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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Venezuela: mortes infantis por fome se acentuam

Até quando a América Latina suportará esse espetáculo propriamente "africano" num país que já foi, outrora, o de maior renda per capita da região?
Até quando crianças morrerão de fome na Venezuela, na total indiferença dos países vizinhos?
Até quando teremos de assistir realidades brutais como essa, ao lado do Brasil?
Paulo Roberto de Almeida

Crise se agrava e crianças morrem de fome na Venezuela

O Estado de S. Paulo, 18/12/2017

 

 Nos últimos cinco meses, ‘New York Times’ visita 21 hospitais em 17 Estados e constata a falência do sistema de saúde venezuelano
CARACAS - O problema da fome assola a Venezuela há anos, mas agora a desnutrição está matando as crianças em ritmo alarmante. Por cinco meses, o New York Times acompanhou o cotidiano hospitais públicos venezuelanos e, segundo os médicos, o número de mortes por desnutrição é recorde.
Desde que a economia da Venezuela começou a ruir, em 2014, protestos por falta de comida se tornaram comuns. Também virou rotina ver soldados montando guarda diante de padarias e multidões enfurecidas saqueando mercados.
As mortes por desnutrição são o segredo mais bem guardado do governo de Nicolás Maduro. Nos últimos cinco meses, o New York Times entrevistou médicos de 21 hospitais em 17 Estados. Os profissionais descrevem salas de emergência cheias de crianças com desnutrição grave, um quadro que raramente viam antes da crise.
“As crianças chegam em condições muito graves de desnutrição”, disse o médico Huníades Urbina Medina, presidente da Sociedade Venezuelana de Pediatria. De acordo com ele, os médicos venezuelanos têm se deparado com casos de desnutrição semelhantes aos encontrados em campos de refugiados.
ara muitas famílias de baixa renda, a crise redesenhou completamente a paisagem social. Pais preocupados ficam dias sem comer, emagrecem e chegam a pesar quase o mesmo que seus filhos. Mulheres fazem fila em clínicas de esterilização para evitar bebês que não possam alimentar.
Jovens que deixam suas casas e se juntam a gangues de rua para vasculhar o lixo atrás de sobras carregam na pele cicatrizes de brigas de faca. Multidões de adultos avançam sobre o lixo de restaurantes após os estabelecimentos fecharem. Bebês morrem porque é difícil encontrar e pagar pela fórmula artificial que substitui leite materno, até mesmo nas salas de emergência.
“Às vezes, eles morrem de desidratação nos meus braços”, afirmou a médica Milagros Hernández, na sala de emergência de um hospital pediátrico na cidade de Barquisimeto. Ela diz que o aumento de pacientes desnutridos começou a ser notado no fim de 2016. “Em 2017, o aumento foi terrível. As crianças chegam com o mesmo peso e tamanho de um recém-nascido.”
Antes de a economia entrar em colapso, segundo os médicos, quase todos os casos de desnutrição registrados nos hospitais públicos eram ocasionados por negligência ou abusos por parte dos pais. Quando a crise se agravou, entre 2015 e 2016, o número de casos no principal centro de saúde infantil da capital venezuelana triplicou.
Nos últimos dois anos, a situação ficou ainda pior. Em muitos países, a desnutrição grave é causada por guerras, secas ou algum tipo de catástrofe, como um terremoto”, disse a médica Ingrid Soto de Sanabria, chefe do departamento de nutrição, crescimento e desenvolvimento do hospital. “Mas, na Venezuela, ela está diretamente relacionada à escassez de comida e à inflação.”
O governo venezuelano tem tentado encobrir a crise no setor de saúde por meio de um blecaute quase total das estatísticas, além de criar uma cultura que deixa os profissionais com medo de relatar problemas e mortes ocasionados por erros do governo.
As estatísticas, porém, são estarrecedoras. O relatório anual do Ministério da Saúde, de 2015, indica que a taxa de mortalidade de crianças com menos de 4 semanas aumentou em 100 vezes desde 2012, de 0,02% para pouco mais 2% - a mortalidade materna aumentou 5 vezes no mesmo período.
Por quase dois anos, o governo venezuelano não publicou nenhum boletim epidemiológico ou estatísticas relacionadas à mortalidade infantil. Em abril, porém, um link apareceu subitamente no site do Ministério da Saúde conduzindo os internautas a boletins secretos. Os documentos indicavam que 11.446 crianças com menos de 1 ano morreram em 2016 - um aumento de 30% em um ano.
Os dados ganharam manchetes nacionais e internacionais antes de o governo declarar que o site tinha sido hackeado. Em seguida, os relatórios foram retirados do ar. Antonieta Caporale, ministra da Saúde, foi demitida e a responsabilidade de monitorar os boletins foi passada aos militares. Nenhuma informação foi divulgada desde então.
Os médicos também são censurados nos hospitais e frequentemente alertados para não incluir desnutrição infantil nos registros. “Em alguns hospitais públicos, os diagnósticos clínicos de desnutrição foram proibidos”, afirmou Urbina.
No entanto, médicos entrevistados em 9 dos 21 hospitais investigados mantiveram ao menos algum tipo de registro. Eles constataram aproximadamente 2,8 mil casos de desnutrição somente no último ano - e crianças famintas regularmente sendo levadas para a emergência. Quase 400 delas morreram, segundo os pediatras. “Nunca na minha vida vi tantas crianças famintas”, afirmou a médica Livia Machado, pediatra que oferece consultas grátis em uma clínica particular.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Venezuela: um pais empobrecido e sem dinheiro - John Otis (The Guardian)


Cash crunch: how Venezuela inadvertently became a cashless economy

John Otis in Caracas

The Guardia, December 1, 2017


Venezuela's currency, the bolívar, is named after Simón Bolívar, the 19th-century hero revered across South America for leading the fight for independence from Spain. But the recent history of the banknote he inspired is far less glorious: low-value notes have been rendered practically worthless – and now Venezuela is running out of them.
The cash crunch is so acute that ATMs now provide a daily limit of 10,000 bolívars, enough to buy just a few cups of coffee. Black-market money changers charge commissions of up to 20% to score paper money for small business people who pay their workers in cash. Banks are running out of banknotes.
"Sometimes, bank tellers will only pay you half of your pension and suggest that you come back later for the rest," said Marta Milano, who was waiting in a long line outside a state-run bank in Caracas hoping to collect her pension.
Although many nations are moving away from paper money in favor of electronic payments – for convenience and to reduce street crime – critics contend that Venezuela is inadvertently turning into a cashless society thanks to economic blunders by President Nicolás Maduro's socialist government.
Out-of-control state spending, government currency controls and other policies have led to what many describe as hyperinflation, as well the collapse of the bolívar – which now trades at about 107,000 to the pound on the black market.
Now, there is not enough cash in circulation to keep up with soaring prices.
Jean Paul Leidenz, a senior economist at the Caracas thinktank Ecoanalítica, says there are about 13bn banknotes in circulation in Venezuela. But about half of these are 100-bolívar notes, each worth a small fraction of one penny.
The central bank has introduced higher-denomination bills, including a 100,000-bolívar note. But these new banknotes are printed in Europe and the government, which is dealing with falling production of oil – its main export – and massive foreign debt, lacks the money to import enough of them to meet demand.
"Prices are doubling around every two months. So at that rate of price increases you can't keep up with inflation even if you start importing bills," Leidenz says.
He and other analysts are calling for market reforms, including the lifting of government currency controls, to help combat inflation and boost national production amid Venezuela's worst economic crisis in modern history. But the Maduro government has made no effort to change tack.
President Maduro blames the cash shortage on private bankers who he claims are working in cahoots with President Juan Manuel Santos of neighbouring Colombia, who has criticized Maduro for cracking down on democratic freedoms.
Maduro insists that bankers are smuggling cash across the Venezuelan-Colombian border as part of an elaborate conspiracy to sabotage the economy and bring down his government.
"Juan Manuel Santos of Colombia along with the [border] mafias are leading this attack against Venezuela. They are stealing 50- and 100-bolívar banknotes to take them out of the country," Maduro said in a recent speech.
He did not, however, explain why smugglers would covet nearly worthless banknotes or why spiriting them out of the country would threaten the Venezuelan economy.
Instead, Maduro tried to paint the cash crisis as an opportunity for Venezuela to ditch cash altogether. He said that by next year, up to 95% of all payments in Venezuela should be done electronically.
That's already starting to happen, though critics point out that the transition stems from a dearth of cash rather than ahead-of-the-curve planning by the Maduro government. These days, Venezuelans pay for the smallest purchases – from a pack of gum to newspapers – with credit or debit cards.
At an outdoor produce market in Caracas, electrician Edinson Sua whipped out his debit card to pay for a few kilos of potatoes and carrots. He said he saves his scarce bolívar notes for bus fares and other transactions that require cash.
"I almost never use cash except in a real emergency," he says.
But paying with plastic creates new problems. The rising number of electronic transactions can cause internet connections for card readers to collapse. Empty shelves at supermarkets prompt many Venezuelans to seek out black-market vendors who sell milk, rice and other basic staples but accept only paper money.
What's more, about 40% of Venezuelans do not have bank accounts. For them the daily scramble for cash continues.

Venezuela: o que falta para decretar intervencao humanitaria?

Onde andaria o tal de R2P? Ou mesmo o RWP? Ou simplesmente um SOS mundo?


Metrô para por falta de luz e diabéticos morrem sem insulina na Venezuela

O Estado de S. Paulo, 1/12/2017

 

Em dia caótico, apagões interrompem partida de beisebol, escassez de combustível afeta transporte público, médicos reclamam de epidemia de malária e de surto de doenças já erradicadas; OMS reconhece que país vive crise humanitária
A Venezuela viveu ontem um dia caótico. Algumas estações do metrô de Caracas fecharam por falta de luz. Houve queda de energia em várias regiões. Em 17 Estados, a gasolina está no fim. Em Vargas, médicos anunciaram que 24 diabéticos morreram nos últimos quatro meses por falta de insulina. A Organização Mundial de Saúde (OMS) admitiu, pela primeira vez, que o país passa por uma crise humanitária.
“Nos últimos quatro meses, 24 pacientes diabéticos morreram em razão da falta de insulina e amputamos cinco pessoas em um mês.” A frase de Monica Conde, médica do Estado de Vargas, no norte da Venezuela, é um retrato da crise. “Alguns tipos de insulina até chegam às farmácias particulares, mas custam muito caro”, disse Monica ao jornal La Verdade de Vargas.
“No hospital, não temos como tratar os pacientes e estamos fazendo vaquinha para comprar alguns produtos básicos.”
Diante da escassez de remédios, a OMS admitiu ontem que há uma crise humanitária no país. Desde 2014, faltam pelo menos 100 remédios essenciais. Segundo a Federação Farmacêutica da Venezuela, 85% dos medicamentos necessários à população sumiram das farmácias. Quando se trata de doenças crônicas, como diabetes e câncer, a escassez é de 95%.
Doenças como a difteria, erradicada havia 24 anos, reapareceram, assim como a tuberculose e o sarampo. A Venezuela enfrenta uma epidemia de malária, com 200 mil casos até outubro, metade dos casos de todo o continente americano.
A desnutrição em crianças menores de 5 anos aumentou de 54%, em abril, para 68% em agosto. Segundo um estudo da ONG Cáritas da Venezuela, vinculada à Igreja Católica, 35,5% das crianças pobres do país, com idade de 0 a 5 anos, estão desnutridas. A mortalidade infantil na Venezuela aumentou 30,12% no ano passado, em relação a 2015, com 11.466 mortes de crianças de 0 a 1 ano.
Não foram apenas os alimentos e os remédios que desapareceram das prateleiras. A escassez de métodos contraceptivos e de preservativos causou um aumento drástico do número de doenças sexualmente transmissíveis, como gonorreia, sífilis e herpes, além de uma epidemia de abortos caseiros – o aborto na Venezuela é proibido, a não ser em casos de risco de vida para a mãe. Segundo ONGs, em 2015, foram 2.366 atendimentos médicos em decorrência de abortos improvisados. Em 2016, o número aumentou para 3.430.
Para os médicos, a escassez de métodos contraceptivos é a causa do aumento de casos de aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como gonorreia, sífilis e herpes. Este ano, mais de 6,5 mil pessoas contraíram o HIV na Venezuela. Em 2016, foram 5,6 mil. Em 2014, 3 mil.
A ginecologista do Hospital Universitário de Caracas, Vanessa Diaz, afirmou ao jornal Washington Post que o número de pacientes com outras DSTs também aumentou. “Dos pacientes que atendi, a cada dez, seis tinham alguma DST. Dois anos atrás, esse número não passava de dois”.
O caos na Venezuela começou a afetar também questões mais prosaicas – do fornecimento de gasolina à energia elétrica. Nos últimos três dias, estações de metrô de Caracas tiveram de ser fechadas por falta de luz. Os apagões são cada vez mais frequentes. Em Caracas, nos horários de pico, a interrupção das linhas de metrô por queda de energia costuma durar até duas horas. O principal jogo de beisebol da rodada de ontem, entre Magallanes e Águilas, disputado em Maracaibo, foi interrompido por mais de duas horas em razão de um blecaute na cidade.
Mesmo tendo as maiores reservas de petróleo do mundo, em várias regiões a gasolina está no fim. Dos 23 Estados da Venezuela, 17 enfrentam escassez de combustível. O problema reduziu a circulação de táxis e ônibus, afetando o transporte público em várias cidades do país.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Venezuela: a confusa situacao de sua divida externa (Financial Times)


EUA, Rússia e China fazem suas apostas na crise da Venezuela

John Paul Rathbone e Robin Wigglesworth | 
Financial Times, de Miami e Nova York
Valor Econômico, 23/11/2017

Na semana passada, a convite do presidente Nicolás Maduro, um grupo de credores internacionais esteve em Caracas para iniciar o que vem sendo classificado de a mais complicada reestruturação de dívida do mundo, além de uma das maiores e certamente uma das mais estranhas.
Ressaltando o contraste de uma economia amparada pelas maiores reservas de petróleo do mundo, mas à beira do colapso, o governo Maduro estendeu um tapete vermelho para seus convidados e posicionou uma guarda cerimonial.
A Venezuela busca uma solução que seja boa para todos, disse o vice-presidente, Tareck El Aissami, aos investidores. O país continuará pagando a sua dívida externa, de US$ 150 bilhões, assegurou, embora agências de classificação de risco estivessem emitindo alertas de calotes enquanto ele falava. O pronunciamento terminou meio hora depois. Os participantes saíram com presentes, como pacotes de café e chocolates finos, mas sem nenhum esclarecimento. O governo declarou a reunião um sucesso.
"Estamos todos tentando descobrir se há um método nessa loucura da Venezuela", diz Peter West da consultoria EM Funding. "Se você estiver um pouco confuso... não se sinta mal", acrescentou Russ Dallen da Caracas Capital, um especialista na dívida da Venezuela.
A confusão deriva, em parte, da complexidade das obrigações da Venezuela, que foram emitidas por várias entidades, com várias cláusulas legais, para múltiplas partes. O país deve US$ 64 bilhões a detentores de bônus, mais de US$ 20 bilhões aos aliados China e Rússia, US$ 5 bilhões a credores multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e dezenas de bilhões a importadores e firmas de serviços que mantêm a crucial indústria do petróleo funcionando e o regime respirando.
As incertezas resultam da noção de que a Venezuela embarcou num "plano de reestruturação" clássico. Caracas não está iniciando um exercício de reescalonamento da dívida, sustentabilidade e outras medidas que geralmente marcam uma renegociação. Em vez disso, o país começou um jogo de pôquer sem limite de apostas.
Com exceção dos detentores de bônus, para outras cinco partes interessadas- governo, oposição, EUA, Rússia e China - o prêmio vai muito além do dinheiro. Está em jogo a sobrevivência política de um governo, o destino de 30 milhões de cidadãos venezuelanos e os interesses geopolíticos conflitantes de três superpotências.
"É um jogo complexo com muitos jogadores, e que poderá ter um resultado ruim", diz Robert Kahn, ex-funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI) e veterano de outras crises de dívidas soberanas. "Além disso, muitos dos jogadores não conhecem nem entendem as motivações dos demais."
O governo Maduro quer apenas sobreviver. Ele teme que os detentores de bônus, que querem apenas ser pagos, possam confiscar suas cargas de petróleo no caso de um default, tirando de Caracas a sua única fonte de receitas. Entre as superpotências, Washington quer abreviar um regime envolvido com o tráfico de drogas, que possui reservas de petróleo avaliadas em US$ 15 trilhões e distante só três horas de avião dos EUA.
Moscou tenta transformar Caracas numa base avançada nas Américas. Os interesses da China são mais comerciais: por ter emprestado a Caracas mais de US$ 60 bilhões na última década, Pequim quer manter acesso às enormes reservas de energia da Venezuela.
Contribuindo para a complexidade estão as regras - ou ausência delas. Todos os bônus da Venezuela no mercado externo estão submetidos às leis de Nova York. Mas a presença da Rússia e da China no jogo é um complicador a mais numa reestruturação que será, ao menos parcialmente, conduzida fora do FMI ou do Clube de Paris.
Depois, há o fato de os dois venezuelanos encarregados de conduzir o processo, El Aissami e Simon Zerpa, o ministro de Economia, serem alvos de sanções dos EUA acusados de tráfico de drogas e de casos de abusos dos direitos humanos. A nomeação dos dois indica que Caracas se imagina operando num universo legal paralelo - como demonstra o jogo de pôquer que se desenrola.
Uma das poucas coisas que estão claras nesse exercício de blefes é que a Venezuela não pode mais arcar com sua dívida. Há dez anos, em meio ao boom dos preços das commodities, a Venezuela recebeu de um fluxo extraordinário de petrodólares estimado em US$ 1 trilhão. Com ajuda de Wall Street, Caracas emitiu mais de US$ 50 bilhões em bônus. Junto com o dinheiro dos chineses e outros empréstimos, isso quadruplicou a dívida externa. Grande parte do dinheiro se perdeu ou foi roubado - até US$ 300 bilhões, segundo ex-ministros. Agora, Caracas está sem recursos.
As reservas internacionais estão abaixo de US$ 10 bilhões, perto do menor patamar em 20 anos. As importações caíram 85% em cinco anos, algo muito pior que o mais austero dos programas do FMI. No mercado paralelo, a taxa de câmbio está 7.000 vezes acima da taxa oficial, e a produção média diária de petróleo - a única fonte de divisas estrangeiras - encolheu 20% em relação ao ano passado.
Além disso, a Venezuela sofre com a hiperinflação, com os preços subindo mais de 50% só no mês passado. Nenhuma economia consegue sobreviver à hiperinflação por muito tempo. Com o calote da dívida à vista, mudanças podem estar chegando para a Venezuela.
Certamente é isso que a oposição espera. Embora abalada e dividida, ela é uma carta potencialmente forte nesse jogo. Sanções impedem instituições dos EUA de negociar emissões da dívida refinanciada da Venezuela, o que efetivamente torna impossível uma reestruturação. A única exceção é se a dívida for autorizada pela Assembleia Nacional, controlada pela oposição.
Em tese, isso abre a possibilidade de uma barganha política que poderia resultar numa mudança mais profunda. A oposição poderia aprovar um refinanciamento da dívida. Em troca, o governo permitiria eleições presidenciais livres, justas e monitoradas internacionalmente no ano que vem.
Se o governo está preocupado, até agora não deu muitos sinais disso. Além disso, Maduro tem bons motivos para achar que pode blefar com os EUA, com a oposição e com os detentores de bônus.
Aconselhado pela inteligência cubana, que por sua vez foi instruída pelos soviéticos, Maduro exerce um domínio "orwelliano" sobre o país. À parte a Assembleia Nacional, todas as demais instituições estão o sob seu controle - incluindo a Suprema Corte, a imprensa, a autoridade eleitoral e os militares.
Há escassez de alimentos - e grande parte do que está disponível é distribuído por meio de um programa estatal subsidiado, que Maduro pode usar para coagir o apoio público. A oposição está exausta depois que as manifestações em massa deste ano não produziram mudanças, apesar dos mais de 100 mortes. Começa até mesmo a surgir uma "oposição fiel", cooptada pelo governo.
"Tudo isso deixar o presidente Nicolás Maduro numa posição confortável" e também "reduz significativamente as chances de uma mudança de regime", escreveu Risa Grais-Targow, da consultoria de risco Eurasia.
Deve ser por isso que Maduro iniciou as discussões sobre a dívida em primeiro lugar. Mesmo um calote não seria necessariamente o fim. Ele poderia usar os US$ 9 bilhões previstos de serviço da dívida em 2018 para dobrar a importação, aumentando assim suas chances na eleição do ano que vem. Enquanto isso, seus advogados trabalhariam para rebater as queixas dos investidores nos tribunais.
"O governo jamais irá negociar se não achar que essa será a sua melhor operação", diz um analista a par da situação. "E esse momento ainda não chegou."
Apesar da escassez de divisas, Caracas continua pagando os credores privados, ainda que de maneira irregular, graças à generosidade de Moscou e Pequim.
Na semana passada, a Rússia reestruturou sua dívida bilateral de US$ 3,5 bilhões com a Venezuela, liberando recursos para Caracas pagar outros credores. A China, embora relute em aumentar sua exposição de cerca de US$ 20 bilhões à Venezuela, também parece preferir o status quo político.
"A Venezuela é um atoleiro para a China", diz Margaret Myers, uma especialista em China do instituto Inter-American Dialogue, de Washington. "Mas a sensação geral é que Pequim vai desembolsar outros US$ 4 bilhões ou coisa parecida para a Venezuela neste ano, por meio do fundo estabelecido em joint-venture pelos dois países. Mas a China não irá além disso."
Este promete ser um jogo de pôquer exaustivo. Mas haverá um ajuste de contas. A hiperinflação venezuelana e a contínua queda na produção de petróleo serão responsáveis por isso. Nem Moscou, nem Pequim continuarão reestruturando a dívida da Venezuela indefinidamente enquanto investidores em bônus continuam sendo pagos. Quando esse momento chegar, os outros jogadores terão de arriscar tudo, ou ceder.
Os EUA poderão ser os primeiros a subir a aposta. O país poderá ampliar a proibição de viagens e o congelamento de ativos de autoridades venezuelanas. Também poderá emitir sanções secundárias contra companhias de petróleo russas e bancos chineses que negociam com a Venezuela, assim como tem feito com empresas que têm negócios com a Coreia do Norte. A maior sanção de Washington seria a "opção nuclear" de proibir a importação de 600 mil barris de petróleo/dia da Venezuela.
Quanto aos detentores de bônus, em algum momento eles terão de decidir se vão esperar para receber propostas de reestruturação do governo da Venezuela ou elaborar suas próprias propostas.
Em caso extremo, isso significaria o confisco de cargas de petróleo. Se essa estratégia for bem-sucedida, Maduro enfrentaria uma escolha difícil. Ele poderia desistir e fugir para o exílio em Cuba - uma saída já sugerida a Havana por diplomatas latino-americanos. Ou, ele poderia resistir e reprimir uma instabilidade social crescente. O papel dos militares seria então crucial: eles continuam leais a Maduro, mas isso pode não durar para sempre - como mostrou o Zimbábue recentemente.
As apostas foram feitas. O jogo será difícil, mas os retornos são potencialmente altos. Isso se aplica especialmente àqueles investidores dispostos a suportar uma batalha como a que produziu lucros descomunais para vários "fundos abutre" que compraram títulos da dívida da Argentina na reestruturação de US$ 100 bilhões em bônus do país, e então entraram com processos buscando o reembolso integral ao preço nominal.
"No fim, eles vão ganhar mais dinheiro na Venezuela do que ganharam na Argentina", diz Hans Humes, presidente da Greylock Capital, que está formando uma comissão de investidores. As consequências geopolíticas e humanitárias deverão ser ainda maiores. 

(Tradução de Mario Zamarian)


quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Venezuela: o povo morre de fome; governo nao importa alimentos do Brasil (FSP)


Agronegócio brasileiro sofre com crise na Venezuela

Mauro Zafalon

Folha de S. Paulo,  21/09/2017  02h00

 

As relações comerciais entre Brasil e Venezuela estão virando pó. Tradicionais exportadores de produtos agropecuários para os venezuelanos, os brasileiros conseguiram receitas de apenas US$ 176 milhões com as exportações de janeiro a agosto deste ano para o país vizinho.
Há três anos, o valor das exportações era de US$ 2,9 bilhões nesse mesmo período, conforme dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior).
Responsáveis por 4% das receitas das exportações brasileiras do setor de agronegócio em 2014, os venezuelanos agora representam apenas 0,4%.
As estimativas econômicas indicam que as coisas vão piorar ainda mais para a Venezuela. Com isso, o setor de agronegócio brasileiro perde um mercado até então bastante rentável.
O país vizinho não tem mais fôlego para importações até de alimentos devido à grave crise econômica.
A atividade econômica deverá recuar 7% neste ano, com a inflação podendo superar 700%. O problema é que o país registra recuo do PIB há quatro anos, e a tendência é de continuidade da queda no próximo.
Sem renda e sem emprego, os venezuelanos devem conviver com uma inflação ainda maior no próximo ano.
Essa grave situação econômica prejudica o agronegócio brasileiro. Um dos setores mais afetados é o da exportação de gado em pé.
Em 2014, as receitas do Brasil com as exportações de animais vivos para a Venezuela somaram US$ 568 milhões. Neste ano, está em apenas US$ 2,9 milhões.
As carnes ainda são os principais produtos comprados pelos venezuelanas no país, mas em um patamar bem inferior ao dos anos recentes.
Neste ano, os gastos da Venezuela com compra de carnes caíram para US$ 53 milhões até agosto, bem abaixo do US$ 1,4 bilhão de igual período de 2014.
Sem reservas, a Venezuela também reduziu drasticamente as compras de açúcar, de leite e de cereais do Brasil.
O volume importado de cereais pela Venezuela caiu para apenas 42 mil toneladas neste ano, bem abaixo das 282 mil de três anos atrás.

domingo, 17 de setembro de 2017

Venezuela: sancoes financeiras americanas devem abalar o regime chavista - Lourival Sant'Anna

Agora vai? Talvez, mas com novos sofrimentos da população.

Sanções à Venezuela

Sanções implementadas pelos EUA serão eficazes para estrangular economia do país

Lourival Sant'Anna, 
 O Estado de S.Paulo, 17 Setembro 2017
Representantes do governo e da oposição da Venezuela se reuniram quarta e quinta-feira em Santo Domingo, para explorar a possibilidade de negociação. Um novo encontro foi marcado para o dia 27, também na capital dominicana. Deverão participar também México, Chile, Bolívia e Nicarágua – dois países críticos ao regime chavista e dois aliados, respectivamente.
Nos últimos dois anos, houve muitas reuniões com esse propósito, sem resultado. Desta vez pode ser diferente, como sugere o próprio formato da negociação, fora da Venezuela, com robusta intermediação internacional e a participação de dirigentes importantes de ambos os lados.
Chavistas fazem protestos em Caracas com cartazes ironizando os opositores Henry Ramos Allup e Lilian Tintori, chamados de
Chavistas fazem protestos em Caracas com cartazes ironizando os opositores Henry Ramos Allup e Lilian Tintori, chamados de 'vende pátria' Foto: EFE/MIGUEL GUTIÉRREZ
As sanções financeiras impostas pelo governo americano dia 25 começam a surtir efeito. Nenhum banco relevante quer transacionar com a Venezuela e com isso correr o risco de não poder mais ter negócios com os EUA.
 
Como o próprio presidente Nicolás Maduro se queixou, a Venezuela tem dinheiro depositado em bancos, mas não consegue sacá-lo para importar alimentos e remédios. Isso, num quadro já de brutal escassez de produtos básicos. Ao cobrir a eleição para a Assembleia Constituinte em 31 de julho, analistas me disseram que o que faria diferença seriam não sanções comerciais sobre a venda de petróleo, mas sanções financeiras como as que foram aplicadas. Embora os EUA sejam o maior comprador de petróleo da Venezuela, ela teria condições de reorientar suas vendas para outros compradores. Perderia receita, mas não ficaria tão asfixiada. Já com sanções financeiras, não há o que fazer. Não adianta vender, porque não recebe o pagamento; não adianta ter dinheiro, porque não consegue comprar. 
O Irã viveu esse drama entre 2008 e 2015, quando sanções financeiras e também medidas para monitorar os cargueiros iranianos causaram o estrangulamento de sua economia. Houve inflação e perda de poder aquisitivo da população. A teocracia iraniana se sentiu abalada a ponto de permitir a eleição do conservador moderado Hassan Rohani, em 2013. A retórica provocativa de Mahmoud Ahmadinejad deu lugar à atitude serena e pragmática de Rohani, educado em Glasgow, possibilitando o acordo nuclear de 2015. 
As eleições no Irã são controladas pelo líder espiritual Ali Khamenei, desde a seleção dos candidatos até a contagem dos votos, como ficou claro na fraude de 2009 que garantiu a reeleição de Ahmadinejad. Rohani foi reeleito este ano por ampla margem, derrotando o nacionalista Ebrahim Raisi, que poderia colocar em risco o acordo. Sua maior ameaça hoje é Donald Trump, que o denunciou durante a campanha como um “péssimo acordo”, mas até agora não moveu uma palha para rasgá-lo, apesar das pressões de Israel nesse sentido.
Há diferenças entre as situações do Irã e da Venezuela. O conflito venezuelano é interno. O programa nuclear iraniano tem um caráter não só de governo, mas de Estado. E chegou a unir uma parte da população em seu favor, embora houvesse críticas tanto na opinião pública quanto no interior do regime contra a retórica abrasiva de Ahmadinejad, que atraía as preocupações internacionais e com isso punha em risco o próprio programa. 



A perda de qualidade de vida causada pelas sanções mudou o humor dos iranianos com relação ao sonho nuclear, tornado pesadelo. Na Venezuela, a população já estava sofrendo antes das sanções, com desabastecimento e hiperinflação, além da truculência do regime. E os chavistas já haviam posto em prática uma estratégia bem-sucedida de permanência no poder, garantindo o apoio dos generais, que lucram com a distribuição dos produtos. Agora a situação vai se deteriorar na Venezuela, empurrando para um limite a capacidade até mesmo das forças de segurança de conter a insatisfação da população e de setores do próprio regime.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Venezuela: aumenta o numero de refugiados economicos na Colombia

E o Brasil estaria preparado para administrar eventuais levas de refugiados econômicos venezuelanos -- e possivelmente de uma não descartada guerra civil -- em sua fronteira norte, em Roraima?


Colômbia cogita criar campos de refugiados para venezuelanos

Governo se inspira na Turquia; até 30 mil já cruzariam fronteira por dia
POR JANAÍNA FIGUEIREDO, CORRESPONDENTE

O Globo, 29/08/2017


BUENOS AIRES — Entre Colômbia e Venezuela existem sete postos de fronteira oficiais e cerca de 512 passagens informais, cada vez mais utilizadas por venezuelanos que decidem abandonar seu país em busca de melhor qualidade de vida e fuga da repressão em terras colombianas. Nas últimas semanas, desde que o governo do presidente Nicolás Maduro instalou sua polêmica e questionada Assembleia Nacional Constituinte (ANC), a emigração para a Colômbia intensificou-se de forma expressiva e atualmente, segundo ONGs e dirigentes políticos colombianos, chega a até 30 mil pessoas por dia.
BUENOS AIRES — Entre Colômbia e Venezuela existem sete postos de fronteira oficiais e cerca de 512 passagens informais, cada vez mais utilizadas por venezuelanos que decidem abandonar seu país em busca de melhor qualidade de vida e fuga da repressão em terras colombianas. Nas últimas semanas, desde que o governo do presidente Nicolás Maduro instalou sua polêmica e questionada Assembleia Nacional Constituinte (ANC), a emigração para a Colômbia intensificou-se de forma expressiva e atualmente, segundo ONGs e dirigentes políticos colombianos, chega a até 30 mil pessoas por dia.
Em muitos casos, famílias inteiras entram na Colômbia com pouquíssimos recursos e acabam dormindo nas ruas e praças. A situação é delicada e o governo de Juan Manuel Santos já cogita, publicamente, criar campos de refugiados, inspirados na experiência da Turquia com os sírios. Um dos que mencionaram esta possibilidade foi o conselheiro de Segurança da Presidência, Juan Carlos Restrepo, que esteve este ano na Turquia visitando os locais. Em entrevista ao site “El Colombiano”, Restrepo afirmou que seu governo está “preparados para abordar essa opção, como última alternativa”.
O cenário ainda não é visto como tão dramático por Jozef Merkx, representante na Colômbia do Alto Comissionado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Ao GLOBO, Merkx assegurou que “não é momento de falar em campos de refugiados”.
— Não vemos essa necessidade. Monitoramos as fronteiras e não observamos uma avalanche de venezuelanos. Em muitos casos, as pessoas compram coisas na Colômbia e voltam ao seu país. Acreditamos que existem outras maneiras de ajudar, e o governo Santos está lidando muito bem com a situação.
Mas nem todos são tão cautelosos como Merkx. De acordo com a Associação de Venezuelanos na Colômbia, atualmente cerca de 1,5 milhão de cidadãos venezuelanos vivem no país. A grande maioria, disse o presidente da associação, Daniel Pages, chegou nos últimos anos. Os compatriotas que a cada dia atravessam a fronteira poderiam superar 30 mil, segundo ele.
— Antes, emigrávamos para melhorar a qualidade de vida. Hoje, emigramos para comer e sentir-nos seguros. Falar num campo de refugiados é uma necessidade, porque os venezuelanos estão espalhados por todos os lados — diz, relatando que há famílias de quatro pessoas que migram com US$ 30 no bolso: — As pessoas estão morando nas ruas, praças e rodoviárias. É muito triste e só vai piorar.

A mesma posição foi defendida pelo senador Jorge Hernando Pedraza Gutiérrez, do Partido Conservador:
— Temos de conscientizar a comunidade internacional sobre este drama, porque a Colômbia não tem recursos para financiar os programas que serão necessários, em matéria de saúde, educação e moradia.
O governo Santos já autorizou os venezuelanos detentores da Permissão Especial de Permanência (PEP, de 90 dias, prorrogáveis por até dois anos) a terem acesso ao sistema nacional de Saúde. Mas, de acordo com Pedraza Gutiérrez, são necessários planos mais abrangentes que considerem mercado de trabalho e segurança.
ESPERANÇA TROCA DE LADO
Muitos venezuelanos que emigram à Colômbia são filhos e netos de colombianos. Calcula-se que, entre as décadas de 1970 e 1980, em torno de cinco milhões de colombianos tenham migrado à Venezuela, na época um país mais estável economicamente, favorecido pelos altos preços do petróleo. Já a Colômbia enfrentava uma guerra interna sangrenta e gravíssimos problemas de segurança. Hoje, os papéis se inverteram, e a esperança de um futuro melhor está do lado colombiano.
Embora os campos de refugiados sejam “a última opção” do governo Santos, já estão sobre a mesa. A tensão bilateral é cada vez maior e, nos últimos dias, elevou-se pela denúncia da Colômbia sobre a presença de agentes da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) em seu território, durante recentes exercícios militares venezuelanos.