permitirão aprofundar um pouco mais esses temas de interesse geral.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 2-3 novembro 2019.
Brasília, ??/11/2019